segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Rosângela Trajano (A menina e o carrinho de compras)

Há coisa que não podemos ignorar, cruzar os braços, fechar os olhos, ficar assistindo como se fosse uma cena de novela ou simplesmente não interrogar o porquê. Cenas que nos roubam a atenção e nos levam a uma reflexão sobre um dos maiores problemas brasileiros da atualidade: as crianças de rua.

Era uma manhã de sábado ensolarada. Estava num supermercado de uma cidade grande, na minha rotina de sempre: o corre-corre desesperado, o vício de está sempre olhando para o relógio, as reclamações do intenso calor e principalmente da tarefa de fazer compras. O pior dia para mim era o de ir ao supermercado.

Enquanto as minhas amigas estavam tomando chá, conversando, escovando os cabelos ou fazendo as unhas, eu estava ali naquele supermercado cheio de gente comprando: cebola, sabão, detergente, biscoito etc. Apesar de tudo isso, ainda não fui corrompida pelo egoísmo, hipocrisia e ambição. Também ainda não perdi meu senso de observadora e parei para olhar uma menina que empurrava um carrinho de compras toda sorridente. O que mais despertou a minha curiosidade foi a quantidade de produtos que ela colocava no carrinho. Olhei para os lados e percebi que ela estava sozinha. Resolvi me aproximar dela e isso lhe causou um grande susto, principalmente quando perguntei pela sua mãe. Não imagino o que pensou que eu fosse, só sei que apressou-se em dizer que sua mãe estava lhe esperando de frente ao supermercado, no carro, e que já era acostumada a fazer as compras sozinha. A mãe dela não gostava de fazer compras. Achei intrigante aquela história, mas não cabia a mim interrogar aquele rostinho meigo e risonho que pareceu-me muito feliz por está ali. Hoje em dia é tão comum vermos crianças fazendo tarefas de adultos.

Parecia que o destino não queria tirar aquela menina do meu caminho. Várias foram às vezes em que a reencontrei recolhendo tudo o que via nas prateleiras. No seu carrinho de compras não cabia mais nada. Num desses reencontros brinquei com ela, dizendo: “Puxa! Quanta coisa, heim?” E ela novamente fez questão de dizer: “Mamãe está lá fora, vai pagar tudo.”

Terminei minhas compras. Respirei aliviada. Dirigi-me ao caixa. À minha frente a menina com um carro cheio de produtos. Foi passando cada coisa bem devagar. Quando terminou de passar tudo a moça do caixa disse o valor das compras. Ela coçou o nariz, cruzou os braços e disse: “Eu não tenho dinheiro.” A moça do caixa chamou o segurança do supermercado. Um brutamontes com um vozeirão mandou a menina retirar-se dali o mais rápido possível. Antes da menina sair eu a chamei. De frente para mim com um jeitinho assustado perguntei por que fez aquilo. Ela me disse que estava brincando de fazer compras. Um dia, teria dinheiro para comprar tudo o que gostava de comer. Perguntei onde ela morava. Ela me respondeu que não tinha casa. Morava nas ruas. Pediu-me um pacote de biscoitos recheado de morango e um refrigerante. Eu lhe dei o biscoito desejado. Sorriu para mim e desapareceu, correndo. Sem perceber deixei-me ser tomada por uma emoção forte, vieram algumas lágrimas aos meus olhos e meu coração ficou apertado. Procurei seus olhinhos tristes, mas já estava do outro lado da rua.

Agi daquela forma porque senti necessidade daquele sorriso que me conquistou, daquele olhar ingênuo e daquele sonho. Porque eu tão viva, tão bem amada, vivia inventando algo para reclamar da vida e lembrei-me de como entrei irritada no supermercado naquele dia, por motivos tão banais, e agora saía feliz.
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Rosângela Trajano é poetisa, ilustradora, escritora e fotógrafa em Natal/RN. Cursou Filosofia e Literatura Comparada. Publicou vários livros para crianças.

Fontes:
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Letícia Möller (Escritos no Cair da Tarde)

Os últimos raios de sol despedem-se, os vejo aqui, da janela do quarto, em seu esplendor final. Já nem se derramam mais sobre o campo de trigo, que agora repousa na sombra, agradecido pela trégua, assim imagino. Há pouco caminhei por entre os passeios, o livro na mão, e aproximei-me da cerca, erguendo-me na ponta dos pés, para espiar o efeito leitoso do sol poente sobre o trigo. Então retornei ao meu quarto, pois gosto de refugiar-me do crepúsculo antes que atinja seu ápice e por fim o dia se faça noite, busco proteção da melancolia que invade a terra na medida em que o horizonte desvanece no avançar da escuridão.

Estou distante de casa 500 quilômetros. Distante de meus afetos também. Ainda assim, tenho esse sentimento persistente de sentir-me no meu chão. Não sinto estranha a paisagem, esse território, sua gente, culturas e cultivos. Sinto-me muito próxima. O campo ondulante, a soja, o trigo, o sol dourando o solo e as folhas, o céu do entardecer de um azul pálido e imperturbável, apenas decorado por uma lua cheia de contornos perfeitos, como se tivesse sido desenhada tendo por molde uma moedinha, e recortado o papel branco com esmero extremo, para ser colada enfim a essa imensidão de delicado azul, como a criança que cola uma figura no desenho do caderno, cuidando para fazer tudo bem feito e agradar a professora.

Tudo isso me é familiar, ah, tão familiar, e sentido com tal intensidade, que sinto a memória a dar-me pequenas fisgadas na alma, e o coração palpitante, que ora parece expandir-se a imitar a amplidão do campo, num transbordamento de sensações, ora parece contrair-se abruptamente, como que capturado por uma lembrança remota que se mantivera ocultada da mente. Uma lembrança valiosa, que por muito tempo ficara escondida e só agora, de súbito, emerge das profundezas e se impõe e me envolve e arrebata sem pedir licença. E então tenho um pensamento estranho: que talvez exista um lugar para as lembranças mais valiosas, um espaço sagrado e desconhecido onde se alojam em silêncio as coisas mais queridas, as memórias mais preciosas, os sentimentos mais autênticos, e que são, por isso mesmo, os mais doídos. Para de repente voltar, fazendo recordar… do quê, exatamente? Da nossa essência, penso.

Estando aqui, invade-me a memória do campo da família, onde passava férias na infância, longe dos meus olhos há tantos anos, já esquecido da minha presença e dos devaneios que eu semeava em cada canto. Lugar onde ousei sonhar mais alto, loucamente e corajosamente, tecendo meus desejos mais intensos de menina. A literatura, a palavra lida e escrita. O amor a que eu ansiava, o amor forte, sereno e seguro de si com que sonhava, o amor que… meu Deus, encontrei! A delicadeza do mundo, que eu desejei nas caminhadas pelas coxilhas, delicadeza rara, apenas por vezes encontrada – e então sentida como um pequeno tesouro.

Cresci e não retornei àquele campo que amava e ainda amo. Vivi tantas coisas, mas não deixei de ser aquela menina das férias na fazenda. Olho-me no espelho e vejo a distância que me separa da menina, é inegável, mas me sinto ainda a mesma, a percorrer caminhos de pasto e terra pendurando sonhos nos galhos dos eucaliptos, declamando desejos aos ventos. A literatura não se afastou de mim, ela permaneceu sempre ao meu lado, ou mais que isso, dentro de mim, pulsando forte e constante. O sonho tão acalentado de ser escritora concretiza-se um pouco mais a cada dia. A delicadeza que eu queria que me rodeasse e protegesse… por vezes parece evaporar-se no caos e no ruído da cidade grande. Mas eis que retorna, mostrando que erro na minha melancolia recorrente, que há ainda beleza, respeito, afeto, estima, gentileza.

A delicadeza, esse tesouro raro, eu hoje a encontrei, casada com o amor pelas palavras e pelas histórias. Aqui em Giruá, no extremo noroeste gaúcho, longe de minha casa e dos meus afetos, aqui a delicadeza das pessoas, da paisagem, do ritmo da vida, da melodia da natureza, fez com que me sentisse integrada, repousada, reconciliada comigo. Envolta por eflúvios amorosos e pela mais perfeita – ainda que frágil – paz de espírito.
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Texto gestado durante estadia na cidade de Giruá como escritora convidada da Semana Literária.
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LETÍCIA MÖLLER nasceu em Porto Alegre, em 1979. É autora dos livros infantis “Eu e você, aqui e lá!” (2010) e “Corre, Pedro, corre!” (2011), ambos pela WS Editor, além de livros e ensaios sobre direito e bioética. Também é advogada atuante, graduada em Direito pela PUCRS, mestre em Direito pela Unisinos e doutoranda pela Università degli Studi del Salento, em Lecce/Itália.

Fontes:
Efêmeras letras. 10.10.2011
http://efemerasletras.blogspot.com/2011/10/escritos-no-cair-da-tarde.html
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domingo, 3 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 63 *


Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Acalanto
"Como as tuas carícias são
deliciosas!"(Ct. 4.10)

Minh'alma está triste
Como aquele pombo,
Que na mata, ao longe,
Já perdeu seu ninho;
Se soluça o pombo
Seu amor perdido,
A minh'alma implora
Pelo teu carinho.

Doente está minh'alma
Qual ave ferida,
Que o mau caçador
Acertou-lhe o passo;
Infeliz, o pombo
Se apagando vai,
Eu, porém, protejo-me
No teu meigo braço.

Como aquele pombo,
Triste está minha alma,
Coração partido
A sangrar de dor;
Mas, serei feliz,
Neste dia atroz,
Se em teu seio puro
Repousar eu for.

Ficarei quietinho...
Secarás meu pranto...
Voltará a paz
Pra aquecer-me então...
Os teus lábios dóceis
Roçar-me-ão a face
E terei carícias
De uma leve mão.

Oh, delícia imensa!
Deixarei o mundo!
Fingirei dormir
No teu seio, ó linda!
E acordado, sim,
Sonharei contigo,
Sem eu crer que possa
Estar vivo ainda.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

És um arbusto florido...
Eu sou o vento que passa,
e, num delírio atrevido,
te despe e depois... te abraça…
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Testamento

Chegou o tempo inevitável da lembrança
...de repensarmos o que foi a nossa vida.
Se a mesma dor bate no amor, ele revida
com um sorriso necessário... de criança.

Doces memórias nos impelem a passados
...dourados... livres... onde os voos da inocência
ignoravam os arroubos da ciência
e preocupavam-se em criar sonhos alados.

Como brincávamos!!! ...tudo era tão bonito
movido apenas pela nossa ingenuidade
e hoje, imersos na leveza da saudade,
reinventamos nosso amor mais... infinito.

Na previsão de um infarto fulminante
ou de um mal súbito iminente e sem aviso,
nosso sorriso idiota e... tão preciso
ainda teima em enfeitar o nosso instante.

Nós insistimos em criar nossas gravuras
mais pueris... mais inocentes... caricatas,
que apenas contam histórias que nem têm datas,
mas apresentam seus momentos... de ternuras.

São versos... esse é o derradeiro patamar
mais expressivo... são os túneis de memórias,
para que alguém, ao estudar nossas histórias
entenda, ao menos, nosso tempo de sonhar.

As forças faltam, nossos corpos cambaleiam,
Mas nossas mãos ainda insistem: digitamos
Ou escrevemos e, assim, reeditamos
O que sonhamos, esperando que nos leiam.

Que tolos somos! Quem se importa com vivências?
...nossa aparência é um retrato desfocado
De um novo tempo que despreza o passado
Abominando nossas vãs experiências.

Nosso legado? Um objeto precioso,
algum dinheiro, um imóvel, a mobília,
Um carro novo, algum tesouro... e uma família
Tão dividida, querendo o mais valioso.

Noras e genros, retirando suas capas,
Filhos e netos, disputando, após o choro,
O que deixamos... cada um criando num coro
Traçando planos sórdidos, criando mapas.

É inevitável percebermos nossas lutas
Por um futuro mais feliz e promissor,
Mostrando tudo que ensinamos sobre o amor,
Findar em cenas lamentáveis de disputas.

Melhor seria procurarmos a alegria
Na fantasia e só deixarmos aos parentes,
Nossas histórias infantis e adolescentes,
E alguns romances.... fragmentos de poesia.

Quem sabe, um neto ou um filho mais sensato
E mais sensível compreenda, de verdade,
Que a nossa vida só buscou felicidade
Na liberdade mais feliz de cada fato?

Quem sabe, um deles, nos pesquise mais a fundo,
E estude a história de cada antepassado
E compreenda que a memória é o legado
Mais importante e verdadeiro que há no mundo.

E que os desejos pessoais e as manias
Naturalmente humanas e mais prazerosas
Não sejam teses imbecis, pecaminosos,
Dos que acusam com cruéis hipocrisias!

Que nossas mãos ganhem asas de passarinhos
E haja carinho em nosso último estertor,
Para que alguém encontre o mapa desse amor
Que cultivamos na rudeza do caminho.

Que nos editem... não há outra alternativa
Que imortalize nossos modos de sonhar
E que respeitem nosso jeitinho de amar
Para que nossa liberdade sobreviva.
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Trova de
CIPRIANO FERREIRA GOMES 
São Paulo / SP

Da pedra bruta aos brilhantes, 
mãos calejadas, fiéis, 
servem às mãos elegantes
a vaidade dos anéis. 
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Livros e Saudade

Três quadros encostados na parede...
Em cima da mesa, desenhos por terminar.
Na estante, próxima à janela,
entre os livros, a saudade a espreitar...
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Quadra Popular

Meu amor, vai pelo mundo:
ir pelo mundo é um bem;
o mundo também é regra
para aqueles que a não têm.
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Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Mefisto

Espírito flexível e elegante,
Ágil, lascivo, plástico, difuso,
Entre as cousas humanas me conduzo
Como um destro ginasta diletante.

Comigo mesmo, cínico e confuso,
Minha vida é um sofisma espiralante;
Teço lógicas trêfegas e abuso
Do equilíbrio na Dúvida flutuante.

Bailarino dos círculos viciosos,
Faço jogos sutis de ideias no ar
Entre saltos brilhantes e mortais,

Com a mesma petulância singular
Dos grandes acrobatas audaciosos
E dos malabaristas de punhais…
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Acaso fizeste a Lua? 
Acaso fizeste a rosa? 
Então que ciência é a tua, 
tão solene e presunçosa?…
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Poema de
PAULO WALBACH PRESTES
Curitiba/PR, 1945 – 2021

Menino Ilha

Como uma ilha deserta, desperto no meio do mar...
Distante, sem eira e nem beira, mal posso sonhar.
O mar, quase amante com ondas infindas, constantes,
que vêm e que vão;
E todas melosas, molhadas me beijam, me afogam e voltam bailar.
O sol escaldante de dia me aquece, me queima, me atenta
e me faz flutuar...
E um solitário coqueiro com seus leques abertos
me dão o frescor no leve roçar...
E a sombra me cobre, se esquiva, vai embora,
sumindo no ar.
 
A noite silente, estrelas luzentes palpitam, desejam, rodeiam a ilha
num doce velar...
Vaidosa a lua me sonda, me espia; se olha, se mira no espelho do mar.
E eu tal uma ilha envolto em letras, que voam, saltitam na noite perdido
num mar de ilusão...
Palavras se juntam, ideias benditas me vêm à cabeça mas logo se vão.
Pensamentos acendem faíscas ligeiras, palavras arteiras...
Meu estro acorda, me deixa sonhar.
 
Sou ilha, sou homem, menino, poeta... Quem sou?...
Sou eu pequenino... no universo, um anão...
sou sol ou sou ilha... sou mar, sou luar, sou eu, sou você...
sou só...
Solidão!
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Quadra de
IDEL BECKER
Porto Casares/ Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

Eu recuso mulher nova,
que é espelho dos enganos.
Quero uma velha bem velha
de vinte, ou vinte e dois anos.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Amor sem jaça

Nem pense em me deixar! Eu enlouqueço,
ou vou, por certo, entrar em depressão...
Não saberei viver sem tanto apreço,
com que você prendeu meu coração.

Por isso eu peço aos céus que, a qualquer preço
nos livre de qualquer separação,
que me poria num torpor espesso,
exterminando a minha inspiração!

Também jamais veria no futuro
alguma graça para o meu viver,
pois existir sem estro eu esconjuro!

Assim, meu bem, evite tal desgraça;
jamais me deixe só! Você vai ver
que é todo seu o meu amor sem jaça!
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Trova de
LUIZ OTÁVIO
(Gilson de Castro)
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Contradição singular
que angustia o meu viver:
a ventura de te achar
e o medo de te perder.
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Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
(Flor Bela de Alma da Conceição Espanca)
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

O fado

Corre a noite, de manso num murmúrio,
Abre a rosa bendita do luar....
Soluçam ais estranhos de guitarra....
Ouço, ao longe, não sei que voz chorar...

Há um repouso imenso em toda terra,
Parece a própria noite a escutar....
E o canto continua mais profundo
Que uma página sentida de Mozart!

É o fado. A canção das violetas:
Almas de tristes, almas de poetas,
Pra quem a vida foi uma agonia!

Minha doce canção dos deserdados,
Meu fado que alivias desgraçados,
Bendito sejas tu! Ave Maria!…
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Trova Funerária Cigana

Nem mesmo sei o que sou
pela dor que sinto agora.
Bem pareço a sombra escura
de um ser que viveu outrora.
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Poemeto de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Ouvia-se os respingos
caindo inertes, sem emoção.
Não era chuva, orvalho,
tampouco pranto.
Somente borrifadas...
Talvez poesia,
talvez um nada no chão.
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Trova de 
CÁSSIO MAGNANI
Santa Bárbara/MG, 1921 – 1990, Nova Lima/MG

Madama vai ao peixeiro:
– A senhora quer Robalo?
Ela, mostrando o dinheiro:
– Não, senhor, quero comprá-lo!
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Poema de 
MOEMA TAVARES
Rio de Janeiro/RJ

Lágrimas  

Correm como um rio 
E me afogam... 
Gota a gota me descem pela face
Gota a gota formarão um lago, um rio
Cada lágrima é uma gota de aflição,
de saudade de algo que não aconteceu, 
de desejos não realizados, 
de sonhos apenas sonhados, 
não vividos...
As lágrimas inundam o presente 
porque não posso esquecer o passado
Idealizado, sonhado...
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Trova de
ORLANDO WOCZIKOSKY  
Curitiba/PR, 1927 – 2019

A mulher é diferente
    no terreno da emoção:
- O homem diz sim e consente,
    ela consente e diz não!
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Soneto de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDA DECARLI
Bandeirantes/PR

Maravilha natural

Da lenda, a qual explica a sua origem,
um trecho sobre o amor malsucedido...
“Teve, um casal, seu plano interrompido:
- fratura em rochas... águas com vertigem!...”

Vindas da serra as águas se dirigem
ao cânion, onde o rio está estendido.
Cada turista observa, embevecido,
as gigantescas quedas, que coligem!

Nosso Brasil tem belas cachoeiras,
águas cantantes pelas ribanceiras,
e, cristalinas, vistas a olho nu...

Ressalto, aqui, aquelas impactantes,
maravilhosas, densas, sons vibrantes:
- As Cataratas (plenas) do Iguaçu!

(1° lugar no Concurso Literário-2023, pela Academia Literária do Oeste do Paraná)
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Poetrix de
JUCINEIA GONÇALVES 
Belo Horizonte/MG

descompasso

meus caminhos
não singram mares
ah, essa minha continentalidade!
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Soneto de
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
Porto/Portugal, 1744 – 1810, Moçambique

Marília de Dirceu: Soneto II

Num fértil campo de soberbo Douro,
dormindo sobre a relva descansava,
quando vi que a Fortuna me mostrava
com alegre semblante o seu Tesouro.

De uma parte, um montão de prata e ouro
com pedras de valor o chão curvava;
aqui um cetro, ali um trono estava,
pendiam coroas mil de grama e louro.

Acabou (diz-me então) a desventura:
De quantos bens te exponho qual te agrada,
pois benigna os concedo, vai, procura.

Escolhi, acordei, e não vi nada:
comigo assentei logo que a ventura
nunca chega a passar de ser sonhada.
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Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Chega tarde, o companheiro
e ao ver tanta grana, exclama:
- Como ganhaste o dinheiro ?!
Passas o dia na cama!!!
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Poema de 
YORGOS SEFERIS
Esmirna/Grécia, 1900 – 1971

A Folha do Choupo

Tremia tanto que o vento a levou
tremia tanto como não a levaria o vento
lá longe
um mar
lá longe
uma ilha ao sol
e as mãos apertando os remos
morrendo no momento em que o porto apareceu
e os olhos fechados
em anêmonas do mar.

Tremia tanto tanto
procurei-a tanto tanto
na cisterna com os eucaliptos
na primavera e no verão
em todas as nuas florestas
meu Deus procurei-a.
(tradução: Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis)
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Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Na penumbra, o berço é um templo,
ajoelho e em ternura enorme,
entre rendas eu contemplo
meu pequeno deus que dorme!
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Hino de 
Arara/PB

Inspirada em uma ave
A tua história surgiu
A pujança de teus filhos
O teu nome difundiu
Reservando o teu espaço
Na História do Brasil.

Arara amada
terra querida
Confio a ti a minha vida.

O teu passado sofrido
Teu presente de certeza
É o prenuncio já vivido
De um futuro de grandeza
Terra plácida e venturosa
Dádiva da mãe natureza.

Arara amada
terra querida
Confio a ti a minha vida.

A tua fé incessante
Sempre enérgica e cristalina
Fruto do teu patriarca
O apóstolo Ibiapina
Faz superar obstáculos
Toda provação domina.

Arara amada
terra querida
Confio a ti a minha vida.

Dezembro mês escolhido
Para ser também o teu Natal
Harmonia, independência
Marcas do teu ideal
Trabalho e crescimento
Tua face natural.

Arara amada
terra querida
Confio a ti a minha vida.
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Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Se algum motivo incessante
sopra luz em tons diversos...
é a musa que vem, migrante,
pedir pouso em nossos versos!
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Poema de 
PEDRO DU BOIS
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC

Nudez

Desnuda-te
demonstra
tua humanidade
na beleza
em claves
e palavras
onde mostra
aos tolos
que esperam
de ti o golpe
no movimento
de teu corpo nu

teu o arcabouço
no nascimento
e no abandono

no reencontro do corpo
ao encontro de outro
corpo nu como o teu.
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Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Nos meus embates medonhos
sempre enfrento os desafios,
quando a vida tece sonhos
e o tempo desfaz os fios.
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Fábula em Versos
adaptada das Fábulas de Monteiro Lobato 
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Fábula do Urso e do Coelho 

Um urso forte, de grande tamanho, 
encontrou um coelho, com jeito de estranho. 
“Eu sou o rei, não tenha medo!” 
Disse o urso, com ar de enredo. 

O coelho, esperto, logo respondeu: 
“Reis são muitos, mas amigos são poucos, eu sou seu!” 
E assim, com risos, se tornaram aliados, 
mostrando que a amizade é o maior dos legados.
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A. A. de Assis (Ecopapo)

A natureza foi criada para sustentar a vida. O ser humano foi criado para cuidar da natureza, cultivá-la e dela se servir. Foi isso que nos ensinaram.  Então a gente está sempre a falar de natureza, ambiente, meio – uns entendendo do que falam, outros pensando que entendem, outros falando só por falar.

O tema é instigante e interessa a todos. Falando ou escrevendo, cada um dá suas receitas de como preservar o universo. Nesses tantos ecopapos, há questões que costumam aparecer com mais frequência. Lembro algumas:

· Você diz “natureza”, “ecossistema”, “ambiente” ou “meio”? E se “meio” e “ambiente” são a mesma coisa, por que alguns preferem o redundante “meio ambiente”?   

· O rio adorna e rega a cidade, até que de repente enche demais e põe em pânico a população. Aí perguntam: por que insistem em fazer casa à beira-rio?  

· Animal doméstico faz parte da natureza? Por que protegem mais os animais silvestres do que os domésticos? E por que você não come a onça, mas faz churrasco da vaca?

· Sim, sim, vacas e galinhas recebem maiores cuidados: vacinas, ração de primeira. Mas esse tratamento especial seria por amor ou por interesse do ser humano? Quanto mais bem-cuidados, melhores produtos nos oferecem.

· A natureza é briguenta: a onda contra o rochedo. O cipó contra a árvore. O gavião contra o sabiá. O vento contra a plantinha. Ou isso faz parte do enredo?

· Tem uns bichos assustadores, que nem a aranha e a cobra. Entretanto aprendemos que em nome da biodiversidade eles precisam ser preservados.

· Por que precisam existir seres tais quais barata, formiga, carrapato, cupim, pernilongo, piolho, gafanhoto?

· A natureza é contrastante: tem flor e espinho, remédio e veneno, aroma e fedor, tem doce e amargo.

· Tem coisas que nos deslumbram e ao mesmo tempo nos colocam em perigo: cataratas, florestas, altos picos, cavernas, vulcões, cânions. Mas temos mesmo necessidade de chegar perto desses lugares?

É complicado lidar com tais aparentes incongruências. Mas que tudo isso dá bom papo, dá. Entendendo ou não do assunto.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 24-7-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing