terça-feira, 29 de setembro de 2015

Aparício Fernandes (Classificação da Trova) Trovas Populares Anônimas



        
Encerrando esta análise, temos, finalmente, as trovas populares anônimas. Sobre elas, assim se expressou J. G. , 6, de Araújo Jorge, no prefácio do livro "100 Trovas Populares Anônimas", (Editora Vecchi, 1962, Rio de Janeiro):
         "Trovas populares anônimas não são apenas trovas "eruditas" dos grandes poetas, as trovas literárias, que um dia se perdem no rio da grande popularidade, afogando seus autores, são também as trovas rústicas e imperfeitas que nascem da alma do povo, na boca dos cantadores, dos violeiros, dos sanfoneiros, dos poetas populares anônimos que enxameiam no interior do Brasil e de Portugal. Verdadeiros filões de ouro de nossa sensibilidade e de nosso espírito".
         Na síntese clara e expressiva de algumas poucas palavras, J. G. nos oferece uma esplêndida definição sobre a trova popular anônima. Quem não sente a alma do nosso povo, tão sentimentalmente romântico, nesta trova popular anônima, autêntica e deliciosa cantiga, uma das mais lindas que conhecemos?:

Vou-me embora, vou-me embora
segunda-feira que vem.
Quem não me conhece, chora,
que dirá quem me quer bem!

         Ao que tudo indica, esta trova deve ter surgido no Nordeste, uma vez que a expressão “que dirá”, significando quanto mais, é tipicamente nordestina. Quando éramos garoto e nadávamos no rio de nossa cidadezinha, ouvíamos diariamente as bravatas dos pequenos nadadores, em desafios mútuos: "Você, que é medroso, atravessou o rio, que dirá eu!"
         Outra deliciosa quadrinha popular é esta:

Todo homem é um diabo,
não há mulher que o negue.
Mas todas elas procuram
um diabo que as carregue!...

         Talvez em represália, apareceu esta quadrinha popular, muito ao sabor das mocinhas, que, mal começam a namorar, já sentem prazer em alfinetar os seus futuros maridos:

Deus, quando fêz o homem,
não precisou cerimônia:
– deu-lhe o corpo de um boneco
e a cara de um sem-vergonha.

         Muito embora "cerimônia" não rime com "sem-vergonha", a quadrinha é deliciosa; todavia, por êsse defeito de rima, não a consideramos Trova, na moderna acepção do termo. Sem dúvida poderia caber-lhe o título de trova, mas apenas no sentido mais amplo e vago da palavra, ou seja, de composição poética ligeira, despretensiosa, cantiga popular, etc.
         Concluindo, aqui ficam mais alguns exemplos de trovas populares anônimas:

O meu pai é Juca Caco;
minha mãe, Caca Maria;
ajuntando os cacos todos,
sou filho da cacaria.
___________
Ó beija-flor de asa branca,
que mora na pedra ôca,
toda menina bonita
merece um beijo na bôca!
___________
Não seja tão imprudente,
olhe bem por onde vai.
Sua mãe morreu sem dente,
de tanto morder seu pai.
___________
Dizem que o pito alivia
as mágoas do coração;
eu pito, pito e repito,
e as mágoas nunca se vão.

         Algumas vezes acontece que a trova, além de ser popular anônima, vem em linguagem chula ou caipira:

Bezerro de vaca preta
onça pintada não come.
Quem casa com muié feia
não tem mêdo de outro home.
___________
continua… Trovas mistas e trovas bipartidas

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

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