domingo, 16 de abril de 2017

Honoré DuCasse (Poemas Escolhidos)


SOL PARDACENTO...

Sol pardacento, que te espreitas incerto
Olhar funesto, sem se dizer
Escondido, encoberto
Por não se querer nascer

RETALHOS DA VIDA DE UM POETA....

Retalhos da vida de um poeta
Que das folhas se esvaíram letras
Que de amores se perdeu
Nos poemas que te leu

SUAVES BEIJOS INTENSOS...

Suaves beijos intensos
Da tua boca me saem
Leves como o vento
Que das nuvens se vão
De amor nas flores bordado
Na lágrima te sinto salgada
Que do mar te trouxeste
A sede me bebeste

NA TUA BOCA DE CETIM...

Deixa-me fazer-te um verso em alecrim
na tua boca de cetim,
deixa-me fazê-lo só para ti,
ainda que me esqueça de mim....

O SOL DEIXA-SE CAIR....

O sol deixa-se cair no horizonte 
espreita do seu beiral
enquanto se desenha longínquo nos telhados
pintando silhuetas no olhar 
com que se despede beijando a noite 
sem nunca a ter visto...

INSANO PENSAMENTO...

Este verde que me fala de alma sofrida
Do sal te bebo, insano pensamento
Me faz partir de mim
Oh!!.. mar, levai-me
Sem que as ondas me vejam
Longe das pegadas de tristeza
Que na areia se ficaram

...HORIZONTES DE SAL...

Vislumbro horizontes de sal
Esbatidos pelo mar
Silenciados de prata
Beijados pelo ar
Pintados de céu
Da cor do teu olhar
Bebo-te assim no meu corpo
Sabes a mar
No gosto que me fica
Depois de te amar

OS LOUCOS NAVEGAM INSANOS....

Os loucos navegam insanos,
partindo-se sem saber,
sem volta que os carregue,
sem estrela que os protege,
mas partem assim mesmo,
sem nada dizer,
talvez por se saber,
que jamais voltam a ser...

SOMBRAS SEM VIDA

Choro-te,
sem que percebas
que definhei naquela sombra lânguida
que morreu para lá dos ciprestes,
oca,
sem o teu sussurro ter

MEIA LUA

Meia lua incompleta
A noite ergue-se, profusa
Deambulo uma candeia
O corpo suporta-me 
na tua ausência, meia maré
Sonho-te sem rosto
desde que és, 
Arrasto o passo, beijo-te a sombra
Abandono-me ao ermitério
E aos dias gastos

GRITO PROFUSO

À força do nome
Ergue-se o grito profuso
Da dor já morta
Um corpo em chamas
Clama pela chuva que não chega
Enquanto a talha corrói os dias lentos
E na carne se soltam os opróbrios
De uma vida que já não ouve

AGUACEIRO

Não fosse o tempo
Abrigar-se
Em aguaceiro destemido
Nunca a prosa
Me choveria nos tristes
Dedos,
Nem o céu teria
A cor
Do que sinto

A NOITE

Tudo passa,
O amor,
O poema
O futuro,
A noite,
E a paixão de uma vida escassa
Tudo passa em sombras
Quando o tempo se esquece
Até o céu
E a lua
E as minhas lágrimas no teu rosto
O beijo à meia luz
Sem ti,
Tantas vezes morri
No meu desgosto

POENTE

Adoro a música em ti
que as nuvens fazem ao entardecer
Escrevem paisagens de lume
Nos teus cabelos a poente

Enquanto o olhar anoitece
Deixas-me um sorriso por promessa
E o sentir que os dias gastos
escrevem a tua idade
quando já nem no tempo
te pertenço

NA INTIMIDADE DE UM POEMA

Na intimidade de um poema
Desnudo-te a voz e os
Abraços inconfessáveis

Na intimidade de um poema
Cabem todas as palavras mudas,
Os olhares cegos
E as madrugadas de uma vida

Na intimidade de um poema
Escreve-se a noite
E o beijo demorado,
O olhar nu
E o verso involuntário
Dos amantes que rimam

MEMÓRIA DISTANTE

Quando a minha existência
for apenas uma memória distante
verás que, para além do poema,
nada mais subsiste
que a dor imensa de o ter escrito

RUAS AUSENTES

O teu amor tem a finitude
De um beijo
E das ruas sem nome
A tua ausência é um cais que parte
Nas primeiras chuvas de outono
O que me consome não é a saudade
Mas, sim,
os poemas que te procuram

EPÍLOGO

Sou uma manhã que se arrepende
Sempre que a aurora toma a forma do medo
E da janela do meu tempo se escondem
dois olhos em súplica
Como se fossem o epílogo anunciado
De uma alma que não lhes pertence

AMARRAS

Não me falta o anoitecer
Porque o amanhecer já não me espera
Deixei de acontecer
Porque as manhãs me pesam
Restam-me as escarpas por promessa
E a covardia das amarras
Que não desatam

Já não sei quem sou
Nem de que poema me faço
Morri no tempo
Porque o tempo também me morreu
Estou cansado de estar cansado

Nem sei se gritei ou se rasguei a página
Se declamo ou se parto
Porque este poema
Se um dia for lido
É porque estarei fora do tempo,
Esquecido
Deixado aos livros

OUTONO

Que sabes tu, Outono
Dos rios que choram
E da chuva que dói?

Que sabes tu, Outono
Do choupo desnudo
Quando o vento acontece?

Que sabes tu, Outono
Da folha que tomba
E da morte que nos enternece?

CRAVOS FLAMEJANTES

Gostava de poder imprimir
Os sonhos que se evadem
Ao ritmo da chuva
E das pedras seculares

Cultivo a dissidência da vida
Com a força de um poema
Na boca trago os cravos flamejantes
De uma aventura com o teu nome,
Por mote

POEMA QUE SENTE

Prefiro o voo das aves
À indiferença da palavra
Prefiro a insanidade
À distância que dói
Prefiro a cicatriz que lembra
À memória que fere
Prefiro o abraço que demora
Ao beijo que foge
Prefiro o poema que sente
Ao verso sem voz
Prefiro o suicídio no poema
Ao sonho que acorda

DEDOS TRÊMULOS

Por entre dedos trêmulos
Que te olham
Só um poema te deixa na boca,
o que sinto

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