sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Fabiano Wanderley (Trovas em preto e branco)


1
Ao ver, a morte estampada,
na face de uma criança,
vê-se, ali, riste, ceifada,
para sempre, uma esperança,
2
Como que por acalanto,
descerra a noite, o seu véu.
Cobre a terra com seu manto,
expondo estrelas no céu! 
3
Confirmando as suas lendas,
por capricho, o velho mar,
cobre as areias de rendas,
quando a praia vem beijar…
4
Desista, irmão, dessa guerra,
abrace a paz benfazeja,
pois a vida, enfim, se encerra,
onde o combate, sobeja.
5
Em noite de lua cheia,
envolto a tanto esplendor,
um poeta galhardeia,
versando trovas de amor.
6
Nada detém tanto encanto,
nem tanta essência de amor,
qual o feito sacrossanto,
do desabrochar da flor!
7
No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz,
em cada cena exibida,
há sempre um pouco de nós.
8
No voo, a linda graúna,
com graça e simplicidade,
entoa, por sobre a duna,
seu canto de liberdade.
9
Pelos caminhos da lida,
quantos castelos ergui...
- E esses sonhos, pela vida,
com trabalho, os consegui!
10
Por ser um real tormento,
indefinível ao pintor
e um sublime sentimento:
– A saudade não tem cor!
11
Quando no espelho me exponho,
a velhice me valida,
com marcas de um lindo sonho
e gratidão pela vida…
12
Saudade é dor que se sente,
por quem, por qual, ou razão.
Um vazio que há na gente:
— Mistério de um coração!...

As Trovas de Fabiano Wanderley em Preto & Branco
por José Feldman

SIGNIFICADO DAS TROVAS; TEMÁTICA E RELAÇÃO COM LITERATOS DE DIVERSAS ÉPOCAS

As trovas de Fabiano Wanderley expressam uma profunda sensibilidade e uma riqueza de temas que vão da vida e da morte, passando pelo amor, saudade e a beleza da natureza.

1. Morte e Esperança
"Ao ver, a morte estampada, 
na face de uma criança..."
A imagem da morte na face de uma criança evoca uma perda trágica e precoce. A esperança, representada na inocência infantil, é ceifada, gerando um profundo sentimento de desolação. Este contraste entre a vida e a morte estabelece um tema de fragilidade da existência.

Álvares de Azevedo aborda a morte com um tom melancólico em poemas como "Noite de Luar". Adélia Prado explora a fragilidade da vida e a dor da perda, refletindo sobre a esperança perdida.

2. Beleza da Noite
"Como que por acalanto, 
descerra a noite, o seu véu."
A noite é personificada como um ser que acalma e cobre a terra. O véu da noite revela as estrelas, sugerindo que mesmo na escuridão há beleza e serenidade. Essa metáfora reflete como a escuridão pode ser reconfortante e cheia de maravilhas.

Olavo Bilac celebra a beleza noturna em poemas como "O Caçador de Esmeraldas". Cecília Meireles utiliza a noite como metáfora para introspecção e mistério.

3. Mar e Lendas
"Confirmando as suas lendas, 
por capricho, o velho mar..."
O mar é descrito como um ente caprichoso que, ao cobrir as areias, traz à tona as lendas que o cercam. Isso sugere a conexão entre natureza e cultura, e como os elementos naturais inspiram histórias e mitos que enriquecem a tradição.

Gregório de Matos fala sobre o mar e suas lendas em sua obra, refletindo a natureza e o misticismo. Em “Marília de Dirceu”, de Tomás Antonio Gonzaga é um marco da poesia romântica do século XVIII no Brasil. O amor idealizado entre o eu lírico e Marília, uma figura que simboliza a beleza e a pureza, utiliza o mar como símbolo de amor e saudade, ligando natureza e emoção.

4. Paz vs. Guerra
"Desista, irmão, dessa guerra, 
abrace a paz benfazeja..."
Aqui, há um forte apelo à paz. A guerra é vista como um combate que não traz benefícios, enquanto a vida é efêmera. Esta trova reflete um desejo universal por harmonia e compreensão, ressaltando a futilidade da violência.

Vinícius de Moraes em "Soneto da Separação" reflete sobre a dor da guerra emocional e a busca pela paz interior. Eucanaã Ferraz aborda a luta pela paz em um mundo conturbado, destacando a importância da harmonia.

5. Amor e Poesia
"Em noite de lua cheia, 
envolto a tanto esplendor..."
A lua cheia simboliza romance e inspiração. O poeta, em um momento de beleza, expressa suas emoções através das trovas de amor, sugerindo que a arte é uma forma de manifestar sentimentos profundos e eternos.

Camões em "Os Lusíadas" e seus sonetos líricos transmitem a força do amor e da inspiração poética. Hilda Hilst explora o amor sob diversas facetas, incorporando a paixão e a sensibilidade em sua obra.

6. A Flor como Símbolo
"Nada detém tanto encanto, 
nem tanta essência de amor..."
A flor é um símbolo da pureza e do amor. O "feito sacrossanto" do seu desabrochar representa a beleza da vida e a fragilidade dos sentimentos humanos, reforçando a ideia de que o amor é uma experiência sublime.

Cassiano Ricardo usa a flor como símbolo de beleza e efemeridade em sua poesia. Marina Colasanti também utiliza a flor para simbolizar a fragilidade e a beleza da vida.

7. A Vida como Palco
"No grande palco da vida,
desse enredo tão atroz..."
A metáfora do palco sugere que a vida é uma performance, onde cada um desempenha um papel. As experiências, boas e más, são partes de um enredo maior. Isso invita à reflexão sobre nossa individualidade e a interconexão entre as histórias humanas.

Shakespeare em suas peças explora a vida como uma performance, refletindo sobre os papéis que cada um desempenha. Adélia Prado trata da vida cotidiana como um palco onde emoções e experiências são vividas intensamente.

8. Liberdade e Natureza
"No voo, a linda graúna, 
com graça e simplicidade..."
A graúna é um símbolo de liberdade e beleza. Seu canto sobre a duna sugere uma celebração da simplicidade e da natureza, lembrando que a verdadeira liberdade está em viver de forma autêntica e em harmonia com o mundo ao nosso redor.

Guilherme de Almeida celebra a natureza e a liberdade em seus poemas. Carlos Drummond de Andrade frequentemente incorpora a natureza para discutir a liberdade e a condição humana.

9. Sonhos e Trabalho
"Pelos caminhos da lida, 
quantos castelos ergui..."
Aqui, o trovador reflete sobre a construção de sonhos através do trabalho duro. Os "castelos" simbolizam aspirações e realizações, enfatizando a importância do esforço e da perseverança na busca por objetivos na vida.

Machado de Assis em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" reflete sobre o esforço e os sonhos na vida. Marçal Aquino aborda o tema da luta e dos sonhos em suas narrativas, enfatizando a perseverança.

10. Saudade
"Por ser um real tormento, 
indefinível ao pintor..."
A saudade é apresentada como um sentimento profundo e complexo, que não pode ser facilmente definido ou representado. Essa ideia ressalta a dor da perda e a nostalgia, que são experiências universais, porém únicas para cada indivíduo.

Fernando Pessoa, em sua obra, explora a saudade como um tema central, refletindo sobre a ausência e a nostalgia. Mário Quintana fala da saudade com leveza e profundidade, capturando a dor e a beleza desse sentimento.

11. Reflexão sobre a Velhice
"Quando no espelho me exponho, 
a velhice me valida..."
A velhice é vista como um processo de validação da vida, onde as marcas são testemunhos de experiências vividas. A gratidão pela vida sugere uma aceitação madura do tempo e das memórias que moldam a identidade.

Cecília Meireles discute a passagem do tempo e a sabedoria adquirida com a idade. Marina Colasanti reflete sobre a velhice e as memórias, reconhecendo a beleza do envelhecer.

12. Mistério do Coração
"Saudade é dor que se sente, 
por quem, por qual, ou razão."
A última trova explora a complexidade da saudade, identificando-a como um mistério do coração. O vazio que ela causa é uma expressão da conexão emocional que temos com os outros, destacando a profundidade dos laços humanos e o impacto da ausência.

Pablo Neruda explora o amor e a dor em seus poemas, refletindo sobre a complexidade dos sentimentos. Ana Cristina César aborda a intensidade emocional e os mistérios do coração em suas obras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trovas de Fabiano Wanderley revelam um rico bordado de temas universais, tecendo reflexões profundas sobre a condição humana. Através de uma linguagem poética acessível, o autor aborda questões como a fragilidade da vida, a busca pela paz, a complexidade do amor e a inevitabilidade da saudade.

Cada trova, embora possa ser lida de forma isolada, ressoa com as demais, criando um diálogo interno que enriquece a compreensão do todo. A morte e a esperança, por exemplo, estabelecem um contraste que permeia a experiência humana, enquanto a beleza da noite e a liberdade da natureza evocam a necessidade de encontrar serenidade em meio ao caos.

A natureza desempenha um papel central nas trovas, funcionando tanto como cenário quanto como símbolo das emoções humanas. O mar, as flores e a noite não são apenas elementos estéticos, mas sim representações das complexidades da vida, refletindo a influência do romantismo na literatura brasileira. Essa conexão com a natureza também aponta para uma valorização do que é efêmero e belo, uma característica que liga o trovador a poetas clássicos e contemporâneos.

As trovas não apenas exploram sentimentos pessoais, mas também capturam a essência da experiência coletiva. A luta pela paz, a construção de sonhos e a aceitação da velhice são temas que ecoam a universalidade da condição humana. A saudade, em particular, aparece como um sentimento intrínseco à vivência de quem ama e perde, solidificando a ideia de que a dor e a beleza coexistem.

Enfim, as trovas de Fabiano Wanderley são um convite à reflexão sobre a vida em suas múltiplas facetas. Elas nos lembram da importância de valorizar os pequenos momentos, da beleza encontrada na dor e da interconexão entre todos nós. Nas trovas acima, dialoga com tradições tanto antigas quanto contemporâneas, explorando temas universais que ressoam ao longo do tempo. Cada uma de suas trovas reflete uma profunda sensibilidade, conectando-se a grandes poetas que discutiram a vida, a morte, o amor e a saudade.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco.vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Vereda da Poesia = 109


Trova de 
LUIZ DAMO
Caxias do Sul/ RS

Linhas de paz, na criança,
Deus quer por ela escrever.
são resenhas de esperança
que o mundo não sabe ler.
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Sextilha de
MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando Deus apontar  novo começo,
colho o rumo, e sorrindo vou contente.
Só consigo provar merecimento
sendo bom, cordial com toda gente.
Faço isso, sentindo nos caminhos
que Deus sempre caminha em minha frente. 
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Trova de
LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI
Bandeirantes/PR

No adentrar de um labirinto,
nas intempéries da vida,
agilize o seu instinto:
- busque a porta de saída!
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Soneto de 
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

A minha irmã

    Depois que a dor, depois que a desventura
    Caiu sobre o meu peito angustiado,
    Sempre te vi, solícita, a meu lado,
    Cheia de amor e cheia de ternura.

    É que em teu coração inda perdura,
    Entre doces lembranças conservado,
    Aquele afeto simples e sagrado
    De nossa infância, ó meiga criatura.

    Por isso aqui minh' alma te abençoa:
    Tu foste a voz compadecida e boa
    Que no meu desalento me susteve.

    Por isso eu te amo, e, na miséria minha,
    Suplico aos céus que a mão de Deus te leve
    E te faça feliz, minha irmãzinha…
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Trova Premiada em Blumenau/ SC, 2016
CLÁUDIO DE CÁPUA 
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

Sem Cuidados, navegando
por águas mansas... amenas,
eu navego deslizando...
a viver horas serenas.
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Poema de
GIL SALOMON
Jaraguá do Sul/SC

Refúgio

Meu grito morreu na garganta
sufocado por esta cidade,
mas ainda trago a esperança
de me livrar dessa velocidade.

Não tenho tempo para mais nada,
o celular me acha em qualquer lugar,
então me escondo, as mãos no teclado
procurando alguém pra me plugar.

Eu agora grito por socorro,
Preciso urgente me refugiar,
Se continuar aqui eu morro
Sem da vida poder desfrutar.

Quero um refúgio,
venha comigo.
Quero um amigo
que não seja virtual.
Alguém com quem possa falar,
alguém com quem possa compor
uma bela canção de amor,
do verde amor das florestas,
do cristalino amor dos rios,
dos amor azul do céu
e do negro e quente amor da noite.
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Trova Popular

Priva-me de que eu te veja
isso, meu bem, pode ser;
mas privar-me de que te ame,
só Deus tem esse poder.
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Poema de 
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA 
Salvador/BA

Astrolábio

A bússola e o astrolábio
velas ao vento.
Existe outro Bojador 
nestes mapas interiores.

Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.

Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.
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Trova de
CORNÉLIO PIRES 
Tietê/SP, 1884 – 1958, São Paulo/SP

Matrimônio, companheiro,
exige muito cuidado;
pai Adão dormiu solteiro,
depois acordou casado.
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Poema de
ARACELY BRAZ
São Francisco do Sul/SC

Inspiração

Porque me foges, imperiosa amiga?
A procura me sufoca e tu, distante ainda.
Em qual recanto te escondeste assim?
Já são longos os caminhos percorridos
Nem o mar, nem sol ou sombra de um abrigo
Trazem esperança, a tua luz em mim.
Sei que és a clave, és os bemóis desta canção.
Peço da vida o que ela tem de bom;
Se lentamente chegares, qualquer dia,
Inundará de perfume meu jardim,
Renascerá o esplendor de um coração.
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Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

À pergunta: - Qual andar?
Responde o pinguço, a esmo:
- Onde quiser me levar;
já errei de prédio mesmo!
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Poema de
TERESINKA PEREIRA
Ohio/Estados Unidos

Explicações

Ninguém se arrepende
do que é.
O brincar com as ilusões 
de tempo e de sonhos
não conserta planos perdidos
nem explica a falta de garra
em um momentâneo céu.
Para isso existe a crueldade
E a covardia dos deuses
E daqueles que de joelhos
Morrem por um perdão.
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Trova de 
DELCY RODRIGUES CANALLES
Porto Alegre/RS

Alguém me disse: - Desista
de sonhar, de ter anseios!
É que eu vivo da conquista
dos meus próprios devaneios!
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Poema de
HARRY WIESE
Ibirama/SC

Poema para alguém ausente

A noite transcende o sono
e me aprisiona no calabouço
de mim mesmo.

Na escuridão absoluta,
sinto a tua imagem transcendente,
funesta.

Éramos desbravadores sentimentais
em tempos de fartura
e descobrimos a vida
amando o mundo.

Agora, a noite sufoca o sono
e no teto da velha casa vejo os monstros
que te sugaram o plasma
no labirinto traiçoeiro.

As sombras espessas da noite
vagam lentas
e eu preciso lembrar-me de você
antes de cair sonâmbulo
na madrugada estia.

Depois nada mais houve;
as horas lentas me empurraram
para a vida mais só.

A noite transcende o sono
e se vai sem rumo...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
VICTOR BATISTA
Barreiro/Portugal

Um pescador de talento
é quem espera e confia,
tirar do mar o sustento
no nascer de cada dia.
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Soneto de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Cota suficiente

Bendita a pérola pequena e inculta
que fartas vezes vislumbrar logrei
na concha humilde, a única que herdei
do mar imenso que agiganta e avulta.

Bendito o mínimo botão que a estulta
gente distante, nos jardins que andei,
calcou aos pés. Pois dele me apossei,
deixando a todos, livre, a rosa culta.

E vendo o mundo em ouro se encantar,
busquei nas coisas simples me abrigar,
sem ter cobiça a ventura imponente.

Fortuna tenho, imensa, a ostentar:
pois no alto vendo o astro-rei brilhar,
eu desejei a sombra. Simplesmente…
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Trova Premiada em Blumenau/ SC, 2016

MESSIAS DA ROCHA
Juiz de Fora/MG

É preciso ter cuidados,
com palavras que sugerem
segredos não revelados,
de lembranças que nos ferem.
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Poema de 
ERNA PIDNER 
Joinville/SC

Sou 

Sou
Uma estrela cadente
Brilho resplandecente
Caída do céu!
Sou 
A magia da noite
Esperando o açoite
De sensações ao léu!
Sou
Alquimia de almas
No aguardo de palmas;
Paixões ao luar...
Sou
O regaço de amantes
Frenesis ofegantes
Pedacinhos do amor...
Sou
Sempre fui e serei;
Ainda não terminei
Minha obra sem fim...
Sou
Solução de momento
Astro no firmamento
Fragmentos de mim…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Brilha sempre em nossa vida 
alguma luz: a do sol 
ou no mínimo a emitida 
por um mínimo farol.
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Pantum de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

Uma visão

MOTE:
Esta atual geração
mostra certa negligência.
Apinhada em atuação
desafiando a ciência.

PANTUM:
Mostra certa negligência
em toda a sua postura,
desafiando a ciência,
a juventude imatura.

Em toda a sua postura,
leva um emblema no peito;
a juventude imatura
se veste de qualquer jeito.

Leva um emblema no peito,
atira-se nua ao mar,
se veste de qualquer jeito,
põe-se logo a navegar.

Atira-se nua ao mar,
com muita satisfação.
Põe-se logo a navegar,
esta atual geração.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova da Princesa dos Trovadores 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

É possível que aconteça:
Seja folclore ou novela,
tanta gente sem cabeça...
por que não mula... sem ela?
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Hino de Arraias/TO

Arraias minha altaneira,
Idílio de amor em teu luar!
Nobre, feliz alvissareira,
Hei de rever-te, te abraçar.
És do Tocantins a jóia rara
Teu sol luzente no arrebol
Refulge em pedraria cara
O ouro fulvo do teu sol.

Arraias, és bela e sedutora,
Poema de gozo em solidão.
És simples, nobre, encantadora,
És grande de alma e coração!
Tua água, ó biquinha, benfazeja
Teu gosto é milagroso ao paladar.
Aquele que te prova só deseja
A Arraias, feliz, sempre voltar!

Arraias minha! Arraias bela!
Terra de afeto e dileção
Tu tens do jovem, da donzela,
Todo o encanto e sedução.
Sussurra a brisa bem fadada
Na mais doce vibração
Tu és uma terra encantada
De um povo hospitaleiro e irmão.

Arraias, ninguém te esquece
Tua graça, teu viço sem igual
Relembra a velha serra que parece
Um guardião a cuidar-te, paternal.
Tuas noites tão formosas celebradas
Em rodas, bacondês, ó, dias meus!
Nas noites arraianas encantadas
Nossa alma se recolhe e sobe a Deus.

Igrejinha do Rosário, ainda te vejo
Na lembrança, com saudade e ternura.
Pra mim há sempre o ensejo
De voltar à minha infância de candura.
Córrego Rico, em cujas águas tão lendárias
A lembrança do escravo se debruça,
Acalentando a velha rua solitária,
Onde a alma do passado ainda soluça.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de 
BRANDINA ROCHA LIMA
Recife/PE, 1916 – 1999, Moreno/PE

É penosa - e não me iludo!
- essa exaustiva jornada:
- ontem, em busca de TUDO...
- hoje, a caminho do NADA.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
CISSA DE OLIVEIRA
Campinas/SP

A agenda

no meu dia-a-dia
cada folha 
é um poema de amor 

É outono, eu sei,
contudo as músicas das folhas
dizem: primavera!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Tempo, palavra sem rima 
qual mãe, que rima não tem.. 
E eu sigo de baixo acima, 
rimando como ninguém! 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

Os dois ratos, o raposo e o ovo

Dois ratos, indo buscar vida, acharam
Um ovo, que jantar daria farto
A gente dessa laia,
Que de acertar com um boi não necessita.
De apetite e folgança mais que cheios,
Cada um já se dispunha
A ter no ovo quinhão. Mas, eis que avistam
Um fuão, que se diz Mister Raposo.
Aziaga aventura!
Salvar o ovo era o ponto, enfardelá-lo,
Ir, com os dianteiros pés levando-o a pino,
Rodá-lo, ou já arrastá-lo,
Sobre arriscado, era África impossível.
Necessidade é astuta, é inventiva.
Mede a distância à toca,
Mede a distância ao sôfrego raposo, —
Obra de mais de légua. Eis que um se abraça
Com o ovo, e se põe de costas,
Tombos sofre, sofre ásperos caminhos,
Enquanto o outro o reboca pelo rabo.

Meditem neste conto,
E não venham clamar que é nulo o juízo
Nos animais; quando eu, se em mim coubesse,
Lhe o dera igual à infância.

Recordando Velhas Canções (Esmagando rosas)


(bolero, 1941)

Compositores: Alcir Pires Vermelho e David Nasser

Tu tens
No sol dos teus cabelos
A luz do velho sol nascente
Vem brincar
No azul de teu olhar
O azul-verde do mar
O fascínio dos teus lábios
Lembra a cor
Do sol lá no poente

E tens, também
Em teu porte divino
Toda nobreza romana
Mas, se tu passas por mim
Cheia de orgulho e de graça
Teus pés no chão
Parecem rosas pisar.

Aparecido Raimundo de Souza (Menina de Tranças)

NO PEQUENO E PACATO vilarejo de Santa Luzia do Monte Sagrado, onde o tempo parecia ter estancado os passos de seguir num ritmo próprio, havia uma menina que todos conheciam pela sua beleza ímpar e rara, e –, em igual sorte –, no modo carinhoso como tratava as pessoas. Seu nome, Laudicea (a maioria a chamava carinhosamente de “Menina de Tranças.”) Seus longos cabelos pretos, macios e sedosos, engalanados com fitas coloridas, se consubstanciavam na marca registrada dessa mocinha de quinze anos, cujos sorrisos fáceis e encantadores se misturavam e se alinhavam com os olhos verdes nervosamente matizados por um brilho indescritível.

Santa Luzia do Monte Sagrado não se estendia além de um lugarejo pacato e tranquilo sediada à margens direita de um rio de leito suave, e onde as pessoas de canto a canto se conheciam pelo primeiro nome, ou em decorrência de um apelido advindo de algum familiar ou alguém mais chegado à vida cotidiana. No geral, tudo seguia um ciclo de vida sopitado. A praça central virara um “point” obrigatório de começos de tardes para onde  convergiam não só os jovens, mas também as crianças em alvoroços barulhentos, os namorados e os idosos num regozijo reinante que se avultava até por volta das vinte e duas, mais tardar às vinte e três horas, quando então se iniciava a debandada de retorno, cada um voltado para o conforto de seus respectivos lares.  

Nessa praça se situava o seu Luiz, o pipoqueiro oficial e sua mulher, dona Almerinda das pamonhas –, o Benjamim do cafezinho, o Nicanor das cocadas e dos pés de moleques, e os poucos comerciantes quando encerravam as suas atividades ao longo da rua principal, onde ficavam o mercado, a padaria, o açougue, a farmácia e a funerária. Como toda cidade esquecida nos cafundós dos centros efervescentes, havia a igreja da Padroeira. Ou mais precisamente a de Santa Luzia. O santuário dela se arrimava defronte à praça e o palanque do coreto antigo (onde em tempos idos), as bandinhas dos dois grupos escolares se ajuntavam em datas comemorativas regidas pela batuta do maestro Otto Canavieiro. Em dias de hoje, o sustentáculo desse espaço virou palco ativo de moradores de ruas e usuários de drogas advindos de outras localidades, o que contribuiu para afastar a maviosidade dos futuros músicos a perderem no “para sempre” o viço dos saudosos tempos em que se aprendia a ler partituras ou tocar um instrumento qualquer.   

No mesmo tom, os bancos de cimento, os postes de madeira das luminárias acendidas todos os dias, no chegar das dezoito horas, pelo seu Belizário, que alimentava os surrados lampiões e o colossal jardim todo desflorido plantado pelas antigas administrações da prefeitura se pegaram carcomidos pelo decorrer dos anos, e não só deles – igualmente pelo descaso dos colaboradores dos prefeitos – numa sucessão sem tamanho, o que contribuiu, sobejamente para marcar, de forma retrógrada, o ápice das batidas do grandioso coração que vivificava as bases do esquecido vilarejo. Justamente ali, num local embaixo das sombras generosas de árvores centenárias, as únicas que insistiam em seguir lutando pela sobrevivência, a gloriosa Laudicea costumava se sentar para ouvir as histórias dos seus pais, avós e outros que se juntavam na mesma sintonia meridiana. 

Entre uma e outra, ela se luxuriava a urdir pequenos nós nos próprios cabelos e, de contrapeso, ajudava a avó, dona Cotinha, a produzir as suas bonecas de pano para, com as vendas, manter a sustentação dos alimentos mais prementes não se olvidarem das prateleiras contíguas às despensas da cozinha. As histórias desse centro nevrálgico se materializavam como uma tapeçaria estonteante que conectava o passado ao presente. Havia histórias de bravura e amor, de mistérios ocultos e figuras indecifráveis. Laudicea se fizera uma ouvinte atenta, absorvendo cada palavra como se fosse uma ponderação. Ela acreditava piamente que cada conto “atonal” tinha o poder de transformar a realidade, como se as palavras fossem fios invisíveis que desobstruíssem para melhor, o destino das pessoas.

Uma tarde, quando o sol preparava a mochila para ir embora e voltar dia seguinte, uma nova alma chegou ao vilarejo. Esse, um viajante maltrapilho, as roupas sujas da poeira de tantos quilômetros percorridos, com um chapéu largo e seboso, uma manta que parecia não ver água por um bocado de janeiros. Essa criatura fora do comum para os padrões daquele pedaço de chão, se achegou à localidade e se juntou ao largo do reduto. Em poucas palavras (e no correr dos dias) se soube que também contava histórias. A maior parte delas, relatos sem pé nem cabeça, nascidas de céus e mares distantes, apimentadas de aventuras fantásticas e inverossímeis. Os domiciliados que por ali viviam, em pouco tempo ficaram pasmos e encantados. 

Todavia, foi a “menina de tranças” quem mais as escutou com a devida dosagem da atenção que emanava da fluidez das suas curiosidades à flor da pele. O viajante em poucos dias diversificou lorotando crônicas e causos os mais estapafúrdios e, entre esses bololôs (rolos), o “chegado” narrou um imaginoso que despertou na adolescente Laudicea, a de uma garotinha de oito anos que tinha o poder de fazer os desejos se tornarem realidade. Para isso, ela precisava simplesmente engastar um fio de ouro que não se fazia visível aos olhos comuns. Esse suposto cordel, uma vez trançado, poderia realizar qualquer desejo que a menina mentalizasse. Em oposto, a donzelinha carregava uma responsabilidade imensa: os anelos almejados, como se fossem uma espécie de fatos intrincados que não se traduziam tão simples, e cada um deles, tinha lá as suas consequências no “a depois.”

Quando o repertório dessas histórias se fez conclusivo, o viajante misterioso, dezoito dias depois da sua aparição se despediu e deixou a bucólica Santa Luzia do Monte Sagrado tão enigmaticamente de quanto havia aportado. Laudicea ficou sem norte, ao sabor da mente repleta de perguntas e um revolvimento inquieto martelando dentro do peito. Na noite da partida do estrangeiro, ela não conseguiu conciliar o sono. A imagem fúlvida (viva e cativante) do fio de ouro e da tal garota que realizava desejos dançava tresloucadamente em seus pensamentos. Na manhã seguinte, Laudicea decidiu que queria tentar. Precisava, carecia, tinha urgência. Se fazia imperioso colocar em pratica, sem mais delongas o escutado. Por conta disso, ao invés de usar apenas fitas coloridas, pediu à avó um pouco de sua linha dourada.  

Esse condutor (composto de um fio simples), para ela, a incrível “menina de tranças,” do mais profundo do seu âmago, acreditava piamente que ele reunia todas as qualidades necessárias tipo as daqueles povos indígenas da antiguidade – que evocavam rituais místicos realizado por um pajé indígena visando curar enfermidades futuras. Enquanto conglomerava o “fio, ou o barbante dourado” em seus cabelos, ela se ateve a um único desejo: um só. Que a sua querida Santa Luzia do Monte Sagrado nunca perdesse (ainda que acontecesse algo sobrenatural), ou deixasse despencar por terra a sua essência de paz, de amor e amizade. A vida continuou a fluir como sempre. Entretanto, algo sutil havia mudado. E para melhor. As pessoas começaram a se unir mais, a ajudar umas às outras de maneiras inesperadas. Os problemas da pequena cidadezinha pareciam menores, e a sensação de uma comunidade unida e coesa crescia a cada dia. 

Embora Laudicea nunca tenha revelado a ninguém o que fizera, todos os habitantes sentiram que havia algo especial pairando no ar. Os anos passaram. Laudicea cresceu. Se tornou uma moça bonita. Mais do que já era. Se formou professora e se casou com um menino que, desde que se pegara apaixonada pelas malhas do amor, se tornou esposa desse garoto (na época um vizinho seu) que fora embora para a capital e voltou, anos depois, formado em medicina. Laudicea nunca deixou a sua cidade de berço, e sempre manteve a tradição das “tranças” e o fio dourado dentro de seu “eu oculto.” Em tempo algum precisou de invocar mais desejos, uma vez que descobrira a verdadeira magia da felicidade plena e que, para mantê-la em firme evidência bastava acreditar que um pouco de bondade e esperança poderiam fazer e não só fazer, operar maravilhas.

Quando ela chegou à casa dos sessenta, junto com o seu marido doutor e filhos (que, à semelhança do pai, seguiram as suas trilhas), a inoxidável “Menina de tranças” (após a morte de todos os seus entes queridos) deixou definitivamente Santa Luzia do Monte Sagrado para explorar a capital. Paralelamente, o mundo. Levou consigo, nessa viagem, não só o fio dourado, mas a certeza plena de que os verdadeiros encantos não se faziam construídos de fios de ouro, ou barbantes para se costurarem bonecas. Sobretudo, se avultavam reais e imorredouros, em face de pequenas ações, corações e mentes voltadas para um único objetivo: o bem comum. Assim, a fabulosa “Menina de Tranças” se tornou uma lenda viva em sua cidadezinha natal. Não apenas como aquela criança inocente que cuidava de seus cabelos cheios de tranças multicores, que ouvia histórias e que ajudava a avó a criar bonecas de pano. Ela se fez além das tranças, como a jovem que, num único desejo sincero, ajudou a tecer um destino brilhante e imorredouro para todos que circundavam ao seu redor. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Figueiredo Pimentel (O cágado e o urubu)

O cágado e seu companheiro urubu foram convidados para uma festa no céu. O urubu, querendo debicá-lo (ironizá-lo), disse:

– Então, compadre cágado, já sei que vai à festa e eu quero ir em sua companhia.

– Pois não, respondeu o outro, contanto que você leve a sua viola.

Separaram-se, ficando o urubu de ir à casa do cágado, para irem juntos.

No dia seguinte, logo muito cedo, o urubu apareceu. O cágado estava à janela, e assim que o viu voando, escondeu-se.

O outro entrou, e foi a mulher quem o recebeu. Convidou-o a passar para a sala de jantar.

– Venha cá para dentro tomar uma xícara de café. Deixe aí a sua violinha, que ninguém a quebra.

O cágado, assim que o urubu passou, meteu-se dentro da viola.

– E seu marido, comadre?

– Ora, mandou pedir mil desculpas, mas já foi adiante.

O urubu, acabando o café, pegou na viola sem nada desconfiar, abriu voo e chegou ao céu.

Perguntaram-lhe pelo cágado, sabendo que haviam combinado vir juntos.

– Qual! Pois vocês pensam que ele vem? Quando lá embaixo ele nem sabe andar, quanto mais voar!

Pilhando-o distraído, o cágado saiu da viola e apareceu no meio dos outros, que se admiraram muito ao vê-lo.

Dançaram e brincaram até tarde.

Acabada a festa, usando do mesmo estratagema, o cágado meteu-se dentro da viola.

O urubu descia voando, quando o cágado se mexeu sem querer.

– Ah! é assim que você sabe voar? Pois voa mais depressa. - exclamou o companheiro virando a caixa.

O cágado despenhou-se daquela imensa altura, e, quando vinha cegando à terra, vendo que ia se esborrachar sobre uma pedra, começou a berrar:

– Arreda, pedra, senão eu te esborracho!

Quem caiu foi ele, que se achatou completamente, ficando com a forma que ainda hoje conserva.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.