terça-feira, 24 de maio de 2016

Nilton Tuller (Pai, Desculpe a Franqueza)

PAI. Puxa ! Faz tempo que não pronuncio esse nome. Sabe, papai, eu era um menino cheio de vida. Tinha sonhos febris como os meus colegas de escola. Sim eu sonhei em ser tantas coisas lindas!!! Só não sonhei em ser o que sou hoje. Eu pensava: vou crescer, estudar, trabalhar, etc., etc.

O senhor era meu herói. Sim! Meu Pai Herói! Para mim não existia ninguém com mais autoridade que o senhor. É certo que eu estranhava quando o senhor chegava, meio alcoolizado em casa, abetumado, macambúzio e jururu. Mas, papai, eu quero dizer aqui de longe algo que trago no meu peito há muito tempo. O senhor não me preparou para enfrentar a vida. Lembra, papai? O senhor não tinha tempo para mim. É verdade que o senhor me dava presentes, eu creio que o senhor nunca se esqueceu de um presente de natal, aniversário e tantas outras vezes. Só se esqueceu da minha pessoa. Lembrou-se do que eu precisava, e até do supérfluo, mas não se lembrou do que eu era. Eu era, na verdade um órfão de pai vivo! Pai, eu não queria os seus presentes apenas, eu queria mesmo era o senhor. Queria e ansiava seu calor, o seu abraço, o seu beijo a sua atenção. Abraço!!! Nem me lembro de ter recebido um! O senhor nunca elogiou um boletim escolar que trazia para casa. Um dia a minha bicicleta descentralizou as rodas. Lembro-me como se fosse hoje. O senhor ia saindo para o escritório. Eu lhe pedi para me ajudar. Lembra, papai, o que me respondeu? “Eu não tenho tempo. Meus clientes estão me esperando”. Puxa vida! Eu senti tanto ciúmes do senhor. Afinal seus clientes eram mais importantes do que eu. O senhor e mamãe estavam tão ocupados que mal me viram crescer. Vocês tinham que satisfazer os compromissos com a sociedade. Eu me sentia só, e isto me revoltava. Nasceu dentro de mim um conflito. Eu não sabia bem se o odiava ou tentava chamar a sua atenção para o meu dilema. Eu queria tanto que o senhor soubesse que apesar de tudo, eu o amava. Hoje estou confuso, e nem sei mais o que é amor. Eu sei, papai, que o senhor não é de tudo culpado. O senhor é fruto de uma sociedade consumista e humanista. O senhor nunca me ensinou nada sobre religião, fé, Deus. Nas refeições o senhor só falava em negócios, dinheiro, ações, investimentos etc... Eu quase não via o senhor chegar. Ah! Se o senhor tivesse adivinhado que as poucas vezes que eu estava acordado, esperava que a porta do meu quarto abrisse e o senhor fosse sentar-se na minha cama e pudesse me desejar uma boa noite. Mas... o senhor passava direto para o seu aposento. Por causa disso, papai, eu por curiosidade, por auto-afirmação ou aventura, não sei, entrei para as drogas. Como o senhor não me ajudou, os traficantes me adotaram.

E então os meus sonhos se desmoronaram. Eu que o admirava tanto, passei a chamá-lo de quadrado, velho, coroa e outros adjetivos.

Hoje estou aqui atrás das grades. Sim, papai! Estou preso nas garras do vício, na malha da lei. Pior que isto. Estou preso nas minhas esperanças.

Mas... pensando melhor, pai, eu olhei agora pelas grades da prisão e vi lá fora bem alto e longe uma nesga de céu azul. Creio que há esperança. Eu quero sair daqui, papai. Quero ser livre. Liberte-se também de tudo aquilo que lhe prende, e vamos começar de novo. Vamos fazer um convênio. EU VOLTO A SER CRIANÇA, E O SENHOR VOLTA A SER PAI.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

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