domingo, 8 de julho de 2012

Doze em Ritmo de Sextilhas (Parte 9)


193 - Assis
Às sextilhas enviadas,
respondo-as de coração,
enquanto aguardo o momento,
até com certa emoção,
de ajustar os meus ponteiros
para o horário de verão.

194 - Delcy
Esse horário,  meu  irmão,
podes crer, já está existindo,
pois passou da  meia-noite
como estavam nos pedindo!
Que a esperada  economia
deixe o meu Brasil sorrindo!...

195 - Elisabeth 
O tempo aqui vai seguindo,
estou em hora de almoço..
segunda feira... a preguiça
não quer saber de alvoroço...
peguei sobras de domingo,
do frango só  resta um osso! 

196 - Prof. Garcia
Sei que a vida é um colosso,
é rica em seu conteúdo,
tento mudar minha sorte
mas isso eu sei que não mudo,
pois o destino da gente
faz a mudança de tudo!

197 – Gislaine
Macio como veludo
é o amor, se verdadeiro.
Se existe a amizade e o sonho,
nosso destino é o veleiro
que nos conduz mar a dentro,
pois se faz nosso parceiro!

198 - Hélio
 A jura do amor primeiro
a gente nunca se esquece,
fica gravada na mente
vez por outra ela aparece...
Se compara a uma semente,
que regada, brota e cresce.

199 - Milton
O sextilheiro padece
para se manter na trilha,
ou a internet demora
para trazer a sextilha,
ou, quando menos espera,
traz duas, três, uma pilha...

200 - Ouverney
No horizonte o sol rebrilha,
no instante em que surge o raio:
céu azul mudou de cor,
sol simulou um desmaio,
e na mata, antes tranquila,
não sobrou um papagaio. 

201 - Tadeu
Aqui também teve raio
nos dias de chuvarada
mas a terra, pela seca,
andava tão ressecada
que ninguém quis reclamar 
do raio e da trovoada.

202 – Thalma 
Quando ouvia a trovoada
minha avó, cheia de medo,
à Santa Bárbara orava
fazendo sinais com o dedo,
dizendo: - “Acalma-te, ó raio!...
Ó chuva, acaba mais cedo!”

203 - Vanda
Não revelo meu segredo,
se temo ventos ao léu...
Relâmpago é luz que acende;
se um trovão faz escarcéu,
eu penso: é festa de arromba
dos anjinhos, lá no céu!
   
204 - Zé Lucas
 Com certeza, lá no céu
a vida é somente amor;
necessidades, não há;
dinheiro não tem valor,
e a felicidade eterna
supõe ausência de dor. 

205 - Assis
Penso o céu como o esplendor
do grande encontro fraterno,
e a vida aqui como a trilha
de retorno ao Lar Paterno,
onde de braços abertos
nos espera o Amor eterno.

206 - Delcy
Passou o tempo. Hoje, o inverno
já  chegou  à minha  vida!
O  fim já diviso perto
e, às vezes, fico  sentida,
porque  dúvidas me assaltam,
quanto  à  hora  da  partida!

207 - Elisabeth
Ninguém sabe o fim da vida, 
mas se ela tem o seu preço, 
é bom que no seu roteiro 
nós saibamos o endereço 
da justiça e da esperança, 
pois teremos recomeço! 

208 - Prof. Garcia
Penso que o novo endereço
é diferente demais,
não tem cep e não tem rua
nem precisa numerais,
porque Deus sabe onde fica
o endereço dos mortais!
  
209 – Gislaine
Não esqueçamos jamais
que a meta de nossa vida,
é trilharmos nossa estrada
com a fé, então, devida,
para, ao céu, então, chegarmos,
depois da missão cumprida!

210 - Hélio Pedro 
 Não existe outra saída 
do além não vem endereço, 
por isso é que pela vida 
todos têm um grande apreço; 
mas pra quem vive na fé 
vê que a morte é um recomeço. 

211 - Milton
A tal morte eu nem conheço,
deve ser uma bandida...
Leva o moço, leva o velho,
com ela não tem saída...
Morrer é a última coisa
que eu quero fazer na vida...

212 - Ouverney
Tal papo não me intimida,
de que adianta ter receio?
Morte é vida, vida é morte,
uma é aula, outra é recreio;
tem gente que está no mundo
sem nem saber a que veio.

213 - Tadeu
 Ah! se eu encontrasse um meio
de enganar esta "danada"
que leva a vida da gente!
Eu esticava a jornada
e não entregava mesmo
minha carcaça por nada.

214 – Thalma 
A vida não vale nada
se a gente nada produz...
E eu disse uma vez, em trova
com a fé que me conduz:
tanto a enxada quanto a pena
abrem veredas de luz!

   215 – Vanda 
   É certo: Melhor reluz
   a enxada que sulca o chão,
   do que uma joia ostentada
   na pérfida e suja mão
   que abre veredas do mal
   e indica a má direção.

216 - Zé Lucas
O pobre caleja a mão,
suando na roça alheia,
por um salário mesquinho
que não lhe garante a ceia,
e há tantos que nada fazem,
mas vivem de bolsa cheia!

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continua…
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Parte 1 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/06/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-1.html 
Parte 2 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-2.html 
Parte 3 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-3.html
Parte 4 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-4.html
Parte 5 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilha-parte-5.html
Parte 6 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-6.html
Parte 7 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-7.html
Parte 8 = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2012/07/doze-em-ritmo-de-sextilhas-parte-8.html

Fonte: 
Doze em Ritmo de Sextilhas: Debate pela Internet. 20.02.2010 a 22.12.2010., 2012.

Carlos Daniel Toni (A Teimosa Ana Clara)


CURIOSIDADES SOBRE AS ABELHAS 
• Têm seu sexo definido por um processo natural chamado de partenogênese. 
Se o ovo da fêmea for fecundado, nasce uma abelha fêmea, caso contrário, nasce macho. 
• Vivem em sociedade. 
• O que diferencia a rainha das operárias é a alimentação. Enquanto a rainha, que só come geleia real, vive cerca de cinco anos, as operárias, que comem mel, vivem cerca de três meses. 
• Têm o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdômen. 
• São invertebradas (não possuem coluna Vertebral).
––––––––––––––-

Ana Clara era uma linda princesa. Suas cores pareciam pintadas à mão, de um amarelo forte que realçava a elegância de seu corpo listrado. Todas as abelhas da colmeia maravilhavam-se ao ver tão belas cores. 


Mas isso não era tudo. Além de bela, Ana Clara era dotada de rara inteligência. Conhecia toda a história da colmeia, sabia cantar várias músicas, dançava como ninguém. E, acima de tudo, adorava brincar. 

Talvez você esteja pensando: Que abelha encantadora! 

Mas Ana Clara tinha um defeito: não sabia ouvir os outros. Se alguém lhe dava um conselho, ficava zumbindo à toa. 

Para ela, não era importante ouvir as experiências das outras abelhas, pois tudo o que precisava para viver estava nos livros. 

Assim, costumava dizer para si mesma: 

. Uma abelha comum, que mal sabe falar direito, quer ensinar alguma coisa a uma princesa? Ora essa! 

Mas por educação fingia escutar o que lhe diziam. Fazia isso sempre do mesmo modo: o que ela escutava entrava por um ouvido e saía pelo outro.

Numa bela manhã de sol, a linda abelha resolveu passear e colher néctar. 

No caminho, encontrou sua amiga Cora, uma habilidosa operária que já estava voltando com um monte de néctar. 

Ao ver Ana Clara, Cora lhe disse: 

. Ana Clara, não vá pelo caminho da Lagoa Azul. É por lá que andam os humanos que colhem flores. Você pode ficar presa numa armadilha e não conseguir voltar para casa. 

Ana Clara respondeu: 

. Obrigada Cora, pode deixar comigo. 

Aquela era mais uma de suas respostas prontas. Ela ignorou as palavras da amiga. Seguiu o caminho da Lagoa Azul enquanto pensava: 

. Aqui a estrada é tão bonita e as flores têm o melhor néctar que já provei. 

No início, achou estranho não encontrar nenhuma abelha naquele paraíso. Então pensou: 

. Como são bobas, o dia está lindo e ninguém está aproveitando. 

Quando chegou à margem da lagoa, pousou na primeira flor para beber o néctar e... zaz! 

Um homem arrancou a flor e a colocou num saco grande. 


Já era tarde quando Ana Clara percebeu que era prisioneira e estava sozinha. 

Começou a chorar e pensou: 

. Deve ser por isso que nenhuma abelha vem aqui. Por que ninguém me avisou? Puxa vida, a Cora não me disse nada. 
Logo a Rainha sentiu a falta de Ana Clara. E por isso enviou tropas de operárias e zangões para procurá-la nos quatro cantos da mata. 

As investigadoras encontraram o cheiro da princesa perto do caminho da Lagoa Azul. Sem demora, foram relatar a descoberta à Rainha. 


Muito preocupada, a mãe de Ana Clara perguntou às abelhas: 

. Ninguém avisou minha filha de que não devia voar por lá? 

. Eu avisei, mas acho que ela não quis me escutar . disse Cora, um pouco tímida. 

A Rainha sabia que sua filha era muito teimosa, mas mesmo assim não perdeu as esperanças. Organizou novas buscas, agora além da área da floresta.

Ana Clara, com muito esforço, conseguiu sair do saco. Mas quando olhou ao redor não reconheceu o local: 

. Devo estar muito longe de casa! 


Sentou-se à beira de uma pequena fonte para descansar, quando avistou de longe suas amigas.


Ela havia aprendido uma lição. Ana Clara voltou para casa e houve uma grande festa. 

Anos depois, quando cresceu e se tornou uma poderosa Rainha, Ana Clara ficou conhecida pela sabedoria e delicadeza de seus conselhos. 

A experiência na Lagoa Azul lhe ensinou que a inteligência também reside na humildade de escutar e aprender com os outros. 


Fonte:
Toni, Carlos Daniel. Contos ambientais - 10 histórias e curiosidades sobre a fauna brasileira. Ilustrações de Fábio Fernando. São Paulo: Editora José Luis e Rosa Sundermann, 2012. 

Amália Grimaldi (Caderno de Poesias)


PREMONIÇÃO CIGANA

Aquela que me lia 
 Irmã da outra 
 A que me sorria
 Roda de saia 
 Lenda de céu
 Seu anel de prata
 Ausente respaldo
 Desdobro estandarte
 A glória desse tempo 
 Ao sol azul de quando
 Premonição de cores
 Recorte à sombra
 Pairando ao deixado
 Minha lua de papel.

MEDIOCRIDADE CONFORTÁVEL

De longe a voz do mercado
 O barulho das correntes
 O grande portão de ferro
 Na calçada vazia o silêncio óbvio
 Dormem os bêbados
 Sonsos
 Vagam gatos mansos
 Pisam macio
 Adorno de noite escura
 Momento de consistência frágil
 Valor afetivo
 Mediocridade confortável.

UM CISCO NO OLHO 

Caminhante silente
 Gesto cuidado
 Desvio do olhar
 Incômoda atenção
 Bela canção à esquina
 Mas ninguém ali o conhecia
 Desconfia-se
 De cigano vagante.

BLOCO DE JUDAS 

 Dançariam seus ódios mútuos
 A mulher dos cabelos ruivos e a serviçal judiada
 Eis que o dia final havia chegado
 Era tão somente um bloco engraçado
 De fêmeas e machos tolos
 E os importantes seriam então judiados
 E ela, pretensiosa pecadora
 Ao som de bumbo e tambor
 Em seus vermelhos estonteantes
 Retornaria à perversidade escura de antes
 Ao socavão dos seus desejos malvados
 Arderia no fogo do seu juízo final
 Regozijo inútil.

UM RASTRO SEFARDITA 

 No almoço do cristão galego
 Cordeiro não é imolado
 Mas sua faca é aí amolada
 E perus são aí degolados
 À luz do sol do meio-dia
 O sacrifício malvado
 Rubra agonia da morte
 Coalha no prato ao vinagre
 Manchadas são as pedras
 Do pátio da minha infância
 No rastro de penas deixado
 Deitam palavras vestidas
 Nessas minhas linhas nuas
 Poema das minhas entranhas.

UM QUASE NADA 

 À loja da esquina
 Alegria de panos 
 Meus suspiros aí deixados
 Seu Salim e seu riso de marfim
 Armazém das cores
 Quantas vezes aí voltei
 Em meus ecos suspirados
 Hoje perdidas tramas
 Quase um fiapo
 Um fio de pouca coisa
 Alegria de quase nada
 Em seu riso de marfim
 Subiu aos céus suspirado.

 DESORDENADA LUZ ORIENTAL 

 Os mais ricos pigmentos
 Despeja o céu ao poente
 Cores damascenas
 Desordenada luz oriental
 Seda persa de outrora
 Cavalos do espectro
 Em asas de luz ao rapto 
 Fio da trama por desatar
 Sobre o aparador da sala de jantar
 O suspiro esquecido
 O vestido reinado da estátua
 Desordenada luz oriental
 Fantasma do Bairro Judeu.

FLORES MORRIDAS 

 Parei. Em esquina contente
 Conjunção imaginária
 A jogar bola de satisfação
 Avistei meninos folgados
 Sem dengos. Contudo plenos
 Voltei. À Rua das Flores
 Pálida lembrança de meus encantos
 Avistei para desgosto meu
 Mulheres sem alegrias
 A carpir evidências
 Mulheres antes meninas. Como eu
 Nas mãos, suadas e mornas
 Flores sozinhas traziam. Só Angélicas
 Murchas outrora perfumadas.

ALMA DEVASSADA

Um pedaço de pão
 Um naco de peixe
 Contou um pouco de si
 Despida sua fraqueza cabeluda
 Sentia-se um pouco nu
 Talvez deselegante
 Um fratello amigo
 Espiava dentro da sua alma
 Mas ninguém ali o conhecia

Cobria-lhe o manto opaco
 Dos pensamentos desolados
 Devassada alma.

A FRAGILIDADE DA COERÊNCIA

Teço a minha trama
 E a do meu companheiro
 As linhas são muito finas 
 Escanteada é a luz suspeita
 Fios necessários por separar
 Até percebo a agonia 
 Da sombra fugidia 
 E na clareza na certeza
 Vejo que linhas tênues se partem fácil. 

Fonte:

Marlene Carvalho (Princesas e Heróis na Sala de Aula: dos contos de fadas a Harry Potter)


Que mistério existe nos contos de fadas que faz com que atravessem o tempo e o espaço, permanecendo na memória das sucessivas gerações? Como essas histórias passam de um país para o outro, de um para outro continente? Qual o motivo da fascinação que exercem? Os contos de fadas são bons ou ruins para as crianças da Educação infantil e das classes de alfabetização? 

O meu ponto de vista é que na sala de aula do século XXI há lugar para princesas e heróis, bruxas e vilões, castelos enfeitiçados e florestas mágicas, por vários motivos: em primeiro lugar, porque nos tornamos humanos por meio da linguagem, e ouvir histórias faz parte desse processo. Em segundo lugar, porque os contos de fadas, de estrutura aparentemente simples, falam dos conflitos da condição humana, do ciclo da vida, em termos simbólicos, à altura da compreensão infantil, colocando a criança em contato com outras realidades que não aquelas do cotidiano. Finalmente, porque heróis e heroínas podem influenciar favoravelmente a formação da identidade. 

A escritora francesa Jacqueline Held expressa com exatidão a importância da literatura, que fala ao imaginário, para o desenvolvimento da criança: 

O papel do fantástico não é, de maneira nenhuma, dar à criança receitas de saber e de ação,por mais exatas que sejam.A literatura fantástica e poética é, antes de tudo, e indissociavelmente, fonte de maravilhamento e de reflexão pessoal, fontes de espírito crítico, porque toda descoberta de beleza nos torna exigentes e, pois, mais críticos diante do mundo. (HELD, 1980, p. 234) 

Mesmo assim, pensando em termos práticos, quando se trata de crianças que ainda não sabem ler, ou estão aprendendo, é possível que a professora se pergunte: será que vale a pena investir o tempo escasso em sala de aula com leitura de contos de fadas? 

Minha resposta é positiva: especialmente nas classes de Educação Infantil e de alfabetização, mas também nas outras etapas da escolaridade, a leitura de boas histórias favorece o processo de letramento. Desenvolve a curiosidade pelos livros, forma o gosto literário e faz com que os alunos se familiarizem com as convenções da língua escrita, especialmente com a sintaxe e o vocabulário. Imaginemos uma criança de seis anos, que está sendo alfabetizada, ouvindo este trecho da história de Pinóquio: 

O infeliz Pinocchio, cujos olhos estavam ainda meio fechados de sono, não descobriu imediatamente que seus pés haviam sido queimados.Assim que ouviu a voz de Geppetto,deixou-se escorregar da cadeira para ir correndo abrir a porta; mas cambaleou e caiu, estendendo-se a fio comprido no chão - e o barulho que fez como a queda foi como se um feixe de lenha houvesse sido lançado de um quinto andar. (COLLODI, 1957, p. 31) 

Na vida cotidiana, a criança que escuta a história provavelmente nunca ouviu ninguém dizer “cujos olhos”, ou a frase “estendendo-se no chão a fio comprido”.

Também desconhecia a palavra cambaleou, o que pouco importa, mesmo assim ela é capaz de acompanhar a narrativa maravilhosa, ainda que o sentido de um ou outro termo lhe escape. Se as leituras se multiplicarem, haverá outras ocasiões para reencontrar essas e outras palavras novas, que logo farão parte do seu vocabulário. Aí é que entra o papel decisivo da professora, que ao longo do ciclo da alfabetização terá oportunidade de contar dezenas de histórias e de formar um gosto definitivo pela literatura. 

Cada professora deveria cultivar seu próprio repertório de literatura oral, incluindo contos de fadas favoritos, lendas, “causos” da vida real, ou histórias de família, que fazem sucesso entre as crianças. Além diso, há o acervo inesgotável das histórias publicadas. Narradores profissionais decoram as histórias para contá-las de cor, respeitando a beleza da linguagem dos autores. Dificilmente os professores dispõem de 
tempo para isso, mas podem ler em voz alta as histórias, sem acréscimos, sem mudanças, sem omissões, com fidelidade aos textos originais. Os grandes escritores nacionais: Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Bartolomeu Campos de Queirós, Sylvia Orthof, Fernanda Lopes de Almeida, Cecília Meireles, Monteiro Lobato, e tantos outros, agradecem. 

O QUE SE SABE SOBRE A ORIGEM E A DIFUSÃO DOS CONTOS DE FADAS? 

Nem sempre há fadas nos chamados contos de fadas. Um dos especialistas neste assunto, o russo Vladimir Propp (1984), prefere a denominação contos maravilhosos para englobar tanto os contos de fadas quanto os contos folclóricos. Alguns especialistas em literatura infantil, como Jacqueline Held e outros, usam a expressão “contos fantásticos” para classificar histórias que contêm elementos mágicos ou fantasiosos; inclusive ficção científica. 

Segundo Marina Warner, autora do livro Da fera à loira. Sobre contos de fadas e seus narradores (1999), a origem dos contos de fadas é incerta, e há várias teorias que tentam explicar a difusão e a permanência deles ao longo dos séculos. “Os enredos são nômades, percorrendo o mundo e o milênio, surgindo em pergaminhos na Pérsia medieval, em forma oral nos Pireneus, numa balada entoada nas regiões montanhosas, num conto de fadas do Caribe”, diz a autora (op.cit., p.20). 

A teoria do difusionismo sustenta que essas histórias são propagadas através das fronteiras, vindas de origens distantes – muita vez do Oriente. A Índia, por exemplo, é citada como fonte de uma coleção de 70 contos, denominada Panchatantra, compilada por volta do século VI a.C. por um sábio brâmane, Bidpai. Aparecem nos contos de fadas elementos de romances e mitos gregos, dos moralistas romanos, das Mil e uma noites, das fábulas com animais, dos chistes medievais e ainda da vida dos santos (WARNER, 1999, p.20). 

No entanto, uma teoria diferente, a dos arquétipos, defende que a estrutura psíquica do homem, sua imaginação e as experiências comuns da sociedade humana inspiram histórias que se assemelham umas às outras, mesmo quando não teria sido possível haver nenhum contato, ou troca, entre as culturas ou os narradores. 

Um outro modo de se pensar os contos de fadas, ainda segundo Warner, seria considerá-los como se fossem elaborados em uma outra linguagem, a linguagem da imaginação, com uma sintaxe de enredos. 

OS GRANDES CLÁSSICOS. CHARLES PERRAULT, OS IRMÃOS GRIMM, HANS CHRISTIAN ANDERSEN. 

Do ponto de vista histórico, sabe-se que os contos de fadas mais conhecidos no ocidente têm origem na tradição oral: eram contados de boca em boca, nos serões à beira do fogo, na intimidade das famílias, ou nas festas populares, para um público misto, composto de crianças, jovens e adultos de todas as idades. 

Foi na altura do século XVII, na França, que Charles Perrault, membro da Academia Francesa de Letras, interessado nas produções literárias de seu país, recolheu algumas dessas narrativas populares, e reuniu-as no livro Contos da Mamãe Gansa, publicado em 1667. Para salvaguardar sua imagem de escritor sério, apresentou 

o livro à corte como sendo escrito por seu filho, e assumiu apenas a autoria dos conselhos ou ensinamentos morais que encerravam cada história. Curioso é que os trabalhos eruditos de Perrault foram totalmente esquecidos, mas as suas versões de Cinderela, O gato de botas, O pequeno polegar e outros contos, tornaram seu autor imortal. 

Outros grandes nomes do gênero contos de fadas são os Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que viveram na Alemanha, do fim do século XVIII aos meados do século XIX. Ambos eram pesquisadores, grandes conhecedores da língua e da cultura alemãs, e trabalharam como bibliotecários. Nessa época, as mudanças sociais ocorridas devido à ascensão da burguesia provocaram interesse pela edição de livros destinados à infância, que passava a ser reconhecida como uma fase diferente da idade adulta. Os irmãos Grimm recolheram e transcreveram contos e lendas da tradição oral alemã e publicaram em 1812 o primeiro volume intitulado Histórias da criança e do lar, livro que alcançou grande sucesso. Dentre as histórias publicadas pelos irmãos Grimm, destacam-se A bela adormecida, Chapeuzinho vermelho, Rosa Alva e Rosa Carmim e João e Maria. 

Os livros desses pioneiros foram seguidos por outros, até o momento em que os contos de fadas tornaram-se moda nos salões elegantes da Europa. Damas da nobreza, como Madame d’Aulnoy e Mademoiselle de la Force, novelista francesa, escreveram contos que na época foram muito lidos e apreciados. 

Um lugar especial na literatura infanto-juvenil é ocupado por Hans Christian Andersen, autor dinamarquês que viveu no século XIX. De origem humilde – pai sapateiro e mãe lavadeira – frequentou pouca escola, mas foi estimulado a ler pelo pai e cedo conheceu as obras de Shakespeare e as Mil e uma noites. Órfão de pai aos 14 anos, muito pobre, tentou ser ator, mas não obteve êxito. Foi na literatura que alcançou fama e realização pessoal. Diferentemente de Perrault e dos irmãos Grimm, Andersen criava suas próprias histórias, não as recolhendo da tradição popular e do folclore. Em 1835 escreveu sua primeira coletânea de contos infantis. Ao morrer deixou um legado de aproximadamente 150 histórias, muitas das quais têm traços de tristeza e melancolia, como A sereiazinha, O pinheiro de Natal, Os sapatos vermelhos, O soldadinho e a bailarina,e a trágica história A pequena vendedora de fósforos, sobre uma menina que morre de frio. 

No entanto, uma das suas obras primas, que fala das dores do abandono e da rejeição, tem um final feliz quando O patinho feio encontra-se com os cisnes brancos num lago e pensa que mais uma vez será atacado. Eis o final dramático do conto: 

Matai-me, se quiserdes! ? disse ele. E curvou a cabeça para baixo, para a água, à espera da morte. Mas... Que viu ele na água cristalina? Era a sua própria imagem, refletida ali. Mas não era a de um pato, um pardo e feio pato. Era um cisne que ele via no espelho d’água. Não importa ter nascido num galinheiro, entre patos, quando se saiu de um ovo de cisne. (ANDERSEN, 1978, p. 250) 

TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DOS CONTOS DE FADAS 

As épocas em que se passam as histórias de fadas são incertas, desconhecidas. A tradicional abertura das histórias, o famoso Era uma vez, não indica tempo. 

O cenário tradicional costuma ser remoto: o palácio, a floresta, o reino distante e sem nome. O palácio é geralmente descrito com detalhes que destacam a riqueza e o luxo em que viviam os nobres, em contraste 
com as casas nuas e frias dos pobres. Nos palácios, há mobílias douradas, baixelas de prata e ouro, lagos, jardins, salões e criados em quantidade. A comida é servida em baixelas de ouro e prata, e a bebida, em taças de cristal. 

No conto O Rouxinol, Andersen faz uma descrição detalhada do palácio do imperador de um reino distante, do seu jardim fantástico, no limite de uma floresta sem igual. A época em que aconteceu a história é indeterminada. 

Na China, como deveis saber, o imperador é chinês e todos que o rodeiam são chineses. Isso foi há muitos anos, mas por isso mesmo vale a pena ouvir a história, para não esquecê-la. O palácio do imperador era o mais suntuoso do mundo, todo feito de fina porcelana, muito preciosa e muito frágil. Todo cuidado era pouco, pois era um verdadeiro perigo tocá-la. No jardim, viam-se as mais esquisitas flores, e junto às mais extraordinárias delas havia campainhas de prata, que tilintavam, para que ninguém passasse sem notar a flor. Era tudo muito requintado no jardim imperial, tão extenso que nem o próprio jardineiro lhe conhecia os limites. Continuando-se a andar pelo jardim, chegava-se a mais maravilhosa floresta,com altas árvores e lagos profundos.A floresta estendia-se até o mar, azul e imenso. (ANDERSEN, op.cit. p. 224) 

Que papel teriam, nos contos de fadas, essas descrições de palácios suntuosos e jardins fantásticos? Elas destacam as diferenças entre ricos e pobres, diferenças essas que são apresentadas como “naturais”, cabendo aos pobres sonhar com a opulência das refeições e a riqueza dos trajes. Visualizar um mundo fantástico nos ajuda a enxergar o mundo real. 

Por vezes, para alcançar a riqueza, o luxo e o reconhecimento, o herói realiza grandes façanhas, conquista a mão da princesa e habita o palácio. Acontece também que a menina pobre e maltratada se case com 

o príncipe. Esses elementos imaginários são poderosos e continuam presentes em muitas histórias da atualidade, como nas novelas de televisão brasileiras, que têm um núcleo de personagens ricos e outro, ou outros, de personagens pobres. Também no cinema o enredo de Cinderela se repete em um bom número de filmes, como em Uma linda mulher, com Julia Roberts no papel de uma garota de programa que se casa com um milionário, que não por acaso aparece na cena final montado num cavalo branco. 

Outra característica de algumas histórias, não de todas, é incluir ou deixar entrever um ensinamento, uma regra de conduta moral. O final feliz, porém, é generalizado: tradicionalmente o conto de fadas termina 
bem, com alívio da tensão provocada pelas infelicidades e peripécias do herói. Como disse Warner (op.cit., p.18), “o gênero é caracterizado por um ‘otimismo heróico’, como se dissesse,‘um dia talvez sejamos felizes, mesmo que não para sempre”. A exceção a essa regra do final feliz fica por conta de alguns contos de Andersen. 

Embora todos os aspectos até aqui citados contribuam para uma definição do gênero conto de fadas, o fator mais importante, segundo Warner (op. cit.), é o fenômeno da metamorfose. A metamorfose, ou mudança da forma, aparece de mil maneiras: mãos são cortadas e depois religadas ao corpo, rapazes se transformam em cisnes, uma lâmpada se transforma num talismã poderoso, a mendiga vira uma poderosa feiticeira, a mulher repugnante vestida com uma pele de asno transforma-se numa linda princesa de cabelos dourados. No reino das fadas, tudo é possível, nada é definitivo, tudo pode ser transformado. 

Há personagens nomeados, como João e Maria, Cinderela, Branca de Neve, mas muitos outros – o rei, a rainha, a princesa, o príncipe – são figuras anônimas que não pertenciam ao âmbito social e histórico dos narradores. 

Nas histórias de fadas, os grandes momentos e as crises vividas ao longo da existência – infância, juventude, casamento, viuvez, velhice e morte – são narrados em linguagem simbólica, à altura do entendimento da criança. Por exemplo, a chegada do jovem à idade adulta é representada pela passagem de duras provas – matar um dragão, enganar os cães de guarda com olhos do tamanho de pires, atravessar um mar agitado, perder-se numa ilha, construir um barco, ou escalar uma montanha inacessível são algumas dessas façanhas. Os heróis sofrem, lutam; mas, como disse o psicanalista infantil Bruno Bettelheim (1980), no livro Psicanálise dos contos de fadas, eles cativam as crianças porque vencem os inimigos, enfrentam as forças da natureza ou da má sorte, e finalmente emergem vitoriosos, por sua inteligência, força, coragem ou esperteza. 

Como as personagens raramente são complexas, existe separação nítida entre o bem e o mal, a virtude e a maldade, os heróis e os vilões. Note-se que os personagens que representam o mal também são atraentes para a criança, que teme e, ao mesmo tempo, admira a bruxa, o monstro, o gigante malvado. Mas a trajetória do herói é mais fascinante porque á criança a esperança de que ela própria um dia vencerá suas dificuldades. Este é um aspecto importante da influência dos contos de fadas na formação da identidade infantil. 

Vários conflitos familiares aparecem nas histórias, como a rivalidade entre irmãos ou irmãs, em Cinderela; entre a madrasta e a enteada, em Branca de Neve; entre mãe e filha, em Rosa Branca e Rosa Vermelha. Bettelheim e outros psicanalistas apontaram significados sexuais em algumas narrativas, como o desejo incestuoso do pai pela filha, em Pele de Asno; ou a sedução da jovem inexperiente pelo lobo de Chapeuzinho Vermelho. A morte do pai ou da mãe aparece em muitas histórias e a partilha da herança paterna costuma ser fonte de conflitos entre irmãos e de dificuldades para o herói. Diante disso cabe perguntar: será que os contos de fadas são adequados para crianças? 

Muitos pais e professores se dão conta de aspectos sombrios dos contos de fadas e evitam contá-los; outros modificam ou omitem os detalhes cruéis porque temem assustar ou traumatizar as crianças. Essa questão tem sido discutida por psicólogos, psicanalistas e educadores. Em geral, eles afirmam que os contos de fadas, ainda que tenham figuras ameaçadoras e lances macabros, não causam dano porque a criança percebe que se trata de uma história que a fascina, pois ela experimenta emoções fortes – o susto, o medo – ao mesmo tempo em que se sente a salvo, no mundo real, em companhia daquele que conta a história. Como disse uma menina de 10 anos, que adorava um livro cujos heróis são transportados para o espaço numa nave: “gosto de deitar à noite em minha cama e dizer para mim mesma: ainda bem, ainda bem que essa história não existe” (citado por Jacqueline Held, op.cit., p.85). Segundo Held, a essência do prazer de ler é “projetar-se no herói, partilhar de suas angústias e perigos, permanecendo, no entanto, você mesmo.” 

OS AUTORES CONTEMPORÂNEOS REINVENTAM OS CONTOS DE FADAS. 

O que dizer da chamada “literatura fantástica” contemporânea? 

A ficção cientifica também é uma modalidade de literatura fantástica: o super-herói, o foguete interplanetário, o robô, o ET, a nave espacial representam a evolução e o enriquecimento de outros mitos presentes na literatura. É interessante observar que aquilo que é fantástico numa dada época torna-se possível ou real num outro momento. Os livros de ficção científica projetam invenções, novas realidades, mas partem de situações conhecidas do espectador de televisão, de cinema, ou do leitor. 

Na história da literatura infantil, a transição de um mundo natural para o fantástico faz o encanto de muitas obras. Por exemplo, em Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, a menina está sentada, pensando na vida, quando cai num túnel e se encontra em outra dimensão do tempo e do espaço. Na série de narrativas de Monteiro Lobato sobre o sítio do Picapau amarelo, a vida do Pedrinho e da Narizinho, durante as férias, segue normalmente, ao lado da avó Dona Benta e da cozinheira Anastácia. O fantástico surge com as figuras extraordinárias da Emília, a boneca malcriada, o sábio Visconde de Sabugosa, feito de sabugo de milho, o Burro falante, um anjinho caído do céu e outras maravilhas. 

Um grande sucesso do cinema e da literatura contemporânea é a série Harry Potter, de autoria de J.K. Rowling (2010). O menino órfão, adotado pelos tios, levava uma vidinha monótona, até que chega a notícia de que deve mudar-se para o Colégio Hogwarts de Magia e Feitiçaria. Essa escola tem muitos elementos da realidade escolar: professores bons e maus, grupinhos de alunos, jogos, esportes, rivalidades; porém, ao mesmo tempo, existem vilões e meninos bruxos com 
poderes extraordinários. 

Na literatura infantil brasileira há belos exemplos de mundos extraordinários que contêm elementos da vida real. Para citar apenas alguns, destaco Fernanda Lopes de Almeida (1971), que escreveu A fada que tinha ideias, sobre a pequena fada rebelde que frequentava a contragosto uma escola tradicional, com lições, provas e livros didáticos. Em várias obras, Lygia Bojunga (1976, 1978, 1989) e Bartolomeu Campos de Queirós (2002) transitam entre o mundo real e o imaginário, usando a fantasia para criar enredos, cenários e personagens inesquecíveis. 

Concluindo, mudam os tempos, personagens e cenários, mas permanecem os mitos, os heróis, a luta entre o bem e o mal, assim como permanece o prazer de ler e ouvir histórias. A literatura continua a exercer influência na formação da identidade de crianças e jovens, ensinando-os a sonhar e a imaginar que outros destinos são possíveis. Essas são algumas das boas razões para levar princesas e heróis para as salas de aula. . 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ALMEIDA, Fernanda Lopes de. A fada que tinha ideias. São Paulo: Editora Ática, 1971. 
ANDERSEN, Hans Christian. Contos de Andersen. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 
BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. 7. ed. Paz e Terra, 1980. 
BOJUNGA, Lygia. A bolsa amarela. Rio de Janeiro: Agir, 1976. 
______. A casa da madrinha. Rio de Janeiro: Agir, 1976. 
______. O sofá estampado. Rio de Janeiro: Agir, 1980. 
COLLODI, Carlo. Pinocchio. 9. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. 
HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus Editorial, 1977. 
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. São Paulo: Brasiliense, 1993. 
______. Memórias da Emília. Rio de Janeiro: Globo, 2007. 
PROPP,Vladimir Iakovlevich. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. 
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Onde tem bruxa, tem fada.3.ed. São Paulo: Moderna, 2002. 
ROWLING, J.K. Coleção Harry Potter. São Paulo: Editora Rocco, 2010. 
WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 

Marlene Carvalho – Doutora em Ciências da Educação pela Université de l'Etat a Liege, Bélgica. Professora aposentada da Faculdade de Educação da UFRJ e do Mestrado em Educação da Universidade Católica de Petrópolis. Membro do LEDUC (Laboratório de Estudos de Leitura, Escrita e Educação) da Faculdade de Educação da UFRJ. 

Fonte:
SEDE DE LER. Ano 1 | n.1 | novembro de 2010 – Publicação semestral do PROALE – Programa de Alfabetização e Leitura – Faculdade de Educação Universidade Federal Fluminense

Luiz Manoel Ferreira Maia (O Bailarino)

Luiz Manoel Ferreira Maia é do Pará

 Até o próprio irmão que se julgava um galã irresistível, vez por outra deixava escapar uma expressão de inveja, principalmente quando diante de seus olhos ele as arrebatava nos braços, as mais disputadas jovens, assim vistas como as de mais estonteante beleza nas festas dançantes em que marcávamos presença, fosse qualquer salão, sobretudo porque elas mesmas haviam se esforçado para que os convites caíssem nas mãos do inigualável dançarino.

 O irmão era bom, mas não lhe chegava aos pés, porque ele as fazia rodopiar, girar entre luzes de sonho, embalava-as trocando passos com tal leveza que as extasiava, como se estivessem a voar sobre as flores de um imenso campo, em perfeita comunhão com o ritmo da música que os enlevava. Talvez elas estivessem a recordar algum momento em que já haviam vivido a plenitude de um amor que brotara no passado, no enlaçar de suas cinturas pelo príncipe de suas quimeras.

 Sublimava-se o bailarino naquele prazer, mórbido prazer, pois sabia quão efêmero era o sonho de cada uma delas, a colocar em questão a vez de dançar com o sedutor dos salões, todas a aguardar pacientemente o momento de sorver um pouco do seu veneno, a dose certa que as fazia entrar no torpor endoidecido, prostradas ao seu abraço, a enaltecê-lo na aura dos perfumes femininos. E ele a dar-lhes em troca tudo de si, toda a sua paixão, e o calor de seu corpo a desfazer-se em gotículas.

 Terminado o baile elas desapareciam como borboletas assustadas a vaguear além das sebes do seu domínio. E o irmão a caçoar, fazes o papel de um gigolô fracassado, deixaste-as escapar todas elas, pudera, és feio demais para conseguir enlaçar de verdade pelo menos uma. O que te falta é um charme atraente como o meu, és muito presunçoso, gostarias de estar no meu lugar, retrucava ele. E quem tem inveja de um feio? Rebatia o irmão e assim ficavam a trocar provocações continuadas entre tacacás, tapioquinhas com manteiga e cafés, ou se muita a fome, entre pratos de macarrão, tomate e ovos em banca de comida na feira de Santa Luzia, varando madrugada adentro, até chegarem em casa onde caíam em suas camas feito dois bêbados extrapolados até o dia seguinte, em que só levantavam às custas das advertências da mãe a cumprir a ordem do padrasto que lhes dava a casa para morar. Acorda-os, dizia o velho, chega de vagabundagem.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 601)


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Uma Trova de Ademar  

No momento em que eu nascia, 
Deus usando o seu poder, 
pôs luzes de poesia 
na aurora do meu viver. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional 

Em meu rosto, de mansinho 
a mão da terceira idade, 
traça o mapa de um caminho 
onde trafega a saudade. 
–Elen de Novais Félix/RJ– 

Uma Trova Potiguar 

Foram teus dizeres sábios 
na despedida, no adeus, 
que hoje obrigam os meus lábios 
pedirem a volta dos teus... 
–Zé de Sousa/RN– 

Uma Trova Premiada  

1997  -  Nova Friburgo/RJ 
Tema  -  TRISTEZA  -  1º Lugar. 

Eu me recuso, tristeza,
a conviver com teu mundo:
vida que tem correnteza
não cria lodo no fundo!
–Héron Patrício/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Faço preces... Leio salmos... 
E buscando a calma em Deus, 
encontro em teus olhos calmos 
a paz que falta nos meus. 
–Aloísio Alves da Costa/CE– 

U m a    P o e s i a  

Deus é fortaleza e paz, 
consolo de um povo aflito, 
responde a qualquer pergunta 
põe fim a qualquer conflito; 
mestre de saber profundo, 
pai das belezas do mundo, 
deste universo infinito! 
–Prof. Garcia/RN– 

Soneto do Dia  

A VOZ DA NOITE. 
–Vanda Fagundes Queiroz/PR– 

Enquanto em seu silêncio a noite dorme, 
estranho apelo instiga-me a sair 
e, de algum modo, faz-me então sentir 
participante de um mistério enorme. 

Sem que a razão desvende ou nada informe, 
há vozes no silêncio... Eu pasmo, a ouvir 
segredos que a alma tenta definir, 
por mais que em sombras tudo se transforme. 

Um hálito de vida vem do chão; 
povoa de magia a imensidão, 
que oculta e exibe encantos tão diversos! 

Contemplo o que não vejo. Há mil sinais 
varando a calma escura dos quintais... 
e, em comunhão, minha alma explode em versos!