quinta-feira, 24 de julho de 2025

Anna Katherine Green (A moeda)

— E agora, meus amigos, se viram bem e suficientemente olharam a moeda, façam a gentileza de entregá-la a mim, valete Albert, para que a torne a colocar no cofre.

Os convidados se entreolharam à espera de que o objeto aparecesse. Olhares interrogadores. A moeda não aparecia.

 — Não é possível que se haja extraviado. — assegurou lorde Sedgwick, com tranquilidade.

— Eu a vi há um momento na mão de alguém. Ah, sim! Barrow, ela estava com você. Que fez dela?

 — Passei-a a outros.

 — Bem. Terá corrido para debaixo de alguma fresta.

Enquanto lorde Sedgwick se inclinava para olhar em sua própria cadeira, os demais hóspedes o imitavam.

 — Não se incomodem, senhores. — continuou. — Bebamos à nossa saúde e deixemos que Albert a procure quando tivermos saído da sala.

 Entretanto, notava-se nele certa preocupação: a moeda era raríssima e a contava entre os mais preciosos espécimes de sua coleção. Por outro lado, os presentes eram seus amigos e pessoas alheias a qualquer suspeita. Por isso se levantou, exclamando com voz alegre, enquanto se dirigia a um pequeno salão ao lado:

— Divirtamo-nos com música alegre, senhores.
* * *

 — Encontrou a moeda? — perguntou lorde Sedgwick a seu valete quando este, depois de tê-la procurado, entrou no salãozinho.

 — Não, senhor. E estou certo de que a moeda não está na sala de jantar. Levantei a mesa e procurei cuidadosamente em todos os cantos.

 — Bem, voltaremos a falar a esse respeito amanhã.

Nesse momento, a voz estridente de um jovem se ouviu:

— Um momento, senhores! — disse. — Essa moeda é um verdadeiro tesouro para a coleção de lorde Sedgwick. Deixaremos que a coisa termine assim? É possível? Não é possível! A moeda desapareceu enquanto passava por nossas mãos. Que pensará disso o proprietário? Não é preciso dizer. Senhores: exceção feita para as senhoras, nós temos a obrigação moral de provar nossa inocência, e peço que me seja permitido esvaziar meus bolsos aqui, em presença de todos. Rogo-lhe, lorde Sedgwick, não se oponha. Peço-lhe isso como um favor!

O jovem Hammerseley era conhecido por todos os presentes: multimilionário, generosíssimo, superior a toda suspeita, desejava que os comensais pudessem demonstrar o mesmo.

Lorde Sedgwick quis protestar.

— Tem inteira razão! — replicou outro hóspede. — Eu próprio não poderei ir tranquilo se este assunto não se decidir.

— As senhoras esperarão aqui. — anunciou o anfitrião. E entrou na sala de jantar.

Ainda não tinha transposto a porta quando seus olhos se fixaram no rosto pálido de lorde Clifford. Este, isolado do grupo, parecia estar sob o peso de um profundo golpe. No vasto refeitório, não existia senão esse rosto pálido, de olhar alucinado, cujos traços finos se descompunham de terror.

A cena era tão triste que lorde Sedgwick se reprovou por ter reclamado a moeda. Mas tudo já estava tão adiantado que era materialmente impossível desistir da busca. Tanto era assim que o senhor Blacke, o hóspede de mais importância aquela noite, já se dispunha a esvaziar os bolsos e deixar-se revistar.

— E agora, meu querido lorde Sedgwick, tenha a gentileza de comprovar o senhor próprio que minha roupa não possui bolsos secretos.

Lorde Sedgwick, como que dominado pelo pedido autoritário do velho senhor, fez o que ele exigia. Depois disse laconicamente:

— Não encontrei nada nos bolsos deste cavalheiro.

E os olhares dos presentes passaram da imponente figura de Blacke à de Clifford. Tinha este o aspecto de uma pessoa que se vê obrigada, contra sua vontade, a submeter-se a algo muito desagradável. De pálido pusera-se lívido. Uma atmosfera de pesadelo flutuava no salão. Para abreviar essa situação desagradável, na qual aparecia implícita a confissão, um dos presentes se adiantou. Mas mal pusera a mão à altura do bolso, lorde Clifford disse com voz alterada:

— Senhores, não duvido que a proposta seja cortês e justa, mas para que tenha verdadeiro valor é necessário que seja cumprida por todos nós. E eu...

Deteve-se. Sua lividez tinha desaparecido.

—E eu, — acrescentou. — não estou disposto a submeter-me a uma prova que considero muitíssimo humilhante. Nossa palavra devia ser suficiente e, por mim, afirmo que não furtei a moeda...

Calou-se um instante e olhou para lorde Sedgwick com tal silenciosa imploração que este se sentiu comovido.

 — Os jovens trazem frequentemente nos bolsos fotografias ou cartas que poderiam comprometê-los. É natural que lorde Clifford se oponha a revelar seus segredos pessoais. — interveio Hammerseley. — Escute, Clifford: você não pode sair desta casa desta maneira. Se quer, pode afastar-se com lorde Sedgwick, e nós aguardaremos aqui o resultado da busca.

— Não, eu não tenho nada que fazer nesta casa. Boa noite, senhores.

Ao pronunciar essas palavras, o jovem saiu com a cabeça altaneiramente erguida. Uma hora depois, logo que o valete Albert lhe mostrou a moeda encontrada numa fresta, entre duas mesas do refeitório, lorde Sedgwick dizia ao velho Blacke:

 — Temos todos nós a obrigação moral de ir esta noite em busca de lorde Clifford e apresentar-lhe nossas escusas. Embora sem confessá-lo, todos nós pensamos que ele fosse o culpado.

— É verdade! — concordou Blacke. — E eu em primeiro lugar.

O carro do financista, levando a este e a lorde Sedgwick, moveu-se rapidamente para a casa na qual o jovem Clifford recebera, até bem pouco tempo, os seus amigos.

— Lord Clifford já não mora aqui. — disse o porteiro, e só depois de uma boa gorjeta deu a direção do novo domicílio do rapaz.

Para lá se dirigiram os dois cavalheiros e se acharam em frente do mesmo caso: viram-se obrigados a desembolsar outra gorda quantia para destravar a língua do porteiro. Depois de muito andar, acharam-se metidos em um labirinto de ruas pobres e sujas.

— Não é possível que tenha caído tanto. — disse lorde Sedgwick, presa de profunda emoção.

— Temos que subir? — perguntou o senhor Blacke, olhando para um altíssimo casarão.

— Temos que encontrá-lo, embora para isso percamos uma noite de sono.

Subiram uma interminável escada, até onde havia uma porta sem a indicação do nome do locatário.

— Vejo luz. — disse lorde Sedgwick. — Vamos bater.

A porta se abriu e no vão apareceu o próprio lorde Clifford, que, com voz tranquila, disse:

 — Boa noite, senhores. Por certeza encontraram a moeda e veem-me dizer, não? Obrigado. Tenham a bondade de entrar.

Era uma casa paupérrima. Sobre uma mesa, ao lado da garrafa de água, havia dois pedaços de pão. O jovem tomara já o seu aspecto desenvolto.

Quando percebeu que lorde Sedgwick olhava a mesa, exclamou:

— O senhor, por certo, não explica a presença deste pão. Eu o furtei de sua mesa e não foi o único que subtraí. Não comia há vinte e quatro horas e, quando me sentei à sua mesa, não tinha lá muita certeza de que amanhã poderia comer novamente. Em presença de antigos e comuns amigos, era humanamente impossível que eu revelasse minha condição...

Calou-se e passou uma mão sobre a fronte. Depois continuou:

— Pedir ajuda a algum amigo? Solicitar um empréstimo do qual eu próprio saberia que não poderia nunca pagar? Um lorde não faz isso. Há seis meses que me oculto, e evito os amigos. Agora, os senhores sabem a verdade e já não tem ela muita importância. Dentro de algumas semanas deixarei Londres. Mas até que o navio não me leve para longe, desejo que todos julguem que sou ainda aquele lorde Clifford que conhecem há anos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Anna Katharine Green (Brooklyn/EUA, 1846 – 1935, Buffalo/EUA) foi uma das primeiras autoras dos Estados Unidos a escrever romances investigativos e se destacou dos contemporâneos pelos enredos bem escritos e legalmente precisos. É considerada a "mãe dos romances investigativos". Ainda criança e adolescente, por conta do trabalho do pai que era advogado, aprendeu bastante sobre lei criminal, investigação e o trabalho da polícia em crimes. Desde cedo mostrava interesse na prosa romântica, tendo se correspondido com Ralph Waldo Emerson. Quando não conseguiu reconhecimento como poeta, ela se dedicou a escrever ficção e em 1878 publicou o livro The Leavenworth Case, que foi um grande sucesso no ano de seu lançamento. Logo ela se tornaria uma autora best-seller, publicando mais de 40 livros. Morreu em sua casa em 1935, em Buffalo, aos 88 anos. O trabalho de Anne que popularizou o estilo no país uma década antes de Arthur Conan Doyle escrever a primeira história de Sherlock Holmes. Anne também leva o crédito por ter escrito histórias de detetive na forma clássica e por desenvolver o conceito de romances em série. Seu principal personagem era o detetive Ebenezer Gryce, da Polícia Metropolitana de Nova Iorque, mas em três romances ele é auxiliado por uma assistente jovem e agitada, chamada Amelia Butterworth. Ela também escreveu histórias de detetives voltadas para o público feminino, com a personagem de Violet Strange, uma debutante com uma vida secreta como detetive. A crítica lhe dedicava boas avaliações, como o fato de trazer para seus enredos a qualidade detetivesca de Agatha Christie e Conan Doyle. Além de criar solteironas idosas e jovens detetives do sexo feminino, os dispositivos inovadores da trama de Anne incluíam cadáveres em bibliotecas, recortes de jornais como "pistas", o trabalho do legista e testemunhas especializadas, peças presentes em qualquer série contemporânea que trabalhe com investigação criminal. Anne era um caso de sucesso feminino em um meio literário dominado por homens, porém não pode ser considerada uma feminista, já que era contra o sufrágio e contra muitos ideais do feminismo.

Fontes: 
A Noite Ilustrada, edição de 31 de agosto de 1943. Traduzido e adaptado por autor desconhecido do século XX.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Anna_Katharine_Green
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Olivaldo Júnior (Uma Estrela)

 A palavra não é minha. Mas a ideia me doma. Então, escrevo. 
–––––-

Era uma vez uma estrela. Mas não era uma estrela como outra qualquer que está no céu. Era uma estrela da terra. Tinha caído do céu havia um tempo, mas ainda não estava acostumada com a vida terrestre. Estrela não se acostuma muito fácil com a vida que a gente leva. Vales, selvas e vilas: mas a estrela, caída no meio de um monte de estrume, não brilhava, nem nada. Seu DNA não era dínamo para esgarçar as chinelas pela estrada. A estrela não andava. Portanto, foi preciso esperar. Um dia, sem que esperasse, quase que uma cobra a comeu. Mas, por sorte, passou um carro velho que, espantando o bicho, fez a estrela feliz. O tempo diria se ela sobreviveria ao seu destino. O ninho de uma estrela estava sendo um monturo.

Um dia, sem que a estrela tivesse mais por que esperar, passou uma libélula que, se esgueirando no esterco, tocou a pele da estrela, sujinha de estrume de vaca brava, sem toque, nem truque de excelsa condição. A vida ensina. A mina de estrelas tinha deixado cair uma das suas. As estrelas também caem. Morna, a estrela grudou no inseto transparente que lhe a sobrevinha, incauto. Atrelada àquela libélula, pôde chegar à cidade e, ao passarem por um poste de iluminação da via pública, saltou de banda das frágeis costas da inocente a salvá-la. Salvadores, muitas vezes, são ingênuos. Socorro também surge sem querer. Bem que alguém podia ser livre.

A estrela estava no alto de um poste de rua, tentando se equilibrar, sondando o terreno. Não estava mais num monte de estrume, sem eira nem beira que a fizesse ser alvo de cobras, nem de aves de rapina. Estava “por cima”. Não estava no céu, mas chegaria lá. Quem não duvida, pode bem alcançar.

A noite avançava. Fazia um tempo de chuva. O vento soprava. A luz daquele poste estava quebrada. Passou um vento mais forte, que empurrou a estrelinha para cima do velho bocal do novo poste. Assim, a luz voltou.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Olivaldo Júnior nasceu em Aguaí/SP, mas se radicou em Mogi Guaçu/SP desde menino. Formado em Letras e Radialismo, compõe poemas, contos, músicas e outros, com diversas classificações em Concursos.

Fonte:
Texto enviado pelo autor em 16. 01. 2013.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Asas da Poesia * 56 *


Trova de
HEITOR STOCKLER DE FRANÇA
Palmeira/PR, 1888 – 1975, Curitiba/PR

Pensar em ti como eu penso
e muito tenho pensado,
diz, a rir, o meu bom senso,
que é o meu divino pecado.
= = = = = = 

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Assim em suas mãos nos troca a vida
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")

Assim, em suas mãos nos troca a vida
As sendas que escolhemos percorrer
Só porque ela quer, pode e tem prazer
Em ver a nossa sorte confundida.

Não vale a pena a um sonho dar guarida
Por no peito um desejo de viver
Que a vida tem o modo e o poder
De nos abrir na alma uma ferida.

Impotentes ficamos para dar
Outros rumos ao nosso caminhar
Sujeitos aos caprichos do destino.

Aos ombros carregando cruz tão má
Indo o Homem, por onde quer que vá
Será sempre um eterno peregrino.
= = = = = = 

Aldravia de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

horas
vazias
não
deixam 
tempo
passar
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Prenúncios

Sensível, o olhar
Pousa na fonte
Repleta,
De falhas do plátano,
Sinto a poesia
E solidão do cântaro...

Distancia-se o pensamento,
O venta sussurra teu nome...
E, nas esmaecidas e diáfanas cores
De mais um por do sol -
Prenúncios de Saudade...
= = = = = = 

Trova de
OLYMPIO COUTINHO 
Belo Horizonte/MG

Nas noites claras de lua, 
no desenho da calçada, 
vejo a silhueta tua 
a minha sombra abraçada.
= = = = = =

Poema de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Campo-Santo

Os anos matam e dizimam tanto
Como as inundações e como as pestes...
A alma de cada velho é um Campo-Santo
Que a velhice cobriu de cruzes e ciprestes
Orvalhados de pranto.

Mas as almas não morrem como as flores,
Como os homens, os pássaros e as feras:
Rotas, despedaçadas pelas dores,
Renascem para o sol de novas primaveras
E de novos amores.

Assim, às vezes, na amplidão silente,
No sono fundo, na terrível calma
Do Campo-Santo, ouve-se um grito ardente:
É a Saudade! é a Saudade!... E o cemitério da alma
Acorda de repente.

Uivam os ventos funerais medonhos...
Brilha o luar... As lápides se agitam...
E, sob a rama dos chorões tristonhos,
Sonhos mortos de amor despertam e palpitam,
Cadáveres de sonhos...
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

O pai da moça, que é mau, 
chega em casa e acaba o "baile"...
É que o Zé, "cara de pau", 
tava namorando em..."braile"!!!
= = = = = = 

Poema de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN

Pombos Mensageiros

Transformados em pombos cor de neve,
Entraram-me a cantar pela janela,
A tua carta delicada e leve
E o beijo amigo que envolveste nela.

Ó que alegria para o coração
Onde a Saudade, sempre em flor, renasce!
A carta leve me pousou na mão
E o beijo amigo acarinhou-me a face.

E então, a rir, ó pomba idolatrada!
Eu transformei meu coração em ninho:
Nele repousa a tua carta amada
E canta o beijo a ária do carinho.
= = = = = = 

Haicai de
A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)
Maringá/PR

Na Copa, haja copo.
Ao final de cada jogo,
o povão de fogo.
= = = = = =

Grinalda de Trovas de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Vive sem paz, meu amigo, 
sem cultivar a harmonia 
sem pressentir o perigo 
quem aos outros calunia. 

Quem aos outros calunia 
sem procurar a verdade, 
tem a vida mais vazia 
por interesse ou maldade. 

Por interesse ou maldade 
é burrice e covardia 
quem age sem humildade 
não pode ter alegria. 

Não pode ter alegria, 
quem vive sem amizade. 
Não há luz, sabedoria, 
nem paz e felicidade.
= = = = = =

Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Ao vir "de fogo" recua
gritando, após a topada:
- Que faz um poste na rua
às duas da madrugada?!
= = = = = =

Soneto de
ARLETE PIEDADE
Santarém/Portugal

Enigmas de menino
 
Estou tão triste e revoltado com a vida
não sei porque me deixaram aqui sozinho
foi-se embora a minha mãezinha querida
agora ninguém mais me irá dar carinho...

esta manhã estava tanto gelo na estrada
minhas mãos ficaram de golpes a sangrar
meus pés descalços gretados lá na picada
cheios de bicos, pele dolorosa a queimar

meu estômago pequenino e vazio dói tanto
ninguém me acode nem enxuga meu pranto...
ah! Será que este é de verdade o meu mundo?

Venham me buscar! - Não sou deste recanto! 
Imploro olhando o céu, com tal espanto...
medonha solidão, desespero tão profundo!
= = = = = =

Aldravia do
LUIZ GONDIM
Rio de Janeiro/RJ

fui
letra
depois
palavra
agora
oração
= = = = = =

Soneto de
ANTONIO BRAGA
São João da Barra/RJ (1898 – ????)

Carro de Bois... 

A pensar neste amor, nesta tarde cinzenta,
tão distante de ti - primavera gloriosa -
paira o meu triste olhar pela estrada poeirenta,
onde um carro de bois segue em marcha morosa.

Rola o carro a gemer nessa música lenta
que me faz recordar tanta coisa saudosa!
Velho carro de bois! O seu gemer aumenta
esta ânsia que me põe toda a alma dolorosa.

Eu invejo, afinal, esse carro gemente,
que parece ter alma e parece que sente
a tristeza do amor que palpita em nós dois...    

Coração! Coração! A saudade é infinita.
E não podes gritar como esse carro grita,
e não podes gemer qual o carro de bois! . . .
= = = = = =

Trova de
CAROLINA RAMOS 
Santos/SP

Solidão, eu te bendigo!
À tua sombra querida,
eu marco encontro comigo
e acerto os passos da vida
= = = = = =

Poema de
ANNA RIBEIRO
Itajaí/SC

Descortinando as estações

Como a enxurrada que corre
em veios de correntezas;
Entre nós, o tempo já não diz nada
Diante um do outro... O invisível
Mas, pesam nos ombros as reviravoltas de outros tempos

Do Verão; Surpresas das chuvas e trovões
Da Primavera; As flores, borboletas e perfumes
Do Inverno; O hibernar do amor!
Do Outono; Agora pensamentos...Vive a alma em poemas

Na janela, observando as folhas rodopiarem ao vento,
Sopra de leve uma cortina de saudade!
= = = = = =

Sextilha de
MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

A criança, num gesto de grandeza,
briga e, logo, já quer recomeçar.
Briga fácil, mas não guarda rancor,
sabe amar, mesmo estando a discordar...
Nós, adultos, brigamos de verdade,
para nós, é difícil perdoar...
= = = = = =

Poetrix de
SUELY BRAGA
Osório/RS

O Meio Ambiente

   O planeta chora.
   Precisamos ser conscientes.
   Cuidemos dele agora.
= = = = = = = = =  

Poema de
PEDRO APARECIDO DE PAULO
Maringá/PR

Teste de Pincel

Em você, o meu primeiro visual,
comecei a pintá-la, tornando-a imortal,
diante de seu corpo desnudo;
curvas e traços confundidos,
qual beleza inigualável em tudo.

Ao iniciar não revisei a tela,
não imaginei uma forma assim tão bela,
pois fora apenas um teste de pincel.
Riscos e cores traçados devagar,
não havia em mim razão para pintar,
pois seria somente em teste, o meu papel.

Aos primeiros traços que foram surgindo,
mudou tudo enfim, que quadro tão lindo,
arrumei a tela com profunda emoção!
Ao ver o seu corpo retratado ali
É indescritível tudo o que senti,
pois pintava alguém em meu próprio coração.

Vi com outros olhos pincéis e tela;
consertei os riscos, deixando-a mais bela.
No quadro, então, moldei-a, enfim.
Completei com júbilo seu corpo sem igual!
Tão rara imagem tornou-se imortal,
tenho essa musa, bem juntinho a mim!
= = = = = =

Trova de
JOSÉ KALIL SALLES
Barbacena/MG

Felicidade! Procuro,
não a encontro, enfim.
Vou seguindo no escuro
esta vida até o fim.
= = = = = =

Pantum de 
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Pantum aos Versos de Amor

TROVA-TEMA:
Para esquecer o meu pranto,
aliviar a minha dor,
quanto mais sofro, mais canto,
cantando versos de amor.
Professor Garcia
Caicó/RN

PANTUM:
Aliviar a minha dor
eu consigo, sou feliz,
cantando versos de amor
que para você eu fiz!

Eu consigo, sou feliz,
sentindo na poesia
que para você eu fiz,
belos raios de alegria!

Sentindo na poesia
a doce e pura emoção,
belos raios de alegria
inundam meu coração!

A doce e pura emoção
e o mais suave acalanto,
inundam meu coração
para esquecer o meu pranto.
= = = = = =

Trova de
DOMITILA BORGES BELTRAME
Araxá/MG, 1932 – 2025, Curitiba/PR

Além, no horizonte, à borda
de um infinito sem véu
o lindo arco-íris é a corda,
que os anjos pulam, no céu!
= = = = = =

Poema de
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ

Saudade II
 
Saudade é tema batido
que tanto bate na gente!
E quanto mais se apanha
mais saudade a gente sente.
 
Ela chega de mansinho
como alguém que não quer nada,
entra em nós, constrói um ninho,
depois some de mansinho
deixando uma dor danada.

E essa dor tão dolorida
não há doutor que dê jeito.
Depois que entra no peito
é difícil resistir.
Fica inquilina da gente
e nunca mais quer partir.
= = = = = =

Quadra de
EMILIA PEÑALBA DE ALMEIDA ESTEVES
Porto/Portugal

Mãe é exemplo de amor
que nós na vida tivemos
e damos real valor
somente quando a perdemos.
= = = = = =

Soneto de
PABLO NERUDA
Parral/Chile, 1904 – 1973, Santiago/Chile

Soneto de Amor

Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio-dia
como uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,

sem essa luz que levas na mão
que talvez outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem rubra da rosa,

sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,

e desde então sou porque tu é,
e desde então é, sou e somos
e por amor serei, serás, seremos.
= = = = = =

Trova de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Guardei-te a vida inteira
no coração, a metade
de mim se foi, derradeira...
de ti, ficou só... saudade.
= = = = = = 

Soneto do
PROFESSOR GARCIA
(Francisco Garcia de Araújo)
Caicó/RN

Mistérios da noite

Quando o vento da noite, a noite corta,
entre os trapos, me escondo e me agasalho;
sopro a luz da candeia, ao pé da porta,
sem saber como fico, me atrapalho.

De repente, uma voz me desconforta;
e eu percebo, num canto do assoalho,
que essa voz irritante e quase morta,
sai da boca sem som de um espantalho.

Eu me assusto e, no sonho, eu me levanto,
ponho fachos de luz em cada canto,
que só fazem crescer meus pesadelos...

E entre os braços da noite ensandecida,
do meu sonho, desperto para a vida
dando paz e sossego aos meus cabelos!
= = = = = =

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Enxugando em meu poente
muita lágrima sofrida,
você se fez, de repente,
alvorada em minha vida!
= = = = = =

A. A. de Assis (Mãe Postiça)

Numa reunião de senhoras, foi solicitado que cada uma que se levantasse e fizesse a autoapresentação. Uma delas causou impacto, ao dizer que tinha 122 filhos.


Era uma freira vestida em roupas comuns. Explicou: “Dirijo um orfanato, sou mãe postiça de todas aquelas crianças, que não têm mais suas mães de verdade”.

A mãe postiça (usemos o termo carinhosamente escolhido pela freirinha) exerce intensamente a função maternal, mesmo que jamais tenha gerado um filho. E no momento em que assume a responsabilidade de proteger e orientar uma criança ela se realiza, a ponto de nem sentir falta da maternidade biológica.

Estão nesse caso não apenas as religiosas que trabalham em orfanatos, mas também todas aquelas que, sem terem casado, ajudam a criar os irmãos menores e os sobrinhos.

Em quase todas as famílias existe uma dessas maravilhosas mães postiças. E quase todos tivemos uma irmã ou uma tia que completou o zelo que recebemos de nossa mãe. Eu tive minha Didinha, minhas filhas e netos têm a sua Deda, e é bastante provável que também você tenha tido e tenha ainda a sua.

Na maioria dos casos, a mãe postiça acaba sendo mais que mãe. Era vive para aqueles que se tornaram seus filhos pelo amor. Toda a sua preocupação é com eles. Chora por eles, sorri com eles, vive a vida deles.

É o mistério da maternidade espiritual. A mãe postiça se realiza amando filhos alheios, e com isso prova que ser mãe é muito mais do que simplesmente gerar uma vida.

Aquela freirinha não estava brincando ao dizer que tem 122 filhos. Ela vive para todas aquelas crianças. Dedica a cada uma delas o seu total amor. É mãe sim. E que mãe!

É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.

Fonte:
Texto enviado pelo autor. , disponível em ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Artur de Azevedo (O palhaço)

 (História Triste para um Dia Alegre)

Como se explica que o Saraiva, um homem que tomava a sério as coisas mais cômicas da vida, e, segundo afirmavam as pessoas que o conheciam mais de perto, nunca ninguém viu rir, como se explica que o Saraiva, na terça-feira gorda de 1885, saísse de casa depois de jantar e, sem dizer nada à senhora, comprasse uma vestimenta de palhaço, uma cabeleira e uma máscara, e com tais objetos se metesse no seu escritório na Rua do Hospício, de onde saiu disfarçado? Ninguém diria que escondido naquela roupa alegre, muito branca e semeada de rodinhas vermelhas, e por baixo daquela cabeleira azul, encimada por um chapeuzinho minúsculo e pontiagudo, e por trás daquela carranca jocosa, que ria de um rir comunicativo, estivesse o grave comerciante, que parecia haver nascido para vida monástica.

A esposa desse urso, D. Balbina, era, quando se casou, uma rapariga expansiva e risonha; teve, porém, que se submeter ao feitio dele: tornou-se tão séria e tão sensaborona como o Saraiva, e, sozinha em casa, sem filhos, sem amigas, porque o marido não queria visitas, aborrecia-se muito.

Aborrecia-se tanto que procurou uma distração, e encontrou-a num belo rapaz, seu vizinho, que de vez em quando pulava o muro do quintal para fazer-lhe companhia, e consolá-la daquele silêncio e daquela solidão.

Infelizmente para ela, outro vizinho, por inveja ou simplesmente por maldade, escreveu uma carta anônima ao Saraiva, de que ele tinha um sócio de cuja existência não suspeitava – e ora ai está como se explica que naquela terça-feira gorda, depois de dizer a D. Balbina que ia para o escritório, onde se demoraria até tarde da noite, fechando uma correspondência que devia partir no dia seguinte, o austero e sisudo negociante foi se vestir de palhaço para apanhar a esposa em flagrante delito.

– Eu saio, os criados saem, pensou ele; se ela tem realmente um amante, é de supor que aproveite a ocasião para metê-lo em casa…

Bem pensado, porque um quarto de hora depois de sair de casa o marido, o amante saltava o muro, e naquela terça-feira gorda, apesar de ter ficado em casa, D. Balbina divertiu-se mais que muitos foliões, nas patuscadas dos préstitos e dos bailes.

Havia já duas horas que o vizinho fazia companhia à solitária vizinha, quando a campainha do portão do jardim foi violentamente agitada. D. Balbina chegou à janela e avistou um tilburi, cujo cocheiro, mal que a viu, gritou:

– Mande cá uma pessoa, minha senhora!

Não havia um criado em casa. D. Balbina teve que ir pessoalmente abrir o portão.

– Que é? – perguntou ela.

– Minha senhora, este palhaço tomou o meu tilburi, e mandou tocar para esta casa; mas em caminho parece que teve uma apoplexia e morreu!

Efetivamente, o Saraiva, homem sanguíneo, que não pensou nas consequências de pôr aquela cabeleira e aquela máscara depois de jantar, tinha morrido no tilburi.

Deixo ao leitor o cuidado de pensar no espanto e na confusão que isso causou, e na tragicômica anomalia daquele negociante austero, estendido morto num canapé, e amortalhado em vestes de palhaço.

Só direi que D. Balbina, passado o período do luto, esposou o solicito vizinho que a consolava naquele silêncio e naquela solidão.

E até hoje, e lá se vão mais de vinte anos, ela não atinou com o motivo que levou o seu primeiro marido a vestir-se de palhaço… para morrer.
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Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo, jornalista, poeta, contista e teatrólogo, nasceu em São Luís/MA, em 1855, e faleceu no Rio de Janeiro/RJ, em 1908. Aos oito anos Artur já demonstrava pendor para o teatro, brincando com adaptações de textos de autores. Muito cedo começou a trabalhar no comércio. Depois foi empregado na administração provincial, de onde foi demitido por ter publicado sátiras contra autoridades do governo. Aos quinze anos escreveu a peça Amor por anexins, que teve grande êxito, com mais de mil representações. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, no ano de 1873, e logo obteve emprego no Ministério da Agricultura. Dedicou-se também ao magistério, ensinando Português. Mas foi no jornalismo que ele pôde desenvolver atividades que o projetaram como um dos maiores contistas e teatrólogos brasileiros. Fundou publicações literárias, como A Gazetinha, Vida Moderna e O Álbum. Colaborou em A Estação, ao lado de Machado de Assis, e no jornal Novidades, onde seus companheiros eram Alcindo Guanabara, Moreira Sampaio, Olavo Bilac e Coelho Neto. Foi um dos grandes defensores da abolição da escravatura, em seus ardorosos artigos de jornal, em cenas de revistas dramáticas e em peças dramáticas, como O Liberato e A família Salazar, proibida pela censura imperial e publicada mais tarde em volume, com o título de O escravocrata. Escreveu mais de quatro mil artigos sobre eventos artísticos, principalmente sobre teatro, nas seções que manteve, sucessivamente, em diversos jornais.. Multiplicava-se em pseudônimos: Gavroche, Petrônio, Cosimo, Juvenal, Dorante, Frivolino, Batista o trocista, e outros. Embora escrevendo contos desde 1871, só em 1889 animou-se a reunir alguns deles no volume Contos possíveis, dedicado pelo autor a Machado de Assis, que era seu companheiro na secretaria da Viação e um de seus mais severos críticos. Em 1894, publicou o segundo livro de histórias curtas, Contos fora de moda, e mais dois volumes, Contos cariocas e Vida alheia, constituídos de histórias deixadas por Artur nos vários jornais em que colaborara. Suas comédias fixaram aspectos da vida e da sociedade carioca. Teve em vida cerca de uma centena de peças de vários gêneros encenadas em palcos nacionais e portugueses. Outra atividade a que se dedicou foi a poesia. Foi um dos representantes do Parnasianismo, pelo temperamento alegre e expansivo, não tinha nada que o filiasse àquela escola. Um poeta lírico, sentimental, e seus sonetos estão perfeitamente dentro da tradição amorosa dos sonetos brasileiros.

Fontes:
AZEVEDO, Artur de. Contos.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Abílio Pacheco (A Porta de Vidro)

Semana passada, fui ao chaveiro tirar cópias de umas chaves. O molho tinha três chaves. Segurei duas delas e disse que gostaria de uma cópia de cada. Era uma senhora. Ela recolheu das minhas mãos, sumiu e depois voltou segurando a que não era para copiar e disse: duas cópias, certo? Não, senhora – respondi – uma de cada das outras duas. Ela revirou o chaveiro e fez cara de quem entendeu mas não gostou.

Colocou uma das chaves num suporte. Depois tirou e disse: É de uma porta de vidro. Como não disse nada, ela insistiu: Não é de uma porta de vidro!? Eu lhe disse que não. Ela puxou um huuummmm prolongado. Meditou e quis saber de onde era a chave. Disse-lhe que era da porta do apartamento. De vidro? Não, senhora. De madeira. Aprumou matriz e chave lisa no esmeril, resmungou: porta de vidro. Enquanto tirava a cópia da outra chave, dizia: De vidro. É de uma porta de vidro.

Aparou arestas das duas chaves e voltou-se para mim segurando a chave como brandindo: Esta chave é de uma porta de vidro! Convenci-me que não adiantaria discutir. Em qualquer outra situação, eu iria insistir que estava certo, mas havia rodado mais de 170 km (Capanema-Belém), eram quase 16h e tinha alguma fome. Além do mais, não me parecia haver motivo para insistir. Resolvi não teimar. Conforme ela me estendia a chave, eu confirmava que era. Era de uma porta de vidro. Eu pegaria as chaves, pagaria pela cópia e iria para casa.

Ela puxou de uma vez: Afinal, o senhor não disse que a porta era de madeira!? A mulher me desmontou de vez. Não quisera teimar, mas tergiversar parece que não fora a melhor opção. Estiquei um ééééé… Ela inclinou o rosto para um lado como quem dissesse ‘tô te vendo!’. Respirei calmo e disse, procurando um caminho no meio daquela armadilha. Senhora, a chave (hum!!) é de uma porta de vidro (ãh), mas a minha porta é de madeira (ah!).

Ela parecia ter se desarmado e ia me entregando a chave quando recuou novamente e perguntou onde eu morava. Cruzando minha resposta ela emendou a pergunta se eu estava indo para lá. Naturalmente, sim. Essa sua história está estranha, viu moço! Eu vou lá com o senhor. E foi. No caminho, resmungou outros problemas de clientes como eu. Aquilo não era somente uma cópia de chave errada. Seria caso de polícia. A chave era de uma porta de vidro. Conhecia bem aquelas chaves, seus formatos…

Chegamos à porta e lhe mostrei a madeira. Pegou a chave, ela mesma. Enfiou na fechadura e girou. Olhou-me aborrecida. Cobrou-me pelas cópias e pela visita. Paguei sem reclamar. Ela pegou o dinheiro, fez um rolinho e levantou alto como fosse uma vareta e vibrou o braço bradando. A chave é de uma porta de vidro. E ainda de costas reclamou: de vidro!

Belém/Capanema, 07 de fevereiro de 2013.
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Abílio Pacheco, nasceu em Juazeiro/BA, viveu a primeira infância em Coroatá/MA, dos 7 aos 27 anos morou em Marabá, e hoje reside em Belém/PA. Professor universitário de Literatura da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Doutorado em Teoria e História Literária na UNICAMP. Recebeu prêmios de concursos literários, como 1º lugar ‘Estilo Moderno’ no IX Concurso Nacional de Poesias – Irene Santini, organizado pela Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande, quando tinha 17 anos e a premiação que seu pequeno Canto Peregrino a Jerusalém Celeste, em Portugal. Atua como editor, tendo organizado algumas antologias, atuado na edição de vários livros individuais para a Editora Literacidade e alguns poucos para a Editora Pará.grafo. Entre outras publicações. 

Fontes:
E-mail enviado pelo autor em 10.02.2013. Disponível em http://abiliopacheco.com.br/2013/02/07/a-porta-de-vidro/