segunda-feira, 27 de junho de 2016

Carlos Leite Ribeiro (Aquele Setembro Em Que te Conheci)

Pintura de Renoir
O Setembro estava a findar e com ele as últimas chuvas. Naquele dia até trovejava e o ar estava quente.

Como os relâmpagos sempre me causaram pavor, entrei no primeiro lugar que me parecia oferecer mais segurança que, por acaso, era o restaurante "Fênix", que eu costumava almoçar, na linda cidade de Leiria, frequentado geralmente por clientes conhecidos. 

Os trovões continuavam cada vez mais fortes e os relâmpagos espalhavam raios dourados em todas as direções projetando uma luz intensa por toda a cidade. Era realmente uma tempestade assustadora. 

Tinha na altura 25 anos e estava sentada naquele restaurante que, quase sempre, àquela hora estava cheio. Aguardava que me servissem o almoço, quando um belo moço assomou à porta. Hesitou, mas por fim resolveu entrar. 

Como as outras mesas estavam ocupadas, dirigiu-se à minha e, delicadamente perguntou-me: - "Dá-me licença que me sente?". 

Ele não era uma daquelas figuras que os gregos descrevem, mas era simpático, embora tivesse nos seus belos olhos castanhos-escuros, uma tristeza profunda. Eu não costumava compartilhar com estranhos os meus "solenes" momentos de refeições, detestava quando alguém tentava invadir a minha privacidade, mas percebendo que não havia outro lugar desocupado, secamente, respondi-lhe então: 

- "Sim, pode-se sentar". 

Ele agradeceu e calmamente sentou-se. Comecei a sentir algo diferente em mim, mas logo afastei qualquer ideia da minha mente. Ele também não se mostrava muito à vontade, embora intimamente me estivesse a admirar (intuição feminina...). Eu fingia que não o estava observando, mas, volta e meia, descobria um ou outro detalhe interessante no meu imposto companheiro de mesa que àquela altura, já saboreava um vinho tinto como se fosse a bebida mais saborosa do mundo. Olhando de vez em quando de relance, percebi que era charmoso, muito bem cuidado, além dos olhos castanhos e amendoados tinha traços de pessoa fina, enfim não deixava de ser um homem muito interessante. 

Por fim começou por perguntar se a comida era boa naquele restaurante; depois se o meu marido não se importava se a esposa estivesse à mesa com outro homem, etc., etc. Respondi-lhe que estava completamente livre. O homem pareceu ter ficado mais calmo e menos tímido. De início, eu não me senti à vontade com o rumo que a conversa estava tomando, e fiquei nervosa ao perceber que algumas pessoas conhecidas estavam nos lançando olhares atravessados, imaginando não sei o quê... 

Como em cidade pequena quase todas as pessoas se conhecem, e no mínimo estavam admirados com a minha "prosa" forçada com um cavalheiro desconhecido. Contudo, depois de algumas frases trocadas fiquei mais descontraída e até fiz algumas indagações de somenos importância 

Entretanto, começamos a almoçar e ele aproveitou para me ir dizendo que era aluno de Engenharia de Máquinas, mas por vários motivos não podia terminar o curso, sendo o principal o fato de uma moça que amava e já há anos a namorava, o ter traído. 

Até parecia que se estava a confessar-se! Comecei a pensar: "Este quer cantar-me a "canção do bandido", mas comigo, vem de carrinho e para lá vai de carroça!". Sorri. O que deve ter desencorajado o meu belo interlocutor, que, delicadamente se despediu. 

Levantou-se e foi-se embora, depois de ouvir pacientemente, num gesto de amizade, eu dizer que lamentava profundamente o que havia acontecido com ele, que aquela situação poderia acontecer com qualquer pessoa e que a minha história não era muito diferente: comigo havia acontecido coisa pior porque eu tinha sido "trocada" pela minha melhor "amiga" , o que tornava a traição muito mais dolorida... 

Mas, embora eu não quisesse admitir fiquei muito decepcionada com aquela despedida apressada, que mais me parecia uma fuga. Fiquei ainda alguns minutos a pensar naquilo que tinha acontecido naquele almoço. Mas a vida tinha de continuar e eu tinha de entrar há horas no escritório. Tinha muitos processos para bater ao teclado. 

Realmente, precisava voltar ao trabalho e aceitar a minha realidade. Em cidade pequena há uma escassez muito grande de cavalheiros disponíveis e, querendo ou não, eu tinha que continuar levando a minha vidinha pacata e sem grandes perspectivas. 

Durante muitos dias ainda alimentei a secreta esperança que ele aparecesse, mas em vão. Já há muito que tinha chegado à conclusão que ele tinha uns belos olhos castanhos-escuros. Mas ele nunca mais apareceu e a minha vida foi sempre o que tinha sido até aí: emprego ? casa ? emprego ? casa. De vez em quando ia ao cinema, mas numa localidade pequena é sempre difícil arranjar divertimentos. Por vezes mergulhava-me na Internet. Mas aquele homem... Aquele homem não saía da minha cabeça... Era tão forte a presença dele no meu pensamento que parecia que eu já o conhecia há muitos anos... Era uma espécie de "namorado virtual"... " O namorado que era... Sem nunca ter sido "... 

O tempo foi passando. Eu já estava perdendo a esperança que tinha de reencontrá-lo e cada dia a mais ficava mais decepcionada comigo mesma por perder tanto tempo esperando por um milagre que, talvez nunca acontecesse. 

No outro ano, como é óbvio, o Setembro voltou. Naquele dia estava um dia esplendoroso, com muito sol e uma temperatura agradável. Estava sentada na mesma mesa, do mesmo restaurante, em que pela primeira e última vez o tinha encontrado. Pensava nele... Pensava em como seria maravilhoso se ele estivesse ali, mesmo que fosse só para mostrar os seus olhos castanhos com aquela tristeza quase indecifrável. E, de vez em quando, me perguntava como uma mulher podia trair um homem como aquele, elegante, de traços finos, cavalheiro e que, mesmo não sendo um "bonitão" , tinha uns olhos castanhos muito lindos e expressivos, apesar da tristeza que tentava ofuscar todo o seu brilho. 

E é o Destino! Tu por vezes fazes coisas maravilhosas. 

De repente, como num toque de magia, ouvi uma voz que me parecia familiar. Olhei de relance, e quase sem acreditar no que via, dialoguei imaginariamente com o meu "Destino" e o meu coração pulsou mais forte quando tive certeza de que era ele mesmo. 

Ele tinha aparecido! Entrou no restaurante e assim que me viu, dirigiu-se logo para a mesa onde eu estava sentada. Aproximou-se de mim e, como se quisesse contar um segredo, foi logo me dizendo: 

Não acredito que, um ano depois, você esteja sentada no mesmo lugar, no mesmo restaurante, e parecendo a mesma "garotinha" assustada, que eu conheci aqui, sem este sorriso lindo estampado no rosto, como agora tem. E, encostando-se a mim quase ousadamente, me perguntou tentando parecer engraçadinho.

- Por acaso tínhamos marcado alguma comemoração um ano depois do nosso primeiro encontro? 

E parecendo velhos amigos, ficamos rindo como duas crianças que apreciavam as mesmas brincadeiras. Desta vez nem pediu licença, sentou-se logo. E logo senti um enorme desejo que ele me contasse todas as "histórias de bandido que conhecesse". Que ele me conhecesse melhor. Mas ele limitou-se a contar que, por questões financeiras, tinha imigrado para o Rio de Janeiro para refazer a vida, mas que nunca me tinha esquecido. 

Eu nem podia dizer que não acreditava, porque parece que ele estava em todas as coisas bonitas que eu via, e embora eu ainda não soubesse nem o seu nome, eu não o havia esquecido em momento nenhum e, para falar a verdade estava ali quase chorando de tanta felicidade.

No final do almoço, perguntou-me se queria jantar com ele e, depois, ir ao cinema. O meu "aceito" surgiu antes de eu ter pensado. Mas não queria perde-lo novamente. 

Foi nesse dia, um ano depois, que tivemos oportunidade de revelar nossos verdadeiros nomes: Miguel e Ivone. Hoje estou aqui emocionada, sentada no mesmo lugar, do mesmo restaurante, a pensar naqueles belos olhos castanhos, que um dia me apareceram e que modificaram completamente a minha vida. 

Alguns anos passaram, mas para nós parece que o tempo não passou, porque seremos sempre eternos namorados. 

Miguel trabalha numa cidade vizinha onde moram seus pais, mas não deixa de voltar para casa todos os dias porque somos amigos inseparáveis e assim, não podemos ficar separados muito tempo porque sentimos muita falta um do outro. 

Agradecemos sempre a Deus por aquele dia de temporal em que nos conhecemos. Sou casada com ele; temos dois filhos amorosos e, para o fim do ano espero ter o terceiro. A nossa vida em comum cada dia se torna mais bonita. Temos gostos e gênios bem-parecidos e naquilo em que não combinamos, respeitamos mutuamente as nossas diferenças. Nossos filhos são Leonardo, o Leo Vitória e o terceiro e último, será João Miguel.

Ai aquele Setembro que nos conhecemos?

Fonte:
Colaboração do autor

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