Mostrando postagens com marcador Finlândia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Finlândia. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Finlândia: Uma Cabeça)

Era uma vez um homem e uma mulher, que teve um filho depois de sete anos de casada; porém o filho era apenas uma cabeça. Passaram mais sete anos, e a cabeça completou catorze. Quis então ter por esposa a princesa, pelo que solicitou ao pai que lhe pedisse a mão em seu nome.

— Diz a verdade — recomendou-lhe. — Explica como sou, não mintas.

O pai procurou o rei e disse-lhe:

— Majestade, o meu filho deseja a princesa para esposa.

— Que espécie de pessoa é? — quis saber o monarca.

— Não passa de uma cabeça.

— Se, até amanhã, ele me trouxer cinco raposas vivas, talvez lhe conceda a mão de minha filha.

O pai chegou a casa e anunciou:

— Não há nada a fazer, rapaz.

— Não? Porquê?

— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco raposas vivas. Então, talvez te conceda a mão da filha.

— Estou cheio de calor! Leva-me à porta! — rogou o filho, que ficou fora de casa até à manhã seguinte.

Nessa altura, quando os outros se levantaram, havia cinco raposas vivas diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:

— Agora, leva-as ao rei e pede a mão da princesa em troca.

O pai assim fez e disse ao monarca:

— Agora, suponho que concederá a mão de sua filha?

— Só se, até amanhã, o teu filho me enviar cinco ursos vivos.

O pai chegou a casa e anunciou:

— Não há nada a fazer.

— Não? Porquê?

— Porque o rei quer que, até amanhã, lhe leves cinco ursos vivos.

E o jovem voltou a dizer:

— Estou cheio de calor! Leva-me à porta!

O pai apressou-se a comprazê-lo.

Na manhã seguinte, quando os outros se levantaram, havia cinco ursos vivos diante da entrada, e o jovem indicou ao pai:

— Agora, leva-os ao rei e pede a mão da princesa em troca. O pai assim fez e reiterou o pedido da mão da princesa, ao que monarca respondeu:

— Bem, já que ele é um homem capaz de conseguir o que se propõe, diz-lhe que construa um palácio como o meu, e poderá então vir buscar a moça.

O velho regressou de novo a casa e anunciou:

— Não há nada a fazer.

— Não? Porquê?

— Tens de construir, ate amanhã, um palácio como o dele, que contenha tudo o que é próprio de um imperador.

— Leva-me lá fora, querido pai — pediu o jovem.

Enquanto o velho obedecia, o filho acrescentou:

— Se ouvirem muito barulho durante a noite, não se levantem ver de que se trata. Continuem deitados.

Os operários não tardaram a iniciar os trabalhos, e o pai queixou-se:

— Que barulho tão esquisito está a fazer o rapaz, lá fora! Vou ver o que se passa.

Mas a mãe advertiu-o:

— Não ouviste o que ele nos recomendou, esta tarde? Disse que não fôssemos ver.

No entanto, passados alguns momentos, admitiu:

— De fato convinha ver de que se trata.

Agora, todavia, foi o pai que lhe lembrou:

— E o que o rapaz nos recomendou?

Foram, assim, dissuadindo-se mutuamente de ir espreitar. Quando, de manhã, se levantaram, o velho desceu a escada e, ao assomar à porta, ia desmaiando de pasmo. Viu que se encontrava num palácio que resplandecia de ouro e prata. Então, o filho disse-lhe:

— Prepara um tiro de três cavalos, pai.

Aparelharam três cavalos, montaram o jovem na respectiva carruagem e dirigiram-se ao palácio real, a fim de recolher a noiva. O rei manteve a palavra dada e concedeu a mão da filha ao jovem.

Os esponsais realizaram-se pouco depois e comeu-se e bebeu-se com abundância. No entanto, a noiva tinha uma madrasta. Organizou-se a seguir um suntuoso baile a que a princesa compareceu. E a cabeça do noivo também. O jovem disse então à noiva:

— Ficaste a saber como sou, mas não o divulgues. Não entrarei no salão, pois ficarei no outro, contíguo, à janela. Não penses sequer em revelar a minha natureza, repito. Se o fizeres, partirei a janela e voarei como um pombo, rumo ao Sul.

A princesa compareceu ao baile e, ao vê-la só, a madrasta perguntou-lhe:

— Então, que espécie de homem é o teu esposo?

— Não passa de uma cabeça.

Levou-a consigo para um canto do salão, embriagou-a e continuou a fazer-lhe perguntas. E, já totalmente alheia ao que dizia, a infortunada jovem referiu:

As pernas são de prata até aos joelhos
e os braços de ouro até aos cotovelos.
Na risca do cabelo, há uma estrela, um sol na fronte
e uma lua na nuca.
Quando fala, brotam-lhe flores douradas da boca e do nariz.

No momento em que o jovem ouviu estas palavras, quebrou a janela e partiu a voar em direção ao Sul. Quando a embriaguez se dissipou, a princesa começou a procurá-lo, mas ele tinha desaparecido. Resolveu então tentar localizá-lo e viajou sete anos num único.

Chegou finalmente a uma pequena casa, entrou e deu os bons-dias.

Os que se encontravam dentro retribuíram a saudação, e ela perguntou:

— Não passou por aqui um viajante?

— Sim, mas já há sete anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.

Foram buscá-la e, em seguida, ela continuou a sua viagem durante catorze anos, no final dos quais chegou de novo a uma pequena casa, entrou, apresentou saudações, que lhe foram retribuídas, e tomou a perguntar:

— Não passou por aqui um viajante?

— Sim, mas já há catorze anos. Descansou no sótão e confiou-nos uma encomenda, para que a entregássemos a uma mulher.

Na primeira, havia grande variedade de comida e bebida e, na segunda, todo o vestuário de mulher que se pudesse desejar.

Antes que ela se retirasse, as pessoas da casa aconselharam-na.

— Dirige-te à cidade e aguarda no primeiro cruzamento de ruas, onde o verás. É um excelente caçador.

A jovem procedeu como lhe indicaram e postou-se no cruzamento referido. Quando o avistou ao partir para a caça, dirigiu-se-lhe e perguntou:

— E agora, que será de nós, querido amigo? Que faremos, depois de eu vir de tão longe à tua procura?

Ao vê-la, ele abraçou-a e respondeu:

— Querida jovem, não te posso responder até enviar cartas a todos os reinos do mundo a perguntar que matrimônio devo conservar: o atual ou o antigo.

Escreveu a todas as partes do mundo e obteve respostas similares: "Deves conservar o primeiro matrimônio."

Em face disto, ele informou a nova noiva:

— Podes voltar para de onde vieste, pois fico com a minha antiga noiva.

A seguir, empreenderam a viagem — primeiro durante catorze anos e depois sete — até regressarem à pátria. Uma vez aí, voltaram a celebrar os esponsais e encarregaram-me de divulgar todas estas mentiras.

Fonte:

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Finlândia: Lippo e Tapio)

Lippo, caçador exímio, foi um dia, com dois amigos, à caça à rena. Percorreram o bosque de manhã à noite e, quando escureceu, procuraram abrigo contra as trevas e o frio numa cabana de troncos. Pernoitaram aí e, ao amanhecer, os três homens voltaram a pôr os esquis. Antes de abandonarem a cabana, Lippo tocou um esqui com o outro e disse:

— Que o dia de hoje me proporcione uma boa presa: uma parte para um esqui, outra para o outro e uma terceira para o meu bastão.

Mal tinham começado a andar, quando se lhes depararam as pegadas de três renas. Seguiram-nas e não tardaram a avistá-las: duas juntas e a terceira um pouco afastada. Lippo disse então aos amigos:

— Podem perseguir as duas. Serão as vossas presas. Eu fico com a que está só.

Proferidas estas palavras, deslizou na neve durante todo o dia, até que a noite o surpreendeu, mas não pôde alcançar a rena, apesar de ser um esquiador muito rápido.

Chegou então a uma fazenda e a rena refugiou-se no estábulo, sempre com Lippo no seu encalço. No pátio, encontrava-se o proprietário, um venerável ancião de cabelo e barba brancos.

— Que é lá isso! — exclamou. — Quem é o filho de um sapo que persegue a minha reprodutora fazendo-a suar?

Lippo aproximou-se, saudou-o respeitosamente e replicou:

— Sou eu, mas como não a consegui capturar, vim parar a esta fazenda.

O ancião, que era o próprio Tapio, dono do bosque em volta, declarou:

— Bem, se perseguiste a minha reprodutora até ao por-do-sol, podes passar a noite nos meus aposentos.

Lippo entrou na casa e ficou maravilhado quando olhou em redor: havia renas, veados, ursos, raposas, lobos e todos os animais selvagens possíveis de imaginar. A seguir, Tapio convidou-o para jantar e serviu-o excelentemente.

Na manhã seguinte, Lippo quis prosseguir viagem, mas não conseguiu encontrar os esquis. Quando perguntou por eles ao dono da casa, este redarguiu:

— Não queres ficar em minha casa e ser meu genro? Tenho uma filha única.

Mas Lippo respondeu:

— Ficaria com o maior prazer, mas sou um homem pobre.

— Isso é comigo! A pobreza não é nenhum defeito. Na nossa casa, terás tudo o que desejares.

E assim, o ancião entregou a filha ao visitante, e o ágil esquiador e caçador ficou como genro na cabana do bosque de Tapio.

Quando haviam passado três anos desde a sua chegada, a filha de Tapio deu-lhe um filho. Lippo quis então visitar a pátria, pelo que pediu ao sogro que o conduzisse lá. No entanto, este último disse:

— Se fizeres uns esquis do meu agrado, autorizar-te-ei a partir.

Lippo dirigiu-se prontamente ao bosque e começou a trabalhar nos esquis. Um pássaro que estava empoleirado no ramo de uma árvore cantarolou:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


Lippo atirou-lhe uma lasca de madeira, ao mesmo tempo que observava:

— Que estás aí a cantar, animalzinho pateta?

Terminados os esquis, adornou-os o melhor que sabia e foi mostrá-los a Tapio. Este experimentou-os e apressou-se a afirmar:

— Estes esquis não são para mim.

No dia seguinte, Lippo teve de se dirigir de novo ao bosque para recomeçar a trabalhar. O pássaro, que se achava igualmente presente, cantou:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


— Estás outra vez com as tuas fantasias? — exclamou ele, furioso, atirando-lhe um pedaço de madeira.

Não fazia a menor intenção de seguir o conselho do pássaro, pelo que cortou os esquis segundo o método usual e foi mostrá-los a Tapio.

— Estes esquis não são para mim — voltou o sogro a dizer.

Quando Lippo, no terceiro dia, chegou mais uma vez ao bosque, deparou-se novamente o pássaro, com a sua cantilena:

Ti, ti, apesar de ser uma ave pequena,
dir-te-ei qual é a forma corrente:
afia um ramo apontado ao chão
e cola-lhe a extremidade da frente.


Ele refletiu então: "Está bem, procederei como dizes. Não terás cantado em vão." Pegou num ramo bem nodoso, fixou-o à ranhura estreita da parte inferior do esqui e atou a correia à extremidade da frente, após o que foi mostrar o resultado a Lippo.

— Estes, sim, são meus! — exclamou o sogro, quando os experimentou. — Agora, podes ir à tua pátria.

E acompanhou-o, dizendo:

— Irei à frente e vocês seguirão as minhas pegadas. Onde encontrarem a marca da ponta do meu bastão, deverão pernoitar. Mas constrói a tua cabana com ramos de abeto e paredes espessas, para que não entre a luz das estrelas.

Com estas palavras, Tapio empreendeu o caminho. As ramagens que tinha na parte inferior dos esquis iam produzindo marcas bem nítidas, pelo que Lippo o podia seguir, com a mulher e o filho. Quando começava a anoitecer, viram o sinal do bastão e, junto dele, um veado assado para o jantar. Construíram uma cabana de paredes espessas com folhagem de abeto, cobriram-na com um teto muito firme e colocaram dentro o pequeno trenó com a criança, após o que se deitaram para descansar.

Na manhã seguinte, prosseguiram viagem, levando um pedaço do veado assado para o caminho.

Ao anoitecer, voltaram a encontrar a marca do bastão e uma rena assada ao lado. Tornaram a construir uma cabana de paredes muito espessas com folhagem de abeto e colocaram dentro o trenó com a criança. Depois de repousarem toda a noite, reataram a marcha, até que, ao anoitecer, encontraram a terceira marca do bastão. Desta vez, havia um galo-selvagem assado para o jantar.

— A pátria não pode estar muito longe, se só nos oferecem um galo-selvagem — exclamou Lippo.

Construíram uma cabana assaz diáfana, colocaram dentro o trenó com a criança e depois deitaram-se. Durante a noite, as nuvens dissiparam-se e a luz das estrelas incidiu neles através do teto pouco espesso.

Quando acordou de manhã, Lippo não conseguiu encontrar a esposa em parte alguma. Saiu da cabana e esquadrinhou as cercanias, mas não havia o menor vestígio dos esquis de Tapio, e ficou sem saber que rumo deveria tomar, dada a ausência de qualquer rasto. Sentou-se à porta da cabana com o filho, imerso em cogitações. De súbito, passou perto um veado aos berros. À parte isto, não viu nada ao longo de todo o dia e, quando anoiteceu, reconheceu que não lhe restava qualquer alternativa senão pernoitar ali. No dia seguinte, tornou a haver um galo-selvagem diante da porta e o veado voltou a passar aos berros.

Lippo permaneceu muitos anos com o filho na cabana de ramagens de abeto. Todas as manhãs havia um galo-selvagem assado diante da entrada, e o veado aos berros também nunca faltava. A criança cresceu e converteu-se num mancebo inteligente e sensato. Pediu ao pai que confeccionasse um tubo longo para poderem ver se a pátria estava longe. Nos momentos de ócio, Lippo assim fez e, quando terminou, ofereceu-o ao filho. Este utilizou-o imediatamente e exclamou:

— A pátria não é nada longe! Estamos muito perto da nossa terra!

E, com efeito, quando empreenderam viagem, não tardaram a chegar. O jovem veio a tornar-se o patriarca dos lapões. E, com isto, o conto chegou ao fim.

Fonte:
Contos Tradicionais da Finlândia

domingo, 12 de julho de 2015

Folclore Sem Fronteiras (Finlândia)



A PROMESSA CUMPRIDA EM PARTE

     Luohi viu chegar magicamente o ferreiro Ilmarinen a sua casa e quase não se surpreendeu quando soube que se tratava dele. Ordenou imediatamente que lhe preparassem a melhor acomodação e até fez com que a sua bela filha virgem se adornasse com as melhores galas, para ser depois mostrada a Ilmarinen e oferecida como recompensa em troca do sampo ansiado.
     À vista da preciosa criatura Ilmarinen foi procurando por Pohjola o lugar onde realizar o seu trabalho e pôs-se a trabalhar febrilmente na construção daquela forja, primeiro, e na realização do sampo pedido, depois. Ilmarinen demorou três dias em preparar a forja e três dias em forjar o moinho de tampa suntuosa, que era moinho de farinha por um lado, moinho de sal por outro e moinho de moenda pelo terceiro. No seu primeiro trabalho, o sampo moeu uma medida para ser comida, outra medida para ser vendida e uma terceira para ser guardada.
     Entregue o moinho a Luohi, esta guardou-o no lugar mais recôndito da sua casa. Foi nessa altura, cumprida o seu parte, que Ilmarinen reclamou aquela virgem prometida, mas ela negou-se a acompanhá-lo, porque não estava disposta a ser sua esposa. Ilmarinen abateu-se, sem forças para nada, até tal ponto que a mãe da virgem, a anciã Luohi, se compadeceu da sua tristeza e o enviou numa barca de regresso para o sul, envolvido na força mágica de um vento que ela convocou para que fosse transportado sem perigo em três singraduras até à sua ansiada Kalevala. Lá, na margem, esperava-o o velho e ele disse que o sampo tinha sido construído e entregue a Luohi, segundo se tinha acordado, mas também fez saber que a donzela prometida não cumpriu a sua parte do pacto e que ele, Ilmarinen, tanto como Vainamoinen, tinham sido duplamente burlados pela virgem de Pohjola.

LEMMINKÄINEM, O AMANTE

     Ahti Lemminkäinen nasceu em Kauko e foi um jovem tímido até que pescou uma tenca e esta, para salvar a sua vida, prometeu ensinar-lhe a palavra encantada que o tornaria no homem mais amado pelas mulheres. Mas não havia tal palavra, era necessário comer o peixe para conseguir esse encanto e Ahti comeu-a. Certamente, em breve Ahti começou a ser querido por todos, especialmente pelas mulheres, como o demonstra a sua primeira aventura com Kylliki, a preciosa jovem de famosa beleza que rapta e apaixona; mas Ahti Lemminkäinen pensa que a sua mulher não lhe guardou a devida ausência e vai para Pohjola, pretendendo desta vez a filha de Louhi e tendo que cumprir uma dura prova para conseguí-la: a captura do alce de Hiisi, caça que lhe custaria a vida nas águas do rio Tuoni, assassinado pela vingança de um velho que tinha humilhado.
     Ahti caiu no reino da morte, no reino de Tuoni e Tuonetar, no meio do horror e o sofrimento. Desaparecido Ahti, a sua mãe inicia a penosa procura do filho perdido, submergindo-se nas águas, cruzando as terras do norte, perguntando à Lua e, por fim, ouvindo o que o Sol lhe contava, que Ahti tinha sido arrastado para o Tuoni. A mãe pediu a Ilmarinen que forjasse um ancinho de cem braças para tirar o seu filho do fundo do rio; com ele resgatou o seu amado filho e, com o seu amor, devolveu-lhe a vida.
     Voltaram para casa, mas Kylliki tinha-se ido embora para sempre. Então Ahti partiu de novo para Pohjola, esta vez irado por não ter sido convidado às faustosas celebrações da casamento da filha de Louhi com Ilmarinen. Chegado ao norte, Ahti Lemmikäinen vai provocar o Filho do Norte, o anfitrião, desafiando-o para um duelo à morte, no qual vence Ahti, mas a satisfação pela sua vitória é breve, porque tem que fugir, dado que todos os homens de Pohjola, ao saber que o seu chefe morreu pelas mãos de Ahti, se lançam na sua perseguição.
     Durante três anos refugiou-se na Ilha das Mulheres, sendo amado por todas e amando quase todas, mas chegou a hora de voltar para junto da sua mãe e não houve mais remédio que abandonar tão doce refúgio. Quando conseguiu chegar às suas terras, viu só destruição e cinzas mas o que via não era tudo; também pôde ver, pouco tempo depois, a sua doce mãe, escondida entre as ruínas, sempre à espera do seu regresso, convencida de que ele voltaria junto da ela outra vez, sabendo que ainda restava muito que fazer ao filho, o alegre herói Ahti Lemminkäinen.

VAINAMOINEM E A ILMARINEN

     Vainamoinen construía um barco e estava a ponto de terminá-lo, mas faltavam-lhe três palavras mágicas para terminar de lhe dar forma; não havia maneira de recordar como eram e Vainamoinen desesperava-se, pensando que era uma tarefa impossível, até que se aproximou um pastor e lhe disse que o gigante Antero Vipunen sabia tudo o que ele necessitava de saber. Vainamoinen foi a Ilmarinen, para que o ferreiro lhe forjasse o equipamento de ferro que devia levar para chegar até a morada de Antero Vipunen; então soube, por boca do ferreiro, que Antero tinha morrido há muitos anos. Mas nem isso parou o Vainamoinen, que, equipado com a armadura que lhe permitia atravessar as agulhas das mulheres, as espadas dos homens e os machados dos heróis, chegou ao lugar onde jazia Vipunen com a sua magia.
     Meteu a sua maça na garganta do gigante e ordenou-lhe erguer-se. Vipunen levantou-se imediatamente, com a boca imobilizada pela maça de Vainamoinen. Aproveitando a surpresa, o velho saltou para a sua garganta e meteu-se no seu ventre, montando dentro dele uma forja para atormentar Antero, comendo as suas entranhas e batendo no seu corpo. Assim até que conseguiu que o gigante lhe ensinasse toda a sua imensa sabedoria.
     Quando conseguiu o seu propósito, o imperturbável Vainamoinen voltou para casa e terminou o seu barco. Com ele queria navegar para o norte, para pedir de novo a mão daquela virgem que não podia esquecer.
     Terminado de construir o seu navio, Vainamoinen botou-o no mar e foi feliz a caminho de Pohjola, mas a virgem Anniki aproximou-se dele para lhe perguntar a razão da sua viagem. Vainamoinen mentiu uma e outra vez, provocando a dúvida em Anniki, que o ameaçou com uma tremenda tempestade se Vainamoinen não dizia imediatamente a verdade.
     O velho confessou e a virgem foi a correr a dizer a Ilmarinen que o velho tinha decidido ir sozinho à procura da virgem de Pohjola. Ilmarinen preparou-se para ir à procura do velho e conseguiu alcançá-lo, após três dias de corrida no seu trenó.

O PACTO DOS DOIS AMIGOS

     Após acordar que já não haveria mais lutas pela virgem de Pohjola e fartos de serem inúteis rivais por esse difícil amor, Vainamoinen e Ilmarinen decidem seguir por separado o seu caminho para Pohjola, este por terra, aquele por mar, à procura daquela virgem tão bela e tão desejável como esquiva, sempre prometida como recompensa ao velho e ao ferreiro e nunca recebida. Mas agora vão fazendo com que ela diga, de uma vez por todas, por qual dos dois se decide a escorregadiça donzela.
     A escolha é rápida desta vez, pois a virgem prefere Ilmarinen, por que não é um velho como Vainamoinen, embora antes o tivesse rejeitado de um modo tão definitivo. Mas Louhies uma velha retorcida e soberba, que agora quer tornar tudo mais difícil ao bom ferreiro, propondo-lhe novas provas a cada momento.
     Ilmarinen vê-se obrigado a decifrar os complexos (e absurdos) problemas propostos mas a velha não conta com a cumplicidade antagonista da sua própria filha, da virgem sem nome que tantas páginas da história do Kalevala encheu . Com ela a seu lado, a vitória é segura e o casamento vai celebrar-se com todas as honras.
     Só ficam de fora Vainamoinen, pela sua tristeza, e Lemminkäinen, que não foi convidado, o que vai ser motivo da sua ira e do início daquele duelo à morte com o Filho do Norte que já relatamos antes. Mas com o casamento não vai chegar a felicidade por muito tempo ao apaixonado Ilmarinen: a sua esposa, a sua bela e ansiada esposa, é uma mulher malvada e a cruel brincadeira que faz ao bom escravo Kullervo, ao dar-lhe uma pedra como única comida, faz que este ponha em marcha a sua vingança (mágica, com certeza) com a cumplicidade do lobo e do urso, matando quem o humilhara.
     É a desolação para Ilmarinen, ao ver morta a sua amada Kullervo, já antes atraiçoado pelo seu irmão Untamo, que a tinha vendido como escrava, e agora castigado pelo destino, ao saber que a virgem com quem se deitou é a sua própria irmã. Kullervo, ainda mais enfurecido, mata o seu irmão Untamo, mas esta morte também não lhe serve de consolo, e só descansará quando se tire a vida com a sua própria espada.

O DESESPERO DE ILMARINEN

     O ferreiro pensou que poderia encontrar consolo numa nova esposa que ele próprio forjasse à imagem da desaparecida e pôs-se a trabalhar incansavelmente na sua forja, até que conseguiu a mais bela mulher nunca construída em ouro e prata; mas fria era a sua companhia, muda a sua presença, inútil a sua existência.
     Ilmarinen quis oferecer a mulher de ouro e prata a Vainamoinen, mas ele não a quis e recomendou a Ilmarinen que a voltasse a fundir, pois ninguém se devia deixar deslumbrar pelo ouro ou pela prata. Ilmarinen compreendeu que devia procurar uma nova esposa de carne e osso e pensou em Pohjola, noutra filha de Louhi que lhe recordasse a sua perdida mulher. Mas nada conseguiu de Louhi e teve que raptar a sua segunda filha. Também o rapto não serviu de muito, pois na primeira noite já se deitou ela com um desconhecido.
     Ilmarinen, ao despertar, viu a cena e quase que a matou, mas a sua espada negou-se a terminar com a vida daquela vaidosa e o desgraçado Ilmarinen contentou-se com ordenar que a infiel raptada fosse converter-se em solitária gaivota, condenada a viver sobre um penhasco, entre as frias águas do mar. Mais sozinho do que nunca, o ferreiro seguiu o seu interrompido caminho para o lar.
     No caminho saiu-lhe o velho Vainamoinen e juntos propuseram-se resgatar de Pohjola aquele sampo construído para conseguir a pretendida felicidade e que tão tristes frutos tinha deparado a ambos. Construíram um navio poderoso, forjaram uma espada vencedora e partiram à procura do sampo mágico, colhendo pelo caminho o retirado herói Lemminkäinen, que se somou à expedição, feliz de poder voltar a lutar contra a gente de Pohjola, da qual tão penosas recordações guardava a sua memória.