sábado, 14 de novembro de 2015

Terezinka Pereira (excerto de "O Poder Poético e Mensageiro da Trova")

Sávio Soares de Sousa nos oferece uma definição da trova em “Argumento de Trovador” que diz o seguinte: “Queremos que a trova continue sendo a joia que deslumbra, pelo brilho próprio, admirado por todos – mesmo que se apresente revestida de sua simplicidade franciscana. À prova de tempo e desmemória.”
         Quase sempre tratamos a trova como se fosse um gênero tipicamente brasileiro. Mas não é bem assim. Rubén Darío, o poeta nicaraguense que lançou o modernismo na literatura hispano-americana, escrevia trovas e aqui está uma delas:
“Juventude divino tesoro,
ya te vas para no volver!
Cuando quiero llorar no lloro...
Y a veces lloro sin querer...”
         Rubén Darío não era trovador no rigor da palavra, mas faço questão de citá-lo aqui para provar que se o modernismo não chegou a erradicar a trova da literatura, nenhum outro movimento poético vai poder chamá-la ultrapassada. A trova vai ter sempre a fortaleza da poesia excelente, enquanto houver poetas capazes de expressar um tema, um pensamento e uma inspiração em sua totalidade, em 4 versos de 7 sílabas acentuadas na terceira e sétima, com rimas consoantes alternadas. Esta forma é uma das mais líricas existentes e de fato requer um talento nato, um ouvido atento, um sentido estético superior, assim a inspiração de um tema que possa valorar a forma. Nosso maior poeta em todas as idades, Carlos Drummond de Andrade, não depreciou a trova e soube utilizá-la com a mesma destreza com que escreveu a grande obra poética que dá honra à literatura brasileira:
“Solidão não te mereço,
pois que te consumo em vão.
Sabendo-te, embora, o preço,
calco teu ouro no chão”.
         É necessário ter certa maturidade intelectual e destreza em compor os versos para ser trovador. E isso vem coincidir com um tema importante na alma do poeta como o fim da vida. Portanto, a morte vem a ser um dos tópicos à prova de bala para o trovador. Apresento aqui os consagrados poetas no gênero da trova tratando desse tema. Maria Thereza Cavalheiro o trata com uma boa analogia onde a vida é uma boa analogia onde a vida é uma representação dramática que termina com o cerrar das cortinas:
“No palco há lágrima e riso:
– um drama entre o Mal e o Bem.
Até que a mão, sem aviso
desce o pano que retém.”
         Já o poeta Silvério da Costa apresenta uma perspectiva mais real do sistema vida/morte:
“Cuidado, não digas não
quando podes dizer sim.
Não percas nunca a razão,
pois a vida tem um fim.”
         Arlindo Nóbrega põe o jogo da vida e da morte ao acaso:
“Sendo a vida passageira
há pressa no que fazer,
pois se queira ou não se queira,
tudo pode acontecer.”
         O poeta Francisco Miguel de Moura apresenta um segmento de um poema que quase resultou em trova. Embora não venha em métrica tradicional da trova, vem quatro versos e rimas alternadas. Além disto, é um precioso poema, que insisto em citar pelo merecimento do tema e da surpresa lírica tão poderosa como na perfeita trova:
“A vida nasce e come
E vive e cresce e chora
E seca e some
E devora...”
         Por essas razões é que o escritor Antônio Soares, doutor em Teoria Literária e Psicanálise Social e editor da revista CAOSÓTICA diz em um de seus tratados: “Um poema bem elaborado, bem inspirado ou desejado, muitas vezes escrito e reescrito, será o metapoema, o hiper-poema, o hiper-moderno, termos estes que dizem que o ato criativo está sendo vivo, colorido, intenso, valorativo, fazendo que a experiência tida, volvida sobre si mesma e tomada em sentimento ou emoção avance para uma unidade cada vez maior e esta se torne poema ao ser escrita.”
         Antônio Soares não faz menção de tamanho dos versos nem do poema e sim da qualidade e das possibilidades temáticas. Também o poeta mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de Literatura, 1990, assim explica o poeta e a poesia: “O poeta fala das coisas que são suas e de seu mundo, mesmo quando nos fala de outros mundos.”
         Entretanto há trovadores que tratam de temas variados, porque o poeta, como um ser humano inspirado, constrói seu pensamento e sua obra literária como um testemunho do espaço geográfico, ecológico e histórico em que está destinado a viver.
         Kleber Leite é um desses trovadores excelentes em qualquer motivo que emocione sua alma, até mesmo o trabalho de um pequeno pássaro. Suas trovas abrangem o sentimento da solidariedade e da vida em suas celebrações:
"João de Barro miudinho,
que mestre de segurança!
Nem furacão destrói o ninho
feito de amor e esperança!"
         Anderson Braga Horta, escritor de todos os gêneros e assuntos, publicou um livro intitulado Signo: Antologia Metapoética, no qual estabelece no prefácio o seguinte: "Desde muitos anos venho lançando no papel essas reflexões acerca do fenômeno com o qual tenho convivido a existência inteira, já como simples expectador, já como autor e ator." Cito isto para confirmar que o escritor, principalmente o poeta inspirado na orquestra de vivência ao seu redor, é um registrador da história emocional do mundo. Eu havia guardado anteriormente estes quartetos nos arquivos da IWA e aproveito para citá-los aqui:
"Muito amor, amores poucos.
Cem mil dores numa dor!
E beijos... Desejos loucos…
Tanto amor num só amor!
Meigas vozes, gritos roucos...
Róseas pétalas... Multiflor!
Doce angústia... Ouvidos moucos…
Sonho, saudade, torpor..."  
         No novo livro recolho um mais:
"Olhos lunares,
olhos lunares
dai-me a pureza
dos vossos mares."
         Vou citar umas frases de Humberto del Maestro, o escritor de "Ditos, adágios e aforismos", cujo livro recebi. Ele confessa, com todo seu pessimismo: "Sou o resultado de muita filosofia barata, inclusive das minhas." Mas antes disto dizia: "Se pudesse me despir dessas tristezas, o mundo, por certo, seria um pouco mais feliz."  Isto me oferece a oportunidade de lhe aconselhar: Leia e escreva mais trovas, companheiro. Seus ditos filosóficos poderiam transformar-se em um divertido jogo poético, de uma leitura mais positiva como o é esta  sua trova:
"Jamais sentirei estrelas
no toque de minha mão,
mas poderei sempre tê-las
no arrojo da inspiração."
         É claro que tenho que dizer e terminar dessa maneira, pois isto é um artigo de elogio à sua alteza, a TROVA.

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*Teresinka Pereira é escritora e gestora cultural, preside a Associação Internacional de Escritores e Artistas - IWA, com sede em Toledo, Ohio, nos Estados Unidos
Fonte: Francisletras – ano 13 – n.63 – Goiânia/GO, setembro de 2012.

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