sábado, 13 de dezembro de 2025

Asas da Poesia * 143 *


Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Kararaô !

Em cada curva de rio,
em cada palmo de chão
da Amazônia existe um olho
observando o Dragão
com seu hálito de fogo,
seu discurso demagogo,
seu poder de sedução...

E em cada rosto caboclo
existe um índio escondido,
enclausurado em si mesmo,
discriminado, oprimido,
escravo em sua própria terra
trazendo o grito de guerra
no coração reprimido.

Eu sou a voz desse índio :
a flecha, a lança, a borduna...
Sou peixe na piracema,
limo de várzea, boiúna,
tronco no rio submerso
e, se me desfaço em verso,
sou arma, pão e tribuna!

Meu cantar é berço e tumba,
é pedra, rosa e punhal;
é chuva regando a terra,
é fogo no matagal :
alerta, instiga, provoca
com fúria de pororoca,
força de vento geral!

Mas não desperte essa fera
no meu peito adormecida,
concebida e alimentada
na dor da própria ferida.
Seu corpo de argila e trigo
serve e alimento e abrigo
aos que lutam pela vida.

Canto as glórias do meu povo
e as dores desta nação.
Meu canto é grito de guerra,
punhal contra a servidão :
- Kararaô ! Canto alado,
pendão de amor desfraldado
em defesa do meu chão!
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Poema de
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa/Portugal (1919 – 2004) Porto/Portugal

O Anjo

O Anjo que em meu redor passa e me espia
E cruel me combate, nesse dia
Veio sentar-se ao lado do meu leito
E embalou-me, cantando, no seu peito.

Ele que indiferente olha e me escuta
Sofrer, ou que, feroz comigo luta,
Ele que me entregara à solidão,
Pousava a sua mão na minha mão.

E foi como se tudo se extinguisse,
Como se o mundo inteiro se calasse,
e o meu ser liberto enfim florisse,
e um perfeito silêncio me embalasse.
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Soneto de
FAUSTINO DA FONSECA JÚNIOR
Angra do Heroísmo/Portugal, 1871 – 1918, Lisboa/Portugal

Lira da mocidade

Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.

O futuro cor de rosa,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.

Desde o ar que se respira,
Ao céu da cor de safira,
Tudo ri e diz – Amar!

E contemplando a beleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
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Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/Portugal

Acredito

Acredito no compasso
Das palavras que dançam
No papel colorido
Pauta perfumada de tons quentes
Acredito no livro ainda não escrito
Onde o coração transborda
Nas palavras que balançam
No olhar ternurento de quem as lê
Na sensibilidade de quem as sente
Acredito na melodia que ainda não foi tocada
Mas que está em construção
Nas mãos de um violinista
Acredito no quadro ainda não pintado
Mas já imaginado no pincel
Que replica as emoções do pintor
Acredito no amor que renasce todos os dias
Com toques de arte ainda não descoberta
Sonhada na ponta dos dedos
Acredito no AMOR
Num mundo mais colorido
Imaginado e vivido…
Acredito!
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Trova Popular

Fui no livro do destino
minha sorte procurar,
corri folhas encontrei:
eu nasci para te amar.
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Soneto de
DIOGO BERNARDES
Ponte da Barca/Portugal, 1530 – 1605, Lisboa/Portugal

[3]

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vo-los dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/Portugal

Dança dos dias
Os dias passeiam
nos biquinhos dos pés,
dançando graciosamente
no palco da vida.

Dançam, rodopiam…

De lés a lés,
vigorosamente,
ouvem-se aplausos
de uma loucura desmedida.

Sorrisos que brilham,
alma deliciada.
Felicidade que se mostra
numa bela gargalhada.

Dançam, rodopiam…

Por vezes, a desilusão.
Lágrimas desmedidas
que emergem da solidão.

É o tempo quem reina,
sem hesitação,
seguindo o compasso
desta canção.
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Música de
CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
São Luís/MA, 1863 – 1946, Rio de Janeiro/RJ

Os boêmios

Deus! Que viver, que prazer
Nesta vida que teço o senhor
Eu gozo só, sem tocar no
Duende travesso do amor!

Oh lé lé! Sou feliz! Uma pinga
De ideias, me faz entrever
O gozar nesta vida borida
É traze-la florida
Em alegre folgar

Mas, oh, que importa o sofrer
Se eu só conheço o prazer?
Eu sei desviar-me da dor
E leve o diabo ao amor!

Meu coração, não aceita
Os espinhos daninhos do amor
Se a mulher, veja ali
Vou passando
Brincando, folgando
A cantar, sou assim!

E que fuja a mulher
O demônio de mim!
Deus me deu esta vida
Por prêmio, serei o boêmio
Que ele quiser

Leve o diabo até inferno
Da vida, a este terreno
Ridente sofrer!
Num copo eu venço o amargor
Do viver!
Tem doçura ao beber! Oh!

Leve o diabo a este inferno
Da vida, este terreno
Cansado sofrer
Eu só encontro alegria no céu
Da folia, cantando a beber!

Oh, como é bom, como é boa
Esta vida que passo sem lar!
Não quero amar, só namoro
A natura que levo a cantar
Uma flor, o luar
Das estrelas, namoro

O divino fulgor
Que ao boêmio dão
Almas meiguices, sem essas
Pieguices do bobo do amor
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Soneto de
FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Ponte da Barca/Portugal, 1540 – 1619, Setúbal/Portugal

Da contemplação a mesma

Dos solitários bosques a verdura,
Nas duras penedias sustentada,
Nesta serra, do mar largo cercada,
Me move a contemplar mais formosura.

Que tem quem tem na terra mor ventura,
Nos mais altos estados arriscada,
Se não tem a vontade registrada
Nas mãos do Criador da criatura?

A folha que no bosque verde estava,
Em breve espaço cai, perdida a flor,
Que tantas esperanças sustentava.

Por isso considere o pecador,
Se quando na pintura se enlevava
Não se enlevava mais no seu pintor.
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Envolve com a tua claridade
A concavidade do meu âmago
Com feixes dourados de serenidade
Afasta a inclemência desta cegueira 
Chama-me à transparência da razão
Acentua-me o brilho do olhar
Com a luz líquida da emoção
Incendia o peito desnudado
O restolho que antes foi trigo
Onde morremos pra nascer de novo
Sê o entardecer que amanhece em mim
A canícula que alimenta novas paixões
A luz quente que dá forma às sensações  
Abraça-me na fugacidade do momento
Sê o sol do meu feliz contentamento.
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Soneto de
JOAQUIM DE MELO FREITAS
Aveiro/ Portugal, 1852 – 1923

Misterioso abismo

Tépido sonho de luz
corpo, que destila aroma
sublime e claro axioma
espargindo amor a flux!

Uma vertigem produz
teu olhar, o seio, a coma,
voluptuoso sintoma
que a fantasia traduz.

Débil flor, que o sol admira
beijando com azedume
as estrelas de safira...

mas ninguém sequer presume
que o meu coração expira
na mortalha do ciúme.
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Soneto de
EUGÉNIO DE CASTRO
Coimbra/ Portugal, 1869 – 1944

A coroa de rosas

A fim, oculto amor, de coroar-te,
de adornar tuas tranças luminosas,
uma coroa teci de brancas rosas,
e fui pelo mundo afora, a procurar-te.

Sem nunca te encontrar, crendo avistar-te
nas moças que encontrava, donairosas,
fui-as beijando e fui-lhes dando as rosas
da coroa feita com amor e arte.

Trago, de caminhar, os membros lassos,
acutilam-me os ventos e as geadas,
já não sei o que são noites serenas...

Sinto que vais chegar, ouço-te os passos,
mas ai! nas minhas mãos ensanguentadas
uma coroa de espinhos trago apenas!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

De tudo o que partiu sem ter partido
(Maria Celeste Salgueiro Seabra in "Ânsia de infinito", p. 22)

“De tudo o que partiu sem ter partido”
Eu guardo nas gavetas da memória
Misturado nas lamas dessa escória
Um brilhante, de todos, o mais querido.

Tudo o que eu fiz morreu, sem alarido
Da vaidade a herança é ilusória
Farta, a riqueza é sempre transitória
E o futuro, de sonhos, é tecido.

Mas uma coisa eu guardo com desvelo:
Um louro caracol do meu cabelo
Que a minha mãe cortou em pequenino.

E mesmo sem ter caixa eu guardo ainda
De todas essas coisas a mais linda:
Os ecos dos meus risos de menino.
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Hino de Caraguatatuba/SP

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Nas fímbrias da serra que aos céus se levanta
À margem formosa de imensa baía
Se estende uma terra que aos olhos encanta
A terra onde as praias têm mais alegria
Se sois dentre as joias a mais reluzente
Se dentre as cidades vós tendes mais vida
Então não sois obra divina somente
Sois obra de Deus pelos homens polida

Caraguatatuba bonita
Esplendor de beleza rara!
Caraguatatuba onde habita
O cortês e gentil caiçara

Oh! Terra, vós tendes um mar cristalino
Que tanto vos beija em carícias de irmão
Que traz ondulante um murmúrio divino
O suave murmúrio de Deus na amplidão
Vós tendes na frente uma ilha gigante
Que às nuvens se lança a perder-se de vista
A exemplo da ilha erguei-vos vibrante
E glória sereis brasileira e paulista
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Soneto de
AUGUSTO GIL
Porto/Portugal, 1873 – 1929, Lisboa/Portugal

De profundis clamavi ad te domine*

Ao charco mais escuso e mais imundo
chega uma hora no correr do dia
em que um raio de sol, claro e jucundo,
o visita, o alegra, o alumia;

pois eu, nesta desgraça em que me afundo,
nesta contínua e intérmina agonia,
nem tenho uma hora só dessa alegria
que chega às coisas ínfimas do mundo!...

Deus meu, acaso a roda do destino
a movimentam vossas mãos leais
num aceno impulsivo e repentino,

sem que na cega turbulência a domem?!
Senhor! não é um seixo que esmagais;
olhai que é – o coração de um homem!... 
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*De profundis clamavi ad te domine : Eu te clamei das profundezas, Senhor
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

O mergulhão, a silva e o morcego

O mergulhão, a silva e o morcego
Fizeram sociedade: entram no emprego
De embarcarem, levando por contrato
Metais o mergulhão, a silva fato;
O morcego, sem fundo, foi forçado,
Para a carga, a valer-se do emprestado.

Tal tormenta lhes deu, que lá ficaram
Os bens, e eles com custo se salvaram:
O mergulhão da praia agora gosta,
A ver se os seus metais deram à costa:
A silva, quando o fato nela embarra,
Cuidando que é o seu, a ele se agarra:
O morcego de dia não se atreve
A sair, temendo esses a quem deve.

Fatal vício o da sórdida avareza,
Porque além de meter os seus amigos
Em imensos trabalhos e perigos,
Por tenaz se converte em natureza.

No que procura o seu, não é defesa;
Mas hesita tormentos e castigos
Naqueles que perdendo os bens antigos,
Qual silva, nos alheios fazem presa.

O que intenta negócio do emprestado,
Manda a quem lhe emprestou muito presente;
Lá vai lucro, e talvez que vá dobrado.
Se houve perda, retira-se da gente,
Por andar do credor envergonhado,
Sente muito, e o que empresta ainda mais sente.
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