segunda-feira, 21 de julho de 2025

Coracy Teixeira Bessa (Colheita Noturna)

Rua deserta. Ao longe, os últimos ruídos na noite que se prepara para repousar à espera da próxima manhã. Vulto solitário, a garota, quase ainda criança, se move como sombra indecisa.

Corre e colhe. Colhe. Corre. De tonel em tonel, de saco em saco, do lixo recolhe o hipotético sustento. Latas, vidros, plásticos e papéis configuram o (im)provável lucro. Corre e colhe sujeira, cortes, arranhões. Aos magros dedos, que não aprenderam a escrever nem contar, diligentemente esmiúçam como se fossem à cata de tesouros. Rende-se à tentação de guardar para si um vidrinho vazio de perfume. Aspira-lhe os resquícios do odor outrora ali guardado. Devaneia: um vestido vermelho, um par de sapatos combinando, uma passadeira bordada cingindo-lhe a raiz dos cabelos. E o perfume. Não sabe se é de rosa, jasmim ou alguma flor exótica, daquelas pelas quais gente que pode paga uma fortuna. O das rosas que aspirara no enterro da mãe, emurchecidas, lhe deixara uma desagradável impressão. Do jasmim, remota lembrança da casa da avó, doce demais, deixara-a levemente enjoada. Seria de algo que desconhecia…

O tabefe no ouvido pega-a desprevenida. Rodopia e cai sobre um monte de caixas de papelão vazias – ainda com o vidrinho de perfume na mão. Enfrenta os congestos olhos de beberrão contumaz do padrasto: “Ainda não terminei! Falta procurar no lixo da lanchonete! Por favor, pai Dé!”. Surdo ao seu apelo o homem vocifera: “Tu pensa que pode me enrolar?! Quem te deu esse vidro de perfume, vagabunda?!”. Chocada, tentando se levantar, a garota procura se defender: “Ninguém! Achei aqui no lixo…”. Em resposta, o homem chuta-a brutal e repetidamente. O vidrinho de perfume espatifa-se além. Antes que possa recompor o corpo contorcido pela dor, o homem agiganta-se sobre a menina indefesa e a violenta. Satisfeito, cambaleando, apossa-se do saco contendo o produto da colheita noturna da garota e sai à procura de algum boteco ainda aberto àquelas horas…

Sobre os refugos da cidade, uma vida se esvai lentamente, ceifada pela selvageria (in)humana.

O caminhão coletor de lixo, nesta madrugada, recolhera mais que sacos, caixas e engradados.
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Médica e socióloga , Dra. Coracy Teixeira Bessa, nasceu em Salvador/BA, durante mais de 40 anos de dedicação à literatura, escreveu inúmeros textos, sendo mais de 250 de prosas, a maioria contos e várias crônicas. Membra emérita da Academia Brasileira de Médicos Escritores (ABRAMES), concorreu a concursos literários estaduais, nacionais e internacionais, conquistando importantes premiações. Além de conhecimento teórico em Sociologia, possui admirável vivência profissional na Medicina, sendo uma exímia cirurgiã, e contribuiu para a formação de diversos cirurgiões ginecologistas em Oncologia. Atuou durante 15 anos no HAM nas áreas de triagem, ginecologia e cirurgia. É associada da Liga Bahiana Contra o Câncer (LBCC).

Fontes:
III Concurso Literário Cidade de Maringá – Modalidade Crônica – Troféu Luiz Lourenço.
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Antonio Carlos de Faria (O Mundo Sem Colombo)


– Não consigo deixar de pensar nisso. 

– Nisso o quê?

– Como teria sido o mundo sem Colombo. Nós nem estaríamos aqui nesse botequim bebendo chope e papeando…

– Então, salve Colombo! Deixe de pensar nele. Viva o presente e, principalmente, pague o que me deve.

– Você não entendeu. Não estou pensando em Colombo. Estou pensando no que teria sido o mundo sem ele.

– Com ele ou sem, os europeus iriam acabar chegando ao Rio de Janeiro e hoje alguém iria estar tomando chope em um botequim como esse. Tudo seria mais ou menos igual. Até um caloteiro como você iria existir.

– Você está enganado. Sem Colombo, nós não estaríamos aqui. Sem ele, iria prevalecer o método de Portugal, que eram as cabotagens em torno da África e da Ásia. Um processo muito mais lento. Em qualquer lugar em que vissem mulher bonita, os portugueses paravam e se punham a fazer versos e a tocar suas guitarras.

– Eles estavam certos, quer coisa melhor do que mulher, poesia e música?

– Mas perceba as consequências. Seguindo as cabotagens, os portugueses chegariam ao Japão, como fizeram realmente, mas talvez demorassem muito mais para se arriscar em linha reta ao Oriente. Foi a loucura de Colombo que fez os portugueses virem direto para a América. Se dependesse deles, isso poderia ter demorado mais, quem sabe uns duzentos anos.

– E daí? Um pouco antes, um pouco depois, terminaria tudo como estamos vendo agora.

– De forma alguma. Sem as Américas, não haveria batatas no cardápio da Europa. Sem batatas, a população europeia iria continuar passando fome, crescendo devagar. Não haveria o excedente que criou o exército de mão-de-obra de reserva, a mais valia. Não teria havido a Revolução Industrial.

– Você não acha que está exagerando um pouco?

– Claro que não. Sem Colombo, não teria havido luta de classes e as revoluções que balançaram o mundo no último século.

– Aonde você quer chegar com essa conversa?

– Ora, meu ponto de vista é claro. A ousadia de Colombo criou o mundo como o conhecemos. É preciso ser ousado, é preciso ir além do convencional.

– Ainda não entendi o que quer dizer esse papo todo.

– Bom, você mesmo podia ser mais ousado e fazer um gesto inesperado. Por exemplo, poderia perdoar essa dívida que veio me cobrar.

– Tenha paciência. Está me achando com cara de Jesus Cristo? Essa conversa toda é apenas mais uma forma de você adiar o pagamento. Você está me enrolando.

– Longe de mim essa ideia! Mas continuando nosso assunto, como teria sido a história do mundo sem Jesus Cristo? Você já pensou nas consequências?

Fontes:
                                                         Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing   

Antonio Brás Constante (A Letra Partiu da Mão e Formou o Grão)


A letra partiu da mão e formou o grão. Voou entre rimas, pousando em novas terras a serem descobertas e ali germinou, formando palavras, desabrochando em frases, encantado olhares com sua beleza suave;

O pequeno embrião textual desenvolveu parágrafos profundos, até se transformar em um poema pronto para se mostrar ao mundo. Sob o seio de sua sombra descansaram os sonhadores, que deitados na proteção de seu colo, acalentaram-se em seus versos utópicos, curando eventuais dissabores;

Na beleza projetada por sua linguagem, paixões se incendiaram em centenas de cores. Uma parte desses matizes tomou a forma de amores, enquanto das outras partes sobraram apenas amargas dores;

As suas curvas poéticas encantaram romancistas e trovadores, despertando os próprios talentos sobre a figura escrita que estavam lendo e nelas totalmente se envolvendo.

Do caldo de sua seiva virgem, autores extraíram o bálsamo para a conquista de suas musas adoradas. E no fruto em ti formado, se desenvolveram novas ideias que alimentaram mil escritores;

Restaram suas sementes, leves como a brisa do vento, que enfim voaram pelas memórias de tantos leitores, germinando em novas mentes. Algumas caindo em terreno fecundo, de onde brota toda poesia, pois pousaram com maestria e festa na imaginação louca dos poetas.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Antonio Brás Constante é natural de Porto Alegre. Residente em Canoas RS. Bacharel em computação, bancário e cronista de coração, escreve com naturalidade, descontraída e espontaneamente, sobre suas ideias, seus pontos de vista, sobre o panorama que se descortina diferente a cada instante, a nossa frente: a vida. Membro da ACE (Associação Canoense de Escritores).

Fontes: 
Texto enviado pelo autor em 21 de outubro de 2012
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domingo, 20 de julho de 2025

Asas da Poesia * 54*


Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Antes: alegre e festivo
convívio de todos nós...
Hoje, o celular é o "vivo"
de alguém "dialogando a sós"!
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Poema de
LUCIANA SOARES
Rio de Janeiro/RJ

No caminho

Quero morar num caminho
para ouvir o teu canto com alegria.
Onde o vento roda o moinho
dia e noite, noite e dia.

Percorrer um caminho de doçura
onde pudesse acariciar teu rosto, sereno. 
Que tu sorvesses um café ao amanhecer, 
com um beijo teu e um adeus ameno. 

Encontrar um lar ao longo desse caminho, 
onde o sol sempre viesse brilhar, 
e juntos sentíssemos o calor desse amor, 
de mãos entrelaçadas ao luar. 

Queria habitar um caminho assim, 
onde, ao canto suave da cotovia, 
sorríssemos para a vida que desabrocha 
na poesia de cada novo dia. 
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Trova de
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

Vive a “página da vida”
nem que seja a “solavanco”!…
Pior é quem na “partida”,
carimba a página: “Em branco”!
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Escravo do adeus

Um lenço branco ao longe é uma constante
na solidão que eu mesmo construí,
escravo do meu ego ao seu talante;
verdugo da humildade que perdi.

No pensamento agora tão errante
vislumbro espelho frágil que parti.
Malgrado a juventude me acalante
macróbio em lassidão detenho aqui.

Foi tudo uma serpente intempestiva.
Fugimos em veredas dolorosas...
mas hoje estás feliz, muito bem viva.

Divides teu caminho com as rosas...
e eu somo à solidão a minha vida
multiplicando as mãos da despedida!
= = = = = = 

Trova de
CLÓVIS WILSON DE MATTOS ANDRADE
Senhor do Bonfim/BA

Num vai e vem incessante
sobre um solo tão estreito
saudade é eterna migrante
que nunca emigra do peito.
= = = = = = 

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
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Quadra Popular
AUTOR ANÔNIMO

Deus não criou infelizes...
Os infelizes se fazem...
Mas quem pode interromper
o destino que eles trazem?!
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Audaciosa

O torpor de engenhosa carícia
Dos meus olhos as nuvens desfaz
Esse toque frenético, edaz
Que fascínio, gostosa perícia!

Como quero o calor dessa audácia
O carinho enlaçando a cerviz
Bem assim os sussurros sutis
Pra minh'alma elixir de eficácia

Pura seda, arrebata-me o siso
Meu pensar viajante, impreciso
É refém da leveza da tez

Na viveza constante me aprazo
Tu fizeste mais fausto o parnaso
Sou brinquedo da tua avidez
= = = = = = 

Trova de
P. DE PETRUS
(Pedro Bandettini)
São Paulo/SP, 1920 – 1999, Rio de Janeiro/RJ

Certos olhos, já cansados
pelo tempo que passou,
lembram faróis embaçados
que o mar da vida embaçou.
= = = = = = 

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Floresta /PR

A Iara

Das águas profundas, um canto a seduzir,
Iara, sereia de beleza infinita,
com olhos de lua, faz homens sucumbir,
na dança das ondas, sua alma é bendita.

Mas cuidado, viajante, ao te aproximar,
pois seu canto é doce, mas pode enganar,
com promessas de amor, te fará naufragar,
nos braços da morte, não há como escapar.

Ela é a rainha do rio encantado,
com flores de lótus seu corpo adornado.
Enquanto as estrelas a iluminam no céu,

os homens a seguem, perdidos no véu,
e ao som de sua voz, em desespero,
se entregam ao abismo, ao doce desterro.
= = = = = = 

Trova de
ZENI DE BARROS LANA
Belo Horizonte/MG

Nas asas da inspiração,
alço voos de esperanças
e na lira da emoção,
dedilho velhas lembranças.
= = = = = = 

Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

O dilema

A concepção da vida, é um poema…
Que se compõe, sem nunca se escrever!
É um bailado a dois, que irá fazer,
Um musical de amor… um sonho… um tema!

Um tema transformado num dilema,
Que terão de enfrentar, de resolver!
Mais uma personagem vai haver,
Há que pôr no guião, mais uma cena!

Um corpo de mulher em movimento.
Um cântico de amor. Um nascimento.
Atores desempenhando um novo lema!

Vai ter mais um compasso, a melodia.
Vai ter mais uma estrofe, a poesia.
Mas tem final feliz, este dilema!
= = = = = = 

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
- A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
= = = = = = 

Soneto de 
THALMA TAVARES
São Simão/SP

Milagre

Eu era um deserto cinzento, sem flores
- um chão de tristeza em que não cresce a palma.
Então ela vem e me fala de amores,
e sobre o meu ermo a esperança se espalma.

Cobrindo de estrelas o ocaso sem cores,
trocando amarguras por noites de calma,
com rimas e afagos calou minhas dores,
e pôs em meu peito o candor de sua alma.

O vulgo não sabe quem é a criatura
que a mim favorece com tanta doçura,
repondo em meu ser a perdida alegria.

Os bardos já sabem do que estou falando,
mas vou concluir feito um bardo, cantando,
dizendo entre versos: - seu nome é Poesia!
= = = = = = 

TROVA FUNERÁRIA CIGANA

Descansa, esposo querido,
a par de Deus tão divino.
Pede-lhe, sim, que melhore
o meu infeliz destino.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Ar

Aroma de vento
dorido, na brisa
sinto seu soluço.

Vidas marcadas, lançadas no tempo
sem respostas, sem ouvir desculpas,
enquanto más almas armam rebuço.
Desesperados clamam aos céus; só,
verto lágrimas. Em túmulos, debruço.
= = = = = = 

Trova de 
FRANCISCO JOSÉ MOREIRA LOPES
Maranguape/CE

O teu carinhoso abraço
alegra meu coração
e neste lindo compasso
canto uma bela canção.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Insensatez

É natural até não se esquecer
do mal que certa feita alguém nos fez;
mas não dar-lhe o perdão nos faz sofrer,
além de ser enorme insensatez.

Quem não perdoa sofre o desprazer
de um duplo padecer, pois a altivez
destrói a índole do bem-querer
e com ela a alegria de viver!

Se alguma vez alguém o contristar,
experimente logo o desculpar;
verá você que é bom não ter rancor...

Criados fomos para o amor, mormente,
e amar, por si, já é mais inteligente
conforme ensina o nosso Criador!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Cidadania é civismo, 
sobretudo é comunhão; 
é ajuda mútua, é altruísmo, 
partilha justa do pão. 
= = = = = = 

Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Oração  ao  despertar
  
Abrindo os olhos, Senhor, 
para um dia a mais viver,
vejo a Luz de Vosso amor 
abençoando meu ser.
 
Ponho-me assim na frequência 
das graças que do Alto vêm,
pronto a exercer a clemência, 
buscando fazer o bem.
 
Que a fé me tire o desânimo, 
o rancor, a impaciência;
deixe o coração magnânimo, 
facho de amor por essência.
 
Pai, que durante este dia 
eu tenha a oportunidade
de sustentar a harmonia 
e de fazer caridade.
 
Nesta jornada, que eu veja 
a todos como um irmão,
numa atração benfazeja, 
a promover compreensão.
= = = = = = 

Trova de
ADOLFO MACEDO
Magé/RJ (1935 – 1996)

Tenho minha alma sentida,
vivo sempre amargurado.
- Minha vida não tem vida,
sem tua vida ao meu lado!
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Sonetando

Ele começa no verso primeiro,
Passa ao segundo, de poesia farto,
E adentra afoito já pelo terceiro,
Enquanto escrevo mais um verso: o quarto!

E passo ao quinto, verso alvissareiro,
Depois ao sexto bem ligeiro eu parto,
E neste sétimo me atiro inteiro
Já que este oitavo contigo reparto.

São só catorze, e já estou no nono!
No verso dez não quero mais parar,
Pois sei que o onze vai tirar meu sono,

Mas vou ao doze, falta só um terceto...
Este não digo, pois dá muito azar
Décimo quarto: fim deste soneto!
= = = = = = 

Trova de
OLYMPIO COUTINHO
Belo Horizonte/MG

Eu não lamento a saudade, 
que a tudo invade porque 
é tão bom sentir saudade 
quando a saudade é você.
= = = = = = 

Poema de 
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Canção póstuma

Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte é um poderoso vento.
E é um suspiro tão tímido a Arte...

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro da pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos
- atento a um canto mais profundo.

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que arte
se ocupam as pessoas mortas.

Por isso é tão desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais que a vida.
Mas à Morte não diz mais nada.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Partiste e no Adeus... risonho,
teu bilhete sem carinho,
provou- me que o nosso sonho
eu sonhei... sempre sozinho!
= = = = = = 

Hino de 
SANTO ANDRÉ/SP

Santo André, livre terra querida,
Forja ardente de amor e trabalho,
Em teu solo semeias a vida,
Em teus lares há pão e agasalho.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Três figuras de heróis bandeirantes
Isabel, 0 Cacique e 0 Reinol
Constituíram os troncos gigantes
Das famílias paulistas de escol.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Se tu foste, no início, um castigo
Hoje és benção dos céus sobre nós.
Santo André , o teu nome bendigo,
Berço e tumba de nossos avós.

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!

Eia, pois, a caminho da glória,
Santo André do herói quinhentista!
Tu serás para sempre na história
Marco zero da história Paulista!

Salve, salve, torrão Andreense
Gigantesco viveiro industrial!
Teu formoso destino pertence
Aos que lutam por um ideal!
= = = = = = 

Poema de 
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/Malta

A nova estação agora és tu

A nova estação agora és tu, pomba,
Que ontem comes-te de minha mão, solitária,
Como o sol que sobre mim desliza e geme sobre ti,
Furtivamente fala-me neste silêncio
de uma mente usada que se abriu em catacumbas
Diante tu e para que caminhes descalça – entra.
Agora és um piano calado e em ti há
A melodia purpúrea que escreverá
Com as notas que tu me prometeste.  Uma poesia,
Agora tu és minha grande poesia,
As palavras que se encontram em um dicionário
E os ritmos choram, as sílabas gaguejam
Porque tu, muda és, nova solidão.
Ó, andorinha que bebes dos charcos
E conta os anéis que me agrada desenhar
Todas as tardes com o arremesso de uma pedra,
Filha das almas caladas, tu só as folheias
E lês os tristes livros do poeta.
(Tradução:  José Feldman)
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Trova de
RITA MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Não temo quedas, barreiras,
por mais que a tristeza insista.
Águas que são cachoeiras
não tem lodo que resista!
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Recordando Velhas Canções
AVE MARIA DOS NAMORADOS 
(samba-canção, 1963) 

Ave-Maria, 
rogai por nós os namorados
Iluminai, 
com vossa luz, nossos amores
Se somos nós, 
hoje ou depois, mais pecadores
Por nós rogai, 
e o nosso amor, perdoai 

Bendita sois, 
por todo o bem que me fizestes
E abençoai o amor que destes para mim
Mas não deixeis que entre nós dois   
exista mais ninguém
Que seja assim,
Até o fim,   
Amém.
= = = = = =

Aparecido Raimundo de Souza (Cena urbana)


NA RECEPÇÃO do hospital infantil da cidade, o atendente chama o próximo da fila para fazer a ficha.  

— Bom dia, minha senhora. Como chama a sua filha?

— Essa que vai consultar, aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. Eu chamo como todo mundo, senhor.  Pelo nome. 

— Que seja. E como a senhora chama?

— Meu nome é Mocanhimbara, sem aquela cobrinha pendurada no “c”, seu moço. 

— Senhora, o que eu quero saber é como a senhora a chama?

— Ah, eu a chamo de Ca.
 
— E o nome da sua outra filha. Só pra constar aqui. Qual é o patronímico dela?

— Como é o quê? Traduza...

— O patronímico de batismo...

— O que é patro... pato... patro o quê?

— Patronímico, senhora. O mesmo que nome, apelido, alcunha essas coisas...

— Ah, agora entendi. “Paitromínico”

O atendente, visivelmente se fecha numa cara irritada. Fala:

— Graças à Deus. Já era tempo. Repassando, pela última vez: Uma é a Ca... 

— Isso. Só Ca? A Ca é aquela sentadinha ali, de blusa vermelha...

— Só Ca... muito bem... ainda estou perdido feito cego em tiroteio, minha prezada. Não são duas para passar pelo clínico geral?

— Sim, são duas... uma é uma e a outra é a outra... as duas “forma” uma só. Aliás, a outra está lá fora com o pai. Minha princesinha está de blusa preta. 

— Meu Deus, dai me paciência. E como é o nome dessa outra?

— Dessa outra, lá fora, com o meu esposo, a de blusa preta, o nome que eu já lhe falei...

— Pode repetir, por favor?

— Sim.  

— Ca e Sandra 

— Cassandra? 

— Meu senhor. Voltando a fita: Temos duas filhas.

— Isso estou cansado de saber, senhora. Temos duas filhas... 

— Não, seu moço. Todas são de meu marido, o Nicanor. Nunca me deitei com ninguém, menos ainda com o senhor... o senhor quer que eu...

— Senhora dona Moça... Mo... pelo amor de Cristo. Eu não quis dizer isso.

— Não é moça, senhor, é Mocanhimbara, sem a cobrinha no “C”. Uma se chama Ca, e essa é a mais nova... aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. 

— OK, senhora. E a outra? 

— A que está lá fora? 

— Sim, minha senhora...

— A outra, a que está lá fora, a mais velha é a Sandra. Juntando as duas, dá a impressão de que é uma só: Ca Sandra. Mas como eu expliquei, meu senhor, e volto a repetir, são duas. Ca e Sandra. Lá em casa, meu marido e eu, quando chamamos as gurias, economizamos. A gente grita: Vem Ca, Sandra. O almoço está pronto. Vem Cá, Sandra, hora de fazer pipi pra dormir...

— Entendi. Fique calma. Elas são gêmeas?

— Como o senhor adivinhou. Elas “geme” muito...  nessas horas, “ninguém dormi”.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing