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segunda-feira, 29 de setembro de 2025
Chafariz de Trovas * 18 *
Asas da Poesia * 102 *
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA, 1847 – 1871, Salvador/BA
O crepúsculo sertanejo
A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.
Sussurro profundo! Marulho gigante!
Talvez um — silêncio!... Talvez uma — orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto...
Do átomo — à estrela... do verme — à floresta!...
As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas, — da brisa ao açoite —;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!
Somente por vezes, dos jungles* das bordas
Dos golfos enormes, daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos — um touro selvagem.
Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…
= = = = = = = = =
* jungles = selvas
= = = = = = = = = = =
Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/RJ
Minha lira
Minha lira interior vibrando ao te encontrar,
Levando-me de volta a dias tão distantes,
Naquele nosso encontro, e a mim sempre garantes
Que foi somente o acaso ali sob o luar...
Que nos levou também ao céu naquele abraço,
ao contar as estrelas em todo esplendor
de uma noite suave e cheia de sabor...
Nós dois ali sentados perto do terraço.
Mamãe a nos olhar vai chegando à janela,
convida-me a entrar, é hora de dormir
cordialmente vais sem nem se despedir.
Canta meu coração, tal qual naqueles dias,
Ao entrar em meu quarto, enquanto tu partias...
Mas, hoje, meu amor, só eu vou decidir.
= = = = = = = = =
.
Poema de
SILAS CORRÊA LEITE
Itararé/SP
Família
Minha mãe fritava polenta
e convidava a aurora para o banquete
Clarice tinha tranças bonitas
e uma voz de santa
Sueli era uma janela fechada
esperando um príncipe encantado
Erzita era a "irmãe" mais velha
guardiã dos sonhos de nós todos
Paulo e eu brigávamos muito
e tínhamos o destino da luta
(Célio sequer existia ainda
para ser nosso referencial futuro)
Depois meu pai vendeu a casa
Morreu
virou saudade e nos deixou Célio Ely
de herança
E minha mãe com sua voz de clarinete
ainda alonga orações por nossos sonhos.
= = = = = = = = =
Quadra Popular
Quando eu te vi, logo disse:
lindos olhos para amar,
linda boca para os beijos
se a menina os quiser dar.
= = = = = = = = =
Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP
O Livro que não leste
De quais ignotos mundos transcendeste,
Para perder-te assim em meu passado?
E ao te perder perdi meu sonho amado...
A quais ignaros mundos pertenceste?
Por que à ignávia* lassidão cedeste?
E por que teu amor tens abrandado
Se por ti eu teria abandonado
De novo toda a vida que me deste?
Em quais ignóbeis mundos te perdeste
Vagando assim ao léu desencantado,
Que ao ferir-me sequer te apercebeste?
Eu sou a sinfonia que fizeste,
E o amor que te dedico, abnegado
É o livro da tua vida, que não leste!
= = = = = = = = = = = = = = =
* ignávia = covarde, indolente.
= = = = = = = = =
Poema de
VIVALDO TERRES
Itajaí/SC
Ao encontrar-te
Ao encontrar-te na rua.
Maltrapilha, quase nua,
Implorando pedaço de pão,
Quem te conheceu não sabe,
Que fostes qual majestade
Morando numa mansão.
Tratavas teus serviçais
Como se fossem animais,
Sem amor ou compostura.
Hoje estás abandonada,
Passas as noites na calçada,
Como mendiga de rua.
Quantas noites recebestes
Esmola e compreensão
Dos mesmos que maltratavas
E arrogante, gritavas:
Vão trabalhar malandrões!
Os mesmos, indignados,
Mas pobres e necessitados.
Fingiam não te escutar
Pois eram gente honesta
Precisavam do trabalho
Pra seus filhos sustentar.
E tu, com arrogância,
Não pensavas que ferias
a alma e o coração
Daqueles que trabalhavam,
Cujo suor derramavam
Para ganharem seu pão..
Hoje vives abandonada,..
Cansada, desmemoriada,
Talvez sintas dor profunda.
Tua casa é a marquise,
Tua cama é a calçada,
Pois és mendiga de rua.
= = = = = = = = =
Soneto de
OLIVALDO JÚNIOR
Mogi-Guaçu/SP
O segredo de um tesouro
“Um bom amigo, que nos aponta os erros e as imperfeições e reprova o mal, deve ser respeitado como se nos tivesse revelado o segredo de um oculto tesouro.”
(Sidarta Gautama - BUDA)
O segredo de um tesouro
não está no que se tem,
mas no que nos vale ouro:
ser a luz irmã de alguém.
Toda luz é mais que o louro
das vitórias de um 'ninguém',
um senhor que tira o couro
dos irmãos e o seu também.
Vem cansado e sem abrigo
este irmão aqui presente,
sem a luz que mais persigo...
Um tesouro é um bom amigo,
um irmão que o faz contente,
bem cantante, vento ao trigo!…
= = = = = = = = =
Poema de
VINÍCIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980
A carta que não foi mandada
Paris, outono de 73
Estou no nosso bar mais uma vez
E escrevo pra dizer
Que é a mesma taça e a mesma luz
Brilhando no champanhe em vários tons azuis
No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor
Mas ao vê-lo assim tão triste e só
Sou eu que estou chorando
Lágrimas iguais
E, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
E olha para trás
É, existe sempre uma mulher
Pra se ficar pensando
Nem sei... nem lembro mais
= = = = = = = = =
Soneto de
HERMES FONTES
Buquim/SE, 1888 – 1930, Rio de Janeiro/RJ
Luar
(em Gênese)
Noite ou dia?! Ilusão... É noite. A Natureza
tem um pudor de noiva, ao beijo do noivado:
sonha, velada por um véu diáfano, e presa
de um sonho branco, um sonho alegre, iluminado.
A Lua entra por toda a parte, clara, acesa...
Desabrocham jasmins de luz, de lado a lado...
E o luar – vê bem: dirás que é o óleo da Tristeza
diluído pelo céu... pela terra entornado...
E há nos raios da Lua – a um tempo, hastis e lanças,
corações a sangrar feridos do infortúnio,
flores sentimentais do jardim das lembranças...
A ave do Sentimento as asas bate e espalma...
e, enquanto se abre aos céus a flor do Plenilúnio,
abre-se, dentro em nós, o plenilúnio da Alma...
= = = = = = = = =
Poema de
GONÇALVES DIAS
Caxias/MA, 1823 – 1864, Guimarães/MA
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
= = = = = = = = =
Grinalda de Trovas de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP
Mulher
Segue uma estrada florida
quem, na verdade, tiver
a glória de ter, na vida,
um coração de mulher!
Filemon Martins
Quero seguir meu destino
com minha cabeça erguida,
quem ama o bem, imagino,
segue uma estrada florida.
Segue uma estrada florida,
quem é da paz e requer
a esperança protegida,
quem, na verdade, tiver.
Quem, na verdade, tiver
uma paixão desmedida,
felicidade é mister
a glória de ter, na vida.
A glória de ter, na vida,
um amor minha alma quer,
numa paixão incontida
um coração de mulher!
= = = = = = = = =
Hino de
Itaboraí/ RJ
Pedra Bonita,
foi assim que te chamaram
Certa vez em Guarani
Terra bendita,
é assim que hoje
te chamo minha Itaboraí
Tens uma porta aberta para o mar
És a janela do nosso país
Quem vem de longe aprende a te amar
Quem nasce aqui é a tua raíz
Com a argila do teu solo
O calor do teu colo
E o suor do teu povo
Vamos seguir com firmeza
E ajudar com certeza
A construir um mundo novo
És um eterno poema
Que tem como tema a felicidade
Escrito pelo criador,
que te transformou nesta bela cidade (Bis)
Teus laranjais,
teus imortais
A tua história é um hino de amor
És a própria paz,
porque sempre estás
nas mãos de nosso senhor (Bis)
Itaboraí, Itaboraí!
= = = = = = = = =
Soneto de
BERNARDO TRANCOSO
Vitória/ES
Ser feliz
Vida é viver, é ser alguém, é ser ninguém,
Quando quiser; é não mentir, sempre sorrir,
Morrer de rir, quando puder; é querer bem,
Homem, mulher, um ser qualquer, sem resistir;
Não desistir, nunca chorar, só quando tem
Alguém pra ouvir; sonhar, lutar, pra descobrir
O que é amar, o que é sentir; saber também
Que é grande o amor, elevador, sempre a subir;
Crescer, ter fé, firmar o pé, pisar no chão
E caminhar; Andar e crer, buscar, querer,
Na imensidão, o teu lugar; ter mente exposta
E, a quem te gosta, essa canção, teu coração;
Responder "não", pra quem te diz: "Ser ou não ser:
Eis a questão"; pois SER FELIZ: eis a resposta.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França
O passarinheiro, o açor* e a cotovia
A injustiça, o rigor desculpam-se em geral
Citando como exemplo a quantos fazem mal,
Ninguém deve esquecer a regra tão cediça:
«Respeite sempre os mais quem atenções cobiça».
Certo dia um campónio armava aos passarinhos —
Vem despontando abril, estão já sós os ninhos,
A grande natureza há muito que não dorme,
O campo todo em flor ostenta um luxo enorme,
Imprime vibrações no ambiente perfumado,
O constante esvoaçar do inquieto mundo alado —
E o homem de atalaia...
De repente sorri dizendo: — «Talvez caia!»
— Cair o quê? Não sei — objeta-me o leitor.
Era uma cotovia. A tola, a sensabor
Dispunha-se a trocar a boa liberdade
Pela rede traiçoeira, e até, que ingenuidade!
Vinha cantando alegre a procurar a morte:
Ou se é, ou não se é forte.
Neste ponto um açor, que andava pelos ares,
Faminto, peneirando em voltas circulares,
Avista a pobrezinha e rápido qual seta
Silvando fende o espaço em breve linha reta,
Cai sobre a cotovia, empolga-a rudemente,
Aperta-a, despedaça-a em fúria recrescente.
Que bárbaro glutão!
Viu tudo o caçador e resolveu-se então
A puxar o cordel da pérfida armadilha,
Que ao distraído açor enreda, envolve e pilha.
Colhido de improviso o bicho quer soltar-se,
Mas logo dissuadido, usando de disfarce,
Murmura em voz mui doce:
«Meu caro caçador, sem dúvida enganou-se,
Podia lá prender-me! Eu nunca lhe fiz mal!...»
Replica-lhe o campónio: «E o pobre do animal
Que aí tens, fez-te algum? Não me responderás?»
O açor quis responder, porém não foi capaz.
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* Açor = ave de rapina, semelhante ao falcão.
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José Feldman (As Cócegas da Discórdia)
Henrique e Pafúncio eram amigos inseparáveis, há uns 40 anos, mesmo na terceira idade, já aposentados. Passavam as tardes jogando cartas, contando histórias e tomando um bom café. Mas, como em toda amizade de longa data, um dia a paz foi abalada.
Uma discussão sobre quem seria o melhor contador de histórias rapidamente se transformou em um combate acalorado. Pafúncio, com um brilho travesso nos olhos, revelou que tinha um novo amigo que era “muito mais unido” do que Henrique. O velho Henrique ficou furioso.
— Ah, é? Se eu morrer primeiro, vou puxar o seu pé à noite! — disse ele, com a voz embargada de raiva e um sorriso nervoso.
Pafúncio riu, achando que Henrique estava apenas exagerando. Mas, para sua surpresa, alguns dias depois, Henrique teve um infarto fulminante e faleceu.
O velório foi triste, mas Pafúncio não pôde evitar de pensar: “Quero ver puxar meu pé, velho malandro!”.
Naquela noite, após o funeral, Pafúncio se acomodou na cama, tentando apagar da mente a discussão ridícula. Mas, ao fechar os olhos, uma sensação estranha começou a invadir o quarto. Ele se virou para o lado e, de repente, sentiu algo gelado tocar seu pé.
— Quem está aí? — sussurrou, com o coração disparado.
E, como se tivesse respondido ao chamado, o espírito de Henrique apareceu, com uma expressão travessa.
— Olá, Pafúncio! Lembra da minha promessa?
Pafúncio quase caiu da cama. Ele começou a gritar e a rir ao mesmo tempo, enquanto o espírito de Henrique fazia cócegas em seu pé.
— Para! Para! — ele berrou, se contorcendo na cama.
Mas Henrique, em forma de espírito, não parecia se importar. Continuou a fazer cócegas, enquanto Pafúncio tentava explicar que tudo não passou de um desentendimento.
— Eu juro, não tenho outro amigo! Só falei isso para você ficar ciumento! — gritou Pafúncio.
Henrique, contente com a confissão, finalmente parou. Ele olhou para o amigo, agora ofegante, e riu.
— Então, você quer dizer que eu sou seu único amigo?
— Sim! — respondeu Pafúncio, ainda rindo. — Sempre foi!
O espírito de Henrique decidiu dar uma trégua. Mas a paz durou pouco. Na noite seguinte, ele voltou, insatisfeito pelo amigo o ter enganado e novamente começou a fazer cócegas.
— Ah, você de novo! — gritou ele, rindo desesperado. — Se continuar assim, vou acabar morrendo de tanto rir!
As noites se tornaram um verdadeiro dramalhão. Pafúncio passou a contar para os amigos que “Henrique estava puxando seu pé” e todos achavam que ele tinha ficado maluco. Mas, na verdade, ele apenas estava com saudades dos velhos tempos com seu amigo.
Finalmente, uma noite, teve uma ideia. Ele se deitou e, em vez de se assustar, começou a conversar com o espírito de Henrique.
— Olha, a gente pode fazer diferente. Que tal você me contar histórias em vez de fazer cócegas?
Henrique, surpreso com a proposta, aceitou. E assim, as noites se tornaram um festival de risadas, rindo e trocando as histórias que sempre amaram.
No fim, a amizade deles perseverou até mesmo além da morte, e aprenderam que, às vezes, a melhor maneira de lidar com a raiva é através do riso.
E, claro, sempre mantendo os pés encolhidos, longe de espíritos travessos!
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JOSÉ FELDMAN, poeta, trovador, escritor, professor e gestor cultural. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas de São Paulo. Devido à situação financeira insuficiente não concluiu a Faculdade de Psicologia, na FMU, contudo se fez e ainda se faz presente em mais de 200 cursos presenciais e online no Brasil e no exterior (Estados Unidos, México, Escócia e Japão), sendo em sua maioria de arqueologia, astronomia e literatura. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Morou na capital de São Paulo, onde nasceu, em Taboão da Serra/SP, em Curitiba/PR, em Ubiratã/PR, em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Confraria Brasileira de Letras, Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras Brasil/Suiça, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul (com trovas do mundo). Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em crônicas, contos, poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); “Canteiro de trovas”; “Pérgola de textos” (crônicas e contos), “Caleidoscópio da Vida” (textos sobre trovas) e “Asas da poesia”.
Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat.Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
Sammis Reachers (O deserto, o oásis e a tamareira)
Eu a conheci no Gragoatá, em Niterói, perto de um dos campus da UFF. Pegávamos o mesmo ônibus. Ela, menina de seus 16 anos, sempre de negro, com seus longos escorreitos cabelos negros e as indefectíveis camisas negras de bandas de rock. Branca como a serpente edênica, que era branca como um anjo de luz se você não sabia. Muda e também calada. Ia todas as tardes levar sua irmã especial (tinha síndrome de Down) num colégio para especiais.
Nos olhávamos longamente. Eu estava na primeira separação desta de quem agora estou pela segunda vez separado, e a olhava com faminta ternura. Seu mutismo. Sua rebelião pelo silêncio e pelo luto. Seu contraste negro/claro.
Um dia não suportei e com meu melhor sorriso perguntei-lhe o nome. “Quem quer saber?”, foi seu semi-coice lacônico. “Eu quero. Meu nome é Sammis”. “Porque?”. “Porque te vejo todo dia, e te admiro”. “Tamara”, disse sem nenhum sorriso.
Conversamos sobre bandas de rock. System of a Down, que naquele tempo era novidade. Não tinha namorado. Fiquei quatro dias sem vê-la, apenas alimentando as hienas da esperança. Quis ser romântico. Preparei uma carta, explanando acerca da origem e beleza de seu nome, meu sentimento por ela, e o poema de Gullar, flecha reciclada, já usado antes e usado depois, como bumerangue de um aborígene perdido na urbe:
Cantiga para não morrer
Quando você for-se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Encontrei-a ao fim da semana, no ponto de ônibus. Cheguei já na hora em que elas embarcavam no coletivo. Eram três: elas estavam com sua mãe (era divorciada, moravam as três num apartamento em São Domingos, bairro contíguo ao Gragoatá). Num movimento furtivo, enquanto sua mãe estava na roleta garimpando na bolsa o dinheiro das passagens, cutuquei-a e entreguei-lhe a carta. Ela apanhou-a com sua mão alvíssima e expressão impassível, marmórea, e colocou no bolso. A minha carta romântica e culta.
Nas semanas seguintes, desapareceu.
Perguntei ao cobrador, “aquela menina branquinha, com a irmã especial”, mas ele também não a vira. Vira a mãe com a menininha apenas.
Passados dois meses, reencontrei-a: ela estava dentro de um ônibus, sentada à janela, e eu parado no ponto. Cutuquei-a para que tirasse os fones e saísse de sua imersão roqueira. “Você sumiu, o que houve?” “Nada.” “E a minha carta, você gostou?” “Eu tenho namorado.” Bah, mulheres. Rostos mutantes da mesma Eva, do mesmo punhal.
Bem, eu era um pobretão de vinte e sete anos e ela era uma menina mimada filha da classe B.
Sete meses depois, abro o jornal O Fluminense que jazia já amarrotado sobre a mesa de meu patrão, e vejo sua foto. Ela tinha dezoito, não dezesseis. Sim, tinha namorado. Havia se suicidado junto a ele, no palacete do pai do mesmo, na nobre estrada Froés, em Icaraí. Deixaram um longo bilhete, que o jornal não reproduzia. Não quis me informar mais.
Talvez eu a teria salvo, Tamara. Com a minha dor maior que a sua, providenciaria sombra para seu descanso. Entraria e habitaria de literaturas, de asas, sua vida e seu silêncio. E devagar, e sempre em silêncio, iniciar-te-ia num arcano que seus mortos e tribos não podiam, não podem: a lenta explosão que é o conhecimento.
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Sammis Reachers Cristence Silva nasceu em 1978, em Niterói/RJ, mas desde sempre morador de São Gonçalo/RJ, ambos municípios fluminenses. Sammis é poeta, escritor, antologista e editor. Licenciado em Geografia atua em redes públicas de ensino de municípios fluminenses. É autor de dez livros de poesia, três de contos/crônicas e um romance, e organizador de mais de cinquenta antologias. Aos 16 anos inicia seus escritos e logo edita fanzines, participando do assim chamado circuito alternativo da poesia brasileira, com presença em jornais e informativos culturais. Possui contos e poemas premiados em concursos do Brasil, bem como textos publicados em antologias e renomadas revistas de literatura.
Fontes:
Mar Ocidental 23.01.2013.
https://marocidental.blogspot.com/2013/01/o-deserto-o-oasis-e-tamareira.html
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
domingo, 28 de setembro de 2025
Chafariz de Trovas * 17 *
Estante de Livros ("O Destino Viaja de Ônibus", de John Steinbeck)
Obs: Resumo biográfico do escritor após o resumo do livro
"O Destino Viaja de Ônibus" (título original: "The Wayward Bus"), publicado em 1947, é um romance de John Steinbeck que explora temas como a natureza humana, o desejo, a desilusão e a busca por significado em um mundo em transformação.
Ambientado na zona rural da Califórnia pós-Segunda Guerra Mundial, o livro narra a história de um grupo diversificado de passageiros presos em uma viagem de ônibus interrompida por uma tempestade. Através das interações e experiências desses personagens, Steinbeck oferece um retrato complexo e, por vezes, satírico da sociedade americana.
ENREDO E ESTRUTURA
A trama central gira em torno de Juan Chicoy, o proprietário e mecânico de uma garagem decadente e do único ônibus que liga Rebel Corners ao mundo exterior. Quando uma tempestade torrencial danifica a estrada, um grupo de passageiros fica preso em uma jornada que se torna tanto física quanto existencial. Entre eles estão:
– Ernest Horton: Um vendedor viajante, preso em uma vida medíocre e sonhando com aventuras.
– Mildred Pritchard: Uma jovem mimada e entediada, em busca de emoção e romance.
– Norma: Uma garçonete insegura, obcecada por revistas de celebridades e em busca de amor.
– Camille Oaks: Uma dançarina de strip-tease, tentando escapar de seu passado e encontrar um novo começo.
– Van Brunt: Um homem misterioso e taciturno, carregando um segredo obscuro.
A estrutura do romance é relativamente simples, seguindo a jornada do ônibus e as interações entre os passageiros. No entanto, Steinbeck intercala a narrativa principal com flashbacks e monólogos interiores que revelam as motivações e os desejos ocultos de cada personagem.
TEMAS PRINCIPAIS
Natureza Humana:
Steinbeck explora a complexidade da natureza humana, retratando personagens com qualidades e defeitos, sonhos e frustrações. Ele examina como o desejo, o medo, a ganância e a compaixão moldam o comportamento humano em situações de crise.
Desilusão:
Muitos dos personagens estão desiludidos com suas vidas e buscam algo mais. Ernest Horton sonha com aventuras exóticas, Mildred busca emoção e Norma anseia por um romance de conto de fadas. A jornada de ônibus se torna uma metáfora para a busca por um significado que muitas vezes se revela ilusório.
Desejo e Sexualidade:
O desejo sexual é um tema recorrente no romance, manifestando-se de diferentes formas em cada personagem. Mildred usa sua sexualidade para manipular os homens, Norma idealiza o amor romântico e Camille busca uma conexão genuína. Steinbeck explora como o desejo pode ser tanto uma força destrutiva quanto uma fonte de esperança.
Classe Social:
O romance retrata a diversidade da sociedade americana, reunindo personagens de diferentes classes sociais e origens. As interações entre eles revelam as tensões e preconceitos que permeiam a sociedade.
Busca por Significado:
Em última análise, "O Destino Viaja de Ônibus" é uma meditação sobre a busca por significado em um mundo caótico e imprevisível. Os personagens são forçados a confrontar suas próprias limitações e a encontrar um sentido em suas vidas, mesmo em meio à desilusão e à incerteza.
ESTILO E SIMBOLISMO
O estilo de escrita de Steinbeck é caracterizado por sua prosa simples e direta, rica em detalhes sensoriais e descrições vívidas da paisagem californiana. Ele usa metáforas e simbolismos para enriquecer a narrativa e transmitir seus temas principais. O ônibus, por exemplo, pode ser interpretado como uma metáfora para a jornada da vida, enquanto a tempestade representa os desafios e obstáculos que encontramos ao longo do caminho.
RECEPÇÃO DA OBRA
"O Destino Viaja de Ônibus" recebeu críticas mistas após sua publicação. Alguns críticos elogiaram a habilidade de Steinbeck em retratar a complexidade da natureza humana e sua crítica social perspicaz, enquanto outros consideraram o romance menos bem-sucedido do que seus trabalhos anteriores. Apesar das críticas, o livro permanece uma obra importante na obra de Steinbeck, oferecendo uma visão fascinante da sociedade americana do pós-guerra e explorando temas que continuam relevantes hoje.
FINAL
"O Destino Viaja de Ônibus" é um romance complexo e multifacetado que oferece uma reflexão profunda sobre a natureza humana, o desejo, a desilusão e a busca por significado. Através de seus personagens cativantes e sua prosa evocativa, Steinbeck nos convida a embarcar em uma jornada que nos leva a confrontar nossas próprias limitações e a encontrar um sentido em nossas vidas, mesmo em meio à incerteza e ao caos.
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John Ernst Steinbeck nasceu em 27 de fevereiro de 1902, em Salinas/ Califórnia/ Estados Unidos. Ele foi um dos escritores mais influentes do século XX, conhecido por suas obras que exploram a condição humana, a luta dos pobres e a injustiça social. Cresceu em uma família de classe média, onde desenvolveu um interesse pela literatura desde cedo. Ele estudou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas abandonou os estudos antes de concluir o curso, dedicando-se à escrita e a trabalhos temporários. Começou a ganhar reconhecimento na década de 1930, com obras como "Tortilla Flat" (1935) e "As Vinhas da Ira" (1939), que retratam as dificuldades enfrentadas por trabalhadores e agricultores, especialmente durante a Grande Depressão. Seu estilo realista e seu compromisso com temas sociais o tornaram uma voz poderosa em sua época. Seus romances frequentemente abordam questões de classe, desigualdade e a luta pela dignidade humana. Outras obras: “Ratos e Homens" (1937); "A Pérola" (1947); A Leste do Éden (1952). "As Vinhas da Ira" ganhou o Prêmio Pulitzer e é considerado uma de suas obras-primas. Steinbeck casou-se três vezes, primeiro com Carol Henning, depois com Gwyndolyn Conger e, por fim, com Elaine Scott. Ele teve dois filhos. Durante a Segunda Guerra Mundial, serviu como correspondente de guerra, e suas experiências influenciaram seu trabalho. Em 1962, Steinbeck recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, reconhecido por sua escrita que "capturou a realidade da vida americana e a luta de seus habitantes". Faleceu em 20 de dezembro de 1968, em Nova Iorque. Sua obra permanece relevante, abordando temas universais que ressoam com as lutas contemporâneas da sociedade.
O escritor em xeque (Entrevista exclusiva com o paraense Célio Simões de Souza)
Esta entrevista foi realizada virtualmente com o escritor prof. Dr. Célio Simões. O objetivo é que o leitor conheça quem é o escritor atrás da pessoa, quem é a pessoa atrás do escritor, com 35 perguntas bem abrangentes.
CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro de diversas academias no Pará, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
1 - Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.
Nasci em Óbidos, no Estado do Pará, cidade situada à margem esquerda do Rio Amazonas, no exato ponto onde ele é mais estreito e mais profundo (1,8 km de largura e 120 metros de profundidade). Entre tantos filhos ilustres, dois deles se destacam: José Veríssimo e Inglez de Souza, que com Machado de Assis e outros intelectuais, fundaram em 1900 a Academia Brasileira de Letras. Outra peculiaridade: a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932 contou com a adesão do 4.º Grupo de Artilharia de Costa, nela sediado, sendo a única unidade militar fora do território paulista a se engajar àquele movimento. Com poucos dias de nascido, voltei com meus pais para a Fazenda Capela e lá vivi a primeira infância até os seis anos de idade, quando nos fixamos em Óbidos, pois eu e minhas irmãs precisávamos começar a estudar. Em 1966 me mudei para Belém/PA e na capital cursei o científico no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, fiz um ano do curso clássico no Colégio Abraham Levy e finalmente em 1972 iniciei o Curso de Direito na Universidade Federal do Pará, concluído em julho de 1976. Em 1979, fiz o curso da Escola Superior de Guerra. Em 1980 e a nível de extensão, conclui Metodologia do Ensino Superior na Universidade da Amazônia, fiz outros cursos de extensão universitária na área do Direito e finalmente, em 2006, fiz a minha pós-graduação em Direito do Trabalho, na Universidade Cândido Mendes (RJ).
2 – Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?
Cursei o primário, como os demais jovens da época, no Grupo Escolar José Veríssimo, que nos propiciou ensino de excelente qualidade. Quem concluía essa etapa, mediante o chamado Exame de Admissão, ingressava no curso ginasial, que passou a funcionar a partir de 1962 no Colégio São José, de propriedade dos religiosos que atuavam na paróquia – os padres franciscanos e as freiras da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição. Durante o primário, estudávamos ao som das palmatórias, usadas também nas escolas particulares que davam aulas de reforço. Durante o ginasial os castigos físicos foram abolidos, porém a disciplina era muito rígida, tanto que tivemos um colega excluído do curso por haver engravidado a namorada. Por causa disso, ele jamais voltou aos bancos escolares. Primário e ginasial atualmente constituem o ensino fundamental.
3 - Recebeu estímulo na casa da sua infância?
Sou filho homem único de uma família de professores. Minha mãe e minhas quatro irmãs (duas já falecidas) foram professoras e o ambiente familiar contribuiu para o meu aprimoramento escolar. Quem me alfabetizou foi uma tia materna, a professora Córa Simões, titular do Colégio Santo Antônio e que formou muitas gerações de obidenses. Desde 2009, quando fundei na cidade a AALO - Academia Artística e Literária de Óbidos, onde ocupo a Cadeira n.º 1 e fui seu primeiro presidente, a escolhi para ser minha patrona no referido instituto cultural. Além de advogado, depois me tornei professor, atuando na Universidade da Amazônia, na Escola Superior de Advocacia, na Escola de Árbitros e Mediadores do Estado do Pará e no magistério particular. Já deixei as salas de aula e hoje só dou palestras.
4 – Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?
Iniciei com as Seleções do Reader’s Digest, uma publicação mensal destinada ao público familiar, contendo artigos variados, de interesse geral e de humor leve e divertido. Tenho em casa a coleção completa, desde o primeiro número lançado no Brasil em 1942. Além das revistas e jornais da época, como O Cruzeiro, Manchete e O Cometa, garimpava a coleção Tesouro da Juventude, uma enciclopédia destinada aos jovens e as crianças, que passou por uma repaginação em 1958 e fez parte da educação de milhares de estudantes daquela época. Incluo também os clássicos de Ernest Hemingway como O Velho e o Mar e Por Quem Os Sinos Dobram, e uma extraordinária obra da literatura pacifista “Nada de Novo na Frente Ocidental” de autoria de Erich Maria Remarque, que serviu no Exército Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. A obra reflete suas experiências e observações sobre os traumas, o desespero e a total inutilidade das guerras. Certa época descobri a portabilidade e o baixo custo dos chamados “Livros de Bolso” e através deles tive acesso a muitos clássicos da literatura brasileira, que de outra forma me seriam difíceis. Sempre cultivei o hábito da leitura, vendo nos livros uma agradável companhia.
5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de literato?
Escrevi desde os 14 anos, quando ainda estudava o quinto ano do curso primário, em 1961. Por indicação da professora Jeannet Valente do Couto, eu e mais três garotos ficamos incumbidos da publicação do jornal da nossa classe, que denominamos de “UIRAPURÚ”, em homenagem ao pássaro de canto mais belo da Amazônia. Era um mural mensal e noticioso que trazia nossos comentários sobre os fatos mais relevantes ocorridos na região Oeste do Pará, onde vivíamos e do Brasil. Teve vida efêmera, pois em 1962 saímos da escola para cursar o ginasial, mas a experiência foi muito válida por haver despertado nossa vocação para a escrita e para o jornalismo. Hoje essa professora, já bem idosa, é minha confreira na Academia Artística e Literária de Óbidos, nos encontramos com frequência, pois somos quase vizinhos aqui em Belém. Mais tarde, passei a escrever crônicas e contos que eram divulgados em jornais e revistas de Belém (PA), Santarém (PA), São Luís (MA) e São Paulo (SP). Eu já tinha um excelente acervo quando surgiu a oportunidade de escrever meus livros, o que só veio a ocorrer em 2017, porque antes a advocacia tomava quase todo o meu tempo útil.
6- Como foi dar esse salto de leitor para escritor?
Exatamente assim, como informado na pergunta anterior. Amigos, familiares e leitores começaram a sugerir que eu escrevesse um livro, reunindo minhas crônicas e contos, para evitar que os textos ficassem dispersas ou se perdessem nos jornais que os publicavam. Convencido de que era inevitável tal iniciativa, fiz minha estreia como escritor com o livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, que teve excelente repercussão e mereceu referências muito positivas dos que o leram.
7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?
Dois dos meus melhores amigos de infância e meus confrades na Academia Obidense - o engenheiro Ademar Amaral e o arquiteto, urbanista e empresário Carlos Antônio Silva (in memoriam) - se tornaram excelentes escritores e foi inevitável acompanhá-los, porque sempre falamos a mesma linguagem e desenvolvemos o mesmo interesse pela literatura. Ademar já recebeu vários e importantes prêmios literários e além de cronista, é um romancista fantástico. Carlos Antônio também era um pintor e fotógrafo talentoso, poeta e cronista e em 2012 resolveu escrever o seu primeiro livro. No início desse dito ano convidou-me para escrever o prefácio, deixou a “boneca” do livro no escritório e não chegou a recebê-la de volta, porque faleceu prematuramente em agosto, consternando seus leitores, amigos e familiares. Anos depois de sua morte eu e Ademar organizamos esse livro, por ele ainda em vida denominado “ÂMAGO DA AMAZÔNIA” e fizemos o lançamento aqui em Belém, com o comparecimento de numeroso público. Foi a nossa maneira de homenagear esse amigo-irmão, que nos deixou para sempre brigando com a saudade.
8 – Tem Home Page própria? (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus).
Tenho minha página no Facebook e nela divulgo crônicas que escrevo duas vezes por mês às terças-feiras, tanto que denominei a série de “TERÇA DA CULTURA POPULAR”. Nos textos, abordo a origem e o significado de certas expressões populares que fazem parte do nosso linguajar cotidiano, que você tem generosamente divulgado.
9 – Você percebe muitas dificuldades em viver de literatura, em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?
As dificuldades são muitas, a partir do custo da edição e do lançamento de um livro, sempre onerosos. Some-se a isso o desinteresse das pessoas pela leitura, principalmente na era da internet, na qual os livros vão paulatinamente cedendo lugar ao computador e aos celulares para leituras breves ou superficiais. É lamentável, mas é a nossa realidade. Em 2026 farei 50 anos trabalhando como advogado, fui juiz de um Tribunal, tenho outros negócios e não dependo da venda de livros para sobreviver. Pelo contrário. Como é o meu escritório de advocacia que banca a edição dos livros que escrevo, toda a renda apurada nas vendas é destinada à Santa Casa de Misericórdia de Óbidos, que cuida gratuitamente da saúde da população carente do município. Fico imensamente feliz em poder fazer isso.
10 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros? Cite alguns deles.
Sim, porém nenhum romance ainda. Como cronista e contista já publiquei os seguintes: “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”; “RECADOS DA MEMÓRIA”; “UM RIO DE HISTÓRIAS”; “CONTAR PARA NÃO ESQUECER” e “ENCONTROVERSOS”, este último, meu único livro de poesias. Participei de obras coletivas como “UM ABRAÇO APERTADO”, “ATEP - 40 ANOS”, “ANTOLOGIA DOS IMORTAIS OBIDENSES”, “AMAZÔNIA AMBIENTAL” e organizei “TALISMÔ (da poetisa Kátia Santos), “POESIAS” (do poeta Saladino de Brito), “ÂMAGO DA AMAZÔNIA”, do saudoso amigo Carlos Antônio Silva, sobre o qual falei acima e “ERA UMA VEZ, NÓS TRÊS”, da minha ex-professora Maria José Calluf, que também é acadêmica no Silogeu Literário obidense.
11 – Como definiria seu estilo literário?
Meu estilo é leve e divertido, porque de leitura pesada já bastam os noticiários dos jornais. Sou adepto da literatura brasileira praticada na Amazônia e procuro dela não me afastar. O admirável Ariano Suassuna dizia que militava politicamente “como escritor”. Eu também o faço, embora tomando cuidado para não me tornar chato para os leitores.
12 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?
O livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, justamente por ser o primeiro...
13 – O que é importante para alguém escrever hoje em dia na área de literatura?
O campo de atuação do escritor é vasto, de vez que existem muitos temas e assuntos importantes sobre os quais escrever. E, na eventual falta deles, ainda resta a ficção...
14 – Você participa de algum grupo de escritores. Se sim, o que te levou a participar dele? O que te motiva a escrever um texto?
Sim, faço parte do “CLUBE LITERÁRIO”, de um grupo de amigos escritores da Academia Paraense de Letras e de outros das demais academias literárias que faço parte. Além disso os escritores e colunistas do Jornal URUÁ-TAPERA, um dos mais lidos do Estado, que divulga as minhas crônicas e as dos demais articulistas, também se congregaram num grupo, mercê do interesse comum pela literatura e pela poesia. A maior motivação para escrever resulta da observação do que acontece no dia a dia, nas viagens que faço e nos encontros, pois sempre surge uma situação que pode virar uma crônica.
15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?
Meus textos representam a minha realização pessoal como intelectual e escritor. Para os leitores, seria melhor que eles mesmo fizessem algum juízo de valor...
16 – Você pertence a diversas academias no Pará. O que te levou a elas? Como se sente nelas? Quais suas ambições nelas?
Idealizei e fundei a Academia Artística e Literária de Óbidos (AALO), da qual fui o primeiro presidente. Em Belém, sou um dos fundadores da Academia Paraense de Jornalismo, da qual fui vice-presidente por 3 vezes e consultor jurídico. Faço parte da Academia Paraense Literária Intreriorana, que congrega em Belém os escritores e poetas com origem no interior paraense. Sou membro titular da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da qual já fui diretor e presidente, sou fundador da União dos Juristas Católicos de Belém, sócio efetivo do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (de Santarém/PA), sócio honorário da Academia Vigiense de Letras, sócio efetivo da Associação Cultural Obidense e da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará, da qual fui fundador, diretor e duas vezes vice-presidente. Recentemente, fui convidado a integrar como efetivo a Academia de Letras da Polícia Militar do Estado do Pará, da qual redigi os estatutos e se encontra em fase de implantação. Às vezes tenho até dificuldade de frequentá-las, pela falta de tempo ou pela coincidência das suas atividades, que acabam se superpondo. Em todas ingressei por ter sido convidado, salvo as que fundei ou ajudei a fundar. Sinto-me muito bem nelas, sou bem recebido pelos amigos e confrades de cada qual. Nenhuma ambição tenho em relação aos Silogeus que pertenço, salvo a de contribuir para elevar a cultura na Amazônia.
17 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?
Sem a internet eu estaria privado de ver meus textos divulgados no excelente Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes. Sem essa ferramenta, seria difícil encaminhar os textos da Terça da Cultura Popular para os jornais, sites e blogs que os divulgam em Manaus/AM, Óbidos, Santarém, Belém, São Luís/MA e Floresta/PR.
18 – Tem prêmios literários? Se sim, cite alguns.
Além das menções honrosas, recebi 3 prêmios literários, sendo um deles da UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém; um em Manaus/AM de uma associação cultural denominada ADORM e outro da Revista Troféu, de São Paulo/SP, já extinta, pela conquista do segundo lugar num concurso nacional de crônicas que participei, ainda na década de 80.
19 – Em relação aos Concursos Literários: Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm “marmelada”?
Atuei em vários, inclusive na comissão julgadora, como ocorre atualmente, onde estou avaliando e classificando obras de vários os escritores, todos eles médicos, para definir os três primeiros lugares do certame. Não compactuo com favorecimentos e se houvesse, denunciaria e me retiraria de imediato.
20 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?
Nenhum ambiente especial, para ser sincero. A inspiração chega inesperadamente. Já escrevi crônicas muito aplaudidas cuja inspiração veio quando eu viajava de carro para minha residência de veraneio no balneário de Salinópolis, distante 220 km de Belém. Guardei tudo na memória e quando voltei, coloquei no papel. Tem dado certo, como por exemplo, foi a crônica “SOB O CÉU DE CAXIAS”, situação embaraçosa e histriônica que resultou de uma pane no carro, próximo à cidade de Caxias (MA) quando com a família viajávamos de férias para Fortaleza (CE), na década de 80. E assim tantas outras surgiram, muitas durante a noite, antes do sono chegar.
21 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema antes? Como é que você concebe os textos?
Vou desenvolvendo o tema antes concebido, ao sabor da pena. Depois faço várias revisões, para não divulgar com erros de pontuação, de concordância, etc. Mas sempre escapa alguma coisa, pois ninguém pode ser revisor de si mesmo.
22 – Você acredita que para ser escritor basta exercitar a escrita ou é um dom? Ou ambos?
Penso que é um dom. Mas não resta dúvida que exercitar a escrita ajuda bastante. O escritor deve ter um rico e diversificado vocabulário, sob pena de empobrecer a escrita.
23 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria? Se sim, o que define como porcaria?
Não acho necessário ler algo imprestável, esse tipo de literatura rasteira que abunda por aí, para consolidar a formação de qualquer escritor. Nada que não acrescente algum ganho real no conhecimento de alguém, merece ser manuseado. A cultura é um bem muito valioso, que prescinde da mediocridade para ter vida e valores próprios.
24 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?
Tem muita gente de valor escrevendo coisas belas. Às vezes me questiono porque eles, de alguma maneira, não rompem a tirania das editoras, gráficas e até de livrarias que os condena ao ostracismo. Os livros são caros, as livrarias cobram até 40% do preço de capa como comissão pela venda de livros, para os quais em nada contribuíram. Prevalece o mercantilismo. Já vi escritores de reconhecidos méritos literários vendendo suas obras num tabuleiro sob a sombra das árvores, para não se submeterem ao confisco aqui denunciado.
25 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?
Os Lusíadas de Camões, Os Maias de Eça de Queiroz, um ou dois de Fernando Pessoa e José Saramago já seriam suficientes, mas não me iludo, pois se os clássicos da literatura brasileira nem são mais lidos, pode-se ter uma ideia da falta de interesse por aqueles.
26 – Qual o papel do escritor na sociedade?
O escritor atua como guardião da cultura e da memória, provocando reflexões através de suas obras, que podem ser usadas para construir um pensamento crítico. Ao criar suas narrativas, o escritor contribui para a formação de uma sociedade que questiona e analisa a realidade em que vive, além de preservar e transmitir conhecimentos, valores e tradições para as futuras gerações.
27 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?
Há e haverá sempre. A poesia é a expressão máxima do sentimento, a essência lírica da arte de alguém se expressar de forma bela e criativa. Não podemos viver sem ela...
A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR
28 - O que o choca hoje em dia?
A intolerância. A vida passou a valer muito pouco. Os noticiários televisivos diariamente exibem cenas de violência, quase sempre por motivos fúteis, que nos estarrecem. A sociedade do século XXI se tornou enferma do medo.
29 – O que mais lê hoje?
Livros, livros e mais livros... Dois ou três ao mesmo tempo, me virando para não confundir os enredos. Tenho conseguido.
30 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?
Talvez a criação de um instituto cultural, para incentivar artistas amadores a desenvolver seus talentos, sem terem que depender muito do setor público.
31 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?
Não há globalização que possa eliminar costumes, tradições, saberes, crenças, manifestações artísticas e modos de vida criados, transmitidos e vivenciados pelo povo de um Estado, de uma comunidade ou de uma região, muitas vezes passados através de gerações pela tradição oral. Ela se mostra dinâmica, democrática, participativa e representa a identidade e a memória coletiva de um grupo, abrangendo áreas como dança, música, festas, culinária, folclore e artesanato. A globalização pode até deturpá-la, o que admito já vem acontecendo principalmente nos folguedos da quadra junina, mas daí a desaparecer de vez por causa dela, vai uma considerável distância.
CONSELHOS PARA OS ESCRITORES
32 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?
Que primeiro lesse muito os bons autores de ontem e de hoje, antes de colocar no papel suas próprias ideias e criações literárias, não esquecendo que todo escritor possui um estilo que o distingue dos demais.
33 – O que é preciso para ser um bom escritor?
Ter conteúdo intelectual para desenvolver o tema que se propõe a abordar e escolher se vai enveredar pela poesia, pelo romance, pelo conto ou pela crônica. O conto exige uma história completa e fechada, tendo uma faceta dramática, um conflito ou uma ação. Porém, se a narrativa tende a se ampliar, deixa de ser conto e vira crônica, gênero que oscila entre a literatura e o jornalismo, resultando da visão pessoal, particular e subjetiva do cronista ante um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal, da TV ou do cotidiano O que diferencia um do outro é a apresentação das personagens e principalmente o desfecho, que na crônica fica a cargo do leitor... No conto as personagens são caracterizadas de maneira mais acurada, há maior densidade dramática, um conflito resolvido no desfecho unicamente por quem escreve e não por quem lê.
34 - Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc...
Tenho mais de 20 composições musicais, das quais sou autor dos textos poéticos e meu parceiro, o maestro Vicente Fonseca (desembargador do trabalho aposentado e também acadêmico da Academia Paraense de Letras), é o autor das músicas. Várias dessas composições se tornaram o hino oficial de instituições culturais, como da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, etc. Bolar um texto poético e dele ver nascer uma música é outra realização pessoal que tenho, difícil até mesmo de explicar.
35 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?
Que me tornasse uma pessoa melhor, sem as falhas que ainda cometo. Que me permitisse continuar a viver com honestidade, sem lesar o próximo e dando a cada um o que é seu. Que me livrasse de agir com injustiça e falta de equidade para com o próximo, pois já passei por isso e sei como é iníquo e profundamente doloroso.
Obrigado por participar desta entrevista para o blog.
Abraços fraternos
José Feldman
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