sábado, 28 de julho de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 5 – Narrador

Narrador

Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história. Dois são os termos mais usados pelos manuais de análise literária, para designar a função do narrador na história: foco narrativo e ponto de vista (do narrador ou da narração). Tanto um quanto outro referem-se à posição ou perspectiva do narrador frente aos fatos narra dos. Assim, teríamos dois tipos de narrador, identificados à primeira vista pelo pronome pessoal usado na narração: primeira ou terceira pessoa (do singular).

Tipos de narrador

1. Terceira pessoa: é o narrador que está fora dos fatos narrados, portanto seu ponto de vista tende a ser mais imparcial. O narrador em terceira pessoa é conhecido também pelo nome de narrador observador e suas características principais são:

a) onisciência: o narrador sabe tudo sobre a história;

b) onipresença: o narrador está presente em todos os lugares da história.

       Veja um exemplo de narrador observador no trecho extraído da obra de Érico Veríssimo, O tempo e o vento, num dos episódios em que se fala de Ana Terra e Pedro Missioneiro:

(...) Pedro sentou-se, cruzou as pernas, tirou algumas notas da flauta, como para experimentá-la e depois, franzindo a testa, entrecerrando os olhos, alçando muito as sobrancelhas, começou a tocar. Era uma melodia lenta e meio fúnebre. O agu do som do instrumento penetrou Ana Terra como uma agulha, e ela se sentiu ferida, trespassada. (...)
Tirou as mãos de dentro da água da gamela, enxugou-as num pano e aproximou-se da mesa. Foi então que deu com os olhos de Pedro e daí por diante, por mais esforços que fizesse, não conseguiu desviar-se deles. Parecia-lhe que a música saia dos olhos do índio e não da flauta — morna, tremida e triste como a voz duma pessoa infeliz. (...)
(O continente. ln:..O tempo e o vento. Rio de Janeiro, Globo, 1963. t. 1, p. 88.)

Neste caso, temos bem clara a onisciência do narrador observador, pois ele não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem; em outras palavras, ele sabe mais que os personagens.

      Variantes de narrador em terceira pessoa

a) Narrador “intruso”: é o narrador que fala com o leitor ou que julga diretamente o comportamento dos personagens. Um exemplo deste tipo de participação do narrador é o romance de Camilo Castelo Branco, Amor de perdição:

(...) Não desprazia, portanto, o amor de Mariana ao amante apaixonado de Teresa. Isto será culpa no severo tribunal das minhas leitoras; mas, se me deixarem ter opinião, a culpa de Simão Botelho está na fraca natureza, que é todas as galas no céu, no mar e na terra, e toda incoerência, absurdezas e ví cios no homem, que se aclamou a si próprio rei da criação, e nesta boa-fé dinástica vai vivendo e morrendo.
(São Paulo, Ática, 1983. p. 60.)


b) Narrador “parcial”: é o narrador que se identifica com determinado personagem da história e, mesmo não o defendendo explicitamente, permite que ele tenha mais espaço, isto é, maior destaque na história. É o que ocorre no romance Capitães da areia, de Jorge Amado, no qual o narrador se identifica com os heróis da história, em especial Pedro Bala, contrariando a ideologia dominante que os vê como bandidos.

2. Primeira pessoa ou narrador personagem: é aquele que participa diretamente do enredo como qualquer personagem, portanto tem seu campo de visão limitada isto e, não é onipresente, nem onisciente. No entanto, dependendo do personagem que narra a história, de quando o faz e de que relação estabelece com o leitor, podemos ter algumas variantes de narrador personagem.
    
  Variantes do narrador personagem

a) Narrador testemunha: geralmente não é o personagem principal, mas narra acontecimentos dos quais participou, ainda que sem grande destaque. Um exemplo deste tipo de participação do narrador personagem é o romance Amor de salvação, de Camilo Castelo Branco, no qual o narrador é amigo de Afonso de Teive, personagem principal; do reencontro dos dois depois de alguns anos decorridos da amizade na época da universidade nasce a história tentando aproximar o jovem boêmio idealista Afonso do pai careca e barrigudo, que o narrador vê diante de si.

b) Narrador protagonista: é o narrador que é também o personagem central. Podem-se citar inúmeros exemplos deste tipo de narrador e apresentaremos alguns bastante célebres: Paulo Honório, narrador do romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, homem duro, que tenta entender a si e a sua vida após a morte da esposa Madalena; Bento, de Dom casmurro, de Machado de Assis, célebre por dar sua versão sobre a possível traição de Capitu, seu grande amor. Nos dois casos temos um narrador que está distante dos fatos narrados e que, portanto, pode ser mais crítico de si mesmo.

Narrador não é autor

       As variantes de narrador em primeira pessoa ou em terceira pessoa podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. Por isso é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, mas uma entidade de ficção, isto é, uma criação lingüística do autor, e por tanto só existe no texto. Numa análise de narrativas evite referir-se à vida pessoal do autor para justificar posturas do narrador; não se esqueça de que está lidando com um texto de ficção (imaginação), no qual fica difícil definir os limites da realidade e da invenção. Este pressuposto é válido também para as autobiografias, nas quais não temos a verdade dos fatos, mas uma interpretação deles, feita pelo autor.

Continua…Tema – assunto – mensagem


Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

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