Os
índios Umutinas explicam o surgimento das doenças como uma solução para evitar
a superpopulação das aldeias. Naqueles dias antigos, os velhos não morriam de
coisa alguma, nem ficavam doentes, nem perdiam os dentes. Como tinham todos os
dentes na boca e um apetite de leão, comiam o dia todo sem produzir nada,
tirando o alimento até das crianças.
Certa
feita, três homens decidiram encontrar uma solução para o problema (sem se
darem conta de que um dia eles também seriam tratados como um problema). Foram,
então, fazer uma visita à Lua, que entre os índios é homem e se chama Hári.
–
Que solução você tem para que não acabe faltando comida para todos? – disse um
dos três futuros velhos.
Hári,
que era também um feiticeiro, coçou a cabeça e disse:
–
Infelizmente não posso ajudar. Procurem Mini.
Mini
era o Sol. Os três índios foram para a casa dele. Depois de muito caminhar,
chegaram, afinal, ao seu destino.
–
Bom dia, Mini. Dê-nos o veneno mais forte que tiver em seu herbanário.
O
Sol ergueu as sobrancelhas.
–
Veneno para quê?
–
Queremos um veneno para acabar com os velhos da nossa aldeia.
–
Vocês estão loucos?
–
Não, não estamos. É preciso fazer isso ou nossa aldeia inteira morrerá de fome.
Então
o Sol reconsiderou e trouxe da sua sala de moléstias uma flecha mágica. Junto
com ela vinham várias doenças.
Os
índios escutaram atentamente e pareceram satisfeitos.
–
Mas, cuidado – alertou o Sol. – Só atirem a flecha depois de se esconderem atrás
de uma árvore, pois ela costuma voltar para atingir o seu arremessador.
Como
sempre acontece, o aviso fatal entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Tudo
quanto eles pensavam era em dar um jeito nos velhos da tribo.
Os
três índios andaram e andaram até chegarem, enfim, à aldeia.
–
Vamos experimentar esta flecha de uma vez! – disse um dos três.
Após
tomar do arco, o arqueiro fez pontaria em um velho que estava sentado embaixo
de uma árvore desde o raiar do dia comendo mandioca e milho verde.
Antes
de suspender o arco, o arqueiro escolheu uma doença.
Então
a flecha não tardou a voar direto no velho. Ela varou o ventre dele e retornou
na direção do arqueiro, que só não foi atingido porque lembrou, no último
instante, do aviso do Sol.
Os
três ficaram escondidos para ver o efeito da seta. Em menos de meio minuto, o
velho começou a se sentir mal e acabou morrendo. E assim os três índios saíram
escondidos pela aldeia, dando flechadas nos velhos.
Então,
certo dia, outro índio resolveu pedir emprestada a flecha mágica para caçar
animais.
Na
pressa, os três índios esqueceram de avisar a ele sobre o vai e volta da
flecha, e o caçador partiu alegremente, sem desconfiar do perigo.
No
mesmo dia meteu-se na selva e procurou a melhor caça que pôde.
–
Tem de ser um bicho daqueles! – disse a si mesmo, enquanto espreitava.
Não
demorou muito e surgiu um veado enorme, maior do que um cavalo. O índio
assestou a flecha e soltou a corda. A seta foi até o veado, cumpriu com o seu
papel de abatê-lo e retornou até o arqueiro. Como este estava desavisado da
volta, em vez de esconder-se atrás de uma árvore, ficou parado no mesmo lugar,
recebendo a flechada da volta bem no meio do peito.
Fonte:
Franchini, Ademilson S. As 100 melhores
lendas do folclore brasileiro. Porto Alegre/RS: L&PM, 2011.
Os
Umutina viviam antigamente na margem direita do rio Paraguai, aproximadamente
entre os rios Sepotuba e Bugres. Sua área de domínio, entretanto, estendia-se
desde aquelas paragens até o rio Cuiabá. Com a chegada dos não-índios os
Umutina deixaram a região do Sepotuba e migraram mais para o norte, passando a
viver às margens do rio Bugres, por eles denominado Helatinó-pó-pare, afluente
do alto Paraguai.Estão distribuídos em duas aldeias, uma de nome ‘Umutina’,
onde vivia a maioria de sua população (420 indivíduos), e a outra, mais
recente, é chamada de ‘Balotiponé’, onde moram as outras 25 pessoas, divididas
em cinco famílias [dados de 2009]. As aldeias estão localizadas na Terra
Indígena Umutina, em uma área de 28.120 hectares homologada em 1989, nos
municípios de Barra do Bugres e Alto Paraguai, entre os rios Paraguai e Bugres,
em Mato Grosso. A TI está situada em uma faixa de transição da Amazônia e do
Cerrado, sendo que este último compreende a maior parte do território.
Eram
chamados de Barbados por possuírem ralas barbas, que consideravam sinal de
orgulho.
No
início do século XX foram descritos como indígenas agressivos e violentos por
impedirem pela força, a invasão de seu território tribal, invadido pelos homens
brancos.
A
pacificação definitiva deu-se em 1911, com o contato realizado pelo Coronel
Rondon entre os rios Paraguai e Bugres, que determinou ao Governo do Estado que
demarcasse aquelas terras como posse dos Umutina. Apesar disso, o grupo
continuou a ser exterminado por parte dos extrativistas da região e também
pelas as doenças como a gripe, o sarampo, a tuberculose e a bronco-pneumonia.
A
atividade principal do povo Umutina era a agricultura e consistia
principalmente do plantio de milho e da mandioca. A pesca era realizada com
arco e flecha e as mulheres preparavam os peixes com mingau e pimenta. As
caçadas e a coleta de mel, frutos, cogumelos, resinas e ervas medicinal
complementavam subsistência do grupo. Hoje, dedicam-se a criação de gado, ao
trabalho nas fazendas da região, a venda do pescado e aos projetos agrícolas da
FUNAI.
Segundo
Harald Schultz os relacionamentos entre os umutinas eram monógamos. Os pais
decidiam o futuro esposo de suas filhas e o dia do casamento, quando era
realizada uma cerimônia em que o casal pintava o corpo inteiramente de urucu.
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