segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Olivaldo Júnior (À Luz de Velas)

- Onde tem vela, vó? - perguntou Felipinho.

- Embaixo da pia, Lipe! - respondeu a avó, lá do quintal.

Os homens da companhia de luz haviam cortado a energia elétrica daquela casa logo à tarde. Não quiseram nem saber. Não pagou, se danou. E a luz foi cortada. Moravam apenas avó e neto naquela casa de quatro cômodos na periferia da pequena cidade em que moravam. A mãe dele havia morrido de doença ruim. O pai, sabe-se lá onde estava. Sumiu. Ficou para a avó criar o neto. Para isso, lavava roupa para fora. O dinheiro era pouco, mas dava para o pão. Sem pão, ninguém vive. E Felipinho adorava pão fresco, margarina e café coado em coador de pano, quente e doce.

Lipe, ou Felipinho, depois da escola. com seus dez anos de idade, catava latinhas de refrigerante nas ruas do bairro e fazia pequenos serviços para os vizinhos. Queria ser médico quando crescesse. Achava bonito. Gostava de ver Dr. House na tevê. A avó embarcava no sonho, sonhava junto. Ter um sonho é vital. Persegui-lo é surreal. O tempo daria conta de Lipe e de seu sonho? Não sei, o tempo não fala o tempo todo. De vez em quando, sisudo, se cala e custa a passar. Aliás, falando em passar, dona Nica e Felipinho passariam o Natal daquele ano à luz de velas. Romântico?

Era véspera de vinte e cinco de dezembro. Caía a noite. A avó sentou-se ao lado do neto e lhe fez um doce afago nos cabelos.

- Acende as vela, Lipe, enquanto a vó faz arroz pra nós, "filho"...
 
Felipinho, devagar, com se acendesse uma esperança, alumiou a casa dos dois. Depois, na mesa da cozinha mesmo, com o barulho da avó refogando o arroz e cantando um samba antigo do Paulinho da Viola, Lipe escrevia. Sua avó nem viu que aquela carta era um gesto de agradecimento. As sombras na cozinha, cuidadosamente formadas pela luz amarelada das velas acesas por Felipe, indicavam a poeticidade da noite. Lipe agradecia pela chance de ter a avó como mãe, a única que conhecera. Deixaria essa cartinha na meia furada, posta do lado de fora da janela. Não, não para o Papai Noel, que, assim como seu pai, nunca aparecera. Escrevia para o Menino Jesus, tão bonito, que ele via no presépio da praça ao fim do mês de novembro, sempre que voltava da escola. Logo, à luz de velas, arroz com carne moída e suco, ceariam. 
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Fontes:
O Autor
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