domingo, 10 de agosto de 2025

José de Alencar (Ao Correr da Pena) A Flor

Falemos das flores.

O que é uma flor?

Será esta criação vegetal que na primavera se abre do botão de uma planta?

Não: a flor é o tipo da perfeição, é a mais sublime expressão da beleza, é um sorriso cristalizado, é um raio de luz perfumado.

Por isso há muitas espécies de flor.

Há as flores do céu – as estrelas, – que brilham à noite no seu manto azul, como os olhos de uma linda pensativa.

Há as flores do ar – as borboletas, – que têm nas suas asas ligeiras as mais belas cores do prisma.

Há as flores da terra – as mulheres, – rosas perfumadas que ocultam entre as folhas os seus espinhos.

Há as flores dos lábios – os sorrisos, lindas boninas que o menor sopro desfolha.

Há as flores do mar – as pérolas, – filhas do oceano que saem do seio das ondas para se aninharem no seio de uma mulher morena.

Há as flores da poesia – os versos, – às vezes tão cheios de perfumes e de sentimentos como a mais bela flor da primavera.

Há as flores da religião – as preces, – modestas violetas que perfumam a sombra e o retiro.

Há as flores da harmonia – os gorjeios – que brincam nos lábios mimosos de uma bonequinha sedutora.

Há as flores do espírito – os ziguezagues, – que nascem sobre o papel como rosas silvestres e sem cultura.

(Não falo dos nossos ziguezagues, que, quando muito, são flores murchas).

Há enfim uma espécie de flor que é tão rara como a tulipa negra de Alexandre Dumas, como o cravo azul de Jean-Jacques, como o crisântemo azul de George Sand.

É a flor da vida, este sonho dourado, este puro ideal a que todos aspiram e de que tão poucos gozam.

Porque a flor da vida apenas vive um dia, como as rosas da manhã que a brisa da tarde desfolha.

E quando murcha, deixa dentro d’alma os seus perfumes, que são essas recordações queridas que nos sorriem ainda nos últimos tempos da existência.

Para uns a flor da vida nasce nos lábios de uma mulher; para outros no seio de um amigo.

Feliz do caminhante que à beira do bosque por onde passa colhe esta florzinha azul, espécie de urze cingida de uma coroa de espinhos.

Muitas vezes, depois de muitas fadigas, quando já tem as mãos feridas dos espinhos, e que vai colher a flor, ela se desfolha.

O vento soprou sobre ela, ou um verme roeu-lhe os estames.

Até aqui os meus leitores têm visto o mundo pelo prisma de uma flor; mas não se devem iludir com isso.

Algum velho político de cabelos brancos lhes dirá que isto são simples devaneios de uma imaginação exaltada.

A flor é a poesia, mas o fruto é a realidade, é a única verdade da vida.

Enquanto pois os poetas vivem à busca de flores, os homens sérios e graves, os homens práticos só tratam de colher os frutos.

Eles veem desabrochar as flores, exalar os seus perfumes, e esperam como o hortelão que chegue o outono e com ele o tempo da colheita.

E na verdade, a flor encerra sempre o germe de um fruto, de um pomo dourado, que outrora perdeu o homem, mas que é hoje a sua salvação.

A explicação disto me levaria muito longe, se eu não me lembrasse que até agora ainda não escrevi uma linha de revista, e ainda não dei aos meus leitores uma notícia curiosa.

Mas, a falar a verdade, não me agrada este papel de noticiador de coisas velhas, que o meu leitor todos os dias vê reproduzidas nos quatro jornais da corte, em primeira, segunda e terceira edição.

Poderia dizer-lhe que depois da epidemia vai-se revelando uma outra epidemia de divertimentos, realmente assustadora.

Fala-se em clube artístico, em baile mascarado no teatro lírico, em passeios de máscaras pelas ruas, numa companhia francesa de vaudevilles, e em mil outras coisas que tornarão esta bela cidade do Rio de Janeiro um verdadeiro paraíso.

Neste tempo é que os folhetinistas baterão as asas de contentes, e não terão trabalho de escrever tiras de papel; preferirão ir ao baile, ao passeio, ao teatro, colher as flores de que hão de formar o seu buquê de domingo.

Enquanto porém não chega esta bela quadra, essa primavera dos salões, esse abril florido da nossa sociedade, não há remédio senão contentarmo-nos com o que temos, e em vez de rosas, apresentar ao leitor as folhas secas do ano.

A respeito de teatro, não falemos; é uma casa em cujo pórtico (digo pórtico figuradamente) a prudência parece ter gravado a inscrição de Dante: – Guarda e passa.

Se desprezais o aviso e entrais, daí a pouco tereis razão de arrepender-vos.

Sentai-vos em uma cadeira qualquer: a vossa direita está um gruísta; a vossa esquerda um cartunista.

Levanta-se o pano: representa-se a Norma ou a Fidenzata Corsa; canta uma das duas primadonas, uma das duas prediletas do público.

– Bravo! grita o gruísta entusiasmado.

– Que exageração! diz o cartunista estirando o beiço.

– Divino!

– Oh! é demais!

– Sublime!

– Insuportável!

E assim neste crescendo continuam os dois diletantes, de maneira que o vosso ouvido direito está sempre em completa oposição com o vosso ouvido esquerdo.

Cai o pano.

No intervalo conversai um pouco com os vossos vizinhos.

– É preciso ser completamente ignorante, diz o gruísta com a autoconfiança de um maestro, para não se apreciar a sublimidade do talento desta mulher!

Vós, meu leitor, que não quereis assinar um termo de ignorante, não tendes remédio senão confessar-vos gruísta, e em lugar de dois pontos de admiração dais três.

– Com efeito, é uma artista exímia!!!

Apenas acabais a palavra, quando o cartunista vos interroga do outro lado.

– É possível que um homem de gosto e de sentimento admita semelhantes exagerações?

Ficais embatucado; mas, se não quereis passar por homem de mau gosto, deveis imediatamente responder:

– Com efeito, não é natural.

Daí a um momento o vosso vizinho da direita retruca:

– Veja, todos os camarotes da 4ª ordem estão vazios.

– É verdade!

Torna o vizinho esquerdo:

– Com esta chuva, que casa, hem!

– Boa!

Agora acrescentai a isto as desafinações do Dufresne, a rouquidão do Gentile, os cochilos do contra-regra, e fazei ideia do divertimento de uma noite de teatro.
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(Folhetins do “Diário do Rio” – de 7 de outubro de 1855 a 25 de novembro de 1855)

Fontes::
José de Alencar. Ao Correr da Pena. Publicado originalmente em 1874. Disponível em Domínio Público. 
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A Crônica

Na literatura e no jornalismo, uma crônica (do latim "chronica": "relato em ordem cronológica") é uma narração curta, produzida essencialmente para ser veiculada na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas páginas de um jornal ou mesmo na rádio. Possui assim uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o leem.

A palavra crônica se origina do latim Chronica e do grego Khrónos (tempo). O significado principal neste tipo de texto é precisamente o conceito de tempo, ou seja, é o relato de um ou mais acontecimentos em um determinado período. Significava, no início do Cristianismo, o relato de acontecimentos em sua ordem temporal (cronológica). Era, portanto, um registro cronológico de eventos.

O número de personagens é reduzido ou até pode não haver personagens. É a narração do cotidiano das pessoas de forma bem humorada, fazendo com que se veja de uma forma diferente aquilo que parece óbvio demais para ser observado.

No século XIX, com o desenvolvimento da imprensa, a crônica passou a fazer parte dos jornais. Ela apareceu pela primeira vez em 1799, no Journal des Débats, publicado em Paris.

A crônica literária, surgida a partir do folhetim, na França, tomou características próprias no Brasil.

A crônica é, primordialmente, um texto escrito para ser publicado em jornais e revistas. Assim, o fato de ser publicada nesses meios já lhe determina vida curta, pois à crônica de hoje seguem-se muitas outras nas próximas edições.

Há semelhanças entre a crônica e o texto exclusivamente informativo. Assim como o repórter, o cronista se inspira nos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Entretanto, há elementos que distinguem um texto do outro. Após cercar-se desses acontecimentos diários, o cronista dá-lhes um toque próprio, incluindo em seu texto elementos como ficção, fantasia e criticismo, elementos que o texto essencialmente informativo não contém.

Com base nisso, pode-se dizer que a crônica situa-se entre o jornalismo e a literatura, e o cronista pode ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia a dia. A crônica, na maioria dos casos, é um texto curto e narrado em primeira pessoa, ou seja, o próprio escritor está "dialogando" com o leitor. Isso faz com que a crônica apresente uma visão totalmente pessoal de um determinado assunto: a visão do cronista. Ao desenvolver seu estilo e ao selecionar as palavras que utiliza em seu texto, o cronista está transmitindo ao leitor a sua visão de mundo. Ele está, na verdade, expondo a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam

ORIGEM

Características

Geralmente, as crônicas apresentam linguagem simples, espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária. Isso contribui também para que o leitor se identifique com o cronista, que acaba se tornando o porta-voz daquele que lê.

Em resumo, podemos determinar quatro pontos:

1– Seção ou artigo especial sobre literatura, assuntos científicos, esporte etc., em jornal ou outro periódico;

2– Pequeno conto que relata de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e cotidiano;

3 – Normalmente possui uma crítica indireta;

4– Muitas vezes a crônica vem escrita em tom humorístico. Exemplos de autores deste tipo de crônica no Brasil são Fernando Sabino, Leon Eliachar, Luis Fernando Verissimo e Millôr Fernandes, e, em Portugal, Ricardo Araújo Pereira.

TIPOS DE CRÔNICAS

Crônica Descritiva
Ocorre quando uma crônica explora a caracterização de seres animados e inanimados em um espaço vivo como uma pintura, precisa como uma fotografia ou dinâmica como um filme publicado.

Crônica Narrativa
Baseia-se em uma história, o que a aproxima do conto. Pode ser narrado tanto na 1ª quanto na 3ª pessoa do singular. Texto lírico (poético, mesmo em prosa). Comprometido com fatos cotidianos ("banais", comuns).

Crônica Dissertativa
Opinião explícita, com argumentos mais "sentimentalistas" do que "racionais" (por exemplo, ao invés de se escrever "segundo o IBGE a mortalidade infantil aumenta no Brasil", escreve-se "vejo mais uma vez esses pequenos seres não alimentarem sequer o corpo"). Exposto tanto na 1ª pessoa do singular quanto na do plural.

Crônica Narrativo-descritiva
É quando uma crônica explora a caracterização de seres, descrevendo-os. E, ao mesmo tempo mostra fatos cotidianos ("banais", comuns) no qual pode ser narrado em 1ª ou na 3ª pessoa do singular. Ela é baseada em acontecimentos diários.

Crônica Humorística
Deve ter algo que chame a atenção do leitor assim como um pouco de humor. É sempre bom ter poucos personagens e apresentar tempo e espaços reduzidos. A linguagem é próxima do informal. Visão irônica ou cômica de fatos apresentados

Crônica Lírica
Apresenta uma linguagem poética e metafórica. Nela, predominam: emoções, os sentimentos (paixão, nostalgia e saudades ), traduzidos numa atitude poética.

Crônica Poética
Apresenta versos poéticos em forma de crônica, expressando sentimentos e reações de um determinado assunto.

Crônica Jornalística
Apresentação de notícias ou fatos baseados no cotidiano. Pode ser policial, desportiva, etc..

Crônica Histórica
Baseada em fatos reais, ou fatos históricos. Uma boa crônica é rica nos detalhes, descritos pelo cronista de forma bem particular, com originalidade.

A partir do século XV, com Fernão Lopes, a crônica passou a ser uma perspectiva individual ou interpretativa. Até então, resumia-se a relatos de acontecimentos históricos, registrados por ordem cronológica. A crônica de teor crítico surgiu com os periódicos (folhetins e jornais), evoluindo até adentrar de vez ao jornalismo e à literatura.

A crônica histórica busca sempre relatar a realidade social, política ou cultural, avaliada pelo autor quase sempre com um tom de protesto ou de argumentação.

Existem duas formas de crônica: a crônica narrativa, relatando fatos do cotidiano, com personagens, enredo, etc. e a crônica jornalística, uma forma mais moderna, que não narra e sim disserta, defende ou mostra um ponto de vista diferente do que a maioria enxerga. As semelhanças entre elas são o caráter social crítico, o humor, a ironia, até mesmo com um tom sarcástico. A crônica conta fatos cotidianos comuns da vida real das pessoas. Não se deve confundir crônica com conto ou fábula, que contam fatos inusitados e irreais.

DIFERENÇAS ENTRE CRÔNICA E CONTO

A crônica tem pontos em comum com o conto, como serem narrativas curtas. No entanto, a crônica se diferencia do conto pela intenção do autor e pelo tipo de narrativa.

Características da crônica 
– Intenção de relatar fatos e histórias do dia a dia
– Tem um tom humorístico ou crítico
– Pode incluir piadas ácidas e críticas
– É um gênero discursivo ligado ao jornal
– O narrador é o próprio autor, e o próprio autor também pode ser a personagem

Características do conto 
– Narrativa curta com um único conflito
– Intenção de contar uma história
– Estilo minimalista, com elementos narrativos
– Pode incluir elementos fantásticos ou sobrenaturais
– O clímax ocorre no final da história

Fontes:
Imagem criada com Microsoft Bing 

sábado, 9 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 67 *


 Trova de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKI 
Brusque/SC

Nunca mostres apatia
diante da luta na vida,
mas brinda com simpatia
e a inércia será vencida!
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Soneto de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Mala com alça

É da lama essa mala que retiro
para subir a encosta (como a pedra
que Sísifo ainda empurra todo dia)
numa viagem cheia de sequelas.

Não há como negar tantos espinhos
na travessia turva de mistérios
que vão-se descobrindo nos caminhos:
a mão negada, a fome, o vitupério,

o rito solidário que esquecemos
em troca a vaidade transitória.
Somos do barro e ao barro voltaremos.

A verdade do Homem e de sua Hora
vem com mala e alça, disto sabemos,
mais o peso do corpo e sua história.
= = = = = = = = =  

Trova de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN, 1951 – 2013, Natal/RN

Minha dívida eu não nego,
mas eu não posso pagar;
e vou deixá-la no prego
até você perdoar.
= = = = = = = = =  

Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

Amo

Amo os beijos da sua boca
E o enlace dos seus braços

Amo, como quem ama... Somente
Como um amor outrora ausente... Que volta
No deslace do desejo ardente

Amo o calor do corpo seu
Tudo em ti que, agora é meu

Amo o fogo que não se apaga
A fonte que encandeia

O vento que nos abrasa
 Nas noites de lua cheia

Amo o tempo moroso
E  o amor que, em amor se encerra
Puro, eterno... Gostoso.
= = = = = = = = =  

Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ

O “pulgo” ficou cismando
quando viu, pelo caminho,
sua pulga passeando
no cachorro do vizinho...
= = = = = = = = =  

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Quando eu voltar à terra de onde vim
(Glória Marreiros in "Colar de Pérolas", p. 19)

Quando eu voltar à terra de onde vim
Não chorem que essas lágrimas não trazem
O meu olhar ao chão onde se fazem
As rosas que incendeiam um jardim.

Nem rezem, nesse já morto Latim
Ladainhas que em nada satisfazem
As pálidas lembranças em que jazem
Os restos do melhor que havia em mim.

Entreguem o meu corpo ao fogo santo
Que o limpe do pecado e do quebranto
Até que dele sobre apenas pó.

E o meu penar talvez não seja em vão
Vendo que o trigo, antes de ser pão
Primeiro há de passar por qualquer mó.
= = = = = = = = = 

Trova de
SELMA PATTI SPINELI 
São Paulo/SP

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
= = = = = = = = =  

Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

O poema da casa que não existe

Onde a cidade acaba em chácaras quietas
e a campina se alarga em sulcados caminhos
achei a solidão amiga dos poetas
numa casa que é ninho, entre todos os ninhos.

Térrea, branquinha, com portadas muito largas,
desse azul português das antiquadas vilas
e uma decoração de laranjas amargas
que perfumam da tarde as aragens tranquilas.

Ergue-se no pendor suave da colina,
escondida por trás dos eucaliptos calmos;
tem jardim, tem pomar, tem horta pequenina,
solar de Liliput que a gente mede aos palmos ...

Neste ponto, a ilusão, a miragem, se some;
olho para você, eu triste, você triste.
Enganei uma boba! O bairro não tem nome,
a estrada não tem sombra, a casa não existe!
= = = = = = 

Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME 
Araxá/MG, 1932 – 2025, São Paulo/SP

Revejo o passado e penso,
sem surpresa e sem espanto,
que o tempo, às vezes, é o lenço
com que Deus me enxuga o pranto.
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Após a tempestade

O vento chega e sopra muito forte
anunciando, em trovões, a tempestade,
as folhas arrancadas com vontade
revoam à mercê da injusta sorte.

Raios cortam o céu de Sul a Norte,
um prenúncio de horror, calamidade,
estrondos são ouvidos na cidade
gerando medo, caos e a própria morte.

Tristonha, a tarde se vestiu de escuro,
e a chuva desabou estrepitosa
como se castigasse o povo impuro.

A noite chega e adentra pela fresta,
céu estrelado e a lua tão formosa
e a Natureza, eu vi, estava em festa!
= = = = = = = = =  

Trova de
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP

O espelho, em alguns instantes,
parece que ri... mas chora,
procurando traços de “antes”
na realidade de “agora”...
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Balaio de Versos de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

A mentira

Mentira tem perna curta... 
diz o dito popular; 
e só em quem dela se furta 
devemos acreditar! 

Se tu mentes, eu proponho: 
não mintas! Mesmo dormindo 
isto é feio, e nem em sonho 
eu quero te ouvir mentindo! 

A mentira só tem graça 
dita pelo Pantaleão; 
na verdade ela é uma traça 
que corrói qualquer união! 

Sabe, aquela "mentirinha" 
dita..., sem má intenção? 
Pois é..., como esta "coisinha" 
fere o nosso coração; 
e a dor por ela causada 
só pode ser reparada 
quando se pede perdão! 

Quem planta uma "mentirinha" 
no pomar do coração 
mal sabe que esta "plantinha" 
destrói toda plantação; 
e deve logo arrancá-la 
pela raiz, e queimá-la 
na fogueira do perdão! 
= = = = = = 

Trova do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Nosso casebre é de palha,
de pau a pique a parede.
O amor que aqui se agasalha
dorme comigo na rede!
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Soneto de
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

Ladainhas da saudade

Vem, companheira,
encostar o silêncio de tua fronte
no meu ombro de espera
e derramar no meu peito
a maciez de teus cabelos.

Que madrugadas vazias
alongavam teus pensamentos
no caminho do silêncio?

Entendo que não digas.

A solidão,
que pintava a tristeza nos teus olhos,
também segredava em meus ouvidos
ladainhas e ladainhas de saudade.

Vem, companheira,
para o leito dos meus braços
desmentir angústias
de noites indetermináveis.

Minhas mãos
transbordam carícias
que tua inventou…

Vem, companheira,
fecha os olhos
e deixa que anoiteça.
= = = = = = = = =  

Trova de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA 
Presidente Alves/SP, 1947 – 2025, Bauru/SP

Comprimido pelo tédio,
teu elixir foi meu mal.
És para mim, do remédio,
o efeito colateral.
= = = = = = = = =  

Cantiga Infantil de Roda
PASSARINHO DA LAGOA 
(cateretê/toada, 1949)

É uma roda de meninas, cantando:

Passarinho da lagoa
Se tu queres avoar
Avoa, avoa
Avoa já

O biquinho pelo chão
As asinhas pelo ar
Avoa, avoa
Avoa já

Quando dizem — O biquinho pelo chão — todas se curvam, imitando o passarinho. 
Quando cantam — As asinhas pelo ar — todas levantam os braços e balançam, imitando o bater das asas dos pássaros
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Resposta branda e suave
quebra da ira o furor;
palavras duras excitam
ressentimento e rancor.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Sementes de cerejas

Hoje, no fim de tarde,
Acariciei  a terra
E à sombra do teu sorriso
Plantei com amor,
As sementes de cerejas,
Cerejas que colhi para você…
= = = = = =

Poetrix de
SILVANA GUIMARÃES
Belo Horizonte/MG

Deu bandeira

febre, dor pelo corpo afora,
a estrela que eu podia ter sido e não fui:
um tango à toa a vida inteira
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO ZAMATARO
Nova Esperança/PR

Carrinheiro

Lá fora a chuva fina turva a luz
e molha o palco aberto onde se faz
da hora a velha sina que conduz
quem olha a rua incerta e o chão voraz.

Um vulto esconde o rosto em breu capuz
enquanto a chuva insiste em ser tenaz...
Avulta em mim desgosto que traduz
em pranto a chuva triste e pertinaz.

Estia enfim e o vulto se levanta
e leva o seu carrinho em contramão
na via onde um insulto o desencanta

e faz brotar nos olhos a explosão
que torna a raiva insana e a dor maior
na lágrima, na chuva e no suor.
= = = = = =

Trova de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

No instante em que é concebida,
entra na história a criança.
Negar-lhe o direito à vida
é um crime contra a esperança.
= = = = = =

Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN

Pobre flor!

Deu-ma um dia uma antiga companheira
Do tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nívea feiticeira.

Como se apaga uma ilusão primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.

E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mãe ao seu primeiro filho.

Dei-lhe no seio uma pousada franca...
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mísera flor, cheirosa e branca!
= = = = = = 

Trova de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Repare que nossa alma
rende-se sempre bem mais
por um olhar que se espalma
que por ouvir tristes ais.
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Hino de 
CANELA/ RS

Canela, terra querida
Onde a gente vive mais
Possuis pinheiros frondosos
E paisagens naturais

No inverno cai branca neve
Neve de encantos mil
Nossa Suíça encantadora
A Suíça do Brasil

Deus, o criador do mundo
Escultor da natureza
Colocou-te junto ao céu
Premiou-te com a beleza

Enfeitou tua existência
E com flores deu teu nome
A cidade do turismo
A cidade das hortências

Canela, terra querida
Onde a gente vive mais
Possuis pinheiros frondosos
E paisagens naturais

No inverno cai branca neve
Neve de encantos mil
Nossa Suíça encantadora
A Suíça do Brasil

Do turista és preferida
Por tua brisa refrescante
És a terra mais querida
Num recanto exuberante

Se existe o céu na terra
Num pedaço do Rio Grande
É na mais bela cidade
Na cidade de Canela
= = = = = = = = =  

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

O bom Deus, na sua ânsia
em ser justo, Ele predisse:
– Dou sorriso para a infância
o saber dou à velhice!
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Restos de sonhos

Passou a juventude, a sua glória,
inconsequentes risos e paqueras.
Tudo se transformou em vãs quimeras
e a vida de euforia é só memória.

No presente as carências aceleras,
em sonhos de passadas trajetórias.
Mas, a vida em cobranças compulsórias,
deixa-te somente sonhos que veneras.

Duvidosa promessa já acolhida,
não deixa tua alma já liberta
desta lembrança triste, animicida.

Restos de sonhos e esperanças cedem
e o esquecimento nesta fresta aberta,
invade os pensamentos que se perdem.
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Trova de
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH 
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

No adeus da tua partida
meu coração, infeliz,
ganhou enorme ferida
e não parou... por um triz!
= = = = = = = = =  

Silvinha Meirelles (Se assim é, assim será?)

Tudo era bem normal lá em Santantônio da Lamparina.

As crianças iam para a escola enquanto os pais trabalhavam. Todos riam, se divertiam e às vezes ficavam bem tristes também. Tomavam banho, soltavam pum e tinham coceira no pé; como toda gente em qualquer parte.

Só tinha um detalhe, mínimo, insignificante, que deixava tudo com cara de esquisito e diferente: lá, o dia era escuro como a noite, e quando era noite era noite também.

Os moradores estavam acostumados. Viviam à sombra da Lua, estudavam à luz de abajur, sabiam brincadeiras de escuro: gato-mia; cabra-cega, detetive…

Os mais velhos diziam que lá sempre foi assim e que, se é assim, assim será até o fim; sentiam-se cansados de imaginar como seria viver num lugar claro e diferente. Os mais jovens sonhavam e diziam que conhecer o Sol era o maior desejo que tinham no mundo, no universo.

Um desejo infinito.

Por que ninguém pensava em se mudar dali? Porque lá havia o mais lindo luar e o mais delicioso banho de mar e um povo com um sonho em comum. Às vezes, coisas assim são suficientes para nos fazer ficar.

Num dia noite, chegou um, chegaram dois e mais três ou cinco equilibristas. Era uma família de artistas! Enquanto uns tocavam, os outros faziam lances incríveis, coisa de especialista!

Há muito tempo o vilarejo não recebia visita tão animada. Os equilibristas estavam acostumados a se apresentar até o Sol raiar e estranharam: já se sentiam cansados e nada de o dia clarear.

– O Sol não vai aparecer?

E foi assim que souberam que em Santantônio da Lamparina o dia era tão escuro como a noite e que já estavam acordados fazia dois dias e meio.

– Daí o nome da cidade?

– Daí o nome.

– Mas por que é assim?

– Diz meu avô que o avô dele dizia que o seu tataravô ensinou que é assim porque sempre foi assim e assim será até o fim!

Os artistas acharam aquela explicação meio fraquinha, de quem já cansou de procurar solução. Avisaram que por cinco dias escuros e quatro noites noites treinariam um novo número exclusivo e então voltariam para o espetáculo de despedida!

Voltaram.

Voltaram com o número mais arriscado e sensacional de equilíbrio, coragem e precisão já visto em toda a história da humanidade!

Precisaram de muita concentração. Foram subindo, um sobre o outro e sobre o outro e sobre o outro e o outro sobre ainda… Até que o menino equilibrista mais levinho e muito craque, com o braço bem esticado, atingiu o céu.

Com a ponta do dedo fez um picote. Um pequeno rasgo no céu, por onde passou um facho de luz.

Era mínimo, mas suficiente para iluminar de alegria e expectativa cada santantoniolamparinense. Podiam saber como era o Sol, a luz e o calor que vinham do céu.

Devagar o rasgo foi aumentando, sozinho; como furo de meia velha, que vai crescendo até virar um rombo…

E um dia, Santantônio da Lamparina amanheceu toda e completamente iluminada! Os moradores, que nem tinham venezianas e cortinas, acordaram sobressaltados com tanta luz.

Festejaram até o Sol raiar outra vez.

Até hoje, não se cansam de ver o Sol nascer e depois o Sol se pôr e de novo o Sol nascer e mais uma vez o Sol se pôr. Acham graça, agradecidos.
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Silvinha Meirelles nasceu em 1957. Formada em Psicologia, teve sempre seu olhar voltado para infância,  desenvolvimento e educação. Trabalhou em clínica com ludoterapia e foi por 10 anos orientadora educacional em uma escola em São Paulo. Atualmente, trabalha em projetos educacionais pontuais e mais relacionados à cultura e à cidadania. Tem publicado alguns livros.
Fontes:
Revista Nova Escola: Contos. 06.02.2013
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