domingo, 8 de julho de 2012

Amália Grimaldi (Caderno de Poesias)


PREMONIÇÃO CIGANA

Aquela que me lia 
 Irmã da outra 
 A que me sorria
 Roda de saia 
 Lenda de céu
 Seu anel de prata
 Ausente respaldo
 Desdobro estandarte
 A glória desse tempo 
 Ao sol azul de quando
 Premonição de cores
 Recorte à sombra
 Pairando ao deixado
 Minha lua de papel.

MEDIOCRIDADE CONFORTÁVEL

De longe a voz do mercado
 O barulho das correntes
 O grande portão de ferro
 Na calçada vazia o silêncio óbvio
 Dormem os bêbados
 Sonsos
 Vagam gatos mansos
 Pisam macio
 Adorno de noite escura
 Momento de consistência frágil
 Valor afetivo
 Mediocridade confortável.

UM CISCO NO OLHO 

Caminhante silente
 Gesto cuidado
 Desvio do olhar
 Incômoda atenção
 Bela canção à esquina
 Mas ninguém ali o conhecia
 Desconfia-se
 De cigano vagante.

BLOCO DE JUDAS 

 Dançariam seus ódios mútuos
 A mulher dos cabelos ruivos e a serviçal judiada
 Eis que o dia final havia chegado
 Era tão somente um bloco engraçado
 De fêmeas e machos tolos
 E os importantes seriam então judiados
 E ela, pretensiosa pecadora
 Ao som de bumbo e tambor
 Em seus vermelhos estonteantes
 Retornaria à perversidade escura de antes
 Ao socavão dos seus desejos malvados
 Arderia no fogo do seu juízo final
 Regozijo inútil.

UM RASTRO SEFARDITA 

 No almoço do cristão galego
 Cordeiro não é imolado
 Mas sua faca é aí amolada
 E perus são aí degolados
 À luz do sol do meio-dia
 O sacrifício malvado
 Rubra agonia da morte
 Coalha no prato ao vinagre
 Manchadas são as pedras
 Do pátio da minha infância
 No rastro de penas deixado
 Deitam palavras vestidas
 Nessas minhas linhas nuas
 Poema das minhas entranhas.

UM QUASE NADA 

 À loja da esquina
 Alegria de panos 
 Meus suspiros aí deixados
 Seu Salim e seu riso de marfim
 Armazém das cores
 Quantas vezes aí voltei
 Em meus ecos suspirados
 Hoje perdidas tramas
 Quase um fiapo
 Um fio de pouca coisa
 Alegria de quase nada
 Em seu riso de marfim
 Subiu aos céus suspirado.

 DESORDENADA LUZ ORIENTAL 

 Os mais ricos pigmentos
 Despeja o céu ao poente
 Cores damascenas
 Desordenada luz oriental
 Seda persa de outrora
 Cavalos do espectro
 Em asas de luz ao rapto 
 Fio da trama por desatar
 Sobre o aparador da sala de jantar
 O suspiro esquecido
 O vestido reinado da estátua
 Desordenada luz oriental
 Fantasma do Bairro Judeu.

FLORES MORRIDAS 

 Parei. Em esquina contente
 Conjunção imaginária
 A jogar bola de satisfação
 Avistei meninos folgados
 Sem dengos. Contudo plenos
 Voltei. À Rua das Flores
 Pálida lembrança de meus encantos
 Avistei para desgosto meu
 Mulheres sem alegrias
 A carpir evidências
 Mulheres antes meninas. Como eu
 Nas mãos, suadas e mornas
 Flores sozinhas traziam. Só Angélicas
 Murchas outrora perfumadas.

ALMA DEVASSADA

Um pedaço de pão
 Um naco de peixe
 Contou um pouco de si
 Despida sua fraqueza cabeluda
 Sentia-se um pouco nu
 Talvez deselegante
 Um fratello amigo
 Espiava dentro da sua alma
 Mas ninguém ali o conhecia

Cobria-lhe o manto opaco
 Dos pensamentos desolados
 Devassada alma.

A FRAGILIDADE DA COERÊNCIA

Teço a minha trama
 E a do meu companheiro
 As linhas são muito finas 
 Escanteada é a luz suspeita
 Fios necessários por separar
 Até percebo a agonia 
 Da sombra fugidia 
 E na clareza na certeza
 Vejo que linhas tênues se partem fácil. 

Fonte:

Nenhum comentário: