quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

José A. Jacob (Poemas Escolhidos)


ALMAS PRIMAVERAIS

A tarde brinca em meu quintal sem cores
E sem saber da dor que existe em mim,
Pendura um sol no céu, colore flores
E o meu quintal então vira um jardim.

Tardes primaverais chegam assim...
Desvanecendo nossos dissabores
E nos dão esperanças e favores
A nos sorrir e a nos dizer que sim.

Como essas tardes claras de esplendor,
Que um dia esquecemo-nos de notar,
Existem almas que só dão amor.

São essas almas as criaturas boas
Que só vieram ao mundo para amar
A vida sem amor de outras pessoas.

A MÃE E A ROSEIRA

Essa roseira, sempre silenciosa,
Não teve em sua vida outros caminhos
E desde que perdeu a última rosa
Dobrou-se sob o peso dos espinhos.

E essa mãe, que ora passa esperançosa,
Amparando os seus filhos com carinhos,
Faz-me crer de uma forma tão piedosa
Que vi Nossa Senhora e os seus anjinhos.

A roseira, a chorar as suas dores,
Fica no meu canteiro, ao sol e à lua,
Descrente do milagre de outras flores.

E a mãe que passa em frente, continua...
Esquecida dos próprios dissabores
Vai beijando os seus filhos pela rua...

CASINHA DE BONECA

Um dia ela guardou os seus segredos,
Pois que sentiu que o amor ao longe vinha,
Trancou no quarto todos seus brinquedos
E o sonho da boneca e da casinha.

E foi buscar aquilo que não tinha
No alegre faz de conta dos seus dedos,
Contou tristezas e chorou sozinha,
Depois sorriu das mágoas e dos medos.

Passou o tempo e ela seguiu a sina,
E assim, com a decência que ilumina,
Também andou por aonde o mal caminha...

Quanta ternura tem essa velhinha,
Que fica no seu quarto de menina,
Brincando de boneca e de casinha!

CRENÇA

Quando firmava o azul e o sol abria
Ao dia a sua bem-aventurança,
O homem bom repartia à vizinhança
Toda espécie de estima que sentia.

E amanhecia cheio de esperança
De vir o dia, após um novo dia,
Para lhe dar apreço e cortesia
Conforme a sua ingênua confiança.

Depois curvava a fé que lhe convinha
À soleira da porta, e de tardinha
Fiava as horas, crédulo a sorrir.

E a noite o recolhia nesse afã
De estar sempre esperando esse Amanhã
E sempre esse Amanhã tardando a vir...

DESESPERANÇA

Eu conservo comigo, desde criança,
E trago no meu rosto sorridente,
A crença conformada da confiança
Que carrego na vida para frente.

Meu pai deu-me um sorriso por herança,
E eu fui, como o bom filho obediente,
Seguindo ruas, conhecendo gente,
Cheio de ingenuidade e de esperança!

Deixei abraços, saudações e avisos,
E em vez de deparar rostos serenos
Só encontrei olhares indecisos.

Não recebi de volta os meus sorrisos,
E nem os meus abraços: nem ao menos
Alguém retribuiu os meus acenos...

DESPERCEBIMENTO

Dentro dos seus sapatos desbotados
Ele saiu de casa e foi distante;
E foi além da conta: andou bastante,
Até achar caminhos nunca achados.

Esse homem, descontente e itinerante,
Não deu adeus quando se foi aos lados,
Deixou atrás de si rostos molhados
E colocou a Sorte vida adiante.

Depois voltou trazendo na memória
O que o Mundo não lhe pode servir;
E entrando em sua casa, ó Sorte inglória!

Nenhum sorriso amado viu sorrir:
Chamou, cantou, chorou, contou história,
Mas ninguém quis saber e nem ouvir...

HISTÓRIA SEM FINAL

Abro o caderno onde escrevi outrora
As minhas ilusões de amor e rima
E o que esses versos me dirão agora
Se já não tenho crença e nem estima?

Procuro uma palavra que me exprima
Um pensamento bom, que não se aflora,
E quando a luz da idéia se aproxima
A sombra da esperança vai embora.

Meus frágeis versos, vítimas de mim,
Leguei-lhes toda herança do meu mal
Em pobres frases vãs e inacabadas.

Serão eternos por não terem fim
E viverão nas páginas fechadas
Do meu livro de história sem final.

O VENDEDOR DE BONEQUINHOS

De manhãzinha à beira da calçada
Todo dia uma corda eu estendia
E pendurava nela uma braçada
De bonequinhos feios que eu vendia.

Eram polichinelos que eu fazia
De trança de algodão, à mão desfiada…
No pano das feições não conseguia
Puxar-lhes traços de melhor fachada.

Ao desbotar o azul no fim do dia,
Quando eu os desatava dos alinhos,
Desse varal de cordeação brilhante,

Esses desengonçados bonequinhos
Desciam-me nas mãos com alegria
E me davam abraços de barbante!

PORTA-RETRATOS

Vivemos em distâncias sem medida,
Depois do agora existe o além do após,
As horas estão sempre de partida
E nada volta inteiro para nós.

O Amanhã é uma crença indefinida,
(Não há ninguém que escute a mesma voz?)
O Tempo passa os dias com a Vida
A nos fazer de filhos, pais e avós...

Por isto flerto os seus olhos abstratos,
Que me espreitam da estampa do papel
Pelos vitrais do seu porta-retratos...

Preciso ir ao infinito lhe encontrar!
Vou entrar nestes olhos para o céu
E nunca mais voltar do seu olhar!

SONETO PARA O POETA TRISTE

Nessas horas de folga e de doçura,
Que passo o tempo a ler meu poeta triste,
Eu sinto o quanto a sua idéia apura
E o espírito de luz que nela existe.

O meu poeta que é doloroso insiste
Compor num poema de elegância pura
As dores que a minha alma não resiste
E eu sinto pena dele com ternura.

Fecho o livro e me ponho a caminhar
Pelo parque sem cor, e as horas morrem,
E outros soluços sobem-me no olhar.

E quando passo sobre o açude, as águas,
Que dos meus olhos lentamente escorrem
Entornam lá no lago as minhas mágoas.

VELHO ÓRFÃO

Desde cedo esperei o que não vinha
E a minha vida foi perdendo o prazo:
Fui vendo a minha sombra mais sozinha
E o meu destino cada vez mais raso.

Enquanto andei do quarto até a cozinha,
Pesou-me o passo e me causou atraso,
Desfolharam-se os dias na folhinha
E o tempo foi morrendo em meu ocaso.

Súbitos longos anos tão estreitos,
Sinto vê-los perdidos sem proveitos,
E sem proveitos não me presto mais...

Eu sou aquele velho desolado,
Que vive a andar atrás do seu passado,

Como a criança órfã que procura os pais.

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