quinta-feira, 17 de abril de 2025

José Feldman (À sombra do lago)

Texto construído tendo por base os versos de Edy Soares (Vila Velha/ES):
Lembrança doce e singela
enchendo o peito de afago:
eu e meu pai na pinguela,
jogando pedras no lago…
Na pequena cidade de Ribeirão Verde, havia um lago que parecia ter saído de um conto de fadas. Suas águas eram calmas e refletiam o céu azul em dias ensolarados, enquanto as árvores em volta dançavam suavemente ao vento. Era um lugar mágico, onde as crianças corriam livres e as memórias se formavam como nuvens no céu. Para Benjamim, o lago era mais do que um simples corpo de água, era um espaço sagrado, um refúgio de lembranças que guardava momentos preciosos ao lado de seu pai.

Certa tarde de verão, quando Benjamim ainda era uma criança, seu pai decidiu que era hora de o levar até a pinguela, uma pequena ponte de madeira que se estendia sobre o lago. Ele sempre dizia que aquele era o melhor lugar para jogar pedras na água e ver as ondas se espalharem como um abraço de boas-vindas. Com um sorriso no rosto, pegou sua mão e seguiram juntos pela trilha que levava ao seu destino.

A pinguela, com suas tábuas desgastadas pelo tempo, rangia sob os pés deles, mas para Benjamim era um som familiar, como uma canção que só os dois conheciam. Seu pai, com seu chapéu de palha e seu jeito despreocupado, era a personificação da alegria. Ele o ensinou a escolher as pedras mais lisas, aquelas que pulavam na superfície da água. “Olhe bem, meu filho. A pedra precisa ter o formato certo. E você deve arremessá-la com confiança”, ele dizia, enquanto Benjamim o observava com admiração.

Esse ritual de jogar pedras era mais do que uma simples brincadeira; era um momento de conexão. Cada pedra que lançavam parecia levar consigo um pedaço de suas preocupações e medos. Benjamim lembrava de como seu pai ria quando uma pedra pulava várias vezes antes de se afundar. “Veja! Essa foi uma campeã!”, ele exclamava, e o garoto ria junto, sentindo a felicidade vibrar em meu peito.

Naquele dia, enquanto jogavam pedras, ele começou a contar histórias de sua infância. Falou sobre os verões que passara pescando com seu pai e como ele mesmo tinha aprendido a escolher as melhores pedras. A cada risada, a cada história compartilhada, o coração de Benjamim se enchia de afeto. A presença do seu pai era um abrigo seguro, e nada parecia mais importante do que aqueles momentos simples à beira do lago.

Com o passar do tempo, Benjamim foi crescendo, e as responsabilidades da vida começaram a se acumular. A escola, os amigos, e mais tarde, o trabalho, foram ocupando seu tempo e sua mente. As visitas ao lago tornaram-se menos frequentes, e a pinguela, uma doce lembrança da infância, foi se tornando apenas uma imagem distante. Mas, em seu coração, ele sabia que aquelas memórias estavam guardadas como um tesouro inestimável.

Anos depois, ao receber a notícia de que seu pai não estava bem, uma onda de nostalgia o invadiu. Lembrou-se da pinguela, das pedras e das risadas. Naquele momento, percebeu que precisava voltar àquele lugar que tanto significava para eles. Assim que pode, organizou uma viagem para Ribeirão Verde.

Chegando lá, encontrou o lago como lembrava, mas a pinguela parecia ter envelhecido. As tábuas estavam mais desgastadas, e o vento parecia sussurrar histórias do passado. Com o coração apertado, se aproximou da beira da água e, por um instante, fechou os olhos. As memórias vieram à tona como se estivesse lá novamente, lançando pedras com seu pai, rindo e aprendendo sobre a vida.

Sentou-se na beira do lago, e as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ele sabia que precisava de um momento de conexão, mesmo que seu pai não estivesse fisicamente presente. Compreendeu que as memórias que guardava eram o verdadeiro legado dele. Com um gesto automático, pegou algumas pedras do chão e começou a jogá-las na água, como faziam antes. Cada arremesso trazia de volta um fragmento do passado, um eco das risadas e das lições.

Neste reencontro com o lago, percebeu que, embora seu pai não estivesse mais ao seu lado, ele continuava vivo nas lembranças doces e singelas que preenchiam seu peito. Ele havia lhe ensinado a importância de valorizar os momentos simples, de encontrar alegria nas pequenas coisas, e naquele dia, ao jogar pedras, ele sentia sua presença como se ele estivesse o guiando novamente.

Enquanto o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de laranja e rosa, percebeu que a vida era feita de ciclos. Embora a dor da ausência fosse aguda, as lembranças eram um bálsamo que aliviava a saudade. Com cada pedra que lançava, Benjamim dizia um silencioso “obrigado” ao seu pai, por todas as lições e por cada momento que compartilharam.

Aquela tarde no lago lhe trouxe paz. Compreendeu que a pinguela, as pedras e o lago eram mais do que apenas um cenário, eram símbolos da relação que tiveram e do amor que ainda vive nele. Ao sair daquele lugar, Benjamim levou consigo uma nova certeza: mesmo na ausência física, as memórias permanecem vivas, e o amor nunca se apaga.

E assim, ao voltar para casa, seu coração estava mais leve. Ele sabia que, sempre que precisasse, poderia retornar àquela pinguela, onde as lembranças doces e singelas enchiam seu peito de afago, lembrando-se de que, mesmo na solidão, nunca estamos realmente sozinhos.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com uma escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Brasileira de Letras, Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria e Voo da Gralha Azul. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes: 
José Feldman. Labirintos da Vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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