terça-feira, 22 de julho de 2025

Douglas Lara (Antologia, para que serve?)

“Fui me encantando com o trabalho e percebendo que, discretamente, os ‘antologistas’ buscam uma tribuna”

No último ano, trabalhei com coletâneas de textos de aproximadamente cem escritores e poetas. Pude ler biografias e textos de muitos autores, num total de mil páginas, provenientes de quatorze países em quatro continentes.

Tentava identificar o que desejavam estes escritores que, cooperativados, colocavam suas obras-primas para divulgar o que andam dizendo e escrevendo os não muito famosos, tendo também a oportunidade de mostrar suas ideias e ideais.

Fui me encantando com o trabalho e percebendo que, discretamente, os “antologistas” buscam uma tribuna.

Isso me lembrou de uma conversa com o Blota Junior e a Baby Garroux, no primeiro programa de entrevistas Dia-a-Dia da TV Bandeirantes, quando eu era um dos entrevistados. Tinha certos conhecimentos que os produtores do programa acharam que valia a pena colocar no programa de estreia.

Antes de começar o programa, tive a oportunidade e o prazer de trocar algumas palavras com o Blota Junior, experiente entrevistador, apresentador de programas de muita audiência (ele tinha a experiência de âncora nas principais TVs da época, tinha sido deputado estadual e era mestre de cerimônias dos principais eventos no país).

Aproveitei para perguntar por que ele não se aposentava da TV, agora que sua esposa (Sônia Ribeiro, também conhecida) tinha acabado de falecer.

Com sua elegância e educação, respondeu:

– Para ter minha tribuna e poder levar minhas mensagens e pensamentos aos telespectadores. Se não tiver uma tribuna para me manifestar, acabo morrendo de agonia, por não poder botar pra fora o que penso.

E, levantando-se:

– Vamos então?

– Pra onde? Perguntei.

Gentilmente, esclareceu:

– Para nossa entrevista, esqueceu? Agora a tribuna é sua…
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Douglas Lara é de Sorocaba/SP (1938), bacharel em Ciências Contábeis com mestrado em Controladoria e Gestão de Processos Comunicacionais. Idealizador e organizador da antologia internacional Roda Mundo e da Semana Internacional do Escritor de Sorocaba. Sócio da The American Chamber of Commerce (Câmara Americana de Comércio) - São Paulo, desde outubro de 1960; sócio fundador do Institubo Brasileiro de Executivos Financeiros (IBEF); sócio fundador da Associaçao Brasileira de Aluminio (ABAL); sócio permanente do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba (IHGGS) e da Sociedade Amigos da Marinha (Soamar). Representando o IBEF, realizou viagens internacionais para o Mèxico e a Itália.

Fontes:
Enviado pelo autor em 02.12.2009
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Machado de Assis (Três Tesouros Perdidos)

Uma tarde, eram quatro horas, o Sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.

Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:

— Senhor, eu sou F..., marido da senhora Dona E...

— Estimo muito conhecê-lo, responde o Sr. X...; as não tenho a honra de conhecer a senhora Dona E...

— Não a conhece! Não a conhece! ... quer juntar a zombaria à infâmia?

— Senhor!...

E o Sr. X... deu um passo para ele. — Alto lá!

O Sr. F... , tirando do bolso uma pistola, continuou:

— Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão! 

— Mas, senhor, disse o Sr. X., – a quem a eloquência do Sr. F... tinha produzido um certo efeito –  que motivo tem o senhor... 

— Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher? 

— A corte à sua mulher! Não compreendo! 

— Não compreende! Oh! Não me faça perder a estribeira.

— Creio que se engana... 

— Enganar-me! É boa! ... Mas eu o vi... Sair duas vezes de minha casa...

— Sua casa!

— No Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...

— Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...

— Não, não! É o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a sua cara? Vamos, ou deixa a cidade, ou morre... Escolha!

Era um dilema. O Sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.

Surgiu, porém, uma objeção.

— Mas, senhor, disse ele, os meus recursos... 

— Os seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.

E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:

— Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?

— Para Minas.

— Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdoo-lhe, mas não volte a esta corte... Boa viagem!

Dizendo isto, o Sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu em uma nuvem de poeira.

O Sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranquilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu destino.

No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o Sr. F. para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.

Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:

— “Meu caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa. Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E...”.

Desesperado, fora de si, o Sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às 8 horas.

— Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do Sr. X..., subiu; apareceu o moleque. 

— Teu senhor?

— Partiu para Minas.

O Sr. F... desmaiou.

Quando deu acordo de si estava louco... louco varrido!

Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:

— Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!...

Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.

(Publicado no Periódico “A Marmota, 1858)
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Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), mais conhecido como Machado de Assis, foi um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que revolucionou a literatura brasileira e deixou um legado imenso para as gerações futuras. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1908. De família humilde, com um pai pintor e uma mãe portuguesa. Sua infância foi marcada por dificuldades e pela fragilidade de sua saúde, sendo gago e epilético. Apesar das dificuldades, ele demonstrou grande talento para a escrita desde cedo, publicando seu primeiro soneto, "Ela", aos 15 anos. Trabalhou em diversos cargos, incluindo revisor, tipógrafo e funcionário da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. No entanto, sua paixão pela literatura era inegável, e ele dedicou-se à escrita de romances, contos, crônicas, poesias e peças de teatro. É conhecido por suas obras de profunda análise psicológica, crítica social e escrita elegante e irônica. Algumas de suas obras mais famosas incluem: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881): Um dos seus romances mais emblemáticos, que marcou o início do Realismo no Brasil. Dom Casmurro (1899): Uma obra que explora a infidelidade e a obsessão de Bento em relação a sua esposa, Capitu. Esaú e Jacó (1904): Um romance que aborda a questão da raça e da identidade brasileira. Memorial de Aires (1908): Um romance que traz um tom mais melancólico e reflexivo, explorando a nostalgia e a solidão. Quincas Borba (1891): Um romance que critica a hipocrisia e a falsidade da sociedade. Helena (1876): Um romance que retrata a vida amorosa de uma mulher que se apaixona por um homem casado. A Mão e a Luva (1874): Uma peça teatral que aborda a questão do casamento arranjado. 
Machado de Assis foi o primeiro diretor da Academia Brasileira de Letras, instituição que ele ajudou a fundar. Sua obra foi traduzida para diversas línguas e é considerada uma das mais importantes da literatura brasileira e mundial. Ele é reverenciado como um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que deixou um legado imenso e duradouro. Era um mestre na análise psicológica de seus personagens, explorando seus sentimentos, pensamentos e motivações. Sua obra fazia uma crítica mordaz à sociedade brasileira do século XIX, expondo as desigualdades sociais e as contradições da elite burguesa. Usava uma linguagem refinada, com um tom irônico e cheio de sutilezas, que o tornava um escritor único. Sua escrita era marcada por uma linguagem ambígua, que permitia diferentes interpretações e leituras da sua obra. Machado de Assis foi um dos primeiros a se aproximar do Realismo, mas com um toque próprio, criando um estilo único e original.

Fontes:
Machado de Assis. Páginas recolhidas. Livro publicado originalmente em 1899.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Asas da Poesia * 55 *

 

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

A desconhecida

De onde ela veio os riscos eram poucos;
cais de sossego e amores comedidos…
porto seguro…, mas de ouvidos moucos
aos seus anseios, sempre preteridos.

Um dia, enfim, nos descobrimos loucos,
incendiando instintos escondidos
e nos amando entre os gemidos roucos
das feras que contêm suas libidos.

Aos poucos pude ver que descobrimos
detalhes tão comuns de um sonho imenso,
motivos pelos quais nós nos unimos…

E agora a vejo triste e dividida
entre as surpresas deste amor intenso
e o porto que acolheu a nau transida!
= = = = = = = = =  

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Alarme no galinheiro. 
- Será que há gambá na granja?... 
- Bem mais grave: é o cozinheiro 
que avisa: “Hoje vai ter canja!”…
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antônio do Monte/MG

Oração dos casais

Meu bem, sei que Deus protege os casais
Semeia trigais de ternura na pele
Para que o amor sele as marcas da procura
Então, na hora em que a gente for dormir
Façamos jus aos cuidados do Senhor
Por favor, acenda-me quando apagar a luz!
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Aldravia de
HELENA LUNA
Fortaleza/CE

sonho
poeira
que
o
vento
carrega
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O teu rosto de sal na praia vã
(José Charles González in "Cem Sonetos Portugueses", p. 148)

O teu rosto de sal na praia vã
Filtrava a luz do sol nesse cristal
E lá do sul, subindo o areal
Vinha a lua dizer que é tua irmã.

Sendo a razão de ser desta manhã
Silhueta esculpida num vitral
Serias Virgem numa catedral
Se não tivesses já coroa de romã.

És sereia que o mar azul trouxesse
Uma rosa de orvalho que amanhece
E, por milagre, a Terra iluminasse.

És aragem lembrando borboleta
Vestida de amarelo, azul, violeta
E que ao bater das asas nos deixasse.
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Trova de
FERNANDO BURLAMAQUI 
Recife/PE, 1898 – 1978

A Saudade, com certeza,
tem poderes encantados
que fazem doce a tristeza
dos corações separados.
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Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

Rosas loucas

A rosa louca é a rosa mais singela
de todas as rosas, mas é bela
porque nasce nas cercas, nos caminhos
e conta menos flores do que espinhos.

A rosa louca é a rosa mais plebeia
dentre todas as rosas, traz à ideia
a moçoila do bairro, tão bonita
com vestidos de cor, feitos de chita.

A rosa louca é a rosa que se olha
sem tirar do pé, porque desfolha;
ela pede perdão de não ter graça;

desponta, desabrocha, encanta... e passa.
Estas rosas são breves e são poucas,
como o riso feliz em nossas bocas…
= = = = = = 

Trova de
SINCLAIR POZZA CASEMIRO
Campo Mourão/PR

Todas  manhãs são seguras,
pois há toques de poesia
que tu, mágico, asseguras
Sir Feldman de cada dia!!!
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Elogio ao Soneto

No meu viver de agitação, proscrito,
eu busco a paz para escrever um verso
e de alma pura, coração contrito,
procuro a melhor rima do Universo.

O desespero aperta, estou aflito…
Como escrever num mundo tão perverso?
A inspiração me acode com um grito,
e o meu soneto nasce, incontroverso…

Ao verbo de Camões me fiz escravo.
em busca da palavra me fiz bravo,
para dar ao soneto nova aurora…

Que o pavilhão tremule lá na praça,
e brilhando, qual pérola sem jaça,
reine o soneto pelo mundo afora!
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Trova de
DIVENEI BOSELLI 
São Paulo/SP

Choro junto à sepultura
De sonhos mortos repleta,
E a razão, mãos na cintura,
Diz: – quem mandou ser poeta.
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Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

Oração do poeta

– Que me darás, Senhor, pela jornada
de dores, privações e misereres?
– Eu te darei a noite salpicada
de estrelas e silêncio. Que mais queres?

– E para a solidão da madrugada?
– Já fiz o mundo cheio de mulheres.
procura e encontrarás a tua amada.
Faz os mais lindos versos que puderes.

– Mas como irei, Senhor, reconhecê-la?
– Há no céu, entre todas, uma estrela
que apenas tu verás. Que mais perguntas?

– E este frio e esta angústia que ora sinto?
– Quando ela penetrar em teu recinto
a primavera e a paz hão de vir juntas.
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Trova de
FAGUNDES VARELA
Rio Claro/RJ, 1841 – 1875, Niterói/RJ

A mais tremenda das armas,
bem pior que a durindana,
atentai, meus bons amigos…
se apelida: – a língua humana!
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Cantiga Infantil de Roda
PEZINHO 

Ai bota aqui 
ai bota ali 
o teu pezinho
O teu pezinho 
bem juntinho 
com o meu

Ai bota aqui ai bota ali 
o teu pezinho
O teu pezinho o teu pezinho 
ao pé do meu

E depois não vá dizer 
que você já me esqueceu
E depois não vá dizer 
que você já me esqueceu

E no chegar deste teu corpo, 
uma abraço quero eu
E no chegar deste teu corpo, 
uma abraço quero eu

Agora que estamos juntinhos, 
da cá um abraço e um beijinho
Agora que estamos juntinhos, 
da cá um abraço e um beijinho

E depois não vá dizer 
que você já me esqueceu
E depois não vá dizer 
que você já me esqueceu
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Teu coração bem amado,
é de tão grande doçura,
que se fosse esquartejado
parecia rapadura.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

O portão e o vento

Num piscar de olhos
Distancia-se o pensamento,
Busco encontrar-te
Em cada folha do Plátano
E pétalas de rosa que guardei...
Imagino que esteja próximo a esquina
Vindo em minha direção,
Mas, num piscar de olhos.
Você retorna aos meus sonhos,
E o portão abre-se com o vento...
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Poetrix de
ANGELA TOGEIRO
Belo Horizonte/MG

Falsa borboleta

Ousei ser lagarta e pupa.
Rompi o casulo
numa sociedade de asas tolhidas.
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Pantun de
OLGA MARIA DIAS FERREIRA
Pelotas/RS

Pantun da Cegueira do Amor

TEMA:
Se o amor é cego, entretanto,
por que nos faz tanto bem?
Mesmo cego, é luz no entanto,
nos olhos cegos de alguém!
PROFESSOR GARCIA 
Caicó/RN

PANTUN:
Por que nos faz tanto bem
essa pauta de carinho,
nos olhos cegos de alguém,
a enfeitar o nosso ninho.

Essa pauta de carinho,
tanto amor ao entardecer,
a enfeitar o nosso ninho
e nos ajuda a viver.

Tanto amor ao entardecer,
traz grande brilho ao olhar
e nos ajuda a viver,
vibrar, sorrir e sonhar.

Traz grande brilho ao olhar
e traz muita paz… enquanto,
vibrar, sorrir e sonhar
Se o amor é cego, entretanto...
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Aldravia de
ANNA RIBEIRO
Itajaí/SC

nas
entrelinhas
a
busca
de
mim
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Soneto de
FILINTO DE ALMEIDA
Porto/Portugal, 1857 – 1945, Rio de Janeiro/RJ

Zumbidos

Eu quisera ter voz para cantar
A tua glória — portentoso guia
Nas ascensões da minha fantasia —
Voz do Céu, voz da Terra, voz do Mar.

Mas tão potente voz, tão singular
Que concertasse a tríplice harmonia,
A só digna de ti, quem a teria
Neste soturno mundo sublunar?

Eu, abelhão fugaz do ático Himeto,
Dou-te o meu surdo canto, asas abrindo,
Num sussurro de loa triunfal;

Dou-te mais um zumbido num soneto;
Que eu vivi sempre e morrerei zumbindo
Em torno da tua sombra colossal.
= = = = = = = = =  

Trova de
J. UDINE VASCONCELOS
Fortaleza/CE

Como filho do Universo,
vejo a vida em poesia,
por isso é que faço verso,
dia e noite, noite e dia…
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Poema de
JOHN DONNE 
Londres/Inglaterra, 1572 – 1631

A Isca 

Vem viver comigo, sê o meu amor
E alguns novos prazeres provaremos
De areias douradas e regatos de cristal
Com linhas de seda e anzóis de prata.

Aí o rio correrá murmurando, aquecido
Mais por teus olhos do que pelo sol;
E aí os peixes enamorados ficarão
Suplicando a si próprios poder trair.

Quando tu nadares nesse banho de vida
Cada peixe, dos que todos os canais possuem,
Nadará amorosamente para ti,
Mais feliz por te apanhar, que tu a ele.

Se, sendo vista assim, fores censurada
Pelo Sol, ou Lua, a ambos eclipsarás;
E se me for dada licença para olhar
Dispensarei as suas luzes, tendo-te a ti.

Deixa que outros gelem com canas de pesca
E cortem as suas pernas em conchas e algas;
Ou traiçoeiramente cerquem os pobres peixes
Com engodos sufocantes, ou redes de calado.

Deixa que rudes e ousadas mãos, do ninho limoso
Arranquem os cardumes acamados em baixios;
Ou que traidores curiosos, com moscas de seda
Enfeiticem os olhos perdidos dos pobres peixes,

Porque tu não precisas de tais enganos,
Pois que tu própria és a tua própria isca,
E o peixe que não seja por ti apanhado,
Ah!, é muito mais sensato do que eu.

(Tradução de Helena Barbas)
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Trova de
DJALDA WINTER SANTOS
Rio de Janeiro/RJ

Houve muita confusão
quando o morto, no velório,
dando um tapa no caixão,
reclamou do falatório...
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Glosa de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

E é quase dia...

MOTE:
No talvez da quase noite,
quando a espera me angustia,
horas batem feito açoite...
Tu não vens...e é quase dia...
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

GLOSA:
No talvez da quase noite,
eu me perco em devaneios
e temo que a dor se amoite
e se instale nos meus seios!

O pranto cai devagar
quando a espera me angustia,
sentindo – não vais chegar,
morre em mim toda a alegria!

A tristeza faz pernoite
no meu pobre coração...
horas batem feito açoite...
sem nenhuma compaixão!

Quando a solidão aumenta,
a noite perde a magia
e minha alma não aguenta,
tu não vens...e é quase dia…
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Nilto Maciel (A arca)

De longe, avistei a aglomeração, e a curiosidade me arrastou para ela. Talvez algum mágico estivesse a encantar a pequena multidão. Podia tratar-se de comício, também. Avancei mais curioso, atento aos aplausos e modos daquela gente. Não, ninguém engabelava ninguém, e todos vestiam trapos sujos. Um cheiro de lixo mandou-me dar meia volta e volver. Porém meus olhos queriam inventar o mágico ou o político, e me grudaram às costas do último molambudo.

– Morreu galego?

O bruto fez ouvidos de mercador. Refiz a pergunta, de trás para frente, a rir de mim mesmo. Você me respondeu? Nem ele. Como podia estar muito distraído, toquei-lhe o braço, com ira. Não se virou, mas desfiou um metro de porcarias. Só depois virou a cabeça para trás e me fitou demoradamente. Dei um passo para a esquerda e postei-me às costas de um que bodejava e erguia os braços. Que diabo! Um terceiro, cheio de rugas e cãs, não parava de rir. Mais outro olhou-me. De seus olhos vermelhos escorria muita água. Aquilo já me assustava e perturbava. Não, não me amedrontava. Ora, nenhum daqueles coitados parecia ofensivo. E menos eu compreendia onde me achava. Claro, diante de uma casa em formato de arca, metido no meio de um magote de mazelentos. E no interior da tal arca? Saí a pedir licença a um e outro, a abrir alas, até alcançar a porta. O porteiro sorriu-me e convidou-me a entrar. Que alívio! Pacatos e inteligentes frequentadores de exposições fumavam e parolavam, requintadas senhoras furoavam intrigas entre si, bisonhos críticos parodiavam-se, risonhos e educados todos, bem vestidos e corados, alvos e adornados.

Dirigi-me a um gorducho de cara e jeito de sabido e indaguei o significado daquela multidão lá fora. Ele não me soube dar resposta, encenou uma exposição de motivos sobre o que acontecia do lado onde se achava. Ouvi por três vezes a palavra tranquilidade. Como eu lhe virasse o rosto, indicou-me um respeitável senhor sentado a um birô. Parti no rumo do venerando homem e repeti a pergunta. Para quê? Ele se enfureceu. Porém, antes de me agredir, levantou-se, como se despertasse de um sonho bom, e se disse sentir-se obrigado a ir chamar a polícia. E pôs-se a andar de um lado para outro. 

“Ora, são os mazelentos de segunda, terceira e quarta categorias que desejavam ser expostos. Impossível! Não adianta esse protesto absurdo. A exposição é de mazelas de primeira ordem, conforme o senhor pode ver.” 

E apontou para as quatro paredes. Só então percebi as peças expostas. A arca havia sido construída especialmente para a exposição. Relacionou os nomes das mazelas principais, representadas ali por figuras humanas. Agradeci as informações e juntei-me aos demais frequentadores. Remirei-os. Diante das peças expostas, trocavam opiniões. Uma lustrosa senhora, diante de um homem vestido de chagas, suspirava: “Maravilhoso! Maravilhoso! Maravilhoso!” Tentei ser polido e voltei-me para a exposição em si. Pernetas, manetas, coxos, cegos, leprosos, anões, gigantes, deformados compunham a galeria de mazelentos. Não seriam estátuas, manequins de gesso, plástico, bronze? Só então relacionei os protestos da multidão do lado de fora à explicação do diretor da Exposição. Sim, o chagado se retorcia. Logo, a amostra se constituía de seres vivos. 

Cheguei a deixar transparecer minha emoção. “Ah! estão vivos?” 

Um prestimoso senhor tratou de me ensinar que “logicamente, pois é a Primeira Exposição de Mazelas. De nada valeriam elas, se não fossem em seres humanos.” Procurei atenuar minha ignorância. Aqueles pedestais, as poses, a rigidez das figuras, tudo dava a impressão de estarmos diante de imagens, como as de museus, igrejas, jardins. O homem deixou-me a falar só, e eu terminei fugindo dos olhos do outro – o exposto.

Adiante, outro mazelento sorria para uma criança, que o admirava. Ria e fazia trejeitos, caretas, mungangos. 

O rico menino encabulou-se e dirigiu-se ao pai: “Olhe, ele está rindo para mim.” 

Ao que o pai respondeu, asperamente: “É um mentecapto. Não se preocupe.” 

Noutra estande, um hermafrodita servia de motivo à briga de dois intelectuais a discutirem deuses e deusas. Para meu espanto, falavam ora em latim, ora em grego. E se maculavam disso e daquilo, entre risinhos e citações épicas, piscadelas e expressões vulgares: cachorro da moléstia, filho de uma égua, cabra da peste.

Eu, mal entendedor, tratei de pular fora daquilo, antes do dilúvio.
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Nilto Maciel nasceu em Baturité/CE em 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco. Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 foi para Fortaleza/CE onde residiu até a sua morte em 2014. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Alguns livros publicados: Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999). 
“Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.” (José Feldman, em Nilto Maciel o mago das almas, 18/12/2010)

Fonte:
Texto enviado pelo autor. 18.12.2009
http://www.cronopios.com.br/.

Sônia Cano (O pôr do sol)

Faz mais ou menos dois anos que estou morando num apartamento. A vida nos obriga a tantas reviravoltas, que acabamos nos acostumando a tudo.

A princípio, pensei que não me acostumaria fechada em quatro paredes, ‘engaiolada’, como disse um dia meu marido. Mas, aqui estamos e, para bem da verdade, acabei adorando nosso pequeno cantinho.

Já escrevi sobre minha casa. Grande, corredor largo, sala enorme, quartos imensos… Pra quê?

Só para juntar velharias, acumular ‘coisas’ sem nenhuma importância, talvez para ocupar espaços que estão sobrando.

Quando vejo os cristais, ainda intactos, perfeitos, e que foram presentes de casamento de meus avós, (ainda os conservo com carinho), penso que, na realidade, não deveriam importar para mim. Afinal, meus avós é que importavam. Sua presença amiga, seus conselhos, que na ocasião, via com desdém, seu sorriso, sua sabedoria, seu amor imenso e profundo como o mar. Os cristais, ora os cristais! Na sua fragilidade, permaneceram. As pessoas, não. Que ironia! Foram-se, como nuvens que passam. Deixaram, no entanto, uma mensagem forte, que não se diluiu com a ausência, nem se perdeu com o passar dos anos. E uma doce, suave e enorme saudade.

Mas… voltando ao apartamento, outro dia, descobri uma coisa maravilhosa. Estava eu preocupada com uma reunião importante que aconteceria naquele dia quando, ao olhar pela janela da cozinha (eram umas seis horas da manhã), vi o espetáculo maravilhoso do amanhecer.

Momento inesquecível!

O sol, ainda menino, deixava-se descobrir no horizonte, tímido, róseo, para alguns minutos, após, aparecer redondo, belo, imponente e dourado como um rei, anunciando que o dia chegava, claro e belo, tal qual a esperança e a certeza de que tudo estaria bem e que Deus, em seu imenso AMOR, me respondia a questões e esclarecia as dúvidas.

Lembrei-me, então, que todas as tardes; quando o céu está limpo, se quiser sentar-me em minha cadeira de balanço diante da janela da sala, tenho o espetáculo maravilhoso do entardecer ao meu dispor.

O sol se põe para mim, extasiando-me com a beleza desses momentos que são quase eternos. Saint Éxupery, através de seu Pequeno Príncipe, nos diz: ‘Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno principezinho, a tua vidinha melancólica. Muito tempo não tivesse outra distração que a doçura do pôr-do-sol. Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do quarto dia:

– Gosto muito de pôr-do-sol. Vamos ver um…

– Mas é preciso esperar…

– Esperar o quê?

– Esperar que o sol se ponha.

Tu fizeste um ar de surpresa e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me:

– Eu imagino sempre estar em casa! 

… no teu pequeno planeta, bastava apenas recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepúsculo todas as vezes que desejavas…

– Um dia, eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!

E um pouco mais tarde acrescentasse:

– Quando a gente está triste demais, gosta do pôr de sol…

– Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três?’

Pois é. De repente, descubro que posso assistir num mesmo dia à alvorada e ao pôr de sol. Descobri, também, que o apartamento, se eu quiser, pode se transformar em meu pequeno mundo, como o planeta do Pequeno Príncipe.

Afinal, considero-me privilegiada. Deus não me deixa nunca sem respostas. Está sempre a me tratar com carinho de Pai. E suas respostas estão aqui. Ao meu lado para que O sinta bem pertinho de mim.

Mesmo nesta época de tantas controvérsias, de tão avançada tecnologia e tanto progresso, em que a humanidade se vê esmagada por incompreensões, lutas de classes, violências desnecessárias, sequestros, ganâncias desmedidas, apego ao dinheiro e ao poder, sufocada por suspeitas e ameaças de ‘vazamentos de substâncias químicas’, ainda não se pode parar para assistir a um espetáculo grandioso e gratuito como a aurora e o crepúsculo

Fontes:
Colaboração de Douglas Lara em 31.10.2009. in http://www.sorocaba.com.br/acontece.
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