terça-feira, 8 de abril de 2025

Aparecido Raimundo de Souza (Segredos ocultos)

NA CAMA DO HOSPITAL, dona Pureza do Amor Perfeito, a mulher quase a se apagar levada pelos braços frios da morte, sussurra para seu marido Pedro Antônio, companheiro de mais de trinta anos de convivência, (que aliás, num gesto de profundo pesar e lástima segura fortemente a mão gelada e sem pulso de sua consorte), um pedido de última hora, e o faz como um clamor meio estranho e inusitado para aquele momento:

— Antônio... meu grande e único amor... preciso lhe fazer uma confissão... pelo amor de Deus, não me odeie por isso...

Pedro Antônio, o rosto frio, os olhos distantes, a voz embargada procura acalmá-la e, nesse tom, aconselha:

— Não, minha princesa amada. Não há nada para confessar. Está tudo bem, tudo em paz. Olhe a sua volta. Aqui estão nossos seis filhos, suas noras e genros, seus netos e netas. Como pode ver, toda a nossa família se fez reunida para seu último adeus... 

Dona Pureza do Amor Perfeito, todavia, insiste:

— Amor, amor da minha vida, eu sei que estão todos aqui. Eu os vejo. Capturo cada rosto, sinto cair sobre as minhas faces as lágrimas de nossos filhos... percebo a agonia das netas Glorinha, Silvinha e Clarissa, bem ainda dos meninos Flavinho e Adalgiso, como você disse, nossas netas e netos.  Da mesma forma, também me invade a alma o padecimento dos demais consanguíneos que viveram ao nosso lado e fizeram a alegria contagiante da nossa honrada casa.  

A moribunda faz uma trégua, para tomar fôlego, e usando as suas forças derradeiras, insiste no tal desabafo:

— Pedro Antônio, preciso dizer o que está entalado. Não partirei sem antes lhe fazer um relato que considero importante. Me ouça...

Por conta desse tal entrave, segue a enfraquecida batendo na tecla com perseverança. Dona Pureza do Amor Perfeito, realmente, se vê às garras do precipício. 

A voz quase imperceptível, volta a protestar deixando qualquer outra coisa de lado, no esquecimento. Pedro Antônio, por seu turno, persevera para que ela se mantenha calada, compenetrada, os pensamentos voltados para os aconchegos daquele momento sem volta: 

— Não se esforce – diz ele. – Feche os olhos e curta esses minutos fascinantes. Olhe que felicidade... toda a nossa família está aqui... os amigos, vizinhos, o que mais deseja, meu amor?

Dona Pureza do Amor Perfeito, parece agarrada aos poucos minutos que lhe sopram pelas narinas. Num esforço sobre-humano tenta, num fio de voz desesperado se fazer ouvir. O som sai moído e ofegante:

— Meu príncipe, não quero partir com a consciência pesada... preciso falar... confessar um deslize... meu amor, me perdoa... chegue o ouvido mais perto... eu... eu... fui infiel a você...

Pedro Antônio teve vontade de pular na garganta de sua cônjuge, mas se conteve. Toda a família reunida, vizinhos e amigos... se partisse para a ignorância, nenhum dos que ali se achavam, o perdoaria. Finge um espanto, longe de ser real. Escarnece, mascarando uma estuporação:

— É mesmo, minha fofa? Com quem?

— Interessa agora?

— Claro que não, minha garota. Só para saber... mera curiosidade.

— Ok! Eu falo. Foi com o...   foi com o Fausto, nosso genro, esposo de nossa filha Margarida...

Pedro Antônio se mostra sereno, tranquilo e dono da situação. Por dentro, o sangue ferve de puro ódio. Sua vontade maior..., cortar a jugular da sem vergonha com uma faca bem afiada:

— Fique tranquila, minha linda e adorada esposa dona Pureza do Amor Perfeito. Eu sabia de tudo. E não se desespere. Aliás, eu sempre desconfiei dele com você, desde o início – falou também aos cochichos. Esquece. Já passou. Vá, porém, com as amarguras dos meus desencantos e repouse a sua traição nos cafundós do capiroto...

— Meu príncipe, como é que é? De quem? Repete... do ca... do ca...  o quê?  — Me diga, amor, você sabia? Fala sério? Você?! ... 

Ela faz um esforço ainda maior para conseguir chegar ao fim do que pretendia deixar esclarecido e ter a convicção se em verdade, o marido estava ou não brincando... 

— Todo esse tempo e você?  Meu Deus!

— Sim minha querida mulherzinha safada. Eu tinha pleno conhecimento – repete o cônjuge tartamudeando. 

— Meu Deus, meu amor... me perdoa? Você me perdoa?

— Está perdoada. Também tenho que lhe confessar uma ação reservada que só eu guardo dentro do coração. Você, minha doce amada, mãe de meus filhos e filhas... a senhora não está morrendo de morte natural... 

— Na... na... não...  em... enten... não enten...

Num fio de voz, o traído revela, sem piedade:

— Eu... eu... en... ve... ne... nei... você.... vá... para os quintos... 

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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