A AERONAVE
Cindindo
a vastidão do Azul profundo,
Sulcando
o espaço, devassando a terra,
A
Aeronave que um mistério encerra
Vai
pelo espaço acompanhando o mundo.
E
na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la
embalada n'amplidão dos ares,
Fitando
o abismo sepulcral dos mares
Vencendo
o azul que ante si s'erguera.
Voa,
se eleva em busca do Infinito,
É
como um despertar de estranho mito,
Auroreando
a humana consciência.
Cheia
da luz do cintilar de um astro,
Deixa
ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.
A ESMOLA DE DULCE
E
todo o dia eu vou como um perdido
De
dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir
a Dulce, a minha bem amada
A
esmola dum carinho apetecido.
E
ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E
eu balbucio trêmula balada:
-
Senhora dai-me u'a esmola - e estertorada
A
minha voz soluça num gemido.
Morre-me
a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendendo
à Dulce a mão, a fé perdida,
E
dos lábios de Dulce cai um beijo.
Depois,
como este beijo me consola!
Bendita
seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
A FLORESTA
Em
vão com o mundo da floresta privas!.
-
Todas as hermenêuticas sondagens,
Ante
o hieróglifo e o enigma das folhagens,
São
absolutamente negativas!
Araucárias,
traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos
de álamos selvagens,
Como
um convite para estranhas viagens,
Tornam
todas as almas pensativas!
Há
uma força vencida nesse mundo!
Todo
o organismo florestal profundo
E
dor viva, trancada num disfarce...
Vivem
só, nele, os elementos broncos,
As
ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
IDEIA
De
onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem
essa luz que sobre as nebulosas
Cai
de incógnitas criptas misteriosas
Como
as estalactites duma gruta?!
Vem
da psicogenética e alta luta
Do
feixe de moléculas nervosas,
Que,
em desintegrações maravilhosas,
Delibera,
e depois, quer e executa!
Vem
do encéfalo absconso que a constringe,
Chega
em seguida às cordas da laringe,
Tísica,
tênue, mínima, raquítica ...
Quebra
a força centrípeta que a amarra,
Mas,
de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica.
À MESA
Cedo
à sofreguidão do estômago. É a hora
De
comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando
a ensanguentada presa,
Rodeado
pelas moscas repugnantes,
Para
comer meus próprios semelhantes
Eis-me
sentado à mesa!
Como
porções de carne morta... Ai! Como
Os
que, como eu, têm carne, com este assomo
Que
a espécie humana em comer carne tem!...
Como!
E pois que a Razão me não reprime,
Possa
a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.
A UM MASCARADO
Rasga
essa máscara ótima de seda
E
atira-a á arca ancestral dos palimpsestos..
É
noite, e, á noite, a escândalos e incestos
É
natural que o instinto humano aceda!
Sem
que te arranquem da garganta queda
A
interjeição danada dos protestos,
Hás
de engolir, igual a um porco, os restos
Duma
comida horrivelmente azeda!
A
sucessão de hebdômadas medonhas
Reduzirá
os mundos que tu sonhas
Ao
microcosmos do ovo primitivo...
E
tu mesmo, após a árdua e atra refrega,
Terás
somente uma vontade cega
E uma tendência obscura de ser vivo!
AMOR E RELIGIÃO
Conheci-o:
era um padre, um desses santos
Sacerdotes
da Fé de crença pura,
Da
sua fala na eternal doçura
Falava
o coração. Quantos, oh! Quantos
Ouviram
dele frases de candura
Que
d'infelizes enxugavam prantos!
E
como alegres não ficaram tantos
Corações
sem prazer e sem ventura!
No
entanto dizem que este padre amara.
Morrera
um dia desvairado, estulto,
Su'alma
livre para o céu se alara.
E
Deus lhe disse: "És duas vezes santo,
Pois
se da Religião fizeste culto,
Foste do amor o mártir sacrossanto".
CÍTARA MÍSTICA
Cantas...
E eu ouço etérea cavatina!
Há
nos teus lábios - dois sangrentos círios -
A
gêmea florescência de dois lírios
Entrelaçados
numa unção divina.
Como
o santo levita dos Martírios,
Rendo
piedosa dúlia peregrina
À
tua doce voz que me fascina,
-
Harpa virgem brandindo mil delírios!
Quedo-me
aos poucos, penseroso e pasmo,
E
a Noite afeia corno num sarcasmo
E
agora a sombra vesperal morreu...
Chegou
a Noite... E para mim, meu anjo,
Teu
canto agora é um salmodiar de arcanjo,
É a música de Deus que vem do Céu!
CONTRASTES
A
antítese do novo e do obsoleto,
O
Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina,
O
que o homem ama e o que o homem abomina,
Tudo
convém para o homem ser completo!
O
ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto,
Uma
feição humana e outra divina
São
como a eximenina e a endimenina
Que
servem ambas para o mesmo feto!
Eu
sei tudo isto mais do que o Eclesiastes!
Por
justaposição destes contrastes,
Junta-se
um hemisfério a outro hemisfério,
Às
alegrias juntam-se as tristezas,
E
o carpinteiro que fabrica as mesas
Faz também os caixões do cemitério!...
CRAVO DE NOIVA
Cravo
de noiva. A nívea cor de cera
Que
o seu seio branqueja, é como os prantos
Níveos,
que a virgem chora, entre os encantos
Dum
noivado risonho em primavera.
Flor
de mistérios d'alma, sacrossantos,
Guarda
segredos divinais que eu dera
Duas
vidas, se duas eu tivera
Pra
desvendar os seus segredos santos.
E
tudo quer que nessa flor se enleve
O
poeta. E que dessa concha armínea,
Da
lactescência angélica da neve,
Se
evolam castos, virginais aromas
De
essência estranha; olências de virgínea
Carne fremindo num langor de pomas.
DEBAIXO DO TAMARINDO
No
tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como
uma vela fúnebre de cera,
Chorei
bilhões de vezes com a canseira
De
inexorabilissimos trabalhos!
Hoje,
esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda,
como uma caixa derradeira,
O
passado da Flora Brasileira
E
a paleontologia dos Carvalhos!
Quando
pararem todos os relógios
De
minha vida e a voz dos necrológios
Gritar
nos noticiários que eu morri,
Voltando
à pátria da homogeneidade,
Abraçada
com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!
MÁGOAS
Quando
nasci, num mês de tantas flores,
Todas
murcharam, tristes, langorosas,
Tristes
fanaram redolentes rosas,
Morreram
todas, todas sem olores.
Mais
tarde da existência nos verdores
Da
infância nunca tive as venturosas
Alegrias
que passam bonançosas,
Oh!
Minha infância nunca tive flores!
Volvendo
à quadra azul da mocidade,
Minh'alma
levo aflita à Eternidade,
Quando
a morte matar meus dissabores.
Cansado
de chorar pelas estradas,
Exausto
de pisar mágoas pisadas,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!
NOIVADO
Os
namorados ternos suspiravam,
Quando
há de ser o venturoso dia?!
Quando
há de ser?! O noivo então dizia
E
a noiva e ambos d'amores s'embriagavam.
E
a mesma frase o noivo repetia;
Fora
no campo pássaros trinavam.
Quando
há de ser?! E os pássaros falavam,
Há
de chegar, a brisa respondia.
Vinha
rompendo a aurora majestosa,
Dos
rouxinóis ao sonoroso harpejo
E
a luz do sol vibrava esplendorosa.
Chegara
enfim o dia desejado,
Ambos
unidos, soluçara um beijo,
Era o supremo beijo de noivado!
O LAMENTO DAS COISAS
Triste,
a escutar, pancada por pancada,
A
sucessividade dos segundos,
Ouço,
em sons subterrâneos, do Orbe oriundos
O
choro da Energia abandonada!
E
a dor da Força desaproveitada
-
O cantochão dos dínamos profundos,
Que,
podendo mover milhões de mundos,
Jazem
ainda na estática do Nada!
É
o soluço da forma ainda imprecisa...
Da
transcendência que se não realiza.
Da
luz que não chegou a ser lampejo...
E
é em suma, o subconsciente aí formidando
Da
Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!
O MAR
O
mar é triste como um cemitério;
Cada
rocha é uma eterna sepultura
Banhada
pela imácula brancura
De
ondas chorando num alvor etéreo.
Ah!
dessas vagas no bramir funéreo
Jamais
vibrou a sinfonia pura
Do
Amor; lá, só descanta, dentre a escura
Treva
do oceano, a voz do meu saltério!
Quando
a cândida espuma dessas vagas,
Banhando
a fria solidão das fragas,
Onde
a quebrar-se tão fugaz se esfuma,
Reflete
a luz do sol que já não arde,
Treme
na treva a púrpura da tarde,
Chora a Saudade envolta nesta espuma!
Chora a Saudade envolta nesta espuma!
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