terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Olivaldo Júnior (O mundo é seu )

Flor de ir embora, eu vou
Agora esse mundo é meu
Fátima Guedes

O rapaz chegou à casa e não encontrou ninguém. Todos haviam saído. A casa seria dele, apenas dele aquela noite. Pensou em colocar uma música, mas primeiro tomaria banho e colocaria uma roupa limpinha e bem velha, velhinha, como só ele gostava de usar. Não tinha ninguém em casa, ninguém para dizer a ele "Troca essa roupa, menino!"... A casa estava só. E ele se solidarizava com ela.

Depois do banho, pintou vontade novamente de música. Colocou-a no MP3 e se deitou no sofá, tomando o cuidado de elevar os pés em duas fofas almofadas de algodão, como se duas nuvens fizessem carinhos angélicos em seus pés, tão cansados. Cansaço. Eis a palavra que lhe vinha à mente enquanto se deixava embalar pela voz da cantora. Quem não gosta de música? Suave, então... Ah...

Eram pouco mais de seis e meia da tarde. Não sei se foi a luz amarelada, translúcida, adentrando a sala, mas o sofá transfigurou-se em delicada nuvem, os móveis sumiram e, em pouco tempo, ele estava dormindo em branquíssimo chão, lá no céu. Assustado, tentou acordar, não conseguiu. Queria levantar-se, mas o solo, fofo e branco, não deixava que seus pés progredissem e, como se pisasse em movediça areia, não saía do lugar. Começou a gritar pedindo socorro. Ninguém ouviu. Onde estaria São Pedro, seu avô falecido, o cachorrinho da irmã que morrera tragicamente atropelado naquela avenida? Não sabia. Talvez o céu seja igual ao Japão, isto é, sem endereço para correspondência, e as pessoas se percam um pouco por lá. Estava perdido. Morreria afogado numa nuvem, sem direito a tábua, digo, a boia de salvação? Foi então que apareceu um anjo, todo alegre, e lhe perguntou o que estava acontecendo.

- Me ajude, seu anjo, por favor, estou morrendo! Não consigo sair dessa nuvem, desse buraco em que me meti! - O anjo, calmamente, como se fosse irreal o medo do moço, pediu a ele que prestasse mais atenção a suas costas. Nessa hora, como se nunca tivesse sabido quem era, sentiu uma enorme protuberância logo abaixo da nuca e, num intuitivo gesto, tirou a camisa. Estava com asas. "Meu Deus!", pensou, "Tenho asas para fugir desse lamaçal em que, sem querer, me enfiei!". O anjo, ainda mais calmo, falou como se lhe ordenasse:

- Voa! Voa! O céu, o mundo é seu! Voa, moço! - Corajoso, com vontade e pulso firme, prendeu a respiração e... quando viu, estava na sala outra vez, com a mesma luz amarela encantando os vidros, enredando a tarde, como se lhe dissesse: "Dorme, dorme, menino, que a tarde é velha, mas o sonho, a história, a noite é só uma criança!...".
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Fontes:
O Autor
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