A notícia dada por um jornal paraense de que um candidato se envenenara ao saber do resultado de alguns colégios eleitorais, tem-me dado que pensar até hoje.
O mesmo acontece ao meu moleque.
— Nhonhô, dizia-me ontem este interessante companheiro de doze anos, ser deputado é então uma coisa muito superfina. Ninguém se mata porque não tirou a sorte ou porque perdeu o primeiro ato do Ali-Babá.
— Assim é, respondi eu, conquanto uma eleição seja mais ou menos uma loteria. Poucos prêmios e muitos bilhetes brancos.
Nem será difícil achar semelhança entre uma eleição e uma mágica; avultam em ambas as visualidades e tramóias. Até há música na eleição: variações sobre motivos dos queixos. Há também fogos de. . . bengala.
Em todo caso, querido moleque meu, custa-me a engolir a notícia, que me cheira a carapetão. Ser deputado é bom, direi até excelente; mas, com seiscentos fósforos!não é motivo para entrar na eternidade!
...... O que? Se eu nego o suicídio político? Não, moleque, eu não nego o suicídio político. Eu tenho notícia da morte de Catão.
Todavia, três colégios eleitorais não fazem uma Pharsalia, nem a república expirou em Serpa.
Eu compreendia o suicídio político (ainda que anacrônico), se a eleição do candidato estivesse ligada a sorte da liberdade e da nação.
Bem, direi eu, aquilo já não se usa; ninguém se mata hoje por essas duas moças; mas em suma o candidato era um romano transviado no século XIX. Viu que depois da expressão das três urnas a constituição era simplesmente o nome de uma praça no Rio de Janeiro e uma fórmula de terminar decretos.
. . . Pátria, ao menos,
Juntos morremos!. . .
E expirava com a pátria, e eu não tinha nada que dizer nem duvidar.
Mas duvido e duvido muito. A folha do Pará tem obrigação de verificar a notícia e informar os seus leitores, em cujo número estou.
Na cidade de Porto Alegre há grandes queixas contra as badaladas... Descansem; falo das badaladas dos sinos.
Há abusos, dizem as folhas, nos toques dos sinos por ocasião de cerimônias fúnebres.
Que fez então o governador do bispado?
Ordenou imediatamente que cessasse o abuso, transcrevendo vários artigos da Constituição sinodal.
Até aqui tudo vai bem.
Notei, entretanto, na Constituição sinodal uma coisa, que naturalmente tem explicação, mas que eu não compreendo. Diz-se aí que por um homem haverá três badaladas, por uma mulher duas, e por uma criança uma, ou seja macho ou fêmea.
Ora, por que motivo os filhos de Adão terão direito a mais uma badalada do que as filhas de Eva? Um defunto é um defunto. Não há necessidade, penso eu, de indicar aos fregueses da paróquia o sexo do cristão que cessou de viver, porque o padre-nosso é um para todos, e se as três badaladas querem dizer que os fiéis devem rezar mais alguma coisa, quando se trata de um homem, há nisto uma tal parcialidade masculina, que eu não posso deixar de a denunciar ao sexo oposto, como dizia um deputado provincial.
Repito, há alguma razão que eu não compreendo, e por isso limito-me a exprimir a dúvida. Para alguns leitores fluminenses há de parecer curioso que ainda exista o uso dos toques fúnebres no Rio Grande.
Isto me faz lembrar que também o tivemos aqui, e que se acabou, naturalmente por pedido dos fiéis, o que inspirou algumas belas linhas ao folhetinista do Jornal do Comércio em 1854.
Não o tenho à mão; mas lembra-me que ele lastimava que se houvesse posto termo ao uso dos toques fúnebres e pedia a vinda de algum Chateaubriand que nos reescrevesse o que o outro havia dito da poesia religiosa dos sinos.
Não é preciso dizer que o Chateaubriand não veio. Em compensação veio o Zuavo da liberdade. Uma correspondência do Apóstolo critica um redator do Pelicano por afirmar que Galileu dissera: e pur si muove. Quer o correspondente que devesse dizer: e pur si muovere. Isto espanta-me ! Conversavam X e Z a propósito da festa da Penha. Z perguntou donde vinha o uso da romaria. O interrogado ia justamente perguntar a mesma coisa, mas não hesitou em responder:
— É um uso romano. A austera república tinha esses dias de festa, semelhantes às férias latinas, e era então que todo o povo dava largas ao prazer. Pode-se dizer que nessas ocasiões Roma ria.
DEFINIÇÕES
Calça de meia: eufemismo da perna.
Luar: — rio francês que se pode ver em toda a parte.
Bossas: — protuberâncias no crânio, onde nunca se demoram os ratoneiros, porque as passam. Verdade é que tem medo de passá-las sozinhos; passam com — C — cedilhado.
Beijo: — principio fim.
Carraspana: — forma popular do good spirit.
Olhos: — batedores do coração.
Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.
O mesmo acontece ao meu moleque.
— Nhonhô, dizia-me ontem este interessante companheiro de doze anos, ser deputado é então uma coisa muito superfina. Ninguém se mata porque não tirou a sorte ou porque perdeu o primeiro ato do Ali-Babá.
— Assim é, respondi eu, conquanto uma eleição seja mais ou menos uma loteria. Poucos prêmios e muitos bilhetes brancos.
Nem será difícil achar semelhança entre uma eleição e uma mágica; avultam em ambas as visualidades e tramóias. Até há música na eleição: variações sobre motivos dos queixos. Há também fogos de. . . bengala.
Em todo caso, querido moleque meu, custa-me a engolir a notícia, que me cheira a carapetão. Ser deputado é bom, direi até excelente; mas, com seiscentos fósforos!não é motivo para entrar na eternidade!
...... O que? Se eu nego o suicídio político? Não, moleque, eu não nego o suicídio político. Eu tenho notícia da morte de Catão.
Todavia, três colégios eleitorais não fazem uma Pharsalia, nem a república expirou em Serpa.
Eu compreendia o suicídio político (ainda que anacrônico), se a eleição do candidato estivesse ligada a sorte da liberdade e da nação.
Bem, direi eu, aquilo já não se usa; ninguém se mata hoje por essas duas moças; mas em suma o candidato era um romano transviado no século XIX. Viu que depois da expressão das três urnas a constituição era simplesmente o nome de uma praça no Rio de Janeiro e uma fórmula de terminar decretos.
. . . Pátria, ao menos,
Juntos morremos!. . .
E expirava com a pátria, e eu não tinha nada que dizer nem duvidar.
Mas duvido e duvido muito. A folha do Pará tem obrigação de verificar a notícia e informar os seus leitores, em cujo número estou.
Na cidade de Porto Alegre há grandes queixas contra as badaladas... Descansem; falo das badaladas dos sinos.
Há abusos, dizem as folhas, nos toques dos sinos por ocasião de cerimônias fúnebres.
Que fez então o governador do bispado?
Ordenou imediatamente que cessasse o abuso, transcrevendo vários artigos da Constituição sinodal.
Até aqui tudo vai bem.
Notei, entretanto, na Constituição sinodal uma coisa, que naturalmente tem explicação, mas que eu não compreendo. Diz-se aí que por um homem haverá três badaladas, por uma mulher duas, e por uma criança uma, ou seja macho ou fêmea.
Ora, por que motivo os filhos de Adão terão direito a mais uma badalada do que as filhas de Eva? Um defunto é um defunto. Não há necessidade, penso eu, de indicar aos fregueses da paróquia o sexo do cristão que cessou de viver, porque o padre-nosso é um para todos, e se as três badaladas querem dizer que os fiéis devem rezar mais alguma coisa, quando se trata de um homem, há nisto uma tal parcialidade masculina, que eu não posso deixar de a denunciar ao sexo oposto, como dizia um deputado provincial.
Repito, há alguma razão que eu não compreendo, e por isso limito-me a exprimir a dúvida. Para alguns leitores fluminenses há de parecer curioso que ainda exista o uso dos toques fúnebres no Rio Grande.
Isto me faz lembrar que também o tivemos aqui, e que se acabou, naturalmente por pedido dos fiéis, o que inspirou algumas belas linhas ao folhetinista do Jornal do Comércio em 1854.
Não o tenho à mão; mas lembra-me que ele lastimava que se houvesse posto termo ao uso dos toques fúnebres e pedia a vinda de algum Chateaubriand que nos reescrevesse o que o outro havia dito da poesia religiosa dos sinos.
Não é preciso dizer que o Chateaubriand não veio. Em compensação veio o Zuavo da liberdade. Uma correspondência do Apóstolo critica um redator do Pelicano por afirmar que Galileu dissera: e pur si muove. Quer o correspondente que devesse dizer: e pur si muovere. Isto espanta-me ! Conversavam X e Z a propósito da festa da Penha. Z perguntou donde vinha o uso da romaria. O interrogado ia justamente perguntar a mesma coisa, mas não hesitou em responder:
— É um uso romano. A austera república tinha esses dias de festa, semelhantes às férias latinas, e era então que todo o povo dava largas ao prazer. Pode-se dizer que nessas ocasiões Roma ria.
DEFINIÇÕES
Calça de meia: eufemismo da perna.
Luar: — rio francês que se pode ver em toda a parte.
Bossas: — protuberâncias no crânio, onde nunca se demoram os ratoneiros, porque as passam. Verdade é que tem medo de passá-las sozinhos; passam com — C — cedilhado.
Beijo: — principio fim.
Carraspana: — forma popular do good spirit.
Olhos: — batedores do coração.
Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.
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