segunda-feira, 28 de maio de 2012

Graciliano Ramos (Caetés)


 Primeiro romance de Graciliano Ramos, Caetés dá a impressão, quanto ao estilo e análise, de deliberado preâmbulo; um exercício de técnica literária mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros posteriores. Publicado em pleno surto nordestino (1933), contrasta com os livros talentosos e apressados de então pelo cuidado da escrita e o equilíbrio do plano. Dá idéia de temporão, de livro nascido aos dez meses, espiritualmente vinculado ao galho já cedido do pós-naturalismo, cujo medíocre fastígio foi depois de Machado de Assis e antes de 1930. Nele, vemos aplicadas as melhores receitas da ficção realista tradicional, quer na estrutura literária, quer na concepção da vida.

 Graciliano foi mais regionalista - ou provincianista - neste romance.

 O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o Autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656)) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival.

 Neste romance, é forçosa a aproximação entre Graciliano Ramos e Eça de Queiros, nas notações irônicas sobre o meio provinciano de Palmeiras dos Índios, cidade alagoana da qual Graciliano foi prefeito.

Foco narrativo

 Narrado em primeira pessoa, por João Valério. 

Ação / Espaço

 A ação desenvolve-se em Palmeira dos Índios.

Temática

Caetés tem uma riqueza temática que poucos romances brasileiros de seu tempo têm. Note-se, nesse sentido, que a figura de João Valério representa a problematização, em alto grau de complexidade, do ambíguo papel do intelectual naquele momento em que o país passava por fortes transformações. Alguns críticos viram um sinal de grandeza de caráter nas inclinações intelectuais desse medíocre guarda-livros que colabora no jornal editado pelo padre da cidade e que durante cinco anos luta para concluir um romance sobre os índios caetés sem nunca conseguir sair do segundo capítulo.

Enredo

 João Valério, o personagem principal, introvertido e fantasioso, apaixona-se por Luisa, mulher de Adrião, dono da firma comercial, onde trabalha. O caso amoroso é denunciado por uma carta anônima, levando o marido traido ao suicídio. Arrependido, e arrefecidos os sentimentos, João Valério afasta-se de Luisa, continuando, porém como sócio da firma. O título do livro, Caetés, é a aproximação que faz o autor com selvagem caeté, devorando o Bispo Sardinha (1602-1656) numa correspondência simbólica com a antropofagia de João Valério "devorando" Adrião, o rival. João Valério, é ao mesmo tempo, homem e selvagem: "Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de civilização, outras raças, outros costumes. É eu disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente o que se passa na minha com algumas diferenças."

 A atmosfera geral do livro se liga também à lição pós-naturalista, onde encontramos a celebração dos aspectos mais banais e intencionalmente anti- heróicos do quotidiano. A intenção do autor parece ter sido horizontalizar ao máximo a vida dos personagens, as relações que mantém uns com os outros. Exceto o narrador, João Valério, os demais são delineados por meio de aspectos exteriores, em que se vão progressivamente revelando. O autor não apenas procura conhecê-los através do comportamento, como se revela amador pitoresco da morfologia corporal, definindo-lhe o modo de ser em ligação estreita às características somáticas: fisionomia, tiques, mãos, papada de um olho esbugalhado de outro, barbicha de um terceiro. Apresenta-os por esta edição de pequenos sinais externos, completando-os aos poucos no decorrer do livro, não sem alguma confusão, que requer esforço do leitor para identificar os nomes chamados à baila. E assim vemos de que modo a minúcia descritiva do naturalismo colide neste livro com uma qualidade que se tornará clara nas obras posteriores: a discrição e a tendência à elipse psicológica, cujo correlativo formal é a contenção e a síntese do estilo. "Com a pena irresoluta, muito tempo contemplei destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio, idealizara um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles. E outro: dezoito linhas de letra espichada, com emendas." A vocação para a brevidade e o essencial aparece aqui na busca do efeito máximo por meio dos recursos mínimos, que terá em São Bernardo a expressão mais alta. E se Caetés ainda não tem a sua prosa áspera, já possui sem dúvida a parcimônia de vocábulos, a brevidade dos períodos, devidos à busca do necessário, ao desencanto seco e humor algo cortante, que se reúnem para definir o perfil literário do autor.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 562)


Uma Trova de Ademar  

O estupro é forma indevida 
de dar ou fazer amor... 
Ele transforma uma vida 
numa gestação de dor! 
ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

Beleza é ter a prudência 
de uma vida pura e calma, 
onde a nossa consciência 
não cria rugas na alma! 
–DILVA MORAES/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Jamais eu me recusei
a confessar meu pecado,
a vida toda eu amei,
jamais me senti amado.
–WELLINGTON FREITAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012 > Concepción/CHILE 
Tema > IDENTIDADE > M/H 

Mesmo em trovas mais dispersas,
por laços universais,
identidades diversas
congregam sonhos iguais. 
–WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

– Quem deve paga! – berrava 
Herodes com seu poder. 
Dias depois, se enganava: 
Jesus pagou sem dever! 
–RENÊ BITTENCOURT/RJ– 

Uma Poesia  

Essa saudade que sinto
parece espinho de palma,
de manhã me fura o peito
de tarde me tira a calma;
de noite é pelo encravado
coçando dentro da alma!!! 
–HÉLIO CRISANTO/RN– 

Soneto do Dia  

O Beijo de Jesus. 
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG– 

Eu era criança, mas já percebia, 
O pouco pão que havia em nossa mesa 
E a aparência acanhada da pobreza 
Que tinha a nossa casa tão vazia. 

De noite, antes do sono, uma certeza: 
A minha mãe rezava a Ave-Maria! 
E ao terminar a prece eu sempre via 
No seu olhar uma esperança acesa. 

Após a reza desligava a luz, 
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta 
Que adormecia perto de Jesus. 

Depois que ela dormia (isso que encanta) 
Nosso Senhor descia ali da cruz 
Para beijar a sua face santa...

João Anzanello Carrascoza (Apenas uma Ponte)

Ilustração: Milton Trajano
Chegara, enfim, o último dia de aula. Havia sido uma longa  trajetória até ali. Mas, agora, o professor observava com  ternura os alunos à sua frente, cada um voltado para seu  caderno, fazendo a lição que colocaria ponto final no ano  letivo. Então, agarrado à calmaria daquela hora, ele se  recordou do primeiro encontro com o grupo. Todos o miravam com  curiosidade, ansiosos por apanhar, como uma fruta, o  conhecimento que imaginavam lhe pertencia. Nem tinham idéia de  que aprenderiam por si mesmos, e que ele, mestre, não era a  árvore da sabedoria, mas apenas uma ponte que os levaria à sua  copa frondosa. Naquele dia, experimentara outra vez a emoção de  se deparar com uma nova turma, e o que o motivava a ensinar,  com tanta generosidade, era justamente o desafio de enfrentar  esse mistério. Sim, uma ponte. Uma ponte por onde transitassem os sonhos daquelas crianças, o movimento incessante de seus  desejos, o ir e vir de suas dúvidas, o vaivém do aprendizado em  constante algaravia. 

 Lembrou-se da dificuldade da Julinha nas operações de  multiplicar. O resultado correto era um território que ela nem  sempre conseguia atingir. Mas, agora, a garota estava lá,  segura da direção que deveria tomar. Ele fizera a ponte. O que  dizer da distância entre o José e o Augusto no início do ano,  ambos se temendo em silêncio, deixando de desfrutar da aventura  de uma grande amizade? Com paciência, ele os unira. Desde  então, não se desgrudavam. Podia vê-los dali, de sua mesa, um  ao lado do outro, concentrados em fazer a tarefa. Já a Maria  Sílvia, dona de uma letra redondinha, ainda há pouco lhe dera  um sorriso. Antes, contudo, vivia irritada, a letra sem apuro,  só garranchos. Fizera a ponte para ela. Mateus, à sua frente,  detestava Ciências e fugia das aulas no laboratório. Talvez porque só via dificuldade na travessia e não as maravilhas que o esperavam no outro extremo. O professor estendera-lhe a mão e o conduzira, até que, subitamente, ele se tornara o melhor aluno naquela matéria. Tinha também a Alessandra, tão silenciosa e tímida. Ia bem nos primeiros meses e, depois, o rendimento caíra. Ele descobrira que os pais dela viviam em conflito. Alertara-os para que dessem mais afeto à filha, e eis que ela florescera, voltando a ser uma boa aluna. 

 E lá estava, nas últimas fileiras, o Luís Fábio. Notara suas limitações e construíra uma ponte especial para ele, mas o menino não conseguira atravessá-la. Era assim: para alguns, bastavam uns passos; para outros, o percurso se encompridava. O professor suspirou. Fizera o seu melhor. Lembrou-se das palavras de Guimarães Rosa: "Ensinar é, de repente, aprender". 

 Sim, aprendera muito com seus alunos. Inclusive aprendera sobre si mesmo. Aquelas crianças haviam, igualmente, ligado pontos em sua vida. Agora, seguiriam novos rumos. Haveriam de encontrar outras pontes para superar os abismos do caminho. Ele permaneceria ali, pronto para levar uma nova classe até a outra margem. E o tempo, como um viaduto, haveria de conduzi-lo à emoção desse novo mistério.

Fonte:

Josafá Sobreira da Silva (Desabafo…)


Josafá é do Rio de Janeiro
3.Lugar no Concurso de Poesia Carlos Cezar

A minha paz, a paz que eu tinha, onde transita?
 Quisera tê-la a consolar minha alma aflita!
 Quisera achá-la, uma vez mais, em meu viver!
 Já tive dias tão alegres... tão festivos...
 já fui, talvez, o mais feliz dos seres vivos...
 quando não tinha um só desgosto a me abater!

 A paz, saudosa de outras trilhas mais bonitas,
 em que eu sorria e até zombava das desditas,
 buscou, quem sabe, transitar nesses caminhos...
 E eu me entristeço, vendo a paz retroceder,
 porque sem paz, não há deleite nem prazer,
 já que, sem ela, todos nós somos sozinhos!

 Eu a imagino recolhida ao meu passado,
 por desajuste à minha inércia... ao meu enfado,
 em que envolvia grande parte dos meus dias...
 É que a violência tomou conta da cidade
 e me roubou a sensação de liberdade:
 eu tive medo até das minhas companhias!

 Ah! Se, de novo, eu caminhasse, como outrora,
 sobre uma estrada enluarada, a qualquer hora,
 sentindo a paz, que já fugiu de tantas vidas;
 sorvendo o aroma que trescala a flor noturna,
 sem exibir minha aparência taciturna,
 de mente enferma, a imaginar balas perdidas!...

 Ah! Se o Bom Deus me libertasse do meu mundo,
 onde, sem paz, o ser humano, moribundo,
 a cada dia mais se avilta e se desfaz!...
 Como seria bela e nobre a minha vida,
 se cada rua à paz servisse de avenida...
 se tão somente eu transitasse em plena paz...

 Por não ter paz, transito por caminho tenso
 e, a cada passo, desgostoso, eu me convenço
 que nunca mais verei meus dias mais risonhos!
 E, numa angústia que parece não ter fim,
 a paz que eu tinha até já trama contra mim,
 quando incendeia o lindo bosque dos meus sonhos!...

Fonte:
http://caeseubt.blogspot.com.br/

Januária Alves (Minha Chupeta Virou Estrela)

Ilustração por Ionit Zilberman
Eu me chamo Pedro e tenho 7 anos. Eu tenho uma estrela, sabe?

 Uma estrelona, linda, que está lá no céu, brilhando, todos os dias.

Quando eu tinha 3 anos, para salvar meu dente da frente que ficou mole porque eu caí de boca brincando na gangorra da escola, minha dentista me disse que... EU TERIA QUE PARAR DE USAR A MINHA QUERIDA CHUPETA VERDE!

 - A chupeta ou o dente! - ela me mandou escolher.

 Bom, eu nem quis ouvir direito essa proposta tão maluca! A doutora Virgínia e a minha mãe tentaram conversar comigo, explicar por que era importante eu não perder um dente tão cedo e... nada. Eu só olhava com o olho mais comprido do mundo para a chupeta verde, minha companheira do sono mais gostoso do mundo! Como dormir sem ela?

 Na primeira noite em que fiquei sem a minha querida chupeta, só lembro de sentir o cheiro da minha mãe, que me carregou no colo enquanto papai dirigia nosso carro, passeando em frente ao meu parque preferido pra ver se eu enfim conseguia pegar no sono...

 No dia seguinte fui com minha mãe e meu irmão ao parque e levei pão para dar aos patos que moram num lago bem bonito que tem lá. Um pato maior e mais cinza que os outros me chamou a atenção. Ele veio várias vezes comer pão na minha mão e eu gostei dele. Parecia o patinho feio da história que meu pai sempre contava antes de eu dormir.

 Mamãe chegou perto de nós e disse que aquele era mesmo um pato especial. Ele costumava tomar conta das chupetas de alguns meninos. E fazia isso muito bem: ele transformava todas em estrelas! Superlegal!

 Pus o nome naquele pato de Pato Pão. Eu não queria perder nem o meu dente nem a minha chupeta... Talvez o Pato Pão fosse a soluçãopara o meu problema! Então... resolvi dar a minha chupeta verde para ele. Ele pegou minha chupeta verde com o bico e atirou longe, no lago. Eu fiquei olhando para ela boiando, boiando... até desaparecer... Na hora de entregar a minha chupeta verde, mesmo para um pato tão especial como o Pato Pão, eu segurei bem forte a mão da minha mãe e a do meu irmão!

 Enquanto a minha chupeta verde ia embora no lago, pensei que naquela noite ela não ia estar embaixo do meu travesseiro. Eu teria que ir até a janela se quisesse dar uma espiada nela.

 Quando a noite apareceu, meu pai chegou do trabalho e se deitou na cama comigo, olhando pro céu, procurando a minha estrela-chupeta verde. Eu vi primeiro e nós dois batemos palmas pra ela! Aí eu só me lembro de adormecer com aquele brilho de estrela no meu olho e a sensação do abraço enorme do meu pai.

 Todas as vezes em que penso na minha chupeta, olho pro céu, procurando a estrela-chupeta verde. Agora, a saudade, em vez de crescer como eu, fica menor a cada noite. Deve ser porque meninos grandes gostam mais de estrelas no céu do que de chupetas, eu acho.

Fonte:
Revista Nova Escola

Carlos Drummond de Andrade (A Menininha e o Gerente)


        - Não, paizinho, não! Quero ir com você!

        - Mas meu bem, não posso levar você lá. O lugar não  é  próprio. Não vou demorar nada, só dez minutos. Seja boazinha, fique me  esperando aqui.

        - Não, não!- a garotinha soluçava. Agarrou-se a  calça  do  pai como quem se agarra a uma prancha no mar. Ele insistia:

        - Que bobagem, uma  menina  de  sua  idade  fazendo  um  papelão desses.

        - Você não volta!

        - Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.

        Prometendo, ele passeava  o  olhar  pela  rua,  impaciente.  Ela baixara a cabeça, chorando. Estavam diante  da  papelaria.  O  gerente assistia à cena. O homem aproximou-se dele:

        - Faz-me o obséquio de tomar conta de  minha  filha  por  alguns instantes? Vou a um lugar desagradável, não posso levá-la comigo.

        - Mas...

        - Quinze minutos no máximo. É ali adiante. Muito obrigado, bem?

        E sumiu. A garotinha continuava de olhos baixos, imóvel, o dorso da mão esquerda junto à boca. O gerente passou-lhe a mão nos cabelos, de leve.

        - Vem cá.

        Ela não se mexeu.

        - Como é que você se chama? Carmen? Luísa? Marlene?

        Como  não  respondesse,  o  gerente  foi  desfiando  nomes,  sem esperança de acertar. Mas ao dizer "Estela",  a  cabecinha  moveu-se, confirmando.

        - Estela, você sabe que está com um vestido muito bonito?

        Estela tirou a mão dos olhos, examinou o próprio vestido e não disse nada.

        Mas o gelo fora rompido. Daí a pouco o  gerente  mostrava-lhe  a caixa registradora e autorizava-a a marcar uma venda de 200 cruzeiros.

        - Olha um gatinho. Ele mora aqui?

        - Mora.

        - E que é que ele come?

        - Papel.

        - Mentiroso!

        - Então pergunte a ele.

        O gato acordou, deixou-se afagar e tornou a  dormir,  desta  vez nos braços de Estela.

        O gerente olhou o relógio; tinham se passado quinze  minutos,  o homem não aparecia. "Bonito se ele não vier mais. Que vou fazer com esta garotinha, na hora de fechar?"

        Tentou lembrar o rosto do desconhecido; impossível.  Já  pensava em telefonar para a polícia, quando Estela o puxou pela perna:

        - Além da máquina e do gatinho, você não tem mais nada  para  me mostrar?

        Ele abarcou com a vista a loja  toda  e  sentiu-a  mal  sortida, pobre. "Eu devia ter aberto uma loja de  brinquedos,  pelo  menos  um bazar." Experimentou com Estela o apontador de lápis, o grampeador. E  o homem não vinha. É, não vem mais. Estela andava de um lado  para  outro, dona do negócio. Ele, inquieto.

        - Não mexa nas gavetas, filhinha.

        - Não sou sua filhinha.

        - Desculpe.

        - Desculpo se você deixar eu abrir.

        - Então deixo.

        Dentro havia balões, estrelinhas, saldo do último Natal.  E  ele que não se lembrava daquilo. Estela riu de sua ignorância, e  o  homem não vinha. O movimento de fregueses declinava. Na calçada, as  filas  de lotação iam crescendo. Daí a pouco, a noite.

        Estela soprou um balão, outro, quis soprar dois ao mesmo  tempo. Um estourou. Ela assustou-se. Ele riu.

        "Se o homem não aparecesse mais, que bom! Aliás a cara dele  era de calhorda. Ainda bem que me escolheu." Levaria  Estela  para  casa,  a mulher  não  ia  estranhar,  fariam  dela  uma  filha -  a  filha   que praticamente não tinham mais, pois casara e morava longe, no Peru. E  se o pai reclamasse depois? Ora, quem entrega sua filha a um estranho,  diz que vai demorar quinze minutos, passa uma hora e não volta,  merece  ter filha?

        O empregado arniava a cortina de aço quando  apareceram  duas pernas, um tronco inclinado, uma cabeça.

        - Dá licença? Demorei mais do que  pensava,  desculpe.  Muito obrigado ao senhor. Vamos, filhinha.

        O gerente virou o rosto, para não ver,  mas  chegou  até  ele  a despedida de Estela:

        - Até-logo, homem do balão!

        E a filha ficou mais longe ainda, no Peru.

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

Casa do Poeta de Canoas (Lançamento da V Coletânea)



CASA DO POETA DE CANOAS
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domingo, 27 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 561)


Uma Trova de Ademar 

O inverno transforma vidas 
e põe um verde lençol 
para cobrir as feridas 
das queimaduras do sol... 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional 

Desculpe, Amor, se me atraso 
na volta ao lar... Acontece 
que eu me perco, olhando o ocaso, 
enquanto o sol adormece!!! 
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ– 

Uma Trova Potiguar 

No instante em que o sol enfada 
de tanto aquecer a terra, 
deita a cabeça dourada 
no travesseiro da terra. 
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN– 

Uma Trova Premiada 

2006 > Balneário Camboriú/SC 
Tema > LUA > M/H 

Num arroubo apaixonado,
antes que a lua desponte,
o sol pinta de dourado
as paredes do horizonte...
–IZO GOLDMAN/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram 

Entre o homem e a natureza, 
há contrastes sem medida: 
o pôr-do-sol – que beleza! 
Que tristeza o pôr-da-vida... 
–COLBERT RANGEL COELHO/MG– 

Uma Poesia 

Quando é noite, a lua cheia
vem surgindo no horizonte,
e logo depois que o sol 
se deita por trás do monte,
envolto nessa penumbra,
a minha alma se deslumbra
bebendo versos na fonte. 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Soneto do Dia 

Nós 
–GUILHERME DE ALMEIDA/SP– 

Quando as folhas caírem nos caminhos,
ao sentimentalismo do sol poente,
nós dois iremos vagarosamente,
de braços dados, como dois velhinhos...

E que dirá de nós toda essa gente,
quando passarmos mudos e juntinhos?
–" Como se amaram esses coitadinhos!
Como ela vai, como ele vai contente!"

E por onde eu passar e tu passares,
hão de seguir-nos todos os olhares
e debruçar-se as flores nos barrancos...

E por nós, na tristeza do sol posto,
hão de falar as rugas do meu rosto...
Hão de falar os teus cabelos brancos... 

sábado, 26 de maio de 2012

Carlos Drummond de Andrade (Edifício Esplendor)


I

Na areia da praia
Oscar risca o projeto.
Salta o edifício
da areia da praia

No cimento, nem traço
da pena dos homens.
As famílias se fecham
em células estanques.

O elevador sem ternura
expele, absorve
num ranger monótono
substância humana.

Entretanto há muito
se acabaram os homens
ficaram apenas 
tristes moradores.

II

A vida secreta da chave.
Os corpos se unem e
bruscamente se separam.

O copo de uísque  e o blue
destilam ópios de emergência.
Há um retrato na parede,
um espinho no coração
uma fruta sobre  o piano
e um vento marítimo com cheiro 
de peixe, tristeza, viagens...
Era bom amar, desamar,
morder, uivar, desesperar
era bom mentir e sofrer
Que importa a chuva no mar?
a chuva no mundo? o fogo?
Os pés andando, que importa?
Os móveis riam, vinha a noite,
o mundo murchava e brotava
a cada espiral de abraço.

E vinha mesmo, sub-reptício,
em momentos de carne lassa,
certo remorso de Goiás.
Goiás, a extinta pureza...

O retrato cofiava o bigode.

III

Oh que saudades não tenho
de minha casa paterna.
Era lenta, calma, branca,
tinha vastos corredores
e nas suas trintas portas
trinta crioulas sorrindo,
talvez nuas, não me lembro.

E tinha também fantasmas,
mortos sem extrema-unção,
anjos da guarda, bodoques
e grandes tachos de doce
e grandes cismas de amor,
como depois descobrimos.

Chora, retrato, chora.
Vai crescer a tua barba
neste medonho edifício
de onde surge tua infância
como um copo de veneno.

IV

As complicadas instalações do gás,
úteis para suicídio,
o terraço onde as camisas tremem,
também convite à morte,
o pavor do caixão
em pé  no elevador,
O estupendo banheiro
de mil cores árabes,
onde o corpo esmorece
na lascívia frouxa
da dissolução prévia.
Ah, o corpo, meu corpo,
que será do corpo?
Meu único corpo,
aquele que eu fiz
de leite, de ar,
de água, de carne,
que eu vesti de negro,
de branco, de bege,
cobri com chapéu,
calcei com borracha,
cerquei de defesas,
embalei, tratei?
Meu coitado corpo
tão desamparado
entre nuvens, ventos,
neste aéreo living!

V

Os tapetes envelheciam
pisados por outros pés.

Do cassino subiam músicas
e até o rumor de fichas.

Nas cortinas, de madrugada,
a brisa pousava. Doce.

A vida jogada fora
voltava pelas janelas.

Meu pai, meu avô, Alberto...
Todos os mortos presentes.

Já não acendem a luz
com suas mãos entrevadas.

Fumar ou beber: proibido
Os mortos olham e calam-se.

O retrato descoloria-se,
era superfície neutra.

As dívidas amontoavam-se.
A chuva caiu vinte anos.

Surgiram costumes loucos
e mesmo outros sentimentos.

Que século, meu Deus! Diziam os ratos.
E começavam a roer o edifício.

Hermoclydes S. Franco (Trovas Premiadas em São Paulo)

Selo Pavilhão do Trovador Hermoclydes S. Franco
PAZ/1987             

O meu sonho é folha morta
                                     Que a ventania desfaz,
                                     No inverno, que desconforta,
                                     Das minhas noites sem paz!...

PORTO/1990        

Sou como um velho veleiro,
                                     Velas rotas, mastro torto,
                                     Que um destino aventureiro
                                     Não deixa parar no porto!...

MAR/1995            

Galera envolta em espumas,
                                      Navega a lua, no céu,
                                      Num mar de nuvens e brumas,
                                      Pescando estrelas ao léu!...

IDADE/1996         

O grau de felicidade
                                      Que tenho e me faz risonho,
                                      Resulta da minha idade
                                      Ter a idade do meu sonho!

SANTO/1996        

Não há na História senão
                                       Um poder discricionário
                                       Que prende quem rouba um pão
                                       E leva um santo ao Calvário!...

DÚVIDA/1998      

Vacila o meu coração,
                                       Na dúvida mais intensa,
                                       Entre seguir a razão
                                       Ou fazer o que êle pensa...

UM RÍTMO MUSICAL NA TROVA/1999

Um samba juntou-se, um dia,
A uma valsa de emoção...
Dessa união nasceria
O som do samba-canção!...         

CICATRIZ/2003      

O que dói em meu desgosto,
                                       Que me rouba a paz e a calma,
                                       Não são as marcas no rosto,
                                       São as cicatrizes na alma!...


PRATA/2003             

Das emoções a mais grata,
                                     Que vale por um tesouro,
                                     É ver coroada em prata
                                     Trajetória escrita em ouro!...

TRABALHO/2004     

Com talhadeira e martelo,
                                      Finas madeiras entalho...
                                      E esse trabalho é tão belo
                                      Que já nem sei se é trabalho!...

VIDA/2006          

Na vida, eterna procura,
                                     Buscando a felicidade.
                                     Faltou-me, sempre, em ventura
                                     O que sobrou em saudade! ...

FESTA/2008       

Dupla festa preconizo
                                     Para as noites de luar:
                                     A festa do teu sorriso.
                                     Na festa do meu olhar!...

FEITIÇO/2010    

Noel, em tarde tranqüila,
                                      Compondo um samba sutil,
                                      Fez o “Feitiço da Vila”
                                      Enfeitiçar o Brasil!...

SAL / 2011         

Numa paixão imortal,
                                      Minhas tristezas eu venço,
                                      Beijando o sabor de sal
                                      Que deixaste no meu lenço!...

ROMANCE/2011 

Do antigo romance, instável,
                                      A minha lembrança traz
                                      Um número inumerável
                                      De calmas noites sem paz!...

PRANTO/2011   

No pranto em forma de riso,
                                      Disfarcei a minha dor...
                                      Mesmo à sombra de um sorriso,
                                      Cabe o ocaso de um amor!...


Fonte:
O autor

A. A. de Assis (Os Divulgadores da Trova)


Eles se lembram de todos, embora nem todos se lembram deles. 

Este espaço tem sido tradicionalmente utilizado para homenagear trovadores e trovadoras que se destacam não somente pela qualidade de sua produção literária, mas também pelo entusiasmo com que colaboram para o brilho e a expansão do movimento trovadoresco. 

Hoje, porém, queremos prestar uma homenagem diferente: não apenas a um determinado trovador, mas coletivamente a todos aqueles que, de muitas formas, ajudam a divulgar a trova por este mundo afora. Sem eles, de pouco adiantaria a gente criar belos versos. 

A trova só se realiza de fato a partir do momento em que ela chega ao leitor ou ouvinte e neles produz o efeito pretendido pelo autor. 

Através dos tradicionais boletins da UBT ou de outras publicações individuais promovidas por meio de sites, blogs, colunas de jornais e revistas, programas de rádio e televisão etc, dezenas de irmãos nossos aplicam boa parte do seu tempo pesquisando fontes várias a fim de colher o material a ser divulgado. A esses incansáveis apóstolos da trova todos nós devemos muito. 

Deveríamos, portanto, no mínimo, enviar de vez em quando para eles uma palavrinha de incentivo, um “oi” agradecendo a divulgação de nossas trovas, enfim um sinal de apreciação pelo generoso trabalho que realizam. (aaa)"

Fonte:
Mifori