(recolhi este texto do facebook, intitulado “Vivendo na Baixada”, mas não consegui localizar o nome do/a autor/a para lhe dar o devido crédito)
Ela estava deitada quieta na beira da calçada, sua cabeça gentilmente assentada no concreto frio, seus olhos meio fechados, como se o sono tivesse finalmente alcançado com ela.
Mas ela não dormiu. A verdade era muito mais cruel - ela estava exausta de tentar sobreviver por muito tempo.
Seu pequeno corpo, embora marcado por belos pontos pretos, alaranjados e brancos, não podia mais esconder a extensão de seu sofrimento.
Cada carro que passava fazia o chão ao lado dela tremer – mas ela não se movia.
Ela compreendeu há muito tempo que o mundo não fica parado para gatos como ela.
As pessoas passavam, davam-lhe um vislumbre e continuavam o seu caminho.
Para ela era apenas mais um gato de rua - mais uma sombra na imagem de um mundo apressado e indiferente.
Mas algo nela me fez parar.
Talvez fosse a maneira como ela se encolhia - como se quisesse proteger algo que não estava por perto há muito tempo.
Ou o sopro quieto, como se ela tivesse medo de que mesmo sua existência fosse demais.
Eu me ajoelhei ao lado dela, com muito cuidado para não assustá-la. Ela não se moveu.
Seus olhos se abriram, apenas um pouco.
Um estava preso, o outro olhou para mim sem medo – Não porque ela confiava em mim, mas porque ela não tinha mais nada a temer.
Sussurrei em silêncio e perguntei se ela estava bem, mesmo sabendo a resposta.
Ela não miou. Ela não ronronou. Ela piscou lentamente, como se dissesse:
– Onde você estava quando eu ainda tinha esperança?
Ao olhar mais de perto, vi suas costelas salientes sob o pelo emaciado.
Suas patas estavam rachadas e doloridas. Ela provavelmente não tinha comido nada por dias.
Mas pior que a fome era a solidão.
Ela não era apenas um gato abandonado - ela era uma alma esquecida.
Um ser vivo esperando por uma bondade que nunca veio.
Ofereci-lhe um pedaço de frango do meu almoço.
Ela sentiu o cheiro, olhou para mim.
Ela levou um minuto inteiro para ousar – não por ganância, mas por dúvida.
Ela sequer se lembrou de como era a ternura?
Quando ela finalmente começou a comer, foi lento e hesitante. Como se seu corpo tivesse esquecido o que era receber comida.
Fiquei com ela por uma hora ali mesmo sem tocar nela, sem forçar a confiança.
E quando me levantei para sair, ela levantou a cabeça.
Ela não me seguiu. Ela não chorou.
Mas seu olhar me fez uma pergunta que nunca esquecerei:
– Você está indo agora também?
Não consegui dormir bem naquela noite. A foto dela não me deixou ir.
Na manhã seguinte voltei.
Ela ainda estava lá - no mesmo lugar, na mesma posição, inclinando a cabeça contra a pedra fria como se fosse tudo o que lhe restasse.
Mas desta vez ela levantou a cabeça quando me viu.
Desta vez ela se levantou - fracamente - e deu alguns passos cambaleantes em minha direção.
Embrulhei-a numa toalha e levei-a para casa.
O veterinário disse que ela estava desidratada e anêmica, presumivelmente de frio e fome. Tudo o que precisava era tempo, comida e amor – algo que ela tinha sido negada por muito tempo.
Eu a chamei de Clementine, por causa da gentileza que ela mantinha apesar de toda sua dor.
As semanas passavam. Seu pelo tornou-se macio novamente.
Seus olhos recuperaram seu brilho.
E quando ela ronronou pela primeira vez, eu chorei.
Ela tinha sobrevivido ao abandono, as noites geladas, a fome, a dor. Mas agora ela tinha algo que nunca tinha tido: Uma razão para viver.
Então, se um dia você ver um gato amontoado na beira da estrada, não olhe para longe. Porque às vezes eles não dormem. Às vezes eles silenciosamente suplicam que alguém reconheça que eles ainda estão vivos.
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