sábado, 21 de julho de 2012

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 1: Angola)

(foi mantida a grafia original)

DESCOBERTAS E EXPANSÃO

A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses iniciaram a rota da África, polarizada depois pela Ásia, Oceania, Américas. A historiografia e a literatura portuguesas, sob a óptica expansionista, testemunham o «esforço lusíada» da época renascentista. Cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagem, homens de ciência, pensadores, missionários, viajantes, exploradores, enobreceram a cultura portuguesa e, em muitos aspectos, colocaram-na ao nível da ciência e das grandes literaturas europeias.

Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo do Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Gois, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira, são alguns dos nomes cujo discurso é alimentado do «saber de experiência feito» alcançado a partir do século XV, em declínio já no século XVI e esgotado no século XVII. A obra de um Gil Vicente ou, embora escassamente, a de poetas do Cancioneiro, ao lado das «coisas de folgar», foram marcadas pela Expansão ao longo dos «bárbaros reinos». Estamos, assim, a referir uma literatura feita por portugueses,   fruto   da   aventura   no   Além-Mar,   no período renascentista. Hernâni Cidade e outros glorificam-na no espírito da dilatação da «Fé e o Império» (A literatura portuguesa e a expansão ultramarina, 1963 e 1964, 2 vols). Chamemos-lhe a literatura das Descobertas e Expansão.

E evidente que esta literatura, nascida de uma experiência planetária, numa época em que o mundo cristão reconhecia o direito à dominação, à depredação e até à barbárie (a cruz numa mão, e a espada noutra) nada tem a ver com a literatura africana de expressão portuguesa. Este registo destina-se apenas ou, sobretudo, a retermos factos longinquamente relacionados com o quadro cultural e político que, séculos depois, havia de surgir, e é a razão primeira destas páginas.

Quando e como surgiu a literatura africana de expressão portuguesa? E como se desenvolveu?

Os portugueses chegaram à Foz do Zaire em 1482 e, em 1575 [1], fundaram a primeira povoação portuguesa, São Paulo de Assunção de Loanda, hoje capital de Angola. Dos primeiros contactos com o Reino do Congo dá-nos testemunho a correspondência trocada entre os reis do Congo e os reis de Portugal, além de documentos, como os relatórios dos padres jesuítas de Angola. Mas o aparecimento de uma actividade cultural regular na África associa-se intimamente à criação e desenvolvimento do ensino oficial e ao alargamento do ensino particular ou oficializado [2], à liberdade de expressão e à instalação do prelo, que se registam a partir dos anos quarenta do século XIX [3].

LITERATURA COLONIAL

Com efeito, quatro anos apenas após a instalação do prelo em Angola ocorre a publicação do livro Espontaneidades da minha alma (1849), do angolano, mestiço ao que parece, José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona [4]. O primeiro livro impresso mas não a mais antiga obra literária de autor africano. Por pesquisas que recentemente levámos a cabo é anterior àquele, pelo menos, o poemeto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusich, Elegia à memória das infelizes vitimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844, publicado em Lisboa no mesmo ano. Entretanto não será deslocado citarmos o Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné, escrito em 1594, da autoria do cabo-verdiano André Alvares de Almada; e de origem cabo-verdiana se supõe ser André Dornelas, autor do século XVI, que assina uma descrição da Guiné [5]. E até nós chegou, também, pela pena do historiador António Oliveira Cadornega, o eco de um poeta satírico, o capitão angolano António Dias Macedo, que «tinha sua veya de Poeta».

Se a Deos chamão por tu, e a el Rey chamão por vós, como chamaremos nós, a três que não fazem hum, que o povo indiscreto, e nú falto de experiência, fez em lugar de hum três que com toda a Cortezia tú, nem vós, nem Senhoria merecem suas mercês [6]

Tal, porém, não nos autoriza a remontarmos as origens da poesia angolana a tão recuados tempos, como já, com alguma intemperança, se quis insinuar. Repondo, por isso, a questão com certa objectividade pode afirmar-se que a literatura africana chama a si mais de um século de existência. Este longo período de mais de um século de actividade literária está, porém, contido em duas grandes linhas: a literatura colonial e a literatura africana de expressão portuguesa. A primeira, a literatura colonial, define-se essencialmente pelo facto de o centro do universo narrativo ou poético se vincular ao homem europeu e não ao homem africano. No contexto da literatura colonial, por décadas exaltada, o homem negro aparece como que por acidente, por vezes visto paternalisticamente e, quando tal acontece, é já um avanço, porque a norma é a sua animalização ou coisificação. O branco é elevado à categoria de herói mítico, o desbravador das terras inóspitas, o portador de uma cultura superior. Exemplo: «o único país que pode explorar seriamente a África, é Portugal» (prefácio de Manuel Pinheiro Chagas a Os sertões d'Africa, 1880, de Alfredo de Sarmento, onde aliás se pode ler sobre o negro: «É um homem na forma, mas os instintos são de fera», p. 87). Paradoxalmente, o branco é eleito como o grande sacrificado. A aplicação do ponto de vista colonialista tem no europeu o agente dinâmico e não o opressor: «Fiel aos nossos deveres de dominador, grata ao nosso orgulho, útil às populações», escrevia um homem anti-fascista, Augusto Casimiro (1929). Predominavam, então, as ideias da inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado e para as quais teria contribuido o filósofo Lévy-Bruhl com a sua tese da mentalidade pre-lógica, — sendo certo, embora, que a renunciou pouco antes de morrer.

Logo no último quartel do século XIX se encontram os pioneiros desta literatura. Mas é no período 20/30 do século XX que ela vai atingir o ponto maior: na quantidade, na marca colonialista, na aceitação do público que esgota algumas edições, com certeza motivado pelo exótico. Aí se destaca um naipe todo ele incapaz de apreender o homem africano no seu contexto real e na sua complexa personalidade. É certo que justo será destacar pela qualidade de sua escrita João de Lemos, Almas negras, 1937, porque nele, apesar de uma deficiente visão, se denota um meritório esforço de análise e intenção humanística. Mas, escritor português, manietado pela distanciação colonialista, por norma, dá ao seu discurso um sentido racista, hoje de inconcebível aceitação. Henrique Galvão: «A sua face negra, de beiçola carnuda, tinha reflexos demoníacos» (O vék d'oiro, 4.a ed., 1936, p. 122); ou: «Era um negro esguio» [o Mandobe] que «dava a impressão [...] dum excelente animal de corrida» (p. 34); Hipólito Raposo {Ana a Ka/unga, 1926) na glorificação mística imperial: «Queimados no ardor silencioso de Golfo, em todo o peito português vai estremecendo o marulhar heróico dos Lusíadas» (p. 21), e outros (muitos) como António Gonçalves Videira, João Teixeira das Neves, irmão de Teixeira de Pascoaes, Brito Camacho, Contos selvagens (1934). Prolonga-se este tipo de literatura até aos nossos dias, com tendência, no entanto, para refletir os efeitos de uma perspectiva humana ajustada à evolução das condições históricas e políticas, porventura o caso de Maria da Graça Freire (A primeira viagem, 1952) e, noutro aspecto, na actualização de uma linha que vem de Hipólito Raposo, citaríamos António Pires, (Sangue Cuanhama, 1949). Essa incapacidade de penetrar no mundo africano terminou por se instalar na consciência de um ou outro (poucos) mais atentos, mais apetrechados do ponto de vista teórico, como é o caso de José Osório de Oliveira, que se interroga a si próprio: «Conseguirei escutar nesta viagem, a voz da raça negra?» (Roteiro de África, 1936, p. 55).

O tempo histórico, o tempo cultural, para quem, ideologicamente, era incapaz de se furtar à insidiosa instauração do fascismo em Portugal e à inscrição legal do assimilacionismo (aí vinha já o célebre Acto Colonial, de 1930), não permitia ou não ajudava a uma tarefa de tal monta, que rejeita meros propósitos e exige uma reformulação da mentalidade do europeu. Hoje, não há lugar para dúvidas: muitas dessas obras estão condenadas ao esquecimento, salvando-se aquelas que, apesar de prejudicadas pelas contigências de uma época e de uma mentalidade coloniais, evidenciam contudo um certo esforço humanístico e uma real qualidade estética. Mas, no conjunto, a história vai ser de uma severidade implacável e arrumará a quase totalidade   desta   literatura   no    discurso    da   acção colonizadora ou no nacionalismo imperial, saudosista e deslumbrado [7].

SÉCULO XIX - SENTIMENTO NACIONAL

1.    ANGOLA


É interessante notar, porém, que já na segunda metade do século XIX, paralelamente a uma literatura colonial, surgem textos de alguns escritores que não poderão ser genericamente catalogados de autores de literatura colonial. Se, por um lado, na representação do universo africano lhes falece uma perspectiva real e coerente, por outro enjeitam a exaltação do homem branco, embora possam, como é natural no contexto da época, não assumir uma atitude de oposição, típica daquilo que viria a ser a autêntica literatura africana de expressão portuguesa. Mas irrealista seria exigir isso de homens que viveram num período em que a institucionalização do regime colonial dificultava uma consciência anti-colonialista ou outra atitude que não fosse a de aceitá-la como consequência fatal da história. Manifestar nessa época recuada um sentimento africano ou uma sensibilidade voltada já para os dados do mundo africano constitui hoje, a nossos olhos, um acto de novidade e de pioneirismo. Eles são, com efeito, e neste quadro, os antecessores de uma negritude ou de uma africanidade.

O mais remoto desses escritores, em Angola, é José da Silva Maia Ferreira, africano de nascimento e de cor, que em páginas anteriores já referimos. O seu livro de poemas Espontaneidades da minha alma (1849) marca assim o início da literatura angolana de língua portuguesa.

Tessitura poética frágil, é certo, mas que cumpre mesmo assim mencioná-lo, até porque de, um modo geral, a poesia angolana desse século acusa toda ela um certo rudimentarismo. A tónica deste discurso é o lirismo vasado sobretudo no amor, mas também na fraternidade, na gratidão, na recordação familiar, na amizade, no enlevo rústico ou paisagístico. E neste campo semântico variado e não muito complexo nem profundo, palpita ainda, e isto é importante, a ternura romântica de um sentimento pátrio:

Foi ali que por voz suave e santa Ouvi e cri em Deos! É minha pátria!,[8] subscreve José da Silva Maia Ferreira no poema «A minha terra», datado do Rio de Janeiro (1849).

Cerca de quinze anos depois outros poetas dão sinal de si em Luanda. Porém esta participação, com excepção para Cordeiro da Matta, deve-se a portugueses radicados. É o caso de Eduardo Neves (c. 1865 — séc. XX), apenas com obra dispersa. Ou o de J. Cândido Furtado (séc. XIX — 1905), também poeta, que viveu por largos anos em Angola. Parte da sua poesia (também dispersa) pode considerar-se, tal como a de outros, indiciadora de representação do tópico da cor:

Qu'importa a côr, se as graças, se a candura Se as formas divinaes do corpo teu Se escondem, se adivinhão, se apercebem Sob esse tão subtil, ligeiro véu? [9]

Ou, então, Ernesto Marecos (1836-1879), que viveu em Luanda desde 1850, um dos fundadores da revistai Aurora, adiante citada, terminando por falecer em Moçambique. Autor de Jucá, a Matumbolla (1865), o seu discurso é uma narração poética trabalhada sobre uma «lenda africana», que o autor situa na região da Lunda. O tema central é o crime que por amor se pratica e se redime também na morte heróica: «E buscou perdão na morte/Qual cumpria ao moço forte,/Ao leonino caçador»); e o «milagre do amor» vai assumir-se em ressurreição «junto ao triste cemitério/Que a bella Jucá escondeu» [10].

No domínio da narrativa impõe-se o nome de Alfredo Troni (1845-1904), em Luanda desde 1873, onde faleceu. Jornalista combativo e prestigiado assina o romancinho Nga Mutúri, publicado em folhetins nos jornais lisboetas Diário da Manhã e Jornal do Comércio e das Colónias, em 1882, e agora reeditado (1973). Centrada na área mestiça da cidade de Luanda da segunda metade do século XIX, os dons revelados em Nga Mutúri não são de somenos, antes pelo contrário. Desde o momento em que, sendo ainda criança, o tio é obrigado a vendê-la por força do quituxi (instituição jurídica africana), passando pela fase em que se transforma na mulher do branco que a comprou, depois pela viuvez (Nga Mutúri = Senhora Viúva), até ao momento em que o narrador dá o corte final da história, longo é o percurso da personagem principal. Através de vários sucessos e pequenas histórias encaixadas, o leque social de Luanda vai-se abrindo a nossos olhos: relações familiares, justiça, hábitos sociais, religiosos, culinária, tradições africanas de algum modo reelaboradas, conceitos de vida, conceitos morais, etc. Alfredo Troni, revelando um conhecimento concreto da sociedade luandense, numa linguagem depurada, cingida ao real, faz gala de uma segurança organizativa invulgar e cuidada utilização de um estilo que vai à ironia repousada, a uma certa malícia subtil buscar o tom geral da narração, mas com tal ciência que, salvo uma ou outra rara excepção, se defende de uma eventual distanciação que fatalmente empobreceria o texto. No toque de relevo da crítica de costumes sobressai a alienação trazida pela assimilação cultural e a transparência da coisificação do homem negro na estrutura instável colonizado/colonizador. Em resumo, texto de prazer e texto de conhecimento.

Já terá de se atribuir menos importância ao Romance íntimo (1892), 2.a ed. da série Scenas d'Ãfrica, de Pedro Félix Machado, ao que parece nascido em Angola (c. 1860 — séc. XX). Começamos por nos convencer de que a narrativa, cuja acção se reparte por Angola e Iisboa, só a muito custo se liberta do âmbito de uma literatura colonial, mau grado a manipulação de personagens da burguesia de duvidosa honorabilidade. Incluí-la aqui é um tanto pela meia dúzia de páginas que aludem a «um importante embarque de negros que interessava muitos dos principaes negociantes d'aquella praça» (p. 28) e tal «embarque projectado era de oito centas cabeças... de alcatrão — diziam os entendidos — as quaes n'essa épocha, deviam render, livres para os carregadores, uns seis centos contos.» (p. 30). Como quer que seja, para um juizo definitivo, seria necessário conhecermos a série completa [11].

O contributo de autores de origem africana, os «filhos do país», encontra em Joaquim Dias Cordeiro da Matta [faquim Ria Matta (1857 — 1894) uma fonte preciosa. Estimulado pelo missionário suiço Héli Chatelain, antropólogo ao serviço do governo americano, mais de uma vez desembarcado em Luanda, a quem se deve não só uma estimulante influência junto dos intelectuais angolanos, como também um trabalho importante no domínio da pesquisa linguística e etnográfica, de que se destaca Folk — Tales of Angola (1897), em edição portuguesa com o título Contos populares de Angola, 1964. J. Cordeiro da Matta, figura destacada da chamada geração de 1880 e um dos valores de maior evidência do século XIX, incitava os seus compatriotas a dedicarem «algumas horas de lazer para a fundação da nossa literatura» [o sublinhado é de quem assina este trabalho] (in Philosophia popular em provérbios angolenses, Lisboa, 1891). Filólogo, etnólogo, jornalista e poeta, parte da sua obra (alguns manuscritos, como os /14 contos angolanos) perdeu-se [12]. O seu livro de versos Delírios, 1857— 1887 (Luanda, 1887), que se considera também desaparecido, mas de que se conhecem algumas das suas poesias, avança na contribuição do tópico da cor, como no capítulo seguinte nos é dado comentar.

Outros mais se afirmam por essa época, como Jorge Eduardo Rosa e Lourenço do Carmo Ferreira, mas a maioria militando no jornalismo, em grande parte político e interveniente, não raro denunciador de prepotências e abusos da administração colonial ou de desmandos e repressões de sectores políticos e económicos. O Echo de Angola, por exemplo, (houve outros), fundado em 1881 era dirigido apenas por mestiços   e  negros   (os   «filhos   do   país»).   Inclusive assinala-se a existência, por regra efémera, de jornais e revistas como A Aurora (Luanda, 1856), O Sertão (1886), Ensaios Literários (Luanda, 1901), ao que parece todas desaparecidas, e Lu% e Crença (Luanda, 1902 — 1903), para além de outras não propriamente literárias — como é o caso d'0 Comércio de Luanda (1867) — mas que mantinham secções, pelo menos, literárias. E refira-se ainda a existência de associações literárias e culturais, havendo conhecimento concreto da Associação literária, Angolana [13]. É de igual modo um jornalismo daquele teor o que, em certa medida, existiu no arquipélago do Cabo Verde e em Moçambique [14].
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Notas:

1    A ordem de chegada dos portugueses  ao continente africano foi esta: Cabo Verde, 1460; S. Tomé e Príncipe, 1470;
Foz do Zaire, 1482; Moçambique, 1498.

2    As   primeiras   iniciativas   do   Governo   da   metrópole relacionadas   com   a   ensino   datam   de   1740.   Outras   se seguiram, mas ineficazes. Só a partir dos meados do século XIX o Governo Central procede a uma série de medidas tendentes ao desenvolvimento do ensino em Cabo Verde (Vide José Contado  Carlos  de Chelmichi,  Corografia cabo–verdiana ou Descripção Geografico-Historica da Provinda das Ilhas de Cabo-Verde e Guiné, 1841).
Compulsando os Boletins Oficiais de Cabo Verde, damos conta de várias providências ou diligências levadas a cabo nos fins do segundo quartel do século XIX sobre a instrução pública no Ultramar como, por exemplo, e além de outras:
Em   1845   se  procede  à  organização   da  instrução primária nas províncias ultramarinas, abrangendo as «escolas      principaes»;      «materiaes      de      ensino»; «provimento, vencimentos,  jubilação  e  aposentação dos professores»; «creação dos conselhos inspectores de instrução primária»; «sua composição e deveres» (Dec. de 14 agosto e P. R. 2 setembro 1845, o que pressupõe a existência de um ensino público em fase adiantada, pelo menos em Cabo Verde. Tanto assim que:
Em 1860 é «creado e estabelecido na cidade da Praia um liceu, com a denominação de Lyceu Nacional de Província de Cabo Verde» (P. circular n.° 313-A de 15 dezembro 1860. B. n.° 83). A título de exemplo, entre outras  importantes  medidas,  e  por  curiosidade,   se regista o seguinte:
Em  1875 efectuou-se a remessa de exemplares da Cartilha   Nacional   de    Caldas   Aulete   para    serem distribuídos pelas escolas de Cabo Verde, pedindo-se informação  aos responsáveis  pelo  ensino  sobre  os efeitos produzidos (P. R. n.° 32, 19 março 1878. B. n.° 16).
Em 1866 é «creado o Seminário eclesiástico da diocese de Cabo Verde» (Dec. 3 setembro 1866. B. n.° 44) cuja abertura ocorreu no ano de 1867 (Off. 18 janeiro 1967. B. n.° 9).
Na   segunda   metade   do   século   XIX   existiu   uma biblioteca e um museu nacional, cremos que na cidade da Praia (P. n.° 15,14 janeiro 1871. B. n.° 10).
Anteriormente a 1871 havia sido extinta a Sociedade Gabinete de Leitura cuja biblioteca transitou para a Biblioteca da cidade da Praia (P. n.° 157, 10 maio 1871).
Inclusivamente «a biblioteca foi mandada abrir ao público em todos os dias não santificados e feriados» das seis às oito horas da tarde» (P. n.° 45, 9 fevereiro
1893. B. 6).
No entanto, «por alvará de 12 de Janeiro de 1740 foi para S. Thiago um mestre de gramática, com 50$00 reis annuaes», segundo Christiano José de Sernna Barcellos in Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné. Parte n. Lisboa, Academia Real das Ciências de Lisboa, 1900, p. 281.

3 O prelo foi instalado nas ex-colónias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 1845; Moçambique, 1854; S. Tomé e Príncipe, 1857; Guiné-Bissau, 1879.

4    Só recentemente se teve conhecimento da existência desta obra. Deve-se à descoberta, cerca de 1966, de um exemplar na New York Public Library, pelo lusófilo  americano  Prof. Gerald Moser. Um segundo exemplar encontra-se agora na posse da Biblioteca da Companhia de Diamantes de Angola (Lisboa).
Janheinz Jahn noticia que o dramaturgo português Afonso Álvares, mestiço, contemporâneo de Gil Vicente, nascido e educado no palácio de D. Afonso de Portugal, bispo de Évora, é «o primeiro escritor africano de uma língua europeia», embora os seus autos não tenham relação com a África (in Manuel de littérature neoafricaine, Paris, Editions Resma, 1969, pp. 7-8.)

5    A. Teixeira da Mota, Dois escritores quinhentistas de Cabo Verde — André Álvares de Almada e André Dornelas. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1971, p. 39.

6    António de Oliveira Cadornega dá-nos notícia do facto nestes termos: «(...) succedeu ir hum dia o Capitão António Dias de Macedo neste tempo Sargento mór da guerra com huma sua petição sobre certo requerimento, e dizer-lhe o Secretário do Governo Sebastião Rodrigues que emendasse sua Mercê a petição, porque estando em Governo se lhe devia dar Senhoria; o Capitão tinha sua veya de Poeta, entrando ali perto em huma Caza pedio tinta e papel e escreveo o seguinte (segue-se a poesia que transcrevêramos) — in História geral das guerras angolanas «primeiro  tomo,  escrito, Anno  de  1968». Lisboa (edição fac-similada da edição de 1940), 1972, p. 515.

7    Constituída  por  um  volumoso  número   de  obras,  a literatura  colonial,   se  estudada  em  separado,   obrigaria  a subdivisões. Alguns autores ou certas obras de alguns autores pediriam  um  tratamento  especial.  Seriam  as  que  a  uma perspectiva europeizada juntam uma visão humanística, mas em que o travo paternalístico que as percorre impediria a sua inclusão na literatura africana de expressão portuguesa.
É evidente que as obras de Alexandre Cabral (Terra quente, 1953 e os contos de Histórias do Zaire, 1956), produto da sua experiência no Congo; ou os «Três pequenos contos» incluídos em Despedida breve, (1958) de José Augusto França; ou ainda o seu excelente romance Natureza morta (1949) de motivação angolana, por todas as razões, embora diferentes para cada um dos autores citados, estão para lá destes comentários.

8    José da Silva Maia Ferreira, Espontaneidades da minha alma, 1849, p. 17.

9    J. Cândido Furtado, «No álbum de uma africana» in Almanach de lembranças, 1864, p. 116; também in M. Ferreira, No reino de Caliban, 2° vol., 1976, pp. 24-25.

10    Ernesto Marecos, Jucá, aMatumbolla. Lisboa, 1865, pp. 40, 41, 42.

11    Pedro Félix Machado, autor de uma obra repartida pela ficção e pela poesia {Sorrisos e desalentos, colecção de sonetos; Uma teima, monólogo) e os romances da série Scenas d'África —?— Romance íntimo, 3." edição com uma carta de F. A. Pinto [isto  é Francisco António Pinto].  Lisboa,  Ferin,  1892;  2 volumes de 24+213 pp. & 146+1 pp. s/rosto. Cada vol. como uma parte independente.
Parte I — O Dr. Duprat, Parte
II — O Filho adulterino. O autor na 2." edição de O filho adulterino informa ainda que estava no prelo o 2.° vol. da II Parte — Antonias ou o caso do bairro Estephania e anunciava uma Hl Parte em preparação. Na Biblioteca Nacional, segundo as nossas buscas, apenas se encontra O filho adulterino, 2." edição. Carlos Ervendosa (in Itinerário da literatura angolana, 1972, pp. 34-35) afirma que Cenas dAfrica, numa 2." edição foi publicado em folhetins na Gaveta de Portugal.

12 Joaquim Dias Cordeiro da Matta (Jaquim Ria Matta) publicou ainda as seguintes obras: Ensaios de dicionário kimbundo — português; O luandense da alta e da baixa esfera — estudo crítico e analítico; Cartilha racional para se aprender o kimbundo escrito segundo a Cartilha Maternal do Dr. João de Deus; Cronologia de Angola [manuscrito].

13Teófilo José da Costa, «Augusto Silvério Ferreira — Perfil biográfico e alguns aspectos da sua vida». In Jornal de Angola, n.° 111. Luanda, 1961. Trata-se de um artigo de uma série que o autor publicou no citado Jornal de Angola, desde o n.° 108, 31.8.1961 ao n.° 119, agosto 1962, com bastante interesse para o conhecimento da actividade jornalística e cultural do século XIX em Angola.

14 Os primeiros periódicos não oficiais, excluindo, portanto, os Boletins Oficiais, foram: Angola, A Civilização da África Portuguesa, 1866; Moçambique, O Progresso, 1868; S. Tomé e Príncipe, O Equador, 1869; Cabo Verde, O Independente, 1877; Guiné-Bissau, Pró-Guiné, 1924.
Os primeiros Boletins Oficiais foram publicados nas seguintes datas: Cabo Verde, 1843; Angola, 1845; Moçambique, 1854; S. Tomé e Príncipe, 1857; Guiné-Bissau, 1880 (De 1843 a 1879 a Guiné-Bissau e Cabo Verde constituíam um todo administrativamente e por isso o Boletim Oficial era comum).
Vem ainda a propósito dizer que os Boletins Oficiais, para além da matéria governativa, mantinham secções de anúncios, avisos, denúncia de credores, etc, e ainda colaboração literária.


Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

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