Os
índios krahós, do rio Tocantins, possuíam outrora um machado mágico chamado
koieré. Sua lâmina era feita de pedra, em formato de âncora, e ele era usado
tanto na guerra quanto nas cerimônias religiosas da tribo.
Os
krahós viviam em guerra com seus vizinhos. O seu maior desafeto eram os
krolkametrás, uma tribo rival.
Certa
feita, as duas tribos estavam se enfrentando, quando uma flechada certeira
abateu o portador do machado cantante. O valente guerreiro krahó caiu para um
lado, e o machado, para o outro.
Como
um raio, o matador correu e apoderou-se da arma.
–
Agora o koieré pertence aos krolkametrás! – urrou ele, brandindo no ar o
machado.
Finda
a matança, todos voltaram satisfeitos para as suas casas, cada lado levando os
inimigos mortos para serem assados nas grelhas.
Mas
quem ia feliz mesmo era o novo portador do koieré, que era casado com uma bela
índia. Antes mesmo de chegar em casa, decidiu que, agora que se tornara um
personagem importante da aldeia, deveria arrumar coisa ainda melhor do que a
sua bela índia.
Não
demorou muito, apareceu uma candidata, e o índio se mudou para a oca dela. Na
pressa, porém, acabou esquecendo o machado dependurado em cima da sua rede.
Durante
a noite, a índia abandonada escutou por entre os intervalos dos seus soluços o
machado falar-lhe:
–
Mamãe, vamos passear!
Índias
são muito maternais. Por algum motivo, o machado passara a chamá-la de mamãe, e
bastara isso para ela ficar enternecida com o objeto.
Tomando-o
nos braços, ela saiu porta afora para passear.
Durante
a noite inteira a índia enjeitada embrenhou-se pelas matas, enquanto o machado
lhe ensinava todas as canções de amor e de guerra dos krahós.
Logo,
toda a aldeia ficou sabendo do caso, e a notícia se espalhou, chegando à aldeia
dos krahós. Então, o irmão do primitivo dono do machado decidiu recuperá-lo.
A esta
altura, o novo dono já havia retomado o objeto e foi com raiva que recebeu a
visita do emissário.
–
De forma alguma o restituirei! – bradou ele.
Mas
o cacique da tribo disse que havia regras que o obrigavam a restituir o objeto
aos inimigos.
–
Anhangá e maldição! – rosnou o novo dono. – Pois saibam que só o restituirei
àquele que me vencer na corrida de toras!
Corrida
de toras era uma competição que os índios disputavam tendo atravessada às
costas uma tora de madeira de cerca de um metro de comprimento.
–
Quem me vencer poderá não só levar de volta o machado como me matar e comer a
carne do meu corpo! – disse o desafiante, seguríssimo.
O
emissário retornou aos krahós e repetiu ao pretendente o desafio.
–
Corrida de toras nenhuma! – disse este. – Vamos reaver o koieré à força!
Então
os krahós armaram-se de flechas e porretes e rumaram para a aldeia dos
krolkametrás, prontos para mais uma bela dança das flechas. Quando chegaram à
divisa da aldeia inimiga, foram lançados ao ar os brados de guerra das duas tribos
valorosas, e as flechas assoviaram de novo, para valer. Mas quem mais trabalhou
foi, como sempre, o machado mágico, que não parou de cantar um segundo enquanto
levava adiante a sua obra guerreira de ceifar vidas, desta vez as dos krahós,
seus antigos donos.
A
certa altura, porém, o novo dono do machado viu-se cercado por algumas dezenas
de adversários e não teve alternativa senão correr com machado e tudo. Não
sabemos que espécie de canção o machado entoou na fuga, mas o fato é que, ao
enfiar o pé num buraco de tatu, o krolkametrá foi ao chão e perdeu, além do
machado, a própria vida, estraçalhado pelas lanças adversárias.
E
foi assim que o koieré voltou à tribo dos índios krahós.
Fonte:
Franchini, Ademilson S. As 100 melhores lendas do folclore brasileiro. Porto
Alegre/RS: L&PM, 2011.
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