segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Mensagem na Garrafa 147 = O mais difícil de viver com um cão não é o que imaginas


Joe Randolph Ackerley
(Londres/Reino Unido, 1896 – 1967)

O mais difícil de viver com um cão não é o que imaginas.

Não é sair com ele à chuva, no frio, quando estás cansado e sem forças.

Não é recusar viagens ou convites — “Estar sem ele.”

Não é o pelo em todo o lado — na cama, na comida, nas tuas roupas.

Não é limpar o chão vezes sem conta, sabendo que logo voltará a ficar sujo.

Não são as contas do veterinário, nem o medo de perder algo importante.

Não é perder a liberdade — porque agora a liberdade chama-se “nós”.

Nem é o fato de o teu coração já não te pertencer.

Tudo isso é amor. Tudo isso é vida. Tudo isso é escolha.

O mais difícil chega devagar, como a dor nas velhas cicatrizes, como o frio que entra nos ossos.

Um dia percebes: ele já não consegue.

Tenta, mas não consegue. Corre até ti, mas mais devagar.

Os olhos são os mesmos, só que neles há aquele silêncio: “Estou aqui, mas está a custar.”

Lembras-te de como ele era. E de como se tornou — totalmente teu, fiel até ao fim.

Sempre acreditou que estarias lá, que o ajudarias, que o salvarias.

E estiveste. Mas agora não o podes salvar da velhice.

O mais difícil é saber: para ti ele foi luz,
mas para ele tu foste todo o universo.

Viveu por ti, respirou por ti, amou-te incondicionalmente.

E tu não estás pronto. Não estás pronto para deixá-lo ir.

Depois vem o silêncio.

A almofada vazia. A tigela intocada.

E o teu coração — ferido.

Sais de casa — mas sem ele.

E ouves-te a murmurar no vazio: “Vamos, meu bom amigo.”

Mas se pudesses voltar atrás no tempo — escolherias de novo.

Com toda a dor, com todo o cansaço, com todo o amor.

Porque esse amor é verdadeiro.

Ter um cão na tua vida é deixar entrar o fogo,
que te aquecerá para sempre. 

Mesmo depois de se apagar.
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JOE RANDOLPH ACKERLEY (1896 - 1967) foi um escritor e editor britânico. Começou a trabalhar na BBC um ano após a sua fundação, em 1927, e foi promovido a editor literário do The Listener, o seu semanário, onde trabalhou por mais de duas décadas. Publicou muitos poetas e escritores emergentes que se tornaram influentes na Grã-Bretanha.

Laé de Souza (Idade, barriga, rugas…)


A natureza é sábia e faz as coisas ocorrerem paulatinamente, para que não se sinta ou se assuste. Mas, é fatal que, de vez em quando, a gente olhe as fotos antigas e, diante do espelho, veja que já não é como antes. Todavia, nada de abatimento. Pense que é melhor assim do que ter morrido jovem. Também não é por isso que vai se abandonar e deixar o tempo destruir a beleza. Tem pessoas acima de 50, 60... paqueráveis e agradáveis de se ter como companhia. Existem exemplos de criatividade acima dos 70. De uniões, também, após esta idade. Com 70 anos de idade, a violeira Helena Meirelles lançou um CD; diz-se que se casou com uma jovem de 16 anos e foi pai aos 85, o itabunense Ferreira; Rachel de Queiroz continuou escrevendo após os 80 anos; Maria Clara Machado, autora de "Pluft, o Fantasminha", "O Cavalinho Azul" e outros, com 74 anos, ainda ministrava aulas de teatro; Oscar Niemeyer, aos 100 anos, mantém-se na ativa e cria projetos arquitetônicos; meu amigo Souza, com mais de 80 anos, ainda escrevendo na Gazeta do Tatuapé; o mestre, poeta Luís Cotrim, com seus 89 anos, criando lindas crônicas e passeando na noite.

Não custa perder algumas horas para se cuidar. Exercício, aquele trato. Mas, também, não vamos chegar ao exagero de recusar convites para um churrasco só para manter a forma. De vez em quando, há de se permitir uma extravagância. Uma pintura, um batom e uma ajeitada no cabelo sempre dão aquele charme no visual. Mas, nada de exagero. Cada tipo no momento e lugar adequados. Pendurar um par de patins na orelha só para chamar a atenção fica meio sem graça. Lógico que tem gente que fica bem. Mas, aí é exceção. Tem gente que percebe que aquela coisa não era para aquela pessoa, ou aquela pessoa não era para aquela coisa. Sempre tem uma amiga ou amigo que dá um palpite ou responde com sinceridade se ficou bem, ou não. Mas, você tem de tomar cuidado com aquela que sempre fala que está bem, ótimo, ou, então, que está horrível.

De qualquer forma, nada de sair por aí desarrumado só porque está de mal com a vida. Ah! tem momentos em que estar simples de tudo também é charme. Outra coisa, se encontrar aquela colega de ginásio, nada de vir com “Nossa, como você está acabada.” Primeiro, porque a fulana sabe muito bem disso, não precisa ficar lembrando. Segundo, porque é antissocial. A não ser que seja você daquelas pessoas que gostam de se divertir com o sofrimento dos outros, ou que a tal seja aquela que esnobava com a sua beleza e sempre era eleita a miss da cidade e a rainha da primavera no ginásio.

Também, se cruzar com um amigo ou amiga acompanhados de um jovem, nada de vir com elogios do tipo "Seu filho, ou sua filha, é muito bonito(a)", antes de ter certeza absoluta de que não se trata de um namorado ou namorada. Esse negócio de que amor não tem idade não é papo furado, não. Acontece mesmo!
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LAÉ DE SOUZA é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 
Fontes:
Laé de Souza. Acontece… . 44a. edição. SP: Ecoarte, 2018.
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domingo, 9 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 124 *


Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Ao breve
soluçar
de Poseidon
o mar salpica
a praia,
varrendo
os castelos
de sonhos.
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Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Teu enredo

Abençoa o enredo da tua história,
Que possui sensacionais alegorias,
E se lembras de tuas lindas fantasias
Tu manténs as alegrias na memória.

Ouve o disco... resgata teus sentimentos
E escreve-os!... teu sorriso é um bom passista,
Que ao dançar, acaricia a própria pista
No instante dos mais doces pensamentos.

O teu coração e bom percussionista
Da emoção que te abençoa a vida inteira
E se a vida é uma batida passageira,
Tens bem mais que um coração por baterista.

Teu amor nem sempre foi bom ritmista,
Porque às vezes ele é muito passional,
Porque faz teu coração pulsar tão mal.
Que tua dor se torna bem mais intimista.

Teu enredo ainda tem muita avenida,
Tua escola tem muito que desfilar
E se esse teu coração sabe sambar,
O teu samba-enredo é tua própria vida.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Gotas perfumadas para você

 Hoje, de manhãzinha,
Enquanto caminhava
Lembrei-me de você
E, em uma garrafa
Linda e surreal,
Do mais fino cristal
Guardei para você

O azul do céu,
Três raios de sol,
E um coração
Que a nuvem desenhou...

Guardei para você,
A liberdade do voo
E canto do bem-te-vi,
Mesclado ao som
De um antigo sino de vento...
E emocionada
Juntei da calçada
Algumas flores de Ipê,
Suaves poemas amarelos
E os guardei para você...

Daquela orquídea que tirei foto,
Acrescentei o aroma de baunilha,
Com sete gotas de ternura,
Que se mesclaram
A sensação de um beijo,
Repleto de amor intenso, e ainda
Àquela foto da joaninha, lembra?
Para você eu guardei
E depois fechei a garrafa.
Guardei para você
Um pouco do meu mundo,
Nosso mundo...

Para você eu guardei -
As gotas perfumadas
Do jasmim-dos-poetas
Da foto de hoje...
= = = = = = 

Trova Popular

A menina que eu namoro
e que me quer muito bem,
tem um sorriso que encanta         
e vinte contos também.
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Sonetilho de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895-1926

Confusão

Alma estranha esta que abrigo,
Esta que o Acaso me deu,
Tem tantas almas consigo
Que eu nem sei bem quem sou eu.

Jamais na Vida consigo
Ter de mim o que é só meu;
Para supremo castigo,
Eu sou meu próprio Proteu.

De instante a instante, a me olhar,
Sinto, num pesar profundo,
A alma a mudar... a mudar...

Parece que estão, assim,
Todas as almas do Mundo,
Lutando dentro de mim...
= = = = = = 

Soneto de
MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Luz na escuridão

Caminhar lento, tateando pela calçada,
faz a bengala ser a luz na escuridão.
Ouvido atento: som é mensagem cifrada,
calcula o espaço em cada passo pelo chão.

A cada instante, bate forte o coração
pela incerteza que pode surgir do nada.
Algumas vezes, sente a força de uma mão
que muda o rumo da indecisa caminhada.

Olhar sem vida, noite eterna na retina,
ele usa os sonhos... e com eles ilumina
os horizontes onde busca os seus totais.

Nada reclama, porém mostra, do seu jeito,
que o mundo deve um pouquinho mais de respeito
para com todos deficientes visuais.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Bosque da poesia

Eu vou passear no bosque da poesia;
quem quiser vir comigo, tem carona...
Desejo me nutrir na boemia
do universo que cria, e jamais clona...

Lá o gorjeio das aves arrepia
a nossa pele! E a gente se emociona
ao ouvir a cigarra, em nostalgia,
soltar seu canto triste que impressiona!

E em meio do arvoredo é certo achar
flores e frutos doces como o mel
e borboletas lindas a bailar...

Quem ama planta versos em semente
e brotos de soneto, ou de um rondel,
para que o bosque viva eternamente!
= = = = = = 

Poema de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

M. de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Os meus prazeres morreram,
quando morreu minha bela…
Dão hoje causa a meu pranto,
saudades que tenho dela.
= = = = = = 

Soneto de 
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Temporais

O néctar me seduz e, embevecido,
despejo em tuas pétalas o ardume,
deixando que no peito se avolume
a fúria de um desejo desmedido.

As gotas preciosas do perfume
volitam pelos ares e, atrevido,
atendo o desespero do bramido
enquanto a insanidade tudo assume.

A tua perfeição me subordina,
perverte meu juízo e a indisciplina
mergulha as emoções em temporais.

Tu és a eterna rosa da quimera
que torna minha vida a Primavera
repleta de sabores divinais.
= = = = = = 

Poema de 
BENEDITA AZEVEDO
Magé  / RJ

A Força da Natureza

Sou transitória e natural,
inconstante tal qual o vento
que muda a direção do barco
rasgando a vela.

Sou a chuva que vem e passa,
sou o sol ardente que se esconde
atrás da montanha para
que possas descansar.

Sou a força da natureza,
do vendaval de outono
que surge de repente
e arrasta tudo que encontra.

Mas, também sou o galho partido,
o rio que transborda
ao ser contido em barragens.

Sou o tufão, o fogo, a ventania
que passam e transformam o ambiente.

Sou a chuva que irriga e faz crescer
a relva verde das pastagens.

Sou a luz do luar que
banha os teus cabelos
com o perfume das flores.

Sou a primavera que inebria
e tonteia com suas fragrâncias.

Sou as ondas do verão quebrando
nas pedras e salpicando gotas
de frescor em teu rosto suave.

Sou o sol da manhã surgindo
após a tempestade noturna.

Sou o sereno da noite a salpicar
as pétalas da rosa vermelha
que irão a ti pela manhã.

Sou a alegria da criança ao sugar
o seio materno e saciar a sede.

Sou a direção, o rumo, o horizonte
de quem se arrisca numa empreitada
sem saber o resultado.

Sou a tua imaginação
que penetra nos recôncavos mais íntimos
e alcança as mais elevadas alturas.

Sou a música majestosa
que domina a mais indomável
de todas as criaturas.
O homem.
= = = = = = 

Soneto do
Príncipe dos Poetas Piracicabanos
LINO VITTI
Piracicaba/SP, 1920 – 2016

Tapera

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux, como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
as cercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor dantes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.
= = = = = = 

Poema de
JESSÉ NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

A luz no túnel

Via uma luz
no fim do túnel.
Ainda via.
Agora procuro
a luz,
não mais a vejo.
Nem mesmo o túnel...
= = = = = = 

Poema de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ

Fotografias

Olhando o álbum de fotografias
eu não vejo retratos, vejo dias
que já não voltam mais.
Insuspeitada máquina do tempo,
cada página de fotos é exemplo
de outros aniversários e Natais.

Vejo que algumas ficam desbotadas,
depois de muitas páginas viradas
que as fizeram perder-se na distância.
E aquilo que ontem foi tão importante,
e mereceu ficar gravado num flagrante,
hoje não tem sequer mais importância.

Este álbum é a janela que o passado
abre, para o olhar do pensamento,
nos sótãos e porões da eternidade.
E o que ficou nas fotos registrado
e vai viver outra vez nesse momento
será o que chamamos de saudade.
= = = = = = 

Hino de 
Resende/RJ

1. 
Resendenses, entoemos um hino
Que fulgure qual mundo que sois,
A esta terra, que é um berço divino
De poetas, de artistas, de heróis!

Estribilho: 
Eia, pois, fervorosos saudemos
De Resende, a Cidade gentil
Onde o berço, entre flores tivemos
Sob um céu todo azul, todo anil!

2. 
Cavam bênçãos de luz sobre o dia
Em que o seu Centenário ela faz!
Que nos enche de doce alegria,
Que ventura tão doce nos traz!

3. 
De outro século o sol majestoso
Surge agora imponente "brandão"
Deste "Vale", dourado, amoroso,
Toda nova e aromal floração!

4.  
O Itatiaia, emergindo das brumas,
Ei-lo, o século novo a saudar!
E o Paraíba o seu manto de espumas,
Vai contente e cantante a arrastar.

5. 
Que este dia, da Pátria, na história
Fulja sempre com mago esplendor!
E que viva na nossa memória,
Todo luz, todo paz, todo amor!
= = = = = = 

Poema de 
ERIGUTEMBERG MENESES
Blumenau/ SC

Rodeio da vida

O mundo é cavalo louco e cansei de ser caubói.
As faces do corpo já não passam de couro
mapeado com as cicatrizes
acumuladas nos tombos.

Cansei!
Vou apear do estribo.
Nas clareiras da vida,
aprendi a montar as mais duras montarias,
a bolear o laço, a ferrar novilhos
e galopar touros bravios,
redemoinhando ante a porteira,
mas não consigo domar meu coração.

Hoje, como um animal machucado
e abatido, quero, apenas, arrancá-lo
e entregá-lo ao verdadeiro amor
para continuar vivendo, na ilusão de dançar
entre abraços doces na arena do grande
rodeio realizado entre as estrelas,
por que parece que somente a magia é que é real.

E depois, não mais do que descansar
sobre o espelho das aguadas
de um corpo cheirando a rama fresca,
embriagado pelas auroras da eternidade.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A tartaruga e os dois patos

Estava enfastiada a tartaruga
Da negra e estreita toca em que vivia;
Por isso um belo dia,
Apoderou-se dela
O desejo profundo
De abandonar a casa e correr mundo.

A todos bem parece a terra estranha,
E sempre foi notória a grande sanha
Que o coxo tem à casa.
A dois patos foi ela então dizer
A viagem que tinha projetado.
Solene, autorizado,
O par lhe respondeu:
«Tens aberto o caminho.
E nós te levaremos
A um sítio que sabemos;
Verás muito país e murtas gentes,
Repúblicas e reinos florescentes.

Terás muito que ver
E muito que aprender.
Ulisses muito aproveitou com isso.»
Os dois eram espertos,
E expeditos no ajuste do serviço
Que iam prestar à pobre tartaruga.

Foram logo fazer de um pau nodoso
Tirado de uma árvore,
Um engenho famoso,
A fim de transportar a viageira.
Agarra-se cada um
Valentemente a cada extremidade,
E apresentando o meio à tartaruga,
Disseram-lhe com grande autoridade:
«Ferra aqui e não largues!»

A mísera assim fez,
Sem de leve temer
O que ia suceder.
E foram pelos ares...
«Milagre!» gritam todos os que veem;
Tartaruga voar é caso estranho.
Decerto tem em si poder tamanho,
Que não cabe no mundo!»

A tartaruga enfatuada e louca,
Para responder vai a abrir a boca.
Melhor fora calada,
Pois logo num momento
Caiu arrebentada,
Aos pés do povo atento.

Vaidade, presunção, muita palavra
Reveladora de apoucado siso,
Têm a mesma origem,
Da mesma fonte brotam.
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A. A. de Assis (Saúde e amor)

Em todos os países, no frontispício do Ministério da Saúde, poderiam colocar um letreiro com aquela frase célebre do Dr. Sigmund Freud: “É necessário amar para não adoecer”.

Ódio adoece. Raiva adoece. Inveja adoece. Só o amor acalma e cura. Todo mundo sabe disso, porém poucos levam muito a sério.

As pessoas que têm formação cristã vêm ouvindo há dois mil anos o “amai-vos uns aos outros”. Todas as outras religiões, igualmente, colocam o amor como fundamento da civilização e condição sine-qua-non para a felicidade.

Freud não seguia religião nenhuma; era porém um sábio e como tal buscava na causa a razão do efeito. Para uma pessoa estar bem é preciso que esteja intrinsecamente em paz, e para que isso aconteça é preciso que esteja cheia de amor, ou seja, de bem com o mundo e consigo mesma.  

É verdade que hoje em dia ninguém tem tranquilidade completa, visto que a violência e tantos outros perigos estão presentes em toda parte. Todavia, no que depende especificamente de cada um de nós, podemos decidir se preferimos manter a cabeça fria ou viver belicosamente.                                    
A gente fica pensando nas pessoas que cultivam antigas inimizades ou fortes rivalidades e que por isso passam 24 horas por dia resmungando rancor.

Essas pessoas não conseguem dormir sem um remedinho, não conseguem comer direito, não conseguem serenidade para dar um passeio a pé, fazer compras no shopping ou na feira livre, viajar em transporte coletivo, reunir-se com amigos em lugar público. Até para namorar precisam de segurança.

Quem leva uma vida assim acaba ficando doente mesmo. Milhões de pessoas, no mundo inteiro, passam anos padecendo de depressão, angústia, ansiedade, tristeza, insônia, mal-estar, fobias, úlceras, dor de cabeça, prisão de ventre, desmaios, palpitações, impotência, inapetência, etc., etc., etc., até se convencerem de que tudo isso são apenas efeitos.

A causa é a ausência de paz interior. Ausência de paz é ausência de amor.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá-PR – 06-11-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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sábado, 8 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 123 *


Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Refém feliz

A cada vez que minha dor me diz bom dia,
A poesia brinca com meu pensamento...
Meu coração convida minha fantasia
E anestesia o meu próprio sofrimento.

Meu riso fácil mansamente se projeta,
Poeta ri, quando a poesia é seu espelho,
Mas também chora, quando lhe foge o poeta
E ele se curva à própria dobra de um joelho.

A cada vez que a dor se torna mais severa,
Amanso a fera, afinal, sou domador
Da própria dor que não resiste a essa quimera
Que faz de mim, refém feliz de um sonhador.

Estou aqui e sou feliz... esse é meu jeito
De abençoar meu coração com a alegria
E se o amor mais fraternal bate em meu peito
Ele transforma minha dor em poesia.

Tenho uma história e toda vez que a reconto,
Não ponho ponto, quando finda a narrativa,
É só alguém me ouvir, que encontro o contraponto
Da minha vida e pronto: encontro outra saída.

Deixo um legado para a dor que me provoquem:
A piedade... mas não sei silenciar,
E se eu chorar, quando eu sorrir, não me retoquem,
Preciso rir, sentindo a dor se dispersar.

A cada vez que o desamor me deixa triste,
A dor insiste... mas se ela não me doer,
Sinto-me morto e esse amor que ainda resiste,
É que me faz, sentindo dor, sobreviver.

As dores físicas não pedem permissão...
São atrevidas... sempre vêm sem avisar,
Mas se um rancor atinge em cheio um coração,
A solidão faz razão se emocionar.

E eu não nasci para sofrer, pois Deus me fez
Para sonhar... viver... amar... e ser feliz
E sempre busco me curar a cada vez
Que alguém me fere com palavras pueris.

A minha dor é espontânea e atrevida,
Ela revida toda vez que a desacato,
Mas eu a mato, porque se ela ganha vida,
Brinca com a vida que ainda há no meu retrato.

Faço uma selfie, meu sorriso é imortal
E debochado, quando a dor é insistente,
Pois cada vez que ela vem e me faz mal,
Deus ri comigo e volto logo a ser contente.
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Soneto de 
ALFONSINA STORNI
Capriasca/ Suiça (1892-1938) Mar del Plata/Argentina

A súplica

Senhor, Senhor, há muito tempo, um dia,
sonhei o amor, como ninguém houvera
ainda sonhado, amor que fosse e que era
a vida toda todo uma poesia.

Passa o inverno e esse amor não chegaria,
passaria também a primavera;
o verão persistente volveria...
E o outono ainda me encontra à sua espera.

Ó Senhor, sobre minha espádua nua,
faze estala, por mão que seja crua,
o látego que mandas aos perversos,

que já anoitece sobre minha vida
e esta paixão ardente e desmentida
eu a gastei, Senhor, fazendo versos!
(Tradução de Oswaldo Orico)
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Trova Popular

Quem tiver filhas no mundo
não fale das malfadadas;
porque as filhas da desgraça
também nasceram honradas.
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Soneto de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
(José Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

Bom dia, amigo sol!

Bom dia, amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreendê-la quase nua!
Doura-lhe as formas de beleza rara...
Na intimidade em que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a Lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho,
nem no ar cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreendê-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito!...
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Poema de
FERNANDO PAGANATTO
São Paulo/SP

Jardineiros

Como é frágil
a planta que nasce
no ventre dos nossos quartos.
Flor de pétalas de seda
e aroma dourado,
de tão duros cuidados.

Floresce na encruzilhada
da magia com a crença
e quando a encruzilhada
encontra-se em nossas camas.

Depois, lá só morre
pela falta de um regador
de olhares.
De um regador de olhares
que rega olhares das manhãs,
das tardes e também das noites,

ou porque, antes,
morreu o solo
acabou-se a magia
ou a crença.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Estado d´alma

O que reflete o meu estado d´alma,
de tudo quanto vi e já conheço,
é a poesia amiga, quando espalma
tão bem a dor do amor, no qual padeço

Quem lê meu verso com bastante calma,
por certo me conhece até no avesso,
pois minha inspiração jamais empalma
tudo que às outras almas ofereço.

Quem lê meu verso sabe, num instante,
se estou tristonho, ou até feliz bastante.
- Mais claro ainda?  -  Olhe nos meus olhos!

As minhas vistas são também janelas,
bastando apenas ver através delas,
se tenho um grande amor... ou só abrolhos!
= = = = = = = = =  

Poema de
GERSON NEY FRANÇA
São Paulo/SP

Crepúsculo

O crepúsculo não faz jus
Ao silêncio do teu sono
Se abandona toda a luz
E a luz ainda é incômodo

A mudez da madrugada
Vem fazer tanto barulho
No rugir do som do nada
Seus arroios, seus arrulhos...

Mesmo o ar se faz atrito
Ao fluir do teu suspiro
E o ambiente tranquilo
É a mordaça do não-grito

Se atinge um quê de clímax
No apogeu desse crepúsculo
Quando em ti nada por cima
Faz crispar todos os músculos
= = = = = = = = =  

Trova Funerária Cigana

Já que não posso morrer
contigo, minha Adelaide,
aceita o pranto sem fim
de uma perpétua saudade.
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Soneto de 
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP

Tempo

O tempo apaga um sonho já desfeito
na aridez de uma vida mal traçada,
uma paixão que se evolou do peito
como essência do frasco evaporada.

Tudo finda, como água já passada
que não retorna nunca mais ao leito:
do tempo que se foi não resta nada,
é verbo no pretérito perfeito.

Mas no incontido caminhar dos anos,
paciente, a transportar os desenganos,
ele ameniza o nosso sofrimento.

Lava que esfria e se transforma em rocha,
se algum desgosto ainda nos arrocha,
o tempo é o óleo bom… do esquecimento.
= = = = = = = = =  

Soneto Livre de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Solidão (2)

Se a solidão é a musa que me guia, 
nos versos tristes, a dor se revela, 
um labirinto de sombras principia… 
o tempo, inexorável, é uma gazela. 

A hora se arrasta, pesada, lenta, 
e cada instante pesa como um fardo. 
No peito, um grito, vozes que acalenta, 
um eco profundo, um amor que é guardado. 

Mas entre as nuvens, há uma luz que se acende, 
uma chama intensa, que nunca se apaga, 
e mesmo só, a esperança se estende. 

Na solidão, a alma nunca se desapega, 
pois o amor, mesmo em dor, se defende, 
e na ausência, à vida se entrega. 
= = = = = = = = =  

Poema de 
MÁRCIA SANCHEZ LUZ
São Paulo/SP

Lareira acesa

Em frente à lareira acesa
Contemplo o fogo que aquece
E que em brasa, a madeira
Meu amor transparece.

Meu coração não te esquece
Não te perde quando sonha
Enlouquece, entontece
Fica aceso feito chama.

Feito fogo em álcool embebe
Fico afoita, doida, rouca !
Te desejo, tonta e pronta
Te apercebes, me recebes.

Defronte à lareira acesa
Aqueço meus sentimentos!
Meus pensamentos se aquietam...
Aquieto-me frente à beleza
Que me convida a sonhar...

Com sua chama
Com sua calma
Acalma meus medos
Alerta-me
Fita-me
Incita-me
Faz-me sorrir.
= = = = = = = = =  

Ramalhete de Trovas de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Meu livro...

Dos livros que ainda não li,
tenho por um grande anelo
em lê-lo, pois o escrevi...
porém não foi para o prelo!
 
Quem sabe, daqui a vinte
ou trinta anos o publique;
ou será que, por acinte,
o "escritor" já foi a pique!?
 
Mesmo assim eu os convido,
a fazerem-se presentes,
por favor, não deem olvido;
não quero "vê-los" ausentes!

Todo livro deve que ter
"título" bem eficaz...
pois não é que o meu vai ser:
Leia-me... (se for capaz).
= = = = = = = = =  

Soneto de
DELMIRA AGUSTINI
Montevidéu/Uruguai, 1881 – 1914

Explosão

Se a vida é amor, bendita seja então!
Quero mais vida, se esse amor aumento;
que não valem mil anos de razão
um só minuto azul de sentimento.

Meu coração morria triste e lento
e hoje é uma flor de luz em combustão!
A vida canta como um mar violento
quando a mão de um amor a agita em vão!

Esfuma-se na noite triste, fria,
de asas rotas - minha melancolia;
como a indelével mancha de uma dor

que na sombra distante já perdi...
A vida toda canta, beija, ri,
numa explosão como uma boca em flor!
(Tradução de J. G. de Araujo Jorge)
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Hino de 
Laguna/ SC

Minha Laguna
Contarei tua história
E os feitos de glória
Que ofertaste ao Brasil.

E falarei
Das belezas sem par
Deste céu, deste mar
Destas praias sem fim.

Minha Laguna
Falarei do teu povo
Que adora o que é novo
Sem matar o passado
E mostrarei
O valor desta gente,
Nesta canção dolente,
Que orgulhosamente
Eu fiz pra te ofertar.

Laguna amada
Sob este céu que é tão azul
Foi que a Pátria deslumbrada
Deu a grande caminhada
Em direção ao sul.
= = = = = = = = =  

Poema de 
WAGNER LUIZ ANICETO
Santos Dumont/MG

Porto de Solidão

Porto de solidão,
Num cantinho de mar, abandonado.
Pedaço de madeira flutuante,
Resto de naufrágio!...

Já foste ancoradouro em outras eras,
E acolheste milhões de visitantes
Em teus limites:
Homens, barco, fragatas e navios.

Hoje, és meramente um marco inglório,
Camuflado sob dunas, musgos e detritos,
Serves simplesmente de abrigo
Às aves errantes, ociosas...

Porto de solidão!
Os reis também já te esqueceram.
Ninguém recorda a tua glória.
O teu cartão-postal envelheceu.
Morreu tua beleza transitória!

Porto de solidão!
Há algo comum em nossa história!
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O cão que leva o jantar ao dono

Marchando com grande entono,
Um cão esperto e sagaz
Levava o jantar do dono
Em um pequeno cabaz.

Passa outro cão — e atrevido,
Entra a rosnar, a rosnar,
E mostra-se decidido
Em lhe tirar o jantar.

Mas o que pensa não faz,
Que o primeiro cão, valente,
Da boca larga o cabaz
E ao ladrão refila o dente.

Um bando de cães acode;
Vê-se o jantar em perigo;
E o fiel cão, que não pode
Combater tanto inimigo,

Diz aos irmãos com bons modos:
«A questão é de barriga;
Reparta-se isto por todos,
E não pensemos na briga.»

Este atira-se a um bocado,
Aquele a um outro cobiça;
Cada um puxa para seu lado...
Foi — fogo viste, linguiça!

É semelhante este cão
Ao empregado zeloso
Que arrecada, escrupuloso,
Os dinheiros da nação;

Mas não podendo estorvar
Que os outros comam do bolo,
Não quer que lhe chamem tolo
E é o primeiro a roubar.
= = = = = = = = =