terça-feira, 8 de abril de 2025

Vereda da Poesia = 239


Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

NAUFRÁGIO

Neste oceano da vida, tumultuoso,
lancei, cheio de sonhos, um barquinho.
E ele flutuou e deslizou airoso,
vencendo os empecilhos do caminho!

Nos momentos difíceis, sem repouso,
depressa ia ampara-lo o meu carinho
e ansiosa eu via, com secreto gozo,
meus sonhos desafiando o torvelinho!

E chegaste! E de pedra era tua alma!
De papel, o barquinho... e tenso e mudo,
ficaste, quando o mar perdeu a calma!

Contra o recife, o barco soçobrou!
E os sonhos, sem guarida, ao fim de tudo,
um a um, impiedoso, o mar levou!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Você diz que me quer bem
mas ontem não riu pra mim,
deixe desse fingimento,
quem ama não faz assim.
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Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto de Criação

Deus te fez numa forma pequenina
De uma argila bem doce e bem morena
Deu-te uns olhos minúsculos de china
Que parecem ter sempre um olhar de pena.

Banhou-te o corpo numa fonte fina
Entre os rubores de uma aurora amena
E por criar-te assim, leve e pequena
Soprou-te uma alma calma, cálida e divina.

Tão formosa te fez, tão soberana
Que dar-te aos anjos por irmã queria
Mas ao plasmar-te a carne predileta

Deus, comovido, te criara humana
E para tua justa moradia
Atirou-te nos braços do poeta.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

ESTER

Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,

Alva a clâmide aos ventos - roçagante...
Túmido o lábio, onde o saltério gira...
Ó musa de Israel! pega da lira...
Canta os martírios de teu povo errante!

Mas não... brisa da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . .

Qual nas algas marinhas desce um astro...
Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Incontentado

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos... Ponho,
trêmulo, as mãos nas tuas mãos... E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade...

- E o meu suplício atroz não se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

No botão da flor,
depois da explosão da rosa,
os lábios do amor! 
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Olha Daisy: quando eu morrer tu hás-de...
(Fernando Pessoa/Alvaro de Campos "Cem Sonetos Portugueses", p. 82)

Olha, Daisy: quando eu morrer tu pensas
Que fui ali, à esquina, ver tabaco
Que me escapei do lar, sem dar cavaco
Mas que voltarei já, sem mais detenças.

Vendo bem, não são muitas as diferenças
Entre a morte e uma queda num buraco
Da rua em que rasgamos o casaco
E o corpo sofre mais outras ofensas.

Insulta-me: "És canalha e mentiroso!!!
Seu traidor!!! És um traste e cão raivoso!!!
Até que enfim, me vi livre de ti!"

E não indo a saudade à tua porta
Quando a minha lembrança for já morta
Não vale a pena, então, ver que eu morri...
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

CAMÕES, I

Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.

Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.

Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?... É-lhe devida.
Paga?... Paga-lhe toda a adversa sorte.

Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?... Volvereis à morte.
Ele, que é morto?... Vive a eterna vida.
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

A madrugada jaz fria
no concreto da cidade
e teu corpo incendiado
aquece os lençóis vazios.
A flor grita, em euforia
nos canteiros agitados;
muda, sente calafrios,
chamas da maturidade.
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

CURVA DO CAMINHO

Eis-me chegando à curva do caminho,
onde vejo os escombros do passado:
a casa em que nasci, cresci, malgrado
o quarto de dormir em desalinho.

Não me faltou, porém, muito carinho
vivendo no Sertão injustiçado,
onde o “mandante” sempre desalmado
faz o povo sofrer, no Pelourinho...

No entanto, a vida é bela e deslumbrante,
mesmo que a estrada se apresente escura
sempre brilha uma luz ao viajante...

... E quando eu me tornar uma saudade,
minha alma esquecerá a desventura
para cantar, em verso, a Eternidade!
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

O GATO BERNARDO

O gato Bernardo
mia, mia sem parar.
Quer apanhar uma estrela,
mas não sabe como a ela chegar.

Faz contas e mais contas,
calcula distâncias em vão.
Não sabe como chegar ao céu:
se a pé ou de avião.

Recomendei-lhe um foguetão
ou uma nave espacial.
O gato Bernardo está confuso
pois escolher não sabe qual!

A força da gravidade
está a deixá-lo preocupado.
Diz que já não tem idade
para andar pendurado.

Talvez peça a uma empresa
para lhe trazer o seu desejo.
Vai deixá-la no seu quarto
e com ela será um festejo.

A estrelinha vai-lhe contar
histórias para adormecer.
Serão os melhores amigos
até o Sol nascer!
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Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC

C A N T I L E N A S

Na rude sina de escrever
não tenho o brilho de versejar,
sem o estro como me atrever
a alguma rima iluminar.

Lendo Confúcio e os sonetos
de Bilac reverberando,
nos parnasianos, nos analetos
a rabiscar vou bem lutando.

São cantigas mãos-atadas,
sem vigor e sem brilho, dezenas
de estrofes versalhadas,

São cores sem nenhum matiz,
tantos versos cantilenas
e garatujas do bardo aprendiz.
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Chocados os ovos,
há o choque
dos seres novos.
E a vida prossegue.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

AGONIA

Nos lençóis inda sinto o perfume
Desse amor indomado, atrevido.
Perco o sono, em saudade embebido,
Tu partiste, emergi em negrume.

Por espinhos agudos cingido
Não mais tenho o mirífico lume,
A lamúria o viver se resume
Com tristura esta cama divido.

Presa fácil de infinda agonia
Tua ausência pranteio, definho,
Perambulo em vereda sombria.

Se tivesse outra vez o carinho
A sorrir de prazer voltaria,
Não me deixes penar mais sozinho.
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Poetrix de
TÂNIA SOUZA
Mato Grosso do Sul

VITRINE

Confeitos coloridos!
Nos olhos do menino
A fome chora.
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

SILÊNCIO

Existem  dias que  prefiro o silêncio,
um silêncio brando, suave, que me transporta
ao profundo útero da alma.
Feto sem luz, ali me recolho à espera de renascimento.
Choro um choro sufocado, que o silêncio silencia.
A  gestação  prossegue recriando minha alma
e  reencontro a vida que  a mim proponho.
 É no fundo do silêncio que me reconstruo
e  me apodero de novos sonhos.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

AO SOM DA MINHA LIRA

Se me deixas à deriva, sou navio
resistente a solidão das calmarias.
quando as nuvens que me vêm, ficam sombrias,
fantasias iluminam meu vazio.

Abstrai-me o abandono que me inspira
a içar  as minhas velas renitentes,
movimento-me ao som da minha lira,
mesmo quando o meu silêncio é  permanente.

Se me deixas  à deriva, não me deixas,
pois a tua companhia é  tão  minha,
e até  mesmo sem saber se tu te  queixas, 

teu sorriso me acompanha na viagem
que jamais será  mais triste ou mais sozinha, 
porque teu amor faz  parte da  paisagem.
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Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

ALVORADA ETERNA

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

AMAR-TE EM POESIA!

Face a detalhes adversos
E a entraves do dia a dia,
Preciso apelar pros versos
E assim te amar em poesia!

Meus versos são lenitivos
À falta de teu calor,
Mantêm instintos ativos
Por conta de nosso amor.

Amar-te em poesia, sim;
Abrir para ti meu peito!
Trazer tua imagem pra mim
E envolvê-la do meu jeito!

Musa és de meus poemas
Instados pela distância.
De ti, vêm todos os temas
E paixão em abundância.

Os doces versos saindo,
Dão-me vida afortunada.
Amar-te em poesia é lindo,
Antes isso do que nada!
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

MEDO DE AMAR

Amor, meu grande amor, bem que eu queria
saber coisas de amor que não entendo.
Tuas respostas sempre têm o adendo
oculto e dúbio... cheias de magia...

Olho-te, o teu mistério não desvendo,
o teu olhar confunde a analogia;
e nada do que sinto é mais horrendo
que o desespero de perder-te um dia...

E um medo bem maior que te perder
vêm dos teus olhos e do teu poder
que deixam meus desejos tão incertos...

Quem sabe teus mistérios e segredos
estejam protelando estes meus medos
para que os teus não sejam descobertos!...
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

EPIGRAMA N. 2

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
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