domingo, 28 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 17 *

 

Estante de Livros ("O Destino Viaja de Ônibus", de John Steinbeck)

Obs: Resumo biográfico do escritor após o resumo do livro

"O Destino Viaja de Ônibus" (título original: "The Wayward Bus"), publicado em 1947, é um romance de John Steinbeck que explora temas como a natureza humana, o desejo, a desilusão e a busca por significado em um mundo em transformação. 

Ambientado na zona rural da Califórnia pós-Segunda Guerra Mundial, o livro narra a história de um grupo diversificado de passageiros presos em uma viagem de ônibus interrompida por uma tempestade. Através das interações e experiências desses personagens, Steinbeck oferece um retrato complexo e, por vezes, satírico da sociedade americana.

ENREDO E ESTRUTURA

A trama central gira em torno de Juan Chicoy, o proprietário e mecânico de uma garagem decadente e do único ônibus que liga Rebel Corners ao mundo exterior. Quando uma tempestade torrencial danifica a estrada, um grupo de passageiros fica preso em uma jornada que se torna tanto física quanto existencial. Entre eles estão:

– Ernest Horton: Um vendedor viajante, preso em uma vida medíocre e sonhando com aventuras.
– Mildred Pritchard: Uma jovem mimada e entediada, em busca de emoção e romance.
– Norma: Uma garçonete insegura, obcecada por revistas de celebridades e em busca de amor.
– Camille Oaks: Uma dançarina de strip-tease, tentando escapar de seu passado e encontrar um novo começo.
– Van Brunt: Um homem misterioso e taciturno, carregando um segredo obscuro.

A estrutura do romance é relativamente simples, seguindo a jornada do ônibus e as interações entre os passageiros. No entanto, Steinbeck intercala a narrativa principal com flashbacks e monólogos interiores que revelam as motivações e os desejos ocultos de cada personagem.

TEMAS PRINCIPAIS

Natureza Humana: 
Steinbeck explora a complexidade da natureza humana, retratando personagens com qualidades e defeitos, sonhos e frustrações. Ele examina como o desejo, o medo, a ganância e a compaixão moldam o comportamento humano em situações de crise.

Desilusão:
Muitos dos personagens estão desiludidos com suas vidas e buscam algo mais. Ernest Horton sonha com aventuras exóticas, Mildred busca emoção e Norma anseia por um romance de conto de fadas. A jornada de ônibus se torna uma metáfora para a busca por um significado que muitas vezes se revela ilusório.

Desejo e Sexualidade: 
O desejo sexual é um tema recorrente no romance, manifestando-se de diferentes formas em cada personagem. Mildred usa sua sexualidade para manipular os homens, Norma idealiza o amor romântico e Camille busca uma conexão genuína. Steinbeck explora como o desejo pode ser tanto uma força destrutiva quanto uma fonte de esperança.

Classe Social:
O romance retrata a diversidade da sociedade americana, reunindo personagens de diferentes classes sociais e origens. As interações entre eles revelam as tensões e preconceitos que permeiam a sociedade.

Busca por Significado:
Em última análise, "O Destino Viaja de Ônibus" é uma meditação sobre a busca por significado em um mundo caótico e imprevisível. Os personagens são forçados a confrontar suas próprias limitações e a encontrar um sentido em suas vidas, mesmo em meio à desilusão e à incerteza.

ESTILO E SIMBOLISMO

O estilo de escrita de Steinbeck é caracterizado por sua prosa simples e direta, rica em detalhes sensoriais e descrições vívidas da paisagem californiana. Ele usa metáforas e simbolismos para enriquecer a narrativa e transmitir seus temas principais. O ônibus, por exemplo, pode ser interpretado como uma metáfora para a jornada da vida, enquanto a tempestade representa os desafios e obstáculos que encontramos ao longo do caminho.

RECEPÇÃO DA OBRA

"O Destino Viaja de Ônibus" recebeu críticas mistas após sua publicação. Alguns críticos elogiaram a habilidade de Steinbeck em retratar a complexidade da natureza humana e sua crítica social perspicaz, enquanto outros consideraram o romance menos bem-sucedido do que seus trabalhos anteriores. Apesar das críticas, o livro permanece uma obra importante na obra de Steinbeck, oferecendo uma visão fascinante da sociedade americana do pós-guerra e explorando temas que continuam relevantes hoje.

FINAL

"O Destino Viaja de Ônibus" é um romance complexo e multifacetado que oferece uma reflexão profunda sobre a natureza humana, o desejo, a desilusão e a busca por significado. Através de seus personagens cativantes e sua prosa evocativa, Steinbeck nos convida a embarcar em uma jornada que nos leva a confrontar nossas próprias limitações e a encontrar um sentido em nossas vidas, mesmo em meio à incerteza e ao caos.
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John Ernst Steinbeck nasceu em 27 de fevereiro de 1902, em Salinas/ Califórnia/ Estados Unidos. Ele foi um dos escritores mais influentes do século XX, conhecido por suas obras que exploram a condição humana, a luta dos pobres e a injustiça social. Cresceu em uma família de classe média, onde desenvolveu um interesse pela literatura desde cedo. Ele estudou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas abandonou os estudos antes de concluir o curso, dedicando-se à escrita e a trabalhos temporários. Começou a ganhar reconhecimento na década de 1930, com obras como "Tortilla Flat" (1935) e "As Vinhas da Ira" (1939), que retratam as dificuldades enfrentadas por trabalhadores e agricultores, especialmente durante a Grande Depressão. Seu estilo realista e seu compromisso com temas sociais o tornaram uma voz poderosa em sua época. Seus romances frequentemente abordam questões de classe, desigualdade e a luta pela dignidade humana. Outras obras: “Ratos e Homens" (1937); "A Pérola" (1947); A Leste do Éden (1952). "As Vinhas da Ira" ganhou o Prêmio Pulitzer e é considerado uma de suas obras-primas. Steinbeck casou-se três vezes, primeiro com Carol Henning, depois com Gwyndolyn Conger e, por fim, com Elaine Scott. Ele teve dois filhos. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como correspondente de guerra, e suas experiências influenciaram seu trabalho. Em 1962, Steinbeck recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, reconhecido por sua escrita que "capturou a realidade da vida americana e a luta de seus habitantes". Faleceu em 20 de dezembro de 1968, em Nova Iorque. Sua obra permanece relevante, abordando temas universais que ressoam com as lutas contemporâneas da sociedade.

O escritor em xeque (Entrevista exclusiva com o paraense Célio Simões de Souza)


Esta entrevista foi realizada virtualmente com o escritor prof. Dr. Célio Simões. O objetivo é que o leitor conheça quem é o escritor atrás da pessoa, quem é a pessoa atrás do escritor, com 35 perguntas bem abrangentes.

CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro de diversas academias no Pará, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

1 - Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Nasci em Óbidos, no Estado do Pará, cidade situada à margem esquerda do Rio Amazonas, no exato ponto onde ele é mais estreito e mais profundo (1,8 km de largura e 120 metros de profundidade). Entre tantos filhos ilustres, dois deles se destacam: José Veríssimo e Inglez de Souza, que com Machado de Assis e outros intelectuais, fundaram em 1900 a Academia Brasileira de Letras. Outra peculiaridade: a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932 contou com a adesão do 4.º Grupo de Artilharia de Costa, nela sediado, sendo a única unidade militar fora do território paulista a se engajar àquele movimento. Com poucos dias de nascido, voltei com meus pais para a Fazenda Capela e lá vivi a primeira infância até os seis anos de idade, quando nos fixamos em Óbidos, pois eu e minhas irmãs precisávamos começar a estudar. Em 1966 me mudei para Belém/PA e na capital cursei o científico no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, fiz um ano do curso clássico no Colégio Abraham Levy e finalmente em 1972 iniciei o Curso de Direito na Universidade Federal do Pará, concluído em julho de 1976. Em 1979, fiz o curso da Escola Superior de Guerra. Em 1980 e a nível de extensão, conclui Metodologia do Ensino Superior na Universidade da Amazônia, fiz outros cursos de extensão universitária na área do Direito e finalmente, em 2006, fiz a minha pós-graduação em Direito do Trabalho, na Universidade Cândido Mendes (RJ).  

2 – Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Cursei o primário, como os demais jovens da época, no Grupo Escolar José Veríssimo, que nos propiciou ensino de excelente qualidade. Quem concluía essa etapa, mediante o chamado Exame de Admissão, ingressava no curso ginasial, que passou a funcionar a partir de 1962 no Colégio São José, de propriedade dos religiosos que atuavam na paróquia – os padres franciscanos e as freiras da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição. Durante o primário, estudávamos ao som das palmatórias, usadas também nas escolas particulares que davam aulas de reforço. Durante o ginasial os castigos físicos foram abolidos, porém a disciplina era muito rígida, tanto que tivemos um colega excluído do curso por haver engravidado a namorada. Por causa disso, ele jamais voltou aos bancos escolares. Primário e ginasial atualmente constituem o ensino fundamental.  

3 - Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Sou filho homem único de uma família de professores. Minha mãe e minhas quatro irmãs (duas já falecidas) foram professoras e o ambiente familiar contribuiu para o meu aprimoramento escolar. Quem me alfabetizou foi uma tia materna, a professora Córa Simões, titular do Colégio Santo Antônio e que formou muitas gerações de obidenses. Desde 2009, quando fundei na cidade a AALO - Academia Artística e Literária de Óbidos, onde ocupo a Cadeira n.º 1 e fui seu primeiro presidente, a escolhi para ser minha patrona no referido instituto cultural. Além de advogado, depois me tornei professor, atuando na Universidade da Amazônia, na Escola Superior de Advocacia, na Escola de Árbitros e Mediadores do Estado do Pará e no magistério particular. Já deixei as salas de aula e hoje só dou palestras. 

4 – Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?

Iniciei com as Seleções do Reader’s Digest, uma publicação mensal destinada ao público familiar, contendo artigos variados, de interesse geral e de humor leve e divertido. Tenho em casa a coleção completa, desde o primeiro número lançado no Brasil em 1942. Além das revistas e jornais da época, como O Cruzeiro, Manchete e O Cometa, garimpava a coleção Tesouro da Juventude, uma enciclopédia destinada aos jovens e as crianças, que passou por uma repaginação em 1958 e fez parte da educação de milhares de estudantes daquela época. Incluo também os clássicos de Ernest Hemingway como O Velho e o Mar e Por Quem Os Sinos Dobram, e uma extraordinária obra da literatura pacifista “Nada de Novo na Frente Ocidental” de autoria de Erich Maria Remarque, que serviu no Exército Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. A obra reflete suas experiências e observações sobre os traumas, o desespero e a total inutilidade das guerras. Certa época descobri a portabilidade e o baixo custo dos chamados “Livros de Bolso” e através deles tive acesso a muitos clássicos da literatura brasileira, que de outra forma me seriam difíceis. Sempre cultivei o hábito da leitura, vendo nos livros uma agradável companhia. 

5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de literato?

Escrevi desde os 14 anos, quando ainda estudava o quinto ano do curso primário, em 1961. Por indicação da professora Jeannet Valente do Couto, eu e mais três garotos ficamos incumbidos da publicação do jornal da nossa classe, que denominamos de “UIRAPURÚ”, em homenagem ao pássaro de canto mais belo da Amazônia. Era um mural mensal e noticioso que trazia nossos comentários sobre os fatos mais relevantes ocorridos na região Oeste do Pará, onde vivíamos e do Brasil. Teve vida efêmera, pois em 1962 saímos da escola para cursar o ginasial, mas a experiência foi muito válida por haver despertado nossa vocação para a escrita e para o jornalismo. Hoje essa professora, já bem idosa, é minha confreira na Academia Artística e Literária de Óbidos, nos encontramos com frequência, pois somos quase vizinhos aqui em Belém. Mais tarde, passei a escrever crônicas e contos que eram divulgados em jornais e revistas de Belém (PA), Santarém (PA), São Luís (MA) e São Paulo (SP). Eu já tinha um excelente acervo quando surgiu a oportunidade de escrever meus livros, o que só veio a ocorrer em 2017, porque antes a advocacia tomava quase todo o meu tempo útil.  

6- Como foi dar esse salto de leitor para escritor?

Exatamente assim, como informado na pergunta anterior. Amigos, familiares e leitores começaram a sugerir que eu escrevesse um livro, reunindo minhas crônicas e contos, para evitar que os textos ficassem dispersas ou se perdessem nos jornais que os publicavam. Convencido de que era inevitável tal iniciativa, fiz minha estreia como escritor com o livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, que teve excelente repercussão e mereceu referências muito positivas dos que o leram. 

7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

Dois dos meus melhores amigos de infância e meus confrades na Academia Obidense - o engenheiro Ademar Amaral e o arquiteto, urbanista e empresário Carlos Antônio Silva (in memoriam) - se tornaram excelentes escritores e foi inevitável acompanhá-los, porque sempre falamos a mesma linguagem e desenvolvemos o mesmo interesse pela literatura. Ademar já recebeu vários e importantes prêmios literários e além de cronista, é um romancista fantástico. Carlos Antônio também era um pintor e fotógrafo talentoso, poeta e cronista e em 2012 resolveu escrever o seu primeiro livro. No início desse dito ano convidou-me para escrever o prefácio, deixou a “boneca” do livro no escritório e não chegou a recebê-la de volta, porque faleceu prematuramente em agosto, consternando seus leitores, amigos e familiares. Anos depois de sua morte eu e Ademar organizamos esse livro, por ele ainda em vida denominado “ÂMAGO DA AMAZÔNIA” e fizemos o lançamento aqui em Belém, com o comparecimento de numeroso público. Foi a nossa maneira de homenagear esse amigo-irmão, que nos deixou para sempre brigando com a saudade.  

8 – Tem Home Page própria? (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus).

Tenho minha página no Facebook e nela divulgo crônicas que escrevo duas vezes por mês às terças-feiras, tanto que denominei a série de “TERÇA DA CULTURA POPULAR”. Nos textos, abordo a origem e o significado de certas expressões populares que fazem parte do nosso linguajar cotidiano, que você tem generosamente divulgado. 

9 – Você percebe muitas dificuldades em viver de literatura, em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

As dificuldades são muitas, a partir do custo da edição e do lançamento de um livro, sempre onerosos. Some-se a isso o desinteresse das pessoas pela leitura, principalmente na era da internet, na qual os livros vão paulatinamente cedendo lugar ao computador e aos celulares para leituras breves ou superficiais. É lamentável, mas é a nossa realidade. Em 2026 farei 50 anos trabalhando como advogado, fui juiz de um Tribunal, tenho outros negócios e não dependo da venda de livros para sobreviver. Pelo contrário. Como é o meu escritório de advocacia que banca a edição dos livros que escrevo, toda a renda apurada nas vendas é destinada à Santa Casa de Misericórdia de Óbidos, que cuida gratuitamente da saúde da população carente do município. Fico imensamente feliz em poder fazer isso.   

10 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros? Cite alguns deles.

Sim, porém nenhum romance ainda. Como cronista e contista já publiquei os seguintes: “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”; “RECADOS DA MEMÓRIA”; “UM RIO DE HISTÓRIAS”; “CONTAR PARA NÃO ESQUECER” e “ENCONTROVERSOS”, este último, meu único livro de poesias. Participei de obras coletivas como “UM ABRAÇO APERTADO”, “ATEP - 40 ANOS”, “ANTOLOGIA DOS IMORTAIS OBIDENSES”, “AMAZÔNIA AMBIENTAL” e organizei “TALISMÔ (da poetisa Kátia Santos), “POESIAS” (do poeta Saladino de Brito), “ÂMAGO DA AMAZÔNIA”, do saudoso amigo Carlos Antônio Silva, sobre o qual falei acima e “ERA UMA VEZ, NÓS TRÊS”, da minha ex-professora Maria José Calluf, que também é acadêmica no Silogeu Literário obidense. 

11 – Como definiria seu estilo literário?

Meu estilo é leve e divertido, porque de leitura pesada já bastam os noticiários dos jornais. Sou adepto da literatura brasileira praticada na Amazônia e procuro dela não me afastar. O admirável Ariano Suassuna dizia que militava politicamente “como escritor”. Eu também o faço, embora tomando cuidado para não me tornar chato para os leitores. 

12 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

O livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, justamente por ser o primeiro... 

13 – O que é importante para alguém escrever hoje em dia na área de literatura?

O campo de atuação do escritor é vasto, de vez que existem muitos temas e assuntos importantes sobre os quais escrever. E, na eventual falta deles, ainda resta a ficção... 

14 – Você participa de algum grupo de escritores. Se sim, o que te levou a participar dele? O que te motiva a escrever um texto?

Sim, faço parte do “CLUBE LITERÁRIO”, de um grupo de amigos escritores da Academia Paraense de Letras e de outros das demais academias literárias que faço parte.  Além disso os escritores e colunistas do Jornal URUÁ-TAPERA, um dos mais lidos do Estado, que divulga as minhas crônicas e as dos demais articulistas, também se congregaram num grupo, mercê do interesse comum pela literatura e pela poesia. A maior motivação para escrever resulta da observação do que acontece no dia a dia, nas viagens que faço e nos encontros, pois sempre surge uma situação que pode virar uma crônica.   

15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?

Meus textos representam a minha realização pessoal como intelectual e escritor. Para os leitores, seria melhor que eles mesmo fizessem algum juízo de valor... 

16 – Você pertence a diversas academias no Pará. O que te levou a elas? Como se sente nelas? Quais suas ambições nelas?

Idealizei e fundei a Academia Artística e Literária de Óbidos (AALO), da qual fui o primeiro presidente. Em Belém, sou um dos fundadores da Academia Paraense de Jornalismo, da qual fui vice-presidente por 3 vezes e consultor jurídico. Faço parte da Academia Paraense Literária Intreriorana, que congrega em Belém os escritores e poetas com origem no interior paraense. Sou membro titular da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da qual já fui diretor e presidente, sou fundador da União dos Juristas Católicos de Belém, sócio efetivo do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (de Santarém/PA), sócio honorário da Academia Vigiense de Letras, sócio efetivo da Associação Cultural Obidense e da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará, da qual fui fundador, diretor e duas vezes vice-presidente. Recentemente, fui convidado a integrar como efetivo a Academia de Letras da Polícia Militar do Estado do Pará, da qual redigi os estatutos e se encontra em fase de implantação. Às vezes tenho até dificuldade de frequentá-las, pela falta de tempo ou pela coincidência das suas atividades, que acabam se superpondo. Em todas ingressei por ter sido convidado, salvo as que fundei ou ajudei a fundar. Sinto-me muito bem nelas, sou bem recebido pelos amigos e confrades de cada qual. Nenhuma ambição tenho em relação aos Silogeus que pertenço, salvo a de contribuir para elevar a cultura na Amazônia. 

17 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Sem a internet eu estaria privado de ver meus textos divulgados no excelente Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes. Sem essa ferramenta, seria difícil encaminhar os textos da Terça da Cultura Popular para os jornais, sites e blogs que os divulgam em Manaus/AM, Óbidos, Santarém, Belém, São Luís/MA e Floresta/PR. 

18 – Tem prêmios literários? Se sim, cite alguns.

Além das menções honrosas, recebi 3 prêmios literários, sendo um deles da UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém; um em Manaus/AM de uma associação cultural denominada ADORM e outro da Revista Troféu, de São Paulo/SP, já extinta, pela conquista do segundo lugar num concurso nacional de crônicas que participei, ainda na década de 80.  

19 – Em relação aos Concursos Literários: Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm “marmelada”?

Atuei em vários, inclusive na comissão julgadora, como ocorre atualmente, onde estou avaliando e classificando obras de vários os escritores, todos eles médicos, para definir os três primeiros lugares do certame. Não compactuo com favorecimentos e se houvesse, denunciaria e me retiraria de imediato.  

20 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

Nenhum ambiente especial, para ser sincero. A inspiração chega inesperadamente. Já escrevi crônicas muito aplaudidas cuja inspiração veio quando eu viajava de carro para minha residência de veraneio no balneário de Salinópolis, distante 220 km de Belém. Guardei tudo na memória e quando voltei, coloquei no papel. Tem dado certo, como por exemplo, foi a crônica “SOB O CÉU DE CAXIAS”, situação embaraçosa e histriônica que resultou de uma pane no carro, próximo à cidade de Caxias (MA) quando com a família viajávamos de férias para Fortaleza (CE), na década de 80. E assim tantas outras surgiram, muitas durante a noite, antes do sono chegar. 

21 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema antes? Como é que você concebe os textos?

Vou desenvolvendo o tema antes concebido, ao sabor da pena. Depois faço várias revisões, para não divulgar com erros de pontuação, de concordância, etc. Mas sempre escapa alguma coisa, pois ninguém pode ser revisor de si mesmo. 

22 – Você acredita que para ser escritor basta exercitar a escrita ou é um dom? Ou ambos?

Penso que é um dom. Mas não resta dúvida que exercitar a escrita ajuda bastante. O escritor deve ter um rico e diversificado vocabulário, sob pena de empobrecer a escrita. 

23 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria? Se sim, o que define como porcaria?

Não acho necessário ler algo imprestável, esse tipo de literatura rasteira que abunda por aí, para consolidar a formação de qualquer escritor. Nada que não acrescente algum ganho real no conhecimento de alguém, merece ser manuseado. A cultura é um bem muito valioso, que prescinde da mediocridade para ter vida e valores próprios. 

24 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Tem muita gente de valor escrevendo coisas belas. Às vezes me questiono porque eles, de alguma maneira, não rompem a tirania das editoras, gráficas e até de livrarias que os condena ao ostracismo. Os livros são caros, as livrarias cobram até 40% do preço de capa como comissão pela venda de livros, para os quais em nada contribuíram. Prevalece o mercantilismo. Já vi escritores de reconhecidos méritos literários vendendo suas obras num tabuleiro sob a sombra das árvores, para não se submeterem ao confisco aqui denunciado. 

25 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Os Lusíadas de Camões, Os Maias de Eça de Queiroz, um ou dois de Fernando Pessoa e José Saramago já seriam suficientes, mas não me iludo, pois se os clássicos da literatura brasileira nem são mais lidos, pode-se ter uma ideia da falta de interesse por aqueles. 

26 – Qual o papel do escritor na sociedade?

O escritor atua como guardião da cultura e da memória, provocando reflexões através de suas obras, que podem ser usadas para construir um pensamento crítico. Ao criar suas narrativas, o escritor contribui para a formação de uma sociedade que questiona e analisa a realidade em que vive, além de preservar e transmitir conhecimentos, valores e tradições para as futuras gerações.  

27 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Há e haverá sempre. A poesia é a expressão máxima do sentimento, a essência lírica da arte de alguém se expressar de forma bela e criativa. Não podemos viver sem ela... 

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

28 - O que o choca hoje em dia?

A intolerância. A vida passou a valer muito pouco. Os noticiários televisivos diariamente exibem cenas de violência, quase sempre por motivos fúteis, que nos estarrecem. A sociedade do século XXI se tornou enferma do medo.     

29 – O que mais lê hoje?

Livros, livros e mais livros... Dois ou três ao mesmo tempo, me virando para não confundir os enredos. Tenho conseguido. 

30 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Talvez a criação de um instituto cultural, para incentivar artistas amadores a desenvolver seus talentos, sem terem que depender muito do setor público.

31 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Não há globalização que possa eliminar costumes, tradições, saberes, crenças, manifestações artísticas e modos de vida criados, transmitidos e vivenciados pelo povo de um Estado, de uma comunidade ou de uma região, muitas vezes passados através de gerações pela tradição oral. Ela se mostra dinâmica, democrática, participativa e representa a identidade e a memória coletiva de um grupo, abrangendo áreas como dança, música, festas, culinária, folclore e artesanato. A globalização pode até deturpá-la, o que admito já vem acontecendo principalmente nos folguedos da quadra junina, mas daí a desaparecer de vez por causa dela, vai uma considerável distância. 

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

32 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

Que primeiro lesse muito os bons autores de ontem e de hoje, antes de colocar no papel suas próprias ideias e criações literárias, não esquecendo que todo escritor possui um estilo que o distingue dos demais.    

33 – O que é preciso para ser um bom escritor?

Ter conteúdo intelectual para desenvolver o tema que se propõe a abordar e escolher se vai enveredar pela poesia, pelo romance, pelo conto ou pela crônica. O conto exige uma história completa e fechada, tendo uma faceta dramática, um conflito ou uma ação. Porém, se a narrativa tende a se ampliar, deixa de ser conto e vira crônica, gênero que oscila entre a literatura e o jornalismo, resultando da visão pessoal, particular e subjetiva do cronista ante um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal, da TV ou do cotidiano O que diferencia um do outro é a apresentação das personagens e principalmente o desfecho, que na crônica fica a cargo do leitor... No conto as personagens são caracterizadas de maneira mais acurada, há maior densidade dramática, um conflito resolvido no desfecho unicamente por quem escreve e não por quem lê.  

34 - Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc...

Tenho mais de 20 composições musicais, das quais sou autor dos textos poéticos e meu parceiro, o maestro Vicente Fonseca (desembargador do trabalho aposentado e também acadêmico da Academia Paraense de Letras), é o autor das músicas. Várias dessas composições se tornaram o hino oficial de instituições culturais, como da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, etc. Bolar um texto poético e dele ver nascer uma música é outra realização pessoal que tenho, difícil até mesmo de explicar. 

35 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

Que me tornasse uma pessoa melhor, sem as falhas que ainda cometo. Que me permitisse continuar a viver com honestidade, sem lesar o próximo e dando a cada um o que é seu. Que me livrasse de agir com injustiça e falta de equidade para com o próximo, pois já passei por isso e sei como é iníquo e profundamente doloroso. 

Obrigado por participar desta entrevista para o blog. 
Abraços fraternos
José Feldman

sábado, 27 de setembro de 2025

José Feldman (71 Anos de Gratidão e Memórias)

imagem criada com Microsoft Bing

Hoje eu celebro meus 71 anos de vida, e confesso que não consigo esconder a alegria de ter chegado até aqui. Não é só pela idade em si, mas por tudo que vivi, por tudo que vi mudar ao longo do tempo e por tudo que ainda tenho a agradecer. Há algumas décadas, chegar aos 70 anos era quase um feito heróico, um marco raro. Hoje, olho para trás e percebo como o mundo evoluiu, como a vida mudou, e como eu tive o privilégio de acompanhar cada pedacinho dessa transformação.

Eu sou do tempo dos carros como o Aero-Willys, o Karmann-Ghia e o Simca Tufão. Lembro bem do barulho característico de seus motores e da sensação de sentar em um banco que parecia eterno, feito de materiais duráveis, quase indestrutíveis. Ah, e os primeiros Fuscas! Aqueles carrinhos simpáticos que, com frequência, precisavam de um empurrãozinho para "pegar no tranco". Quem nunca passou por isso? E o afogador? Era quase um ritual matutino nos dias frios. Hoje, os carros são completamente diferentes, com injeção eletrônica, cheios de recursos tecnológicos. Mas, cá entre nós, parecem quase descartáveis, feitos de materiais leves, fáceis de substituir. Perderam aquele "peso" de durabilidade que os antigos tinham, mas em troca, ganharam praticidade.

Também sou do tempo do telefone com fio, aquele que para discar exigia girar um disco com paciência. Era quase um exercício de meditação! Depois, vieram os celulares, que começaram como um verdadeiro tijolo — pesados, grandes, com uma antena enorme. E hoje? Hoje, os celulares são pequenos, leves, cabem na palma da mão e fazem tudo: ligações, fotos, navegação... às vezes até mais do que eu consigo acompanhar! Mas, curiosamente, parecem ter nos afastado uns dos outros. As famílias, que antes se reuniam ao redor da mesa para almoçar e conversar sobre o dia, mal conseguem desgrudar dos celulares. Vejo isso com tristeza, comparando com os tempos em que o diálogo era o centro das refeições e o amor era partilhado em cada palavra.

E as ruas? Ah, como eram diferentes! Nos tempos da minha infância, jogávamos bola na rua, andávamos de carrinho de rolimã, e um carro ou outro passava raramente. Hoje, as ruas são como rios de asfalto, inundadas por uma correnteza de carros. Tanta pressa, tanto movimento, que já não há espaço para essas brincadeiras simples e saudáveis. A cidade que antes era feita de casas a céu aberto, hoje é uma floresta de prédios. É impressionante como tudo cresceu, para cima e para os lados.

Mas, apesar de tantas mudanças — algumas que me trazem nostalgia, outras que me impressionam —, hoje meu coração está repleto de gratidão. A celebração dos meus 71 anos não seria a mesma sem Krishna, minha amiga fiel, que esteve e está comigo em todos os momentos, na alegria e na tristeza, sempre me apoiando, sempre ao meu lado. Ela é aquela presença que me dá força, aquele porto seguro que só os verdadeiros amigos sabem ser.

E como não falar da minha companheira de quatro patas, a Sunshine? Desde que ela tinha pouco mais de um mês, criamos um vínculo tão especial que, hoje, ela é como um raio de sol em minha vida. Seu nome não poderia ser mais adequado. Todos os dias, ela ilumina minha jornada, afastando qualquer sombra que possa querer pairar sobre mim. Não importa o que aconteça, o olhar dela, cheio de amor, me lembra que há sempre algo pelo que sorrir.  

Mas, além dessas presenças tão próximas, há também os que, mesmo de longe, aquecem meu coração. Meu irmão e suas filhas, com quem compartilhei tantos momentos importantes da minha trajetória, ocupam um lugar especial na minha vida. A distância pode nos separar fisicamente, mas jamais diminuirá o sentimento que construímos ao longo dos anos. Somos parte uns dos outros, e sei que, mesmo nas ausências, eles torcem por mim, assim como eu torço por eles.  

E como esquecer os amigos, aquelas almas que cruzaram meu caminho e deixaram marcas profundas? Alguns estão perto, outros tomaram rumos diferentes, mas cada um deles contribuiu para que minha vida fosse mais rica, mais alegre e mais significativa. Foram risadas compartilhadas, conselhos trocados, ombros oferecidos nos momentos difíceis. São essas amizades que me ensinaram que, na caminhada da vida, nunca estamos sozinhos.

Hoje, ao olhar para tudo isso, só consigo sentir gratidão. Gratidão por cada memória vivida, por cada pessoa que cruzou meu caminho e por cada instante que me trouxe até aqui. Deus me abençoou com essas pessoas maravilhosas, e por isso, não há como não sorrir. Aos 71 anos, celebro não apenas minha vida, mas também as vidas que, de uma forma ou de outra, se entrelaçaram com a minha. E por tudo isso, só posso dizer: obrigado. Que venham mais anos, mais histórias e mais motivos para agradecer!
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Chafariz de Trovas * 16 *

 

Asas da Poesia * 101 *


Poema de
CAILIN DRAGOMIR
Timisoara/ Romênia

O Sussurro do Vento

No campo verde, o vento dança...  
entre as folhas a sua voz se lança.  
Sussurros suaves, segredos da brisa  
contam histórias que a alma precisa.

As flores bailam em cores vibrantes,  
borboletas pintam o céu de alegria,  
a vida pulsa em tons desafiantes,  
numa sinfonia de plena harmonia.

E ao entardecer, o sol se recolhendo,  
dourando o horizonte, de modo estupendo.  

A natureza em sua beleza infinita  
é um poema que a vida recita.
= = = = = = = = =  

Poema de
LAURA ESTEVES
Rio de Janeiro/RJ

Novas bandeiras

Vai, Bandeirante,
navega pelas sujas águas do Tietê.
Já foram limpas, eu sei.
Segue pela Raposo Tavares.
Não te iludas pelas estradas,
confia em teus olhos:
são fábricas de esmeraldas,
edifícios de diamantes.
Guarda tudo em teu alforje de couro.
Adiante! Adiante!
Pega a Fernão Dias e toma o caminho do ouro.
Cuidado com o automóvel, Bandeirante.
Como tu, ele também mata.
Em seguida, o sul, sempre.
Busca o que restou da tribo guarani.
Lá, vestígios dos Sete Povos,
e, coitado de ti, o fantasma de Sepé Tiaraju.
Extermina-o, rápido!
Pois eu te afianço, velho Bandeirante,
ele não te dará descanso.
E, como antes, na catedral flutuante
— sina? destino? herança? —
o sino estará chamando o povo
para a missa de domingo.
Uma orquestra de crianças,
cabelos negros, escorridos,
estará tocando, à tua passagem,
tambores, liras, violinos.
O toque será um só:
vingança, vingança, vingança!
= = = = = = = = =  

Soneto de
JOÃO DA ILHA
(Ciro Vieira da Cunha)
São Paulo/SP, 1897 – 1976, Rio de Janeiro/RJ

Carnaval de um Pierrô

Carnaval! Carnaval! A turba louca
passa gritando pela rua em fora...
Nos "bares" e cabarés champanhe espoca
e a gente bebe até que venha a aurora...

Canta na rua um ébrio de voz rouca
versos canalhas que a ralé adora...
É quase madrugada... Em minha boca
amarga o sonho que meu peito chora...

Espero Colombina, alva de cal,
de olheiras de carvão e de olhos baços
que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

O doce Carnaval do meu desejo:
— As brancas serpentinas de seus braços
e o confete vermelho de seu beijo...
= = = = = = = = =   

Poema de
SUELY DE FREITAS MARTÍ
São Paulo/SP

Abismo de vidro

Caminho sobre o abismo de vidro
me despojando de tudo
o que algum dia tive:
nenhum dos meus sentidos
pode me ajudar agora.
Vazia
nada tenho a oferecer;
presa no não-tempo
tento enganar os guardiões
dessa noite longa
prestes a terminar.
Com um pé em cada dimensão
eu já não me importo:
só o que quero é voltar.
= = = = = = = = =  

Quadra Popular

No coração da mulher,
por muito frio que faça,        
há sempre calor bastante
para aquecer a desgraça.
= = = = = = = = =  

Soneto de
COLOMBINA 
(Adelaide Schloenbach Blumenschein)
São Paulo/SP (1882 – 1963)

Esse amor...

Há um abismo entre nós. E apesar dessa falta
de ventura e de paz, nosso amor continua...
Cada dia é maior, é mais forte e mais alta
e imperiosa a paixão que em nosso sangue estua.

Longe de ti, meu ser emocionado exalta
em rimas de ouro e sol — cada carícia tua!
E em meu verso, integral, canta, fulge, ressalta
o infinito de amor que o teu nome insinua...

Não me podes amar como eu quisera. É certo.
Mas não existem leis, nem certidões, nem peias,
quando os teus olhos beijo e as tuas mãos aperto.

Tardas... Mas, quando vens, eu sinto que me queres,
que pela minha voz, pelo meu beijo anseias,
e sou a mais feliz de todas as mulheres!
= = = = = = = = =  

Poema de
MÔNICA MONTONE
São Paulo/SP

Meu jardim

Eu daria o mundo
Por um canto em mim
Um pedaço de alma qualquer
Onde eu pudesse plantar a calma
Enfeitar meus afetos
E caber dentro do meu coração

Mas minha terra úmida
Está sempre tomada por outros grãos
Sementes de medo
Casulos de seda
Sede de ser única

Vago pelas noites
Como um vaga-lume pelas manhãs

No espelho, não me vejo
Pressinto, apenas, o gosto do gozo
O delírio de aceitar-me
E caber, finalmente
Neste corpo quente que me aquece
= = = = = = = = =   

Soneto de
CORINA REBUÁ
Rio de Janeiro/RJ (1899 – 1957)

Que insônia!

Como faz frio neste quarto agora!
A chuva bate em cheio na vidraça.
E o relógio da igreja, de hora em hora,
Soa. Há passos na rua... E a ronda passa...

Não consigo dormir. Como demora
Esta vigília que me torna lassa!
Se abro um livro, não leio. E lá por fora
Chove. Há passos na rua... E a ronda passa...

Dormes? Não creio... Eu sei que estás velando,
Porque eu pressinto que, de quando em quando,
Vem o teu corpo fluídico e me enlaça.

O relógio da igreja está batendo.
São quatro horas... Que insônia! Está chovendo.
Ouço passos na rua... E a ronda passa.
= = = = = = = = =  

Poema de
JIDDU SALDANHA
Rio de Janeiro/RJ

poema noite

noite, canta pra mim
assim, grilo no telhado
centelha de vida e sonho
engendra suave desejo
velejando tua partitura

urdida de esperanças
canta teu silêncio ao grilo
brilhando suave e vazia
apaziguando as estrelas
estremecidas de frio
= = = = = = = = =  

Soneto de
DIMAS GUIMARÃES
Fazenda Paraná/MG, 1922 – 2000, Nova Serrana/MG

Caleidoscópio

Outrora, foste a pérola mais pura
e mais bela dos mares do Japão,
messe dourada, fonte de ternura,
o tesouro encantado de Jasão.

E, sendo a mais perfeita criatura,
— flor adulta com ares de botão —
eras linda promessa de ventura,
gema rara da Líbia ou do Industão.

Mas veio o outono... As folhas amarelas
lembram extintos sonhos de donzelas...
Sonhos que o tempo rápido esfumou...

E, em vão, procuro pelo teu encanto,
e reparo — olhos úmidos de pranto —
nem a pureza o tempo conservou...
= = = = = = = = =   

Poema de
HAIDÊ VIEIRA PIGATTO
Bento Gonçalves/RS

Quintessência

Amores, todos doem um pouco
todos são laços de fita
correntes de ouro
calda de açúcar
vertem sucos
pelos poros
pelos olhos
pela noite adentro
e de manhã se esquecem
dos relógios implacáveis
parados na eternidade
em olhos de veludo.
= = = = = = = = =  

Glosa de
GILSON FAUSTINO MAIA
Rio de Janeiro/RJ

MOTE: 
Quem não tem medo da morte, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem, antes de tudo é um forte... 
Este é o homem do sertão! 
Renato Alves 
(Rio de Janeiro/RJ)

GLOSA:
Quem não tem medo da morte, 
querendo ir ao além, 
sem dinheiro, mas com sorte, 
vai de carona no “trem”. 

Quem só quer levar vantagem, 
quem nunca faz nada em vão, 
quem só pensa em vadiagem, 
não serve para o Sertão. 
De ninguém tem um suporte, 
vai seguindo a sua estrada. 
Quem, antes de tudo é um forte... 
Só teme a Deus e mais nada. 

Desce da fronte o suor, 
mas diz em sua oração: 
- Amanhã será melhor! 
Este é o homem do sertão! 
= = = = = = = = =  

Hino de 
Pomerode/ SC

Foi em mil oitocentos e sessenta e três,
Que um povo alemão decidiu,
Cheio de esperança e de fé,
Fazer a sua história no Brasil.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Com bravura e determinação sem par,
Construíram sua vida em enxaimel*,
Seus jardins e empresas floresceram,
Fizeram do lugar pequeno céu.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.

Hoje os filhos dos bravos imigrantes
Preservam seu tesouro maior:
A cultura brasileira de origem alemã,
Fruto de trabalho e amor.

Pomerode! Pomerode!
O teu povo se orgulha de ti,
Ó cidade mais alemã do Brasil,
De beleza e graça Deus te fez.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
* Enxaimel = técnica de construção que utiliza madeira para criar estruturas de edifícios, como casas e galpões.
= = = = = = = = =  

Poema de
PAULO RENATO RODRIGUES
Pelotas/RS

Pescar lembranças

No embornal,
levo minha nostalgia
e um ou dois sonhos de outros tempos.

É nessas tardes caídas
que busco nas águas do açude
um ou dois trechos da fugidia memória.

Nesse cenário azul
das fímbrias da Serra do Mar
cessam todos os ventos.

São horas de passar o fio
e fazer um colar
com as contas da própria história.
= = = = = = = = =  

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A Fortuna e o rapaz

Sobre o bocal de um poço descansava
Um rapaz; a Fortuna o acordava,
Dizendo que se o moço se afogasse,
Não havia faltar quem a culpasse.

É pobre um, porque foi ao ócio dado;
Pergunta-se-lhe a causa da pobreza,
Responde-nos com toda a singeleza:
«A Fortuna me pôs em este estado.»

Outro está em galés por ser malvado;
Pergunta-se a razão de tal baixeza,
Responde-nos com rosto de tristeza:
«A Fortuna me fez tão desgraçado.»

Perversos dão em muitos precipícios
Pela sua vontade depravada;
Mas nunca hão de culpar seus maus ofícios;

A Fortuna há de ser sempre a culpada:
Tomando-se a Fortuna pelos vícios,
Outra culpa não há mais bem formada.
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