terça-feira, 29 de abril de 2025

Asas da Poesia * 14 *

                               

Quadra de
ANTONIO ALEIXO
Vila Real de Santo António/Portugal, 1899 — 1949, Loulé/França

Da guerra os grandes culpados,
Que espalham a dor na terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.
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Poema de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Protesto do rio

Quando Deus fez surgir, do nada, o mundo,
recortou-o de rios que em Seu plano
tinham valor imenso e tão profundo
quanto o fluxo arterial do corpo humano!

A terra floresceu. O amor fecundo
povoou lares. E o homem, sempre ufano,
o Éden que recebeu tornou imundo,
semeando em cada canto o desengano!

Ar e águas poluiu... E os próprios veios,
com seus desmandos, vícios e mazelas!...
E hoje... os rios ocultam, em seus seios,

as angústias das vozes sufocadas
pelos surdos gemidos das sequelas,
num protesto de artérias infartadas!
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Soneto de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Passarinho na gaiola

Sempre que a lida me isola
nas grades do dia-a-dia,
abro a porta da gaiola
com a chave da poesia.

Nesta vida quanta gente
na incerteza do arriscar,
olha o mundo aberto à frente
porém tem medo de voar...

Teu amor, gaiola aberta;
meu coração, passarinho
que por nada se liberta
das grades do teu carinho.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Profissão de fé

Folhearei as Tuas escrituras
em busca de melhor discernimento,
de compreender o mundo e o sentimento
que envolve o Criador e as criaturas.

Respeitarei, Senhor, Teu mandamento
para que um dia eu possa, nas Alturas,
estar em meio as almas fiéis e puras 
que aqui seguiram Teu ensinamento…

Mas, me perdoa, ó Deus, se Te questiono
ao ver tantas famílias no abandono
entre os escombros mórbidos da guerra.

Falsos pastores traem nossa fé;
conspiram nos porões da Santa Sé...
Não Te esqueças da gente aqui na Terra!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Morena, quando eu morrer,
me enterre no mesmo dia;
Eu quero ser enterrado
no coração de Maria.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A duas flores

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu…

Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar…

Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

O teu encanto

Tudo em ti é beleza
mesmo nas horas de tristeza
és um ser simples e natural
Fazes tudo com paixão
Tens uma força visceral
que me arranca o coração
Já não és só poema és canção!

Deslumbras quem te conhece e,
sem saberes, até parece que és tu
que todos queres conhecer

Tens ímã no sorriso
e a luz nos teus olhos
são botões de rosa
que espalhas aos molhos
pelos que por ti passam
nem tens noção do bem que fazes
e, quando te elogiam
ficas sem saber qual a razão

Quando falas, as tuas palavras
são gotas de água fresca
que caem em cascata
refrescam a mente mais sombria

Tu nunca és noite és sempre dia

Sempre motivas quem se cruza contigo
És conselho sem saber e abrigo
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

A velha candeia,
piscava quase sem luz;
ó, que noite feia!
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Como quem não tem mais onde ir
(verso de Ana Margarida da Silva Ferreira)

Como quem não tem mais para onde ir
Fui buscar nas palavras o acalanto
Que lavem as poeiras do quebranto
Que me deram os anos de existir.

Qual bálsamo, poção ou elixir
As palavras trouxeram-me o encanto
Que eu havia perdido num recanto
Do canteiro que não chegou a abrir.

As palavras me envolvem como um véu
E do chão levam-me ao azul do céu
Num crescendo de sons e de magia.

E os dias, em fortuna, tão avaros
Fazem-se mais ridentes e mais claros
Quando me beija a sombra da Poesia.
= = = = = = = = = 

Soneto de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

O desfecho

Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.

Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilhão,
Uns cingidos de luz, outros ensanguentados...
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.

Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.

Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
= = = = = = 

Haicai de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Bom entardecer

solzinho de outono 
aquece a novata haijin —
sua luz inspira
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Versos da noite

É noite. O céu azul, todo estrelado,
a brisa perfumada vem do mar,
lembrando aquele sonho do passado,
a teu lado viver, sorrir e amar...

Por que será, destino malfadado,
que a ventura se foi sem começar?
Hoje vejo em ruínas meu reinado
nesta noite tão bela a me saudar.

Breve os clarões da loura madrugada
vão surgir, como prece, em clarinada,
e em borbotões meus versos vão jorrar.

Para que ao lê-los, saibas da verdade:
aqui tens um poeta sem vaidade
que, os teus pés, inspirado vem beijar!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Fantástico evento:
 o fascinante momento
em que o botão
vira rosa.
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

As palavras são janelas ou muros
Levadas a tribunal de audição 
Juízes ou carrascos atentos
São libertação ou podem ser condenação

Entrego as minhas palavras
Como uma bandeira branca
Desfraldada em campo sereno
Onde conseguimos a reconciliação 
No espaço do maravilhoso criar
Onde somos dom e inspiração

Sempre estivemos nesse lugar
Da comunicação em união 
Mas inseguro tropeço em fragilidade 
Nesta minha latente imperfeição

Sejamos então abraço e voz de alma
Que nos transcende e acalma.
= = = = = = = = =  

Dobradinha Poética de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Amor platônico

De repente, o seu olhar
encontrei na multidão
e vi a vida passar...
Ele esqueceu... mas, eu não!
* * *
Desconheces que te amo e, com certeza,
não supões quanto eu sofro ao te encontrar.
Em meio à multidão, com que tristeza,
o meu olhar procura o teu olhar!

E passas sem me ver... eu, indefesa,
sufoco a dor, tentando disfarçar
a emoção que mantém a chama acesa
dessa paixão, que só me faz penar!

Ouço a razão... Mas, antes de partir
atendo o apelo do meu coração.
Quero passar por ti... e me iludir

que o teu olhar, amor de minha vida,
encontre, enfim, em meio à multidão,
meu triste e meigo olhar... de despedida!
= = = = = = = = =  

Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Retratos

Partiste, mas tenho no peito ferido
Guardadas as cenas, lembranças pungentes
Dalguma esperança talvez as sementes
Ou meros resquícios do amor destruído.

Resgato o retrato das tardes prazentes,
Concertos suaves, jardim colorido,
Romance perfeito, casal embebido
Em mélicos sonhos, desejos ardentes.

Não deixo que o tempo cruel amarele
Aquelas imagens sublimes, bonitas,
A plena expressão de felizes instantes.

Queria sorrir, celebrar como dantes
Em minhas quimeras, senhora, inda habitas.
Não pude esquecer esse olor, essa pele... 
= = = = = = = = =  

Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Colo de mãe

Mudei de cadeira, mudei de xícara,
joguei  fora o adoçante
e recriei meu café da manhã.
De nada adiantaram as mudanças,
tudo  tem outro gosto, tudo é fastio,
tudo  é uma esquisitice  aguda.
Estou macambúzia, gripada, mas nada dói em meu corpo.
Minha gripe é na alma, congestionada de saudade.
Ah, meu Deus! Dá-me a canequinha de lata,
o tamborete antigo e o colo de mãe
que  foram deixados  numa cozinha farta de aconchego.
Dá-me o fogão à lenha, o café de um coador de  pano
e os meus despreocupados anos de infância .
Hoje eu quero um remédio que me cure
dessa  dor inquietante de não  ser mais criança.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Colibrizando 

Fotografei, num flash, um beija-flor.
peguei-o distraído a distrair-me, 
movi-me cauteloso e ele ali, firme,
polinizando o meu tímido  amor.

Que pássaro feliz... sinto assim,
voando... quando faço  poesias,
criando minhas doces fantasias
com cada flor que enfeita meu jardim.

Amei aquele lindo passarinho
tão frágil, com a lírica missão
de  abençoar alguém  que ele nem vê...

Por isso é  que oferto meu carinho
a que quem conversa com meu coração 
no instante mais feliz com  que me lê.
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Mulher... A vida!...

A partir dela, começa nova vida...
Mulher, gênese maior da concepção!
Faz-se ímpar protetora do embrião,
Num sublime encargo, por Deus escolhida!

Em seu ventre, traz o feto com amor.
Dá à luz!... A espécie que se perpetua!
Amamenta, por missão somente sua;
No crescer da cria, dá-lhe mais calor.

Vive, dos filhos, as vitórias e fracassos;
Muitas vezes, no lugar de mãe e pai.
São momentos em que sempre sobressai
A intuição do ser mulher ao dar os passos.

Mulher... A vida!... Missão polivalente!
Ela é mãe, tão companheira e tão amante!
Para o homem, faz-se trunfo exuberante,
É com ela que ele põe a vida à frente!

Mulher... A vida!... Coberta só de glória!
Competência a impulsionou rumo à conquista,
Eis que pela sociedade agora é vista
Pari passu ao homem, a fazer a História.
= = = = = = = = =

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Música

Noite perdida,
Não te lamento:
embarco a vida

no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,

puro e sem nada,
— rosa encarnada,
intacta, ao vento.

Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,

e ressuscitada...
(Asa da lua
quase parada,

mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua

a minha vida
num chão profundo!
— raiz prendida

a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,

muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada

ao tempo lento..
Minha partida,
minha chegada,

é tudo vento...

Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…
= = = = = = = = =

Coelho Netto (Perna de Pau)


Já grisalho, alto e magro, olhos miúdos e negros, mas de um brilho estranho, viam-no todas as manhãs passar à porta do colégio com uma grossa e nodosa bengala.

Conheciam-no pelo toc-toc da perna de pau, e logo chamando-se uns aos outros, corriam todos os meninos às grades, e, quando o inválido passava, rompiam em assuada: — Oh, perneta!

Ele sorria docemente; os seus olhos bravios, de uma expressão feroz, ameigavam-se e, longe de agastar-se, tirava o seu grande chapéu de abas largas e fazia uma barretada, não sei se para brincar com os pequenos, se para lhes mostrar os cabelos brancos.

Um dia o diretor chamou-o para lhe fazer presente de umas roupas, de sorte que, à hora do recreio, quando os meninos saíram para o pátio, viram com surpresa o Perna de Pau sentado tranquilamente em um dos bancos.

Receosos murmuraram: — Vem dar parte! Vem queixar-se ao diretor! — mas o bom homem sorria com tanta meiguice, que um dos pequenos ousou acudir o seu chamado.

— Venha cá, meu menino! Tem medo de mim?

— Não! — disse com orgulho o pequeno.

— Então venha até cá... eu gosto muito de crianças.

O menino adiantou-se, e os outros, vendo a bondade do inválido, acercaram-se dele, e o bom homem ficou numa roda de crianças, feliz, sorrindo. Um dos pequenos, curioso, perguntou-lhe então ingenuamente:

— Que é da tua perna, homem?

— A minha perna, meu menino? A minha perna um bicho mau levou!

A estas palavras a curiosidade dilatou todas as pupilas, e os meninos, esquecendo o recreio, chegaram-se mais ao homem, perguntando:

— Que bicho? Como foi? Conta...

— “Ah! Meus meninos... eu era um rapaz robusto; vivia na minha terra descansadamente, quando correu a notícia de uma fera, que deitava fogo pela boca, queimando as cabanas e as plantações dos pobres, andava se arrastando pela vizinhança da nossa terra.

“Diziam que ela matava velhos e crianças. Muitos moços da minha idade partiram para combater a fera que lhes ameaçava a casa e a vida dos velhos pais. Eu também tinha minha mãe, uma velhinha, e quando me disseram que o animal podia matá-la, não pensei mais, meus meninos, tomei de uma arma e parti num bando.

“Todos quantos nos viam passar abençoavam-nos: um, porque nós íamos defender a sua casa; a mãe, porque íamos evitar que a fera lhe viesse arrancar o filho dos braços; o enfermo, porque não consentiríamos que fosse maltratado. Os velhos mostravam-nos os cabelos brancos, as donzelas atiravam-nos flores, e nós seguíamos, levando todas essas lembranças num registro, que um dos nossos conduzia, para que sempre lembrássemos do que viríamos e ouviríamos.

“E chegamos ao sítio em que a fera errava. Ah! Meus meninos! Quanto mal ela já havia feito! Quanta criancinha órfã, quanta cabana reduzida a cinzas, quantos campos devastados! Felizmente, encontramo-la e o combate travou-se.

“Muitos dos meus companheiros lá ficaram, devorados pelo dragão terrível; eu, mais feliz, apenas perdi uma perna, e não me arrependo, nem lastimo a dor que sofri, porque, de volta à casa, encontrei minha mãe fiando, e vi minha terra tranquila e farta, todas as mães contentes, e os velhos respeitados.

“Que seria de vossa mães, meus meninos? Talvez tivessem sido vítimas como outras foram...”

— E que bicho era? Perguntou o pequeno curioso.

— A guerra, meu menino! — disse o inválido — Foi na guerra que deixei a minha perna, e não me arrependo: fiz o meu dever, defendendo a minha Pátria, e, quando voltei com peito coberto de medalhas, ainda achei minha velha mãe que me abençoou. Hoje estou velho e doente, e os meninos riem-se de mim...

— Não riremos mais! — disse um pequeno com os olhos rasos d’água, e atirando-se ao pescoço do velho soldado, pôs-se a dizer, comovido: —“Não riremos mais! Não riremos mais!” 

E o Perna de Pau, no meio das crianças que procuravam abraçá-lo, rindo, mas com duas lágrimas nos olhos, dizia: —Ah! Meus meninos, assim dão cabo de mim! — e todos festejavam o inválido, prometiam-lhe presentes, abraçavam-no.

Felizmente pôs termo ao assalto de ternura a sineta, chamando para a aula…

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
HENRIQUE MAXIMIANO COELHO NETTO nasceu em Caxias/MA, em 1864 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife. No Rio de Janeiro, conheceu José do Patrocínio, que o introduziu na redação do jornal Gazeta da Tarde e no periódico A Cidade do Rio, época em que começou a publicar os seus contos. No início da República, além de jornalista e professor de literatura e teatro, foi deputado federal, pelo Maranhão, em três legislaturas. Em 1890, casou-se e teve catorze filhos. Nesse mesmo ano ocupou a Secretaria do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Sua residência no Rio, na rua do Rocio, tornou-se famosa como ponto de encontro de celebridades e artistas. Nas reuniões animadas por declamadores e músicos, era comum a presença de Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Humberto de Campos. Além de jornalista, Coelho Neto estreou na literatura, em 1891, com o livro de contos "Rapsódias". Em 1892, lecionou História da Arte na Escola Nacional de Belas Artes e Literatura no Colégio Pedro II. Coelho Neto realizou uma obra extensa, que chega a mais de cem volumes, entre romances, contos, crônicas, memórias, conferências, teatro, crítica e poesia. Em 1896, Coelho Neto participou das primeiras reuniões com objetivo de criar a Academia Brasileira de Letras. Em seguida, tornou-se sócio fundador da cadeira de nº 2 e foi presidente em 1926. Em 1910, Coelho Neto foi nomeado para a cátedra de História do Teatro e Literatura Dramática na Escola de Arte Dramática. Em 1928, foi consagrado como “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, em uma votação realizada pela revista O Malho. Coelho Neto era um dos mais lidos e prestigiados escritores de seu tempo, porém, no final da década de 1920, os modernistas passaram a criticar a forma pomposa e rebuscada, cheias de artifícios retóricos em muitos de seus textos e que não seriam capazes de enfrentar os grandes dilemas da nacionalidade. Algumas obras: os romances Capital Federal (1893), Inverno em Flor (1897), Turbilhão (1906), O Rei Negro (1914), contos: Jardim das Oliveiras (1908), Vida Mundana (1909), Banzo (1913), Contos da Vida e da Morte (1927) e outros.

Fontes:
Olavo Bilac e Coelho Netto. Contos pátrios para crianças. Publicado originalmente em 1931. Disponível em Domínio Público.
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José Luiz Boromelo (Lição canina)


Seria naquele fim de semana. Já tinha ajeitado a caixa de papelão alguns dias antes. Como me desfazer dos filhotes que vi nascer e já faziam parte da família? Razões para justificar a atitude radical não faltavam: a cachorrada se tornara inconveniente ao extremo. Tripudiavam qualquer tentativa de contenção mais enérgica. Tudo o que encontravam pela frente era alvo certo para os afiados caninos de leite, que variavam de calçados a roupas, vassouras, pés de mesa, flores, enfim, vivenciaram com plenitude a inquietante fase oral. Da ninhada de sete, três tiveram a sorte de serem doados ainda filhotes para quem lhes dedicasse carinho e atenção. Os demais, já um tanto crescidos ficaram com a mãe, que sofria demasiadamente com o assédio ininterrupto do quarteto da bagunça.

Os incômodos não se restringiam somente a baderna costumeira. As vasilhas de alimentação tinham que ser repostas frequentemente e o resultado não poderia ser outro: as “lembranças” acumulavam-se aos montes. O esforço e a dedicação em acostumá-los a usar apenas um espaço reservado àquelas particularidades foram inúteis. A recepção aos visitantes (apesar dos avisos constantes de “perigo, área minada”) era premiada com sorrisos, apertos de mão e algumas engraxadas certeiras, o que causava constrangimentos.

A razão enfim, falou mais alto. Um por um foram colocados na caixa com a certeza de que não voltariam mais. Sobrou até para a prolifera matriarca, designada especialmente para a quase impossível missão de proteger sua desfalcada prole em outras paragens, inserida no último instante para a lista dos deportados. 

A viagem ao destino final dos agora ex-protegidos foi dolorosa e a saudade já se fazia presente. Tive o ímpeto de trazer a tropa de volta, mas a determinação imperou naquele momento. Afinal, eram apenas cães e seriam confiados a uma família disposta a lhes promover o bem estar em local adequado, requisitos básicos que não tiveram com seu primeiro dono.

Nunca imaginei que uma simples atitude me traria tanta tristeza, apesar da necessidade em se manter a casa e adjacências com certa higiene. O silêncio predominante agora incomoda. A paz voltou a reinar, com todos os seus ônus. É frustrante quando pagamos um alto preço por determinadas atitudes.

Meses depois, eis que encontro em plena rua a progenitora canina, latindo com todas as suas forças ao reconhecer o carro. Decidi reconduzi-la ao antigo lar, de onde espero nunca mais retirá-la. Daquele dia em diante mudei radicalmente minha opinião sobre os cães. 

Agora acredito que eles possuem emoções, como qualquer ser humano. E que a expressão “o melhor amigo do homem” é deveras verdadeira. Seja na alegria da simples companhia ou na fidelidade demonstrada no dia a dia. Aprendi que eles têm o poder de mostrar o quanto somos insensíveis e impregnados de orgulho. Que carregamos diuturnamente o inexplicável sentimento de superioridade. A lição recebida foi assimilada, mesmo porque não tenho como mudar o passado. E assim, Deus mostra toda nossa insignificância perante os seres que colocou nesse mundo.

* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ LUIZ BOROMELO, é de Marialva/PR, policial rodoviário aposentado, escritor, cronista e agricultor, colaborador da Orquestra Municipal Raiz Sertaneja.

Fontes:
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José Feldman (Fábula do Leão e da Raposa)


Era uma vez, em uma vasta savana, um leão majestoso chamado Leon. Ele era o rei da selva, respeitado por sua força e coragem. No entanto, Leon tinha um temperamento explosivo e se deixava levar facilmente pela raiva. Qualquer desavença ou desobediência o deixava furioso.

Em uma manhã ensolarada, enquanto Leon descansava sob uma árvore, uma raposa chamada Rina passou por perto. Ela era conhecida por sua astúcia e inteligência, mas também por sua curiosidade. Ao ver o leão dormindo, ela decidiu se aproximar, mas inadvertidamente pisou em seu pé.

Leon acordou com um rugido estrondoso. "Quem ousa me incomodar?" gritou, olhando para a pequena raposa. A raiva tomou conta dele, e ele se preparou para atacar.

Rina, assustada, tentou explicar: "Desculpe, Rei Leon! Foi um acidente! Eu não queria te machucar!"

Mas Leon, consumido pela raiva, não ouviu suas palavras. "Você deve pagar por isso!", rosnou ele, enquanto a raposa tentava escapar.

Desesperada, Rina correu pela savana, e Leon a seguiu, cego pela fúria. A raposa, ágil e esperta, conseguiu se esconder em um buraco de árvore. Leon, frustrado, ficou rugindo do lado de fora, mas não conseguiu alcançá-la.

Após algum tempo, a raiva começou a se dissipar. Leon percebeu que estava se destruindo por causa de um pequeno incidente. Ele se afastou, cansado e envergonhado de sua própria explosão de raiva.

Enquanto isso, Rina, ainda escondida, refletia sobre o que havia acontecido. Ela sabia que precisava encontrar uma maneira de reconciliar-se com o leão. Então, teve uma ideia.

No dia seguinte, Rina fez uma pequena armadilha de ervas e flores, e, ao se aproximar da clareira onde Leon costumava ficar, deixou a armadilha armada. Quando Leon apareceu, sentiu o cheiro doce e se aproximou curioso.

"Olá, Rei Leon!", disse Rina, saindo de seu esconderijo. "Eu trouxe um presente para você. Espero que aceite como um sinal de paz."

Leon, intrigado, olhou para a armadilha e viu que era um presente de boa intenção. Ele lembrou-se de sua raiva e de como quase havia machucado uma amiga inocente. Com um suspiro profundo, decidiu que precisava aprender a controlar suas emoções.

"Obrigado, Rina. Eu agi de forma imprudente", disse Leon, com sinceridade. "A raiva me cega, e eu não quero ser um rei que governa com medo."

A raposa sorriu, aliviada. "Todos temos nossas fraquezas, Leon. O importante é aprender com elas e buscar a compreensão."

A partir daquele dia, Leon trabalhou para controlar sua raiva. Ele se tornou um líder mais sábio e justo, e a amizade entre ele e Rina floresceu. Juntos, eles ensinaram os outros animais sobre a importância de manter a calma e resolver conflitos com compreensão.

Moral da História

A raiva pode nos cegar e nos levar a cometer erros, mas o verdadeiro poder está em aprender a controlar nossas emoções e buscar a paz. A compreensão e a amizade são sempre mais fortes que a fúria.

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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com uma escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Brasileira de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria e Voo da Gralha Azul. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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segunda-feira, 28 de abril de 2025

Asas da Poesia * 13 *


Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Filhos da guerra

É noite e aquelas pobres mãos, vazias,
que esmolaram em busca de migalhas
seguram contra o peito, em meio às tralhas,
faminta e escaveirada, uma das crias...

Enquanto o mundo, envolto em tantas falhas,
serve banquete e brinda às regalias
há tantas mães chorando as noites frias
e as procissões cruentas das cangalhas. 

Quem há de retirar a cruz dos ombros
daqueles que palmilham sobre escombros,
dos miseráveis de um país em guerra?...

Quem há de controlar mentes insanas
e ideologias torpes soberanas
que há tanto tempo fazem mal a Terra?...
= = = = = = = = =  

Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/ Portugal

Escrevo-me
nesta vontade de existir para além de mim
de acrescentar rascunhos ao discorrer dos dias
um começo sem um fim em si
devorando instantes na turbulência do caos
Sentado no sofá da minha inquietação
saboreio tragos do vinho iluminado
aguçando o paladar dos sentidos
ébrios momentos de vacilante deambular
Pairo numa nuvem letárgica
o tic-tac dos segundos comprime-me a pele
belisca-me o sentido das coisas
neste pensar desligado de tudo
Escrevo-me
para justificar a minha existência
burilando constantemente o frio gume
do poema da minha irrealidade.
= = = = = = = = =  

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Dormirá nas bermas das estradas
(Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas" p. 42)

Dormirá pelas bermas das estradas
O sonho a que ninguém abrir o peito
Definhando ao pó sujo e tão desfeito
Onde passam pessoas apressadas.

Bastavam três palavras conversadas
Num olhar de amizade e de respeito
Pão e sopa na mesa e morno leito
Para o salvar de tão frias facadas.

Um sonho é uma riqueza sem dinheiro
Um impulso tão forte e tão inteiro
Que a vida se converte em "quero e posso!"

Num mundo tão ingrato e tão padrasto
Por vezes, quando tudo já foi gasto
O sonho é o sumo bem que ainda é nosso.
= = = = = = = = = 

Poema de
ANDRÉ GRANJA CARNEIRO
Atibaia/SP, 1922 – 2014 , Curitiba/PR

Arqueologia

0 agora é estrela cadente
na subterrânea memória.
Com pincéis delicados
limpo restos à procura da história.
Homem de Piltdown, quero avós primatas.
Arqueólogo amador,
em elos antigos
acrescento asas.
No retrato falta
a ruga deste instante,
o verso vive atrás
sua melhor face.
0 imediato relâmpago submerge em cinzas cinzentas.
A mão com a caneta reinventa no branco do caderno.
Faíscas atrás da testa são
fósseis do amanhã,
neurônios incendeiam
as melhores sinapses
e o poema desaparece
nas placas tectônicas
das bibliotecas.
= = = = = = 

Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

O andarilho

“Não me fale de amor”, alguém me disse,
“o amor morreu, já não existe mais”.
E eu retruquei que aquilo era tolice,
– será pecado alguém amar demais?

Ficou parado ali, talvez me ouvisse
que o amor perdoa e espera, sem jamais
querer em troca o favo da meiguice
que perpetua a vida entre os casais.

O tempo foi passando e pela rua
eu vi aquele vulto olhando a lua
perambulando como um peregrino.

E percebi, então, que aquele rosto
marcado pela dor, pelo desgosto,
nunca teve um Amor em seu destino!
= = = = = = = = =  

Soneto de
GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Entardecer

A paz do entardecer... Fascinação...
Com mil beijos de cor sobre o universo!
Eu sinto, bem no fundo, o coração
querer cantar essa beleza em verso.

Fazendo, dessa paz, sublimação,
inunda-se no belo, submerso,
vivendo, assim, total transmutação,
esquecendo que o mundo é tão perverso.

Vai sonhando mil sonhos coloridos,
cantando mil canções, só de alegria,
e esquece a solidão dos tempos idos.

Realizando assim sua utopia,
de posse, então, de sétimos sentidos,
contempla o pôr-do-sol em poesia!
= = = = = = = = =  

Soneto de
MIGUEL RUSSOWSKY
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

Arrependimento

Um por um, os meus sonhos, nesta vida,
Despi no andar do tempo modorrento
Qual árvore esfolhada pelo vento
Numa tarde outonal, entristecida.

Quebrei-me um pouco, assim, a cada ida
À procura não sei de qual intento.
Deixei amor, amigos e, ao relento,
Destroços de minha alma enrijecida.

E hoje, velho, ao voltar da caminhada,
Tropeço em meus pedaços pela estrada
Com saudosa visão aqui e ali.

Não mais me iludo, e essa descrença atesta
Que passarei o tempo que me resta
Recolhendo os pedaços que perdi.
= = = = = = = = =  

Soneto de
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)

O interdito

Este senso de beleza que ganhamos
De Deus, em nossa própria natureza,
É o melhor de nós, que desfrutamos
Do paraíso, não perdido, com certeza,

Se jaz em nossa alma assimilado
E posso recompô-lo a cada passo
Quando estou a vagar pelo meu prado,
Diária romaria que ainda faço...

E vejo que está completa a vida,
Não perdemos nada, isso me intriga,
A expulsão nos foi só advertida

Como falsa reprimenda, só um pito
Diante do mistério do interdito
Contra o qual Deus mesmo nos instiga...
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Não opino, nem me meto,
em brigas de namorados;
vocês hoje estão brigando
e amanhã estão abraçados.
= = = = = = = = =  

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Fui ali
Emprestar um pouco
De pó das estrelas
Pra que
Com meu abraço,
Teus olhos
Voltem
A
Brilhar. 
= = = = = = = = =

Soneto de
GÉRSON CÉSAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Neblina

Tal qual o véu que cobre um rosto de menina,
tua beleza amanheceu hoje escondida.
Chegou o inverno... e eu te encontro adormecida,
cidade amada, sob um manto de neblina...

Meus passos calmos já conhecem cada esquina,
cada comércio, cada rua ou avenida.
Mesmo esta névoa é uma velha conhecida,
parceira antiga na jornada matutina.

Eu acompanho este momento em que despertas:
luzes se acendem... as janelas são abertas...
e o sonolento vai e vem da nossa gente.

Quando a neblina vai, por fim, se dissipando,
alto no céu há um sol ansioso te esperando
para abraçar teu frio e dar-te um beijo quente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  =

Aldravia de
MARÍLIA SIQUEIRA LACERDA
Ipatinga/MG

noite
dia
silêncio
dobrado
feriado
= = = = = = = = = 

Setilha de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Entre as coisas que a vida me propôs,
desde o tempo feliz da tenra idade,
e eu procuro seguir com todo o empenho,
vêm, na linha de frente, a honestidade
e os princípios do amor e da harmonia,
porque Deus vai querer que eu prove, um dia,
o que fiz pra ganhar a eternidade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Epigrama de
ANTÔNIO SALES
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses… mulher de Adão.
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

A morte é a curva da estrada 

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te ouço a passada
existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Décima de
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/RN. 1951 – 2013, Natal/RN

O sertão é um poema…

Deus na sua magnitude,
fez do sertão um palácio,
deixou escrito um prefácio
na parede do açude;
disse da vicissitude
da flor e do gineceu,
de um concriz que se escondeu
nos garranchos da jurema,
o sertão é um poema
que a natureza escreveu.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Os braços vindos de guetos,
sob o sol ou sob a lua,
amarelos, brancos, pretos,
clamam justiça na rua.
= = = = = = = = =  

Indriso de
ISIDRO ITURAT
São Paulo/SP

Lua cheia

A velha mandinga contava à sua neta
sobre os sortilégios da Mãe Lua,
lá na boa noite, lá na noite quieta:

“Para a deusa nunca vais olhar,
porque se te mira quando tu a miras,
o Pássaro Prata ouvirás cantar.

E ao canto da ave o ventre se alua

e do bom marido, saberás das iras”
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