A Escrava
O bien qu’aucun bien ne peut rendre!
Patrie! doux nom que l’exil fait comprendre!
- Marino Faliero
Oh! doce país de Congo
Doces terras d’além-mar!
Oh! dias de sol formoso!
Oh! noites d’almo luar!
Desertos de branca areia
De vasta, imensa extensão,
Onde livre corre a mente,
Livre bate o coração!
Onde a leda caravana
Rasga o caminho passando,
Onde bem longe se escuta
As vozes que vão cantando!
Onde longe inda se avista
O turbante muçulmano,
O Iatagã recurvado,
Preso à cinta do Africano!
Onde o sol na areia ardente
Se espelha, como no mar;
Oh! doces terras de Congo,
Doces terras d’além-mar!
Quando a noite sobre a terra
Desenrolava o seu véu,
Quando sequer uma estrela
Não se pintava no céu;
Quando só se ouvia o sopro
De mansa brisa fagueira,
Eu o aguardava - sentada
Debaixo da bananeira.
Um rochedo ao pé se erguia,
Dele à base uma corrente
Despenhada sobre pedras,
Murmurava docemente.
E ele às vezes me dizia:
- Minha Alsgá, não tenhas medo;
Vem comigo, vem sentar-te
Sobre o cimo do rochedo.
E eu respondia animosa:
- Irei contigo. onde fores! -
E tremendo e palpitando
Me cingia aos meus amores.
Ele depois me tornava
Sobre o rochedo - sorrindo.
- As águas desta corrente
Não vês como vão fugindo?
Tão depressa corre a vida,
Minha Alsgá; depois morrer
Só nos resta!... - Pois a vida
Seja instantes de prazer.
Os olhos em torno volves
Espantados - Ah! também
Arfa o teu peito ansiado!...
Acaso temes alguém?
Não receies de ser vista,
Tudo agora jaz dormente;
Minha voz mesmo se perde
No fragor desta corrente.
Minha Alsgá, porque estremeces?
Porque me foges assim?
Não te partas, não me fujas,
Que a vida me foge a mim!
Outro beijo acaso temes,
Expressão de amor ardente?
Quem o ouviu? - o som perdeu-se
No fragor desta corrente.
Assim praticando amigos
A aurora nos vinha achar!
Oh! doces terras de Congo,
Doces terras d’além-mar!
Do ríspido senhor a voz irada
Rábida soa,
Sem o pranto enxugar a triste escrava
Pávida voa.
Mas era em mora por cismar na terra,
Onde nascera,
Onde vivera tão ditosa, e onde
Morrer devera!
Sofreu tormentos, porque tinha um peito,
Qu’inda sentia;
Mísera escrava! no sofrer cruento.
Congo! dizia.
Ao Dr. João Duarte Lisboa Serra
23 agosto.
Mais um pungir de acérrima saudade,
Mais um canto de lágrimas ardentes,
Oh! minha Harpa, - oh! minha Harpa desditosa.
Escuta, ó meu amigo: da minha alma
Foi uma lira outrora o instrumento;
Cantava nela amor, prazer, venturas,
Até que um dia a morte inexorável
Triste pranto de irmão veio arrancar-te!
As lágrimas dos olhos me caíram,
E a minha lira emudeceu de mágoa!
Então aventei eu que a vida inteira
Do bardo, era um perene sacerdócio
De lágrimas e dor; - tomei uma Harpa:
Na corda da aflição gemeu minha alma,
Foi meu primeiro canto um epicédio!
Minha alma batizou-se em pranto amargo,
Na frágua do sofrer purificou-se!
Lancei depois meus olhos sobre o mundo,
Cantor do sofrimento e da amargura;
E vi que a dor aos homens circundava,
Como em roda da terra o mar se estreita;
Que apenas desfrutamos, - miserandos!
Desbotado prazer entre mil dores,
- Uma rosa entre espinhos aguçados,
Um ramo entre mil vagas combatido.
Voltou-se então p’ra Deus o meu esp’rito,
E a minha voz queixosa perguntou-lhe:
- Senhor, porque do nada me tiraste,
Ou por que a tua voz onipotente
Não fez secar da minha vida a sebe,
Quando eu era principio e feto - apenas?
Outra voz respondeu-me dentro d’alma:
- Ardam teus dias como o feno, - ou durem
Como o fogo de tocha resinosa,
- Como rosa em jardim sejam brilhantes,
Ou baços como o cardo montesinho.
Não deixes de cantar, ó triste bardo. -
E as cordas da minha harpa - da primeira
À extrema - da maior à mais pequena,
Nas asas do tufão - entre perfumes,
Um cântico de amores exaltaram
Ao trono do Senhor; - e eu disse às turbas:
- Ele nos faz gemer porque nos ama;
Vem o perdão nas lágrimas contritas,
Nas asas do sofrer desce a demência;
Sobre quem chora mais ele mais vela!
Seu amor divinal é como a lâmpada,
Na abóbada dum templo pendurada,
Mais luz filtrando em mais opacas trevas.
Eu o conheço: - o cântico do bardo
É bálsamo ao que morre, - é lenitivo,
Mas doloroso, mas funéreo e triste
A quem lhe carpe infausto a morte crua.
Mas quando a alma do justo, espedaçando
O invólucro de lodo, aos céus remonta,
Como estrada de luz correndo os astros,
Seguindo o som dos cânticos dos anjos
Que na presença do Senhor se elevam;
Choro... tão bem Jesus chorou a Lázaro!
Mas na excelsa visão que se me antolha
Bebo consolações, - minha alma anseia
A hora em que também há de asilar-se
No seio imenso do perdão do Eterno.
Chora, amigo: porém quando sentires
O pranto nos teus olhos condensar-se,
Que já não pode mais banhar-te as faces,
Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora,
Onde o orvalho se cria, onde parece
Que a tímida esperança nasce e habita.
E se eu - feliz! - puder inda algum dia
Ferir por teu respeito na minha harpa
A leda corda onde o prazer palpita,
A corda do prazer que ainda inteira,
Que virgem de emoção inda conservo,
Suspenderei minha harpa dalgum tronco
Em of’renda à fortuna; - ali sozinha,
Tangida pelo sopro só do vento,
Há de mistérios conversar co’a noite.
De acorde estreme perfumando as brisas:
Qual Harpa de Sião presa aos salgueiros
Que não há de cantar a desventura,
Tendo cantos gentis vibrado nela.
O Desterro de um Pobre Velho
Et dulces moriens reminiscitur Argos.
- Virgílio
O! schwer ist’s, in der Fremde sterben unbeweint
- Schiller
A aurora vem despontando,
Não tarda o sol a raiar:
Cantam aves, - a natura
Já começa a respirar.
Bem mansa na branca areia
Onda queixosa murmura,
Bem mansa aragem fagueira
Entre a folhagem sussurra.
É hora cheia de encantos,
E hora cheia de amor;
A relva brilha enfeitada,
Mais fresca se mostra a flor.
Esbelta joga a fragata,
Como um corcel a nitrir;
Suspensa a amarra tem presa,
Suspensa, que vai partir.
Em demanda da fragata,
Leve barco vem vogando;
Nele um velho cujas faces
Mudo choro está cortando.
Quem era o velho tão nobre,
Que chorava,
Por assim deixar seus lares,
Que deixava?
“Ancião, por que te ausentas?
Corres tu trás de ventura?
Louco! a morte já vem perto.
Tens aberta a sepultura.
“Louco velho, já não sentes
Bater frouxo o coração? .
Oh! que o sente! - É lei d’exílio
A que o leva em tal sazão!
“Não ver mais a cara pátria,
Não ver mais o que deixava,
Não ver nem filhos, nem filhas,
Nem o casal, que habitava!...
“Oh! que é má pena de morte,
A pena de proscrição;
Traz dores que martirizam,
Negra dor de coração!
“Pobre velho! - longe, longe
Vás sustento mendigar;
Tens de sofrer novas dores,
Novos males que penar.
“Não t’há de valer a idade,
Nem a dor tamanho e nobre;
Tens de tragar vis afrontas,
- Insultos que sofre o pobre!
“Nada acharás no degredo,
Que fale dos filhos teus;
Ninguém sente a dor do pobre,,,
Só te fica a mão de Deus.
“O sol, que além vês raiando
Entre nuvens de carmim,
Noutros climas, noutras terras
Não verás raiar assim.
“Não verás a rocha erguida,
Onde t’ias assentar;
Nem o som bem conhecido
Do teu sino hás de escutar.
“Há de cair sobre as ondas
O pranto do teu sofrer,
E nesse abismo salgado,
Salgado se há de perder.”
Já chegou junto à fragata,
Já na escada de apoiou,
Já com voz intercortada
Último adeus soluçou.
Canta o nauta, e solta as velas
Ao vento que o vai guiar;
E a fragata mui veleira
Vai fugindo sobre o mar.
E o velho sempre em silêncio
A calva testa dobrou,
E pranto mais abundante
O rosto senil cortou.
Inda se vê branca a vela
Do navio, que partiu;
Mais além - inda se avista!
Mais além - já se sumiu!
O Orgulhoso
Eu o vi! - tremendo era no gesto,
Terrível seu olhar;
E o cenho carregado pretendia
O globo dominar.
Tremendo era na voz, quando no peito
Fervia-lhe o rancor!
E aos demais homens, como um cedro à relva,
Se cria sup’rior.
E o pobre agricultor, junto a seus filhos,
Dentro do humilde lar,
Quisera, antes que os dele, ver um Tigre
Os olhos fuzilar:
Que a um filho seu talvez quisera o nobre
Para um Executor;
Ou para o leito infesto alguma filha
Do triste agricultor.
Quem ousaria resistir-lhe? - Apenas
Algum pobre ancião
Já sobre o seu sepulcro, desejando
A morte e a salvação.
Alguns dias apenas decorreram;
E eis que ele se sumiu!
E a laje dos sepulcros fria e muda
Sobre ele já caiu.
E o bárbaro tropel dos que o serviam
Exulta com seu fim!
E a turba aplaude; e ninguém chora a morte
De homem tão ruim.
O Cometa
Ao Sr. Francisco Sotero dos Reis
Non est potestas, quae comparetur ei qui
factus est ut nullum timeret.
- Job
O bien qu’aucun bien ne peut rendre!
Patrie! doux nom que l’exil fait comprendre!
- Marino Faliero
Oh! doce país de Congo
Doces terras d’além-mar!
Oh! dias de sol formoso!
Oh! noites d’almo luar!
Desertos de branca areia
De vasta, imensa extensão,
Onde livre corre a mente,
Livre bate o coração!
Onde a leda caravana
Rasga o caminho passando,
Onde bem longe se escuta
As vozes que vão cantando!
Onde longe inda se avista
O turbante muçulmano,
O Iatagã recurvado,
Preso à cinta do Africano!
Onde o sol na areia ardente
Se espelha, como no mar;
Oh! doces terras de Congo,
Doces terras d’além-mar!
Quando a noite sobre a terra
Desenrolava o seu véu,
Quando sequer uma estrela
Não se pintava no céu;
Quando só se ouvia o sopro
De mansa brisa fagueira,
Eu o aguardava - sentada
Debaixo da bananeira.
Um rochedo ao pé se erguia,
Dele à base uma corrente
Despenhada sobre pedras,
Murmurava docemente.
E ele às vezes me dizia:
- Minha Alsgá, não tenhas medo;
Vem comigo, vem sentar-te
Sobre o cimo do rochedo.
E eu respondia animosa:
- Irei contigo. onde fores! -
E tremendo e palpitando
Me cingia aos meus amores.
Ele depois me tornava
Sobre o rochedo - sorrindo.
- As águas desta corrente
Não vês como vão fugindo?
Tão depressa corre a vida,
Minha Alsgá; depois morrer
Só nos resta!... - Pois a vida
Seja instantes de prazer.
Os olhos em torno volves
Espantados - Ah! também
Arfa o teu peito ansiado!...
Acaso temes alguém?
Não receies de ser vista,
Tudo agora jaz dormente;
Minha voz mesmo se perde
No fragor desta corrente.
Minha Alsgá, porque estremeces?
Porque me foges assim?
Não te partas, não me fujas,
Que a vida me foge a mim!
Outro beijo acaso temes,
Expressão de amor ardente?
Quem o ouviu? - o som perdeu-se
No fragor desta corrente.
Assim praticando amigos
A aurora nos vinha achar!
Oh! doces terras de Congo,
Doces terras d’além-mar!
Do ríspido senhor a voz irada
Rábida soa,
Sem o pranto enxugar a triste escrava
Pávida voa.
Mas era em mora por cismar na terra,
Onde nascera,
Onde vivera tão ditosa, e onde
Morrer devera!
Sofreu tormentos, porque tinha um peito,
Qu’inda sentia;
Mísera escrava! no sofrer cruento.
Congo! dizia.
Ao Dr. João Duarte Lisboa Serra
23 agosto.
Mais um pungir de acérrima saudade,
Mais um canto de lágrimas ardentes,
Oh! minha Harpa, - oh! minha Harpa desditosa.
Escuta, ó meu amigo: da minha alma
Foi uma lira outrora o instrumento;
Cantava nela amor, prazer, venturas,
Até que um dia a morte inexorável
Triste pranto de irmão veio arrancar-te!
As lágrimas dos olhos me caíram,
E a minha lira emudeceu de mágoa!
Então aventei eu que a vida inteira
Do bardo, era um perene sacerdócio
De lágrimas e dor; - tomei uma Harpa:
Na corda da aflição gemeu minha alma,
Foi meu primeiro canto um epicédio!
Minha alma batizou-se em pranto amargo,
Na frágua do sofrer purificou-se!
Lancei depois meus olhos sobre o mundo,
Cantor do sofrimento e da amargura;
E vi que a dor aos homens circundava,
Como em roda da terra o mar se estreita;
Que apenas desfrutamos, - miserandos!
Desbotado prazer entre mil dores,
- Uma rosa entre espinhos aguçados,
Um ramo entre mil vagas combatido.
Voltou-se então p’ra Deus o meu esp’rito,
E a minha voz queixosa perguntou-lhe:
- Senhor, porque do nada me tiraste,
Ou por que a tua voz onipotente
Não fez secar da minha vida a sebe,
Quando eu era principio e feto - apenas?
Outra voz respondeu-me dentro d’alma:
- Ardam teus dias como o feno, - ou durem
Como o fogo de tocha resinosa,
- Como rosa em jardim sejam brilhantes,
Ou baços como o cardo montesinho.
Não deixes de cantar, ó triste bardo. -
E as cordas da minha harpa - da primeira
À extrema - da maior à mais pequena,
Nas asas do tufão - entre perfumes,
Um cântico de amores exaltaram
Ao trono do Senhor; - e eu disse às turbas:
- Ele nos faz gemer porque nos ama;
Vem o perdão nas lágrimas contritas,
Nas asas do sofrer desce a demência;
Sobre quem chora mais ele mais vela!
Seu amor divinal é como a lâmpada,
Na abóbada dum templo pendurada,
Mais luz filtrando em mais opacas trevas.
Eu o conheço: - o cântico do bardo
É bálsamo ao que morre, - é lenitivo,
Mas doloroso, mas funéreo e triste
A quem lhe carpe infausto a morte crua.
Mas quando a alma do justo, espedaçando
O invólucro de lodo, aos céus remonta,
Como estrada de luz correndo os astros,
Seguindo o som dos cânticos dos anjos
Que na presença do Senhor se elevam;
Choro... tão bem Jesus chorou a Lázaro!
Mas na excelsa visão que se me antolha
Bebo consolações, - minha alma anseia
A hora em que também há de asilar-se
No seio imenso do perdão do Eterno.
Chora, amigo: porém quando sentires
O pranto nos teus olhos condensar-se,
Que já não pode mais banhar-te as faces,
Ergue os olhos ao céu, onde a luz mora,
Onde o orvalho se cria, onde parece
Que a tímida esperança nasce e habita.
E se eu - feliz! - puder inda algum dia
Ferir por teu respeito na minha harpa
A leda corda onde o prazer palpita,
A corda do prazer que ainda inteira,
Que virgem de emoção inda conservo,
Suspenderei minha harpa dalgum tronco
Em of’renda à fortuna; - ali sozinha,
Tangida pelo sopro só do vento,
Há de mistérios conversar co’a noite.
De acorde estreme perfumando as brisas:
Qual Harpa de Sião presa aos salgueiros
Que não há de cantar a desventura,
Tendo cantos gentis vibrado nela.
O Desterro de um Pobre Velho
Et dulces moriens reminiscitur Argos.
- Virgílio
O! schwer ist’s, in der Fremde sterben unbeweint
- Schiller
A aurora vem despontando,
Não tarda o sol a raiar:
Cantam aves, - a natura
Já começa a respirar.
Bem mansa na branca areia
Onda queixosa murmura,
Bem mansa aragem fagueira
Entre a folhagem sussurra.
É hora cheia de encantos,
E hora cheia de amor;
A relva brilha enfeitada,
Mais fresca se mostra a flor.
Esbelta joga a fragata,
Como um corcel a nitrir;
Suspensa a amarra tem presa,
Suspensa, que vai partir.
Em demanda da fragata,
Leve barco vem vogando;
Nele um velho cujas faces
Mudo choro está cortando.
Quem era o velho tão nobre,
Que chorava,
Por assim deixar seus lares,
Que deixava?
“Ancião, por que te ausentas?
Corres tu trás de ventura?
Louco! a morte já vem perto.
Tens aberta a sepultura.
“Louco velho, já não sentes
Bater frouxo o coração? .
Oh! que o sente! - É lei d’exílio
A que o leva em tal sazão!
“Não ver mais a cara pátria,
Não ver mais o que deixava,
Não ver nem filhos, nem filhas,
Nem o casal, que habitava!...
“Oh! que é má pena de morte,
A pena de proscrição;
Traz dores que martirizam,
Negra dor de coração!
“Pobre velho! - longe, longe
Vás sustento mendigar;
Tens de sofrer novas dores,
Novos males que penar.
“Não t’há de valer a idade,
Nem a dor tamanho e nobre;
Tens de tragar vis afrontas,
- Insultos que sofre o pobre!
“Nada acharás no degredo,
Que fale dos filhos teus;
Ninguém sente a dor do pobre,,,
Só te fica a mão de Deus.
“O sol, que além vês raiando
Entre nuvens de carmim,
Noutros climas, noutras terras
Não verás raiar assim.
“Não verás a rocha erguida,
Onde t’ias assentar;
Nem o som bem conhecido
Do teu sino hás de escutar.
“Há de cair sobre as ondas
O pranto do teu sofrer,
E nesse abismo salgado,
Salgado se há de perder.”
Já chegou junto à fragata,
Já na escada de apoiou,
Já com voz intercortada
Último adeus soluçou.
Canta o nauta, e solta as velas
Ao vento que o vai guiar;
E a fragata mui veleira
Vai fugindo sobre o mar.
E o velho sempre em silêncio
A calva testa dobrou,
E pranto mais abundante
O rosto senil cortou.
Inda se vê branca a vela
Do navio, que partiu;
Mais além - inda se avista!
Mais além - já se sumiu!
O Orgulhoso
Eu o vi! - tremendo era no gesto,
Terrível seu olhar;
E o cenho carregado pretendia
O globo dominar.
Tremendo era na voz, quando no peito
Fervia-lhe o rancor!
E aos demais homens, como um cedro à relva,
Se cria sup’rior.
E o pobre agricultor, junto a seus filhos,
Dentro do humilde lar,
Quisera, antes que os dele, ver um Tigre
Os olhos fuzilar:
Que a um filho seu talvez quisera o nobre
Para um Executor;
Ou para o leito infesto alguma filha
Do triste agricultor.
Quem ousaria resistir-lhe? - Apenas
Algum pobre ancião
Já sobre o seu sepulcro, desejando
A morte e a salvação.
Alguns dias apenas decorreram;
E eis que ele se sumiu!
E a laje dos sepulcros fria e muda
Sobre ele já caiu.
E o bárbaro tropel dos que o serviam
Exulta com seu fim!
E a turba aplaude; e ninguém chora a morte
De homem tão ruim.
O Cometa
Ao Sr. Francisco Sotero dos Reis
Non est potestas, quae comparetur ei qui
factus est ut nullum timeret.
- Job
Eis nos céus rutilando ígneo cometa!
A imensa cabeleira o espaço alastra,
E o núcleo, como um sol tingido em sangue,
Alvacento luzir verte agoireiro
Sobre a pávida terra.
Poderosos do mundo, grandes, povo,
Dos lábios removei a taça ingente,
Que em vossas festas gira; eis que rutila
O sangüíneo cometa em céus infindos!...
Pobres mortais, - sois vermes!
O Senhor o formou terrível, grande;
Como indócil corcel que morde o freio,
Retinha-o só a mão do Onipotente.
Ao fim lhe disse: - Vai, Senhor dos Mundos,
Senhor do espaço infindo.
E qual louco temido, ardendo em fúria,
Que ao vento solta a coma desgrenhada,
E vai, néscio de si, livre de ferros,
De encontro às duras rochas, - tal progride
O cometa incansável.
Se na marcha veloz encontra um mundo,
O mundo em mil pedaços se converte;
Mil centelhas de luz brilham no espaço
A esmo, como um tronco pelas vagas
Infrenes combatido.
Se junto doutro mundo acaso passa,
Consigo o arrasta e leva transformado;
A cauda portentosa o enlaça e prende,
E o astro vai com ele, como argueiro
Em turbilhão levado.
Como Leviatã perturba os mares,
Ele perturba o espaço; - como a lava,
Ele marcha incessante e sempre; - eterno,
Marcou-lhe largo giro a lei que o rege,
- Às vezes o infinito.
Ele carece então da eternidade!
E aos homens diz - e majestoso e grande
Que jamais o verão; e passa, e longe
Se entranha em céus sem fim, como se perde
Um barco no horizonte!
A imensa cabeleira o espaço alastra,
E o núcleo, como um sol tingido em sangue,
Alvacento luzir verte agoireiro
Sobre a pávida terra.
Poderosos do mundo, grandes, povo,
Dos lábios removei a taça ingente,
Que em vossas festas gira; eis que rutila
O sangüíneo cometa em céus infindos!...
Pobres mortais, - sois vermes!
O Senhor o formou terrível, grande;
Como indócil corcel que morde o freio,
Retinha-o só a mão do Onipotente.
Ao fim lhe disse: - Vai, Senhor dos Mundos,
Senhor do espaço infindo.
E qual louco temido, ardendo em fúria,
Que ao vento solta a coma desgrenhada,
E vai, néscio de si, livre de ferros,
De encontro às duras rochas, - tal progride
O cometa incansável.
Se na marcha veloz encontra um mundo,
O mundo em mil pedaços se converte;
Mil centelhas de luz brilham no espaço
A esmo, como um tronco pelas vagas
Infrenes combatido.
Se junto doutro mundo acaso passa,
Consigo o arrasta e leva transformado;
A cauda portentosa o enlaça e prende,
E o astro vai com ele, como argueiro
Em turbilhão levado.
Como Leviatã perturba os mares,
Ele perturba o espaço; - como a lava,
Ele marcha incessante e sempre; - eterno,
Marcou-lhe largo giro a lei que o rege,
- Às vezes o infinito.
Ele carece então da eternidade!
E aos homens diz - e majestoso e grande
Que jamais o verão; e passa, e longe
Se entranha em céus sem fim, como se perde
Um barco no horizonte!
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