O espelho mostra que na metamorfose dos dias, o cinza restou quando o castanho se foi. Na barba, bigode, cabelos, pelos corporais.
Tudo se acinzentou!
É como se as cores originais se escondessem nas estrias das pálpebras, da testa, da boca e das orelhas a escorrerem pelo pescoço em busca de guardar a alegria do verde, azul, vermelho, amarelo e até do preto, já que acinzentar é descolorir, é opacar, é marcar a finitude.
O castanho virou cinza rareado na calva quase pelada, fotografia do resto que é cinza, como já disse alguém, e concordo. É neutralidade, é ausência da emoção que se não é amarga e azeda, afastam-se do doce e o salgado para restar o umami que se diz gostoso, mas existe apenas na imaginação. Umami é lembrança de como são as cores perdidas.
Cinza é sobra? É o que remanesce depois de o fogo retirar a essência do todo? A ambiguidade entre o bom e o mau, o bem e o mal? O moralmente cinzento? O conteúdo, a vontade, o desejo sendo trocados pela lamentação, transitoriedade e luto? A intermediação do branco ao preto?
Há mais cinza nas paredes dos nossos dias do que pode avaliar nossa vã filosofia. Mas, será que o cinza nada possui de nobre e de bom?
Se é neutra a cor, a resposta tanto pode ser sim como não; se representa ausência, é sinal de que nem veio e nem foi; se de fato é elegância, esteve e se pôs; ou se talvez, solidez e estabilidade, representa inércia. O fato é que nossos dias vão se acinzentando como o cair do sol num dia de inverno, cujos raios se recolhem friorentos em busca de um agasalho que não terá. E, nesse meio-estímulo e meia-tranquilidade, o tempo passa fomentando angústias, chiados, muxoxos despidos das emoções de outrora.
O que se fez, está; o que não, esqueça!
Pois os dias cinzas tendem a se negritar e, nessa perplexidade entre a vontade e a consecução, dobram os sinos a dizer a tristeza do já foi. Passou...
Mas sorte que as cinzas deixadas não morrem aí. São generosas e compreensivas.
Como nada morre e tudo se transforma, ela se conserva quente na esperança de que um vento se aproxime e a sopre e o fazendo, alerte a brasa ali guardada de que ainda há vida na sua essência, e que deve se reavivar em uma segunda oportunidade à vida e, quem sabe, ao amor... A sublimidade do amor a viver sob o calor das cinzas.
Para validar Nietzsche que afirma: “um homem precisa se queimar em suas próprias chamas para poder renascer das cinzas!” confirmando que o cinza das nossas têmporas mostra que os dias, mesmo que nos pareçam tristes e longos, conservam em si os mesmos tictacs da juventude, e basta que os tinjamos com cores que imaginemos, para nos fazermos felizes.
Vê? As cinzas dos nossos dias guardam vida em si. Por que não as soprar e soprar?…
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RENATO BENVINDO FRATA, trovador e escritor, nasceu em Bauru/SP, em 1946, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Além de atuar com contador até 1998, laborou como professor da rede pública na cadeira de História, de 1968 a 1970, atuou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranavaí, (hoje Unespar), atualmente aposentado. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da paranaense Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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