sexta-feira, 9 de maio de 2025

José Feldman (Biblioteca além da imaginação)


Era uma noite fria e nebulosa quando três personagens ilustres se encontraram em uma biblioteca esquecida pelo tempo. O aroma de livros antigos pairava no ar, e as prateleiras, repletas de volumes empoeirados e teias de aranha, pareciam sussurrar segredos de eras passadas. No centro da sala, uma mesa de madeira marrom escura possuía um candeeiro com uma luz suave, iluminando os rostos de H. P. Lovecraft, Arthur Conan Doyle e H. G. Wells.

Lovecraft: (encarando uma edição de “O Chamado de Cthulhu”) “É fascinante como o desconhecido pode instigar o medo nas profundezas da mente humana. Meus leitores, ao se depararem com o que não compreendem, são confrontados com suas próprias limitações.”

Doyle: (sorrindo levemente) “Ah, mas o que é o medo senão um reflexo do que não conseguimos explicar? Em meus contos, como em ‘O Cão dos Baskerville’, busco uma explicação lógica para o sobrenatural. O verdadeiro terror reside na razão que falha.”

Wells: (ajustando os óculos) “Ambos tocam em aspectos fundamentais da condição humana, mas os meus escritos, como ‘A Máquina do Tempo’, exploram o potencial da ciência e suas consequências. O futuro é tão aterrador quanto o desconhecido, mas também repleto de possibilidades. Não é só sobre o que tememos, mas sobre o que podemos alcançar.”

Lovecraft: “Mas, H. G., e quando essas possibilidades se tornam uma arma de destruição? A ciência pode revelar verdades que o homem não está preparado para enfrentar. O que acontece quando a curiosidade ultrapassa os limites da moralidade?”

Doyle: “Certa vez, um amigo meu, um detetive, disse que a verdade é muitas vezes mais estranha do que a ficção. E o que dizer das verdades ocultas que você apresenta, Lovecraft? O que o homem deve fazer quando confrontado com o abismo que você tão eloquentemente descreve?”

Wells: (pensativo) “E se o abismo for apenas uma porta para novas realidades? A ficção científica não é apenas um aviso, mas um convite. O que você teme pode ser a chave para um novo entendimento.”

Lovecraft: “Certa vez, escrevi que o medo do desconhecido é uma das emoções mais primitivas do ser humano. O que proponho é que, ao explorar o desconhecido, devemos ter cautela. A curiosidade pode ser uma bênção ou uma maldição.”

Doyle: “Mas sem a curiosidade, nunca teríamos feito as descobertas que moldaram nosso mundo. Sou grato por Sherlock Holmes ter me ensinado que, mesmo no caos, há ordem a ser encontrada. E mesmo a escuridão pode ser iluminada pela razão.”

Wells: “Sim, mas também devemos considerar o papel da imaginação. Quando escrevi sobre a guerra dos mundos, queria alertar sobre as consequências do imperialismo. A imaginação nos permite ver o que poderia ser, não apenas o que é. O que você, Lovecraft, acha que representa a sua obra para o leitor?”

Lovecraft: “Para mim, é uma reflexão sobre a insignificância do ser humano no vasto cosmos. O leitor deve sentir a fragilidade de sua própria existência. É um lembrete de que não estamos sozinhos, e que há forças além da nossa compreensão que podem nos consumir.”

Doyle: “E, no entanto, há sempre esperança. Mesmo em suas histórias mais sombrias, há um fio de resistência. O homem busca compreender e sobreviver, mesmo quando confrontado com o horror.”

Wells: “Talvez isso seja o que nos une a todos. Se a ciência e a imaginação podem coexistir, então nossas histórias também podem. O leitor deve sair não apenas aterrorizado, mas movido a agir, a entender, a transformar.”

A conversa prosseguiu, enquanto as horas se arrastavam. Ideias se entrelaçavam, e o som das vozes ecoava por toda biblioteca, ressoando nas sombras. Cada autor trouxe à tona suas visões únicas, e a noite se tornou um diálogo atemporal sobre a natureza da literatura e o papel do homem diante do desconhecido.

Quando a primeira luz do amanhecer começou a surgir, os três escritores perceberam que, embora seus estilos fossem diferentes, todos partilhavam a mesma paixão: a busca pela verdade, seja ela aterradora ou sublime. E assim, com um aceno de cabeça e um brilho nos olhos, eles se despediram, cada um retornando ao seu próprio tempo, mas com a certeza de que suas palavras ecoariam em gerações futuras.
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H. P. Lovecraft (1890–1937)
Howard Phillips Lovecraft nasceu em Providence, Rhode Island, em 20 de agosto de 1890, morreu em 15 de março de 1937. Ele teve uma infância marcada por dificuldades familiares e problemas de saúde. Lovecraft passou a maior parte de sua vida em Providence, onde desenvolveu suas habilidades de escrita. É conhecido por seu estilo de horror cósmico, que explora temas de insignificância humana diante de forças cósmicas desconhecidas. Seus contos, como “O Chamado de Cthulhu” e “Nas Montanhas da Loucura”, introduzem criaturas e mitologias que influenciaram o gênero de terror.
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Arthur Conan Doyle (1859–1930)
Sir Arthur Conan Doyle nasceu em Edimburgo, Escócia, em 22 de maio de 1859, faleceu em 7 de julho de 1930. Formou-se em medicina e trabalhou como médico, mas sua verdadeira paixão sempre foi a escrita. É mais conhecido por criar o icônico detetive Sherlock Holmes, cujas histórias, como “Um Estudo em Vermelho” e “O Cão dos Baskerville”, revolucionaram o gênero de mistério. Ele também escreveu ficção científica, romances históricos e obras sobre espiritualismo.
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H. G. Wells (1866–1946)
Herbert George Wells nasceu em Bromley, Inglaterra, em 21 de setembro de 1866 e morreu em 13 de agosto de 1946.. Ele teve uma educação modesta e trabalhou como professor e jornalista antes de se dedicar à escrita. Wells é considerado um dos pais da ficção científica moderna, com obras como “A Máquina do Tempo”, “A Guerra dos Mundos” e “A Ilha do Dr. Moreau”. Seus escritos frequentemente abordam questões sociais e científicas, refletindo suas preocupações sobre o futuro da humanidade.

Fontes:
José Feldman. Gangorra do tempo. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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Olavo Bilac (O lenhador)


Quando chegamos à cabana do velho Amâncio, à boca da mata, um cãozinho que dormia encolhido sobre um monte de bagaços de cana, já secos, perto de uma moenda, saltou ladrando; mas o velho aquietou-o, e, abrindo a cancelinha, que dava ingresso ao terreiro, recebeu-nos amavelmente.

A casa, de taipa, coberta de sapê, era um ninho entre as árvores. As laranjeiras carregadas vergavam os ramos ao peso dos frutos.

A um lado o canavial e os milhos, a outro lado a horta, onde cantava um fino córrego; e, sob a rama frondosa de robusta mangueira, agasalhava-se o paiol modesto; mais adiante, o cercado onde berrava a cabra leiteira, o galinheiro e a ceva.

Amâncio era homem de cinquenta anos, moreno e robusto, de olhos vivos, barbas e cabelos grisalhos.

Falava sorrindo com expressão afável; e a boa Lívia, sua esposa, que o acompanhava desde a mocidade, já com a pele enrugada e a cabeça toda branca, parecia mais velha do que ele.

Quando entramos na sala da pobre gente, fora na mata, as cigarras cantavam, e as pombas punham uma nota de melancolia no crepúsculo. Vendo-nos com a espingarda, e sabendo que pretendíamos passar a noite na montanha, para que pudéssemos surpreender a caça à hora em que ela sai pelas trilhas sossegadas, Amâncio ofereceu-nos do que tinha no armário, enquanto a boa Lívia estendia na mesa tosca uma toalha alvíssima, que exalava o suave perfume da erva de São João.

Aceitando o repasto que nos oferecia o honesto lenhador, pusemo-nos à mesa.

À luz de uma candeia, a sala tinha um triste aspecto, mas a pobreza era largamente compensada pelo escrupuloso asseio.

Mariposas voavam em torno da candeia; e lá fora, no silêncio, à luz das estrelas, os sapos coaxavam. Em uma das paredes, entre vários registros de santos, havia uma litografia representando o general Osório.

— Vosmecês estão olhando? — disse o lenhador sorrindo. — Aquele é o homem que nos defendeu nos campos de guerra; por isso está perto de Nosso Senhor. A gente acostuma-se a querer bem a esses patrícios, e acaba fazendo o que eu fiz. Lívia anda sempre lidando comigo para tirar o retrato dali, porque não é santo. Mas fez tanto como se o fosse, porque salvou a honra do povo! Pois não é assim? Deus Nosso Senhor do céu há de aprovar meu pensamento. Eu sou assim: tudo por minha terra e pelos homens que lhe fazem bem.

— Desde quando vives neste monte, Amâncio?

— Eu sei lá! Posso dizer que foi neste cantinho que nasci. Quando dei por mim, meu pai, que era um caboclo forte, morava em uma casinha, um pouco mais lá embaixo. Tudo era mato, nesse tempo; hoje é quase tudo cidade. Ainda as onças vagavam pelos caminhos, e não se andava neste monte com o sossego com que se anda agora...

— Havia perigo?

— Se havia perigo! Tudo isto estava ainda como Deus criou. Bem me lembro! À noite era um cuidado! Muita vez meu pai saía com a espingarda para espantar as suçuaranas que rondavam a casa. E isto não era como é hoje. Os bichos foram para longe, não há mais aqui em cima, nem mesmo na Mantiqueira onde está o Itatiaia, que é o pico mais alto do Brasil, vosmecês sabem. Só as árvores ficaram, ainda assim já desceram muitas.

O velho lenhador baixou a cabeça grisalha, mas levantando-a, pouco depois, continuou:

— Américo (vosmecês não conhecem meu filho Américo, que é marinheiro?) disse-me, certa vez, uma coisa que me fez pensar: “Ah! Meu pai, a gente na cidade é que compreende o valor das árvores que foram as suas companheiras. O tronco que meu pai derruba vem para as oficinas — de uma sai feito navio, de outra sai transformado em leito: é mobília do rico, é o catre do pobre, é o esteio da casa, é o altar. Quase tudo quanto a gente vê em construções saiu da floresta. O navio, em que eu ando, foi um canto de bosque — teve folhas e flores — hoje, depois que os troncos foram trabalhados, anda sobre as águas: é a floresta que vai pelo mundo levando a nossa bandeira nos mastros como uma flor no galho. Eu vejo a floresta em toda parte, meu pai. É bem verdade! Américo disse bem! E não é só a madeira que vai do monte — é a água, que mata a sede, é a caça, que alimenta, são as penas dos passarinhos, é a flor, é a resina, é a erva que cura, é tudo quanto há de bom nesse mundo. No tempo da guerra — tempo triste! — vieram aqui buscar madeira para os navios, para os carros, para os esteios, e a mata foi descendo, a seguir com o exército. A terra também entra em combate quando os seus filhos pelejam por sua honra.

— E você vive de lenhar, Amâncio?

— Então? Cada um faz o que pode, contanto que trabalhe. O cavoerio vem, abre a cava, queima a lenha e desce com o carvão que vai dar fogo às casas. Não é um homem honrado? É, faz a sua tarefa. Eu derrubo árvores, vosmecês estudam. Eu trabalho para vosmecês, vosmecês trabalham para mim. É duro o meu serviço, estou com as mãos cheias de calos, mas a minha consciência é leve, porque nunca procedi mal.

Assim dizendo levantou-se, abriu uma janela ao luar e ao perfume do monte:

— Se vosmecês querem apanhar alguma coisa, vão indo — agora as pacas estão bebendo. Eu vou também para mostrar os caminhos. Dá cá a espingarda, minha velha; fecha a casa e dorme. Vamos! Está uma noite como poucas, e a gente, aqui em cima, parece que está mais perto do céu. Vamos com Deus e a Virgem!

E saímos os três pelo adormecido monte.
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Olavo Bilac, nasceu em 1865, no Rio de Janeiro/RJ. Cursou Medicina, abandonou o curso, tentou estudar Direito, também não concluiu, e passou a escrever para jornais cariocas. Em 1888, publicou seu primeiro livro — Poesias. No entanto, Bilac era firme em seus posicionamentos políticos e discordava do governo de Floriano Peixoto. Por fazer críticas a ele, foi preso em 1892 e também em 1894. O início do regime republicano, portanto, não foi muito agradável para o poeta. Em 1897, fundou, com outros intelectuais, a Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira de número 15, cujo patrono é o escritor romântico Gonçalves Dias (1823-1864). No ano seguinte, passou a trabalhar como inspetor escolar. A partir daí, o escritor empreendeu uma campanha em prol do nacionalismo, e, inclusive, escreveu a letra do Hino à Bandeira, além de ter defendido o serviço militar obrigatório. Morreu em 1918, no Rio de Janeiro, deixando certo mistério sobre sua vida íntima. Nunca se casou. Um poeta parnasiano, crítico e nacionalista, mas, ao mesmo tempo, boêmio e libertário. Um homem rigoroso e prático, mas que tinha, possivelmente, uma alma romântica. Enfim, um indivíduo complexo, detentor de uma genialidade que o consagrou como Príncipe dos Poetas.

Fontes:
Olavo Bilac e Coelho Neto. Contos pátrios para crianças. Publicado originalmente em 1931. Disponível em Domínio Público. 
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quarta-feira, 7 de maio de 2025

Asas da Poesia * 18 *

 

Trova de
ARI SANTOS CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Nesse horizonte infinito, 
onde o clarão é profundo, 
raiam bênçãos, acredito, 
para ungir a paz do mundo.
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Quadra Infantil de
ALCIR NICOLAU PEREIRA
Porto Alegre/RS

Ex-Pirata 

Nem pirata, nem cara de mau
Sou coxo agora de fato
Usaram a minha perna de pau
Pra brincar no jogo de taco
 
Minha cara dantes bonita
Olho de vidro agora não tem
Pois virou pequena bolita
Nos jogos de gude de alguém
 
Perdi tudo que eu tinha de bom
Fiquei sem olho e sem minha nau
Perdi perna que fazia mau som
E acabei nunca mais sendo mau
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Trova de
HELENA KOLODY
Cruz Machado/PR, 1912 – 2004, Curitiba/PR

A vida o tempo devora;
o próprio tempo não dura.
Colhe a alegria de agora,
para a saudade futura!
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Poema de
MESSODY RAMIRO BENOLIEL
Rio de Janeiro/RJ

Amor virtual

De paixões entendo.
Incomodam muito mais que
injeção de óleo no braço.
E o porquê do fracasso
na relação a dois 

Serão preconceitos
meros   conceitos
ou vontade apenas de
fazer valer "verdades pessoais"?

Sou mais a inconsistência incoerência
demência, todas as "ências"
de um amor virtual.
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Trova de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Ademar Macedo encerra
nesta vida o seu papel.
Um homem que deixa a Terra,
um anjo que chega ao céu!
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Soneto de
LUCIANO DÍDIMO
Fortaleza/CE

Vida nova

Vamos arar a terra para o plantio
Às vezes é nas trevas que se semeia
O amor na noite escura melhor permeia
Faz brotar a semente em cada vazio

O perdão sempre acaba com todo estio
Multiplicando paz como grão de areia
Já que a misericórdia desencadeia
Fazendo que o doente fique sadio

Do escuro se distingue melhor a luz
É preciso que a água seja fervida
É preciso que a prata seja fundida

O alívio é privilégio de quem tem cruz
Na fé a nossa dor será arrefecida
Da semente que morre é que nasce a vida
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Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Esta aliança que um dia,
já guardou nossos segredos;
hoje guarda a nostalgia
das digitais de outros dedos!
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ

Teu perfume

Neste perfume que teu corpo exala,
Inebriando por completo o ambiente,
Invade os meus sentidos e me embala
se espalha em meu olfato docemente.

Vertiginosamente me aproximo
quase sem perceber sigo teu passo,
em teus abraços me enroscando arrimo
pelo aroma atraída  a teu regaço.

Com todos os sentidos extasiados
numa entrega completa aos teus carinhos
meus membros obedecem exaltados.

Anseios satisfeitos relaxados...
Permanece o perfume, teus cheirinhos,
sentimentos tranquilos saciados.
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Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Não importam a censura
e o louvor da sociedade:
procuro viver à altura
da minha própria verdade!
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Sol e lua

Hoje, no lusco-fusco da manhã,
a lua cheia fulgurante e bela
trocou seu branco pálido-maçã
por rara maquilagem amarela.

Buscou bem alto o céu, sempre no afã
de embelezar-se mais que uma aquarela,
e assim ficou na espera de seu fã,
que não tardou em vir buscar por ela!

Afobado, surgiu o sol bem rubro,
com os trajes próprios para o mês de outubro,
sem se lembrar de que ainda é só agosto!

A lua se assustou, perdeu a cor
e sob as nuvens escondeu seu rosto...
Fazendo que nem viu seu grande amor!
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Haicai de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ

Barulho estridente
no bosque ao lado da casa –
Ah! Um pica-pau.
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Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Entre frestas e olhares

Marejam aos infortúnios
do destino, harmonizam
em crepúsculos serenos,

são apenas arco-íris tênues, plenos.
Acalmam sorrindo ou lançam luzes
em pequenas doses, sutis venenos.
Teus raios iluminam minhas noites;
sois na vida, espetaculares acenos.
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Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

A oração tem mais fervor
e a fé se agiganta em brilho,
quando a mãe com muito amor,
clama a Deus pelo seu filho!
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Hino do
ARQUIPÉLAGO DE FERNANDO DE NORONHA/ PE

Entre ondas bravias, azuis
Sob um céu sempre cheio de luz,
Há um pedaço da minha terra,
Esta ilha, que a todos seduz.
Brancas praias, rochedos, luar
E o Pico, altaneiro, sem par,
Fernando de Noronha é um sonho
Do qual ninguém quer despertar.

Quem já viu qualquer coisa mais bela
Que os abismos do Sancho e Sapata,
Italcable, Cacimba do Padre
E o mar, espumando na Rata?
Atalaia, baía Sueste,
E, no mastro do forte, a bandeira,
São cenários que nunca se esquece,
São lembranças para a vida inteira!.
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Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Meus retalhos de esperança,
juntei-os, pus no correio.
( Destino, velha criança,)
mas a resposta não veio.
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Recordando Velhas Canções
NA CADÊNCIA DO SAMBA 
(samba, 1962) 
Paulo Gesta e Ataulfo Alves

Sei que vou morrer, não sei o dia
Levarei saudades da Maria
Sei que vou morrer, não sei a hora
Levarei saudades da Aurora

Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita de um samba
Mas o meu nome ninguém vai jogar na lama
Diz o dito popular
Morre o homem fica a fama
Quero morrer numa batucada de bamba
Na cadência bonita de um samba
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Trova de
GERSON CESAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Dizem que eu sonho em excesso...
Mas insisto em voos altos!
E as pedras nas quais tropeço
impulsionam novos saltos!!!
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Soneto de
GAITANO LAERTES P. ANTONACCIO
Manaus/AM

Amor sem emoção

O amor de agora é uma troca virtual,
tão diferente, tão estranho ao coração,
que mais parece uma relação pactual,
entre seres humanos, sem emoção!…

O amor que se contempla nos amantes,
perdeu hoje, a essência da sinceridade.
É falso, não se manifesta como antes,
porque despreza a ética e a moralidade.

O amor agora, vem se transformando
a cada dia, todo minuto, todo instante
deixando a paixão, muito mais distante,

enquanto a falsidade vai se avolumando.
O amor, hoje, não cede nenhum espaço,
não cabe num beijo, não vale um abraço!…
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Quadra Popular de Minas Gerais
AUTOR ANÔNIMO

Não furtar
nada que dos outros são;
mas você bem que furtou 
meu pobre coração.
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Poema de
MIFORI
São José dos Campos/SP

Manto da noite

No manto da noite vem,
as estrelas com seus brilhos,
e a lua cheia,  também,
clareando com rastilhos,
o namoro de um alguém.

Sei, que é no manto da noite,
atingindo a madrugada,
que silêncio vira açoite,
a quem tem vida agitada,
e insônia de pernoite.

E o manto da noite,  assim...
Com alegria e prazer,
diz: vim, olhe para mim!...
Viva e deixe-me viver,
quero chegar até o fim
tendo cumprido o dever.
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Setilha de
FRANCISCO NEVES MACEDO
Natal/RN, 1948 – 2012

Do sertão sou oriundo...
Aprendiz de agricultor,
no meu “roçado” eu cultivo,
a semente, o fruto, a flor.
Colhendo em cada leirão*,
dentro do meu coração,
os doces frutos do amor!
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* Leirão = espaço de terreno cultivado
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Soneto de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Por um beijo

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades que trago do chão de onde venho,
as promessas que eu faço, piedoso, ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança, que insisto em manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!
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Ode de
MILLÔR FERNANDES
(Milton Viola Fernandes)
Rio de Janeiro/RJ, 1923- 2012

Ode a um quase calvo

Ontem, hoje
e amanhã
o homem o cabelo parte
parte o cabelo com arte
até que o cabelo parte.
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Poema de
MARI REGINA RIGO 
Canoas/RS

Sinais

No mundo da poesia 
Todos nós somos iguais. 
Loucos de amor 
Mas só mostramos os sinais. 

Nos alimentamos de quimeras 
E assim vamos atravessando 
Várias eras. 

Nascer e viver, sonhar e amar 
Lutar para merecer 
Crer e sobreviver. 

Para dizer que a lua é tua 
É só passear pela rua 
De mãos dadas com seu amor. 

As palavras são apenas sinais 
De sentimentos iguais 
À todos os mortais. 
Homem, poeta e trovador.
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Epigrama de
ALBERTO RAMOS
Pelotas/RS, 1871 – 1941, Rio de Janeiro/RJ

De tônico e tintura 
este vate usa e abusa.
Não há filtro capaz 
de redourar-lhe a musa.
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Poema de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ

Fotografias

Olhando o álbum de fotografias
eu não vejo retratos, vejo dias
que já não voltam mais.
Insuspeitada máquina do tempo,
cada página de fotos é exemplo
de outros aniversários e Natais.
Vejo que algumas ficam desbotadas,
depois de muitas páginas viradas
que as fizeram perder-se na distância.
E aquilo que ontem foi tão importante,
e mereceu ficar gravado num flagrante,
hoje não tem sequer mais importância.
Este álbum é a janela que o passado
abre, para o olhar do pensamento,
nos sótãos e porões da eternidade.
E o que ficou nas fotos registrado
e vai viver outra vez nesse momento
será o que chamamos de saudade.
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Soneto de
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ

Apoteose

Na bruma densa de um mar revolto,
Em manhã fria de um inverno intenso,
Sinto um medo aprisionado e envolto
Na cena fria de um terror imenso.
 
As ondas fortes entram pela praia
Lambendo a areia fina e cristalina,
A espuma branca vem beijar a saia
Já desbotada da pobre menina.
 
Do céu pesado com nuvens escuras
Faíscam raios, vêm as trovoadas,
As gaivotas fogem em revoadas...
 
E os meus olhos saem à procura
Do Criador, o nosso Deus Supremo,
Na apoteose de um pavor extremo!
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Quadra de
AGOSTINHO DA SILVA
Porto/Portugal, 1906 - 1994, Lisboa/Portugal

Tudo o que faço na vida
é só linha de poema
que cada um ordenará
conforme for seu esquema.
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Poema de
PAULO WALBACH PRESTES
Curitiba/PR, 1945 – 2021

Meu espelho

Vejo meu espelho, todo estilhaçado,
Que surpresa!... Como isso aconteceu?...
O meu rosto...  vejo tão transfigurado:
Foi o tempo, grande obreiro, quem teceu.

Traços profundos; um olhar apagado
Dum ser que passou pela vida e viveu...
Assim mesmo, valha Deus! Muito abençoado...
Que apesar dos estilhaços – cresceu!

Retornei  -  Ele não estava quebrado...
Que surpresa!... Como isso aconteceu?...
Não foi ele...  E o que deixou marcado?
Foi o tempo. Foi a vida. Ou fui eu...
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Aldravia de
EURÍPEDES RODRIGUES DA COSTA
Goiânia/GO

amanhã
virá
minha
voz
ouvirão
agora
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Galope à Beira-Mar de 
LUCIANO MAIA
Limoeiro do Norte/CE

Cantor das coivaras queimando o horizonte,
    das brancas raízes expostas à lua,
    da pedra alvejada, da laje tão nua
    guardando o silêncio da noite no monte.
    Cantor do lamento da água da fonte
    que desce ao açude e lá fica a teimar
    com o sol e com o vento, até se finar
    no último adejo da asa sedenta,
    que busca salvar-se da morte e inventa
    cantigas de adeuses na beira do mar.
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Eduardo Martínez (O imbróglio do Opala cor-de-abacate)


A oficina Magnu, cujo lema é 'entra vestido e sai nu', é afamada na região de Sobradinho, Distrito Federal, por começar, mas não terminar o serviço. Leopoldo, o proprietário, prefere não cobrar seu funcionário, Zé Raimundo, vulgo Boquinha, pois sabe que o sujeito, apesar de competente, tem lá seus dias de esbórnia. No mais, apesar das constantes reclamações da clientela, parece que o clima é amigável, já que os palavrões costumam sair sem a menor cerimônia. 

Expedito, mais pra lá do que pra cá nos seus 93 anos, teria deixado seu possante, um Opala 74, cor-de-abacate, aos cuidados do Boquinha. O problema alegado pelo velho era no câmbio, que estava arranhando ao passar as marchas. Coisa simples de se resolver, segundo o mecânico, mas que já se estendia para mais de mês. 

Insatisfeito, lá foi o Expedito fazer uma pequena reclamação. Conhecedor que era do azedume do Boquinha, o cliente conversou com o Leopoldo, que tentou apaziguar a situação. Na verdade, o dono da Magnu sabia que não adiantaria dar bronca no seu funcionário, que, sensível ao extremo, era capaz de fazer birra e atrasar ainda mais o serviço. 

— Pode deixar, seu Expedito, que vou falar com o Boquinha.

— Mas vai mesmo?

— Pode ficar sossegado, que quem manda aqui sou eu. 

— Só quero ver, hein, Leopoldo!

Obviamente que o patrão não teve coragem nem ânimo de repassar a queixa do cliente para o Boquinha. Foi aí que, dois dias depois do ocorrido, eis que o Expedito chegou esbaforido na oficina. 

— O senhor quer uma água?

— Que água o quê, Leopoldo! Quero o meu carro!

— Olha o coração, seu Expedito. O senhor não pode ficar nervoso. A pressão pode subir.

— Leopoldo, já tô por aqui!

Nisso, o Boquinha, que estava mexendo numa camionete antiga de outro cliente, o Gilmarildo, percebeu o imbróglio e foi se inteirar do assunto.

— Leopoldo, o que tá acontecendo aqui?

— Nada, Boquinha.

— Que nada o quê, Leopoldo! O seu Expedito tá parecendo uma gralha, que não me deixa trabalhar.

— Eu que não deixo você trabalhar?

— E por acaso tem mais alguém tagarelando aqui além do senhor?

— Hum! Boquinha, sabe há quanto tempo o meu carro está aqui pra você consertar?

— E agora virei calendário?

— Mais de um mês!

— E desde quando um mês é muito tempo para quem já tá fazendo hora extra aqui no planeta Terra? Por favor, seu Expedito, deixa de agonia e me deixa trabalhar.

Sem ter a quem recorrer, o idoso aceitou a água oferecida pelo Leopoldo. Afinal, pra que reclamar se reclamar não adianta nada? Quanto ao Opala, parece que continua na Magnu, mas com promessa de ser liberado até o final do mês.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fonte:
Texto e imagem do Blog do Menino Dudu. 05.05.2025
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2025/05/o-imbroglio-do-opala-cor-de-abacate.html

José Feldman (Sofrimento de mãe)


No silêncio da casa ecoam lembranças, como sussurros de um passado que se recusa a se apagar. A mãe, com o olhar perdido na porta entreaberta, espera o retorno que nunca virá. O cheiro do seu filho ainda paira no ar, nas roupas que permanecem penduradas, nas risadas que agora são ecos distantes. 

Cada canto da casa guarda uma história, um momento de alegria que a guerra transformou em dor. Ela se lembra do brilho nos olhos dele ao falar sobre seus sonhos, a coragem que o levou a lutar por um mundo melhor. Mas a realidade é cruel, e a batalha que ele enfrentou levou não apenas sua vida, mas também parte da alma da mãe que o gerou.

As noites são longas e frias, preenchidas por um lamento silencioso. A cama vazia a lembra do vazio que agora habita seu coração. Os amigos que voltaram trazem notícias sussurradas, mas nenhum consolo pode aliviar o peso da perda. Ela caminha entre as memórias, buscando a força para seguir, mesmo quando o mundo parece desmoronar.

Em meio à dor, a mãe encontra um fio de esperança. Nos sonhos, ele a visita, sorrindo como antes, e ela sente o calor de seu abraço. É na lembrança do amor que ele deixou que ela se agarra, transformando a tristeza em um tributo à vida que foi. A guerra pode ter levado seu filho, mas o amor que ela sente é eterno, um laço que a liga a ele, sempre.

E assim, com o coração partido, mas ainda pulsante, a mãe sente que o amor transcende a morte. Em cada lágrima, uma homenagem; em cada lembrança, uma celebração. E mesmo que a dor nunca desapareça, ela sabe que, em algum lugar, seu filho vive, em cada sorriso, em cada ato de coragem que floresce no mundo.

Fontes:
José Feldman. Gangorra do tempo. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing