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sexta-feira, 13 de março de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Suécia: O Homem que Teve de se Fazer de Dona de Casa)


Era uma vez um homem tão malicioso e irritável, que lhe parecia sempre que a esposa não fazia o suficiente e, como trabalhava no campo, ela tinha de lhe levar a comida. Mas, como estava muito atarefada, um dia não conseguiu chegar à hora habitual, o que enfureceu o homem.

- Não te insurjas tanto, meu querido amigo - retorquiu a mulher. - Amanhã, inverteremos as posições. Ficarás em casa entretido com a faina doméstica e eu virei trabalhar no campo.

Ele concordou que era uma boa ideia. Na manhã seguinte, ela partiu para o campo e o marido iniciou as tarefas do lar. Primeiro, tinha de fazer manteiga. No entanto, havia algum tempo que batia o leite, quando teve sede e desceu ao porão para se servir de uma cerveja da pipa. Enquanto o fazia, ouviu que o porco entrara na cozinha, onde se encontrava a vasilha da manteiga, pelo que subiu a escada apressadamente, ainda com o espicho da pipa na mão. Quando chegou à cozinha, viu que o animal derrubara o recipiente e entornara toda a nata. Ato contínuo, perseguiu-o e, esquecendo-se do objeto pontiagudo que empunhava, atingiu-o na cabeça com tal violência que o matou. Naquele momento, tornou a lembrar-se da barrica e regressou apressadamente ao porão, mas já se entornara toda a cerveja.

Dirigiu-se a uma leitaria próxima, onde comprou tanta nata, que pôde começar de novo a fazer manteiga. Pouco depois, lembrou-se de que a vaca ainda se encontrava no estábulo e, apesar de o sol já ir alto no céu, ainda não comera nem bebera nada. Todavia, como tinha muita pressa para fazer a manteiga, não dispunha de tempo para levar a rês ao prado. Mas sabia que crescia erva no telhado do estábulo, pelo que lhe ocorreu a ideia de a fazer subir para lá. Para tal, colocou uma tábua larga inclinada, convencido de que bastaria para o que pretendia. Antes, porém, tinha de lhe dar água. Não se atrevia a abandonar a vasilha da manteiga, pois o filho de tenra idade encontrava-se nas cercanias, e ele temia que o entornasse. Assim, pegou no recipiente, colocou-o às costas e foi ao poço buscar água para a vaca. Mas quando se inclinou a nata escorregou-lhe pelas costas e tombou no poço.

Faltava pouco para o meio-dia, e a manteiga continuava por fazer. Levou a vaca para o telhado e foi à cozinha fazer sêmola. No entanto, enquanto se dedicava a essa tarefa, lembrou-se de que o animal podia precipitar-se no chão e sofrer fraturas irreparáveis. Por conseguinte, muniu-se de uma corda, atou uma ponta à vaca, enfiou a outra na chaminé e depois prendeu-a em uma das suas pernas, convencido assim de que, se o animal caísse, o poderia içar de novo. E, com efeito, a vaca caiu do telhado. Ele puxou-a através da chaminé até que a corda se prendeu, e ela ficou a oscilar entre o céu e a terra.

Entretanto, havia sete longas horas que a mulher aguardava que ele a fosse chamar para almoçar. Por fim, impacientou-se e resolveu regressar a casa. Quando chegou, viu a vaca suspensa de uma corda e tratou de cortar esta última. Ato contínuo, o marido caiu pela chaminé e mergulhou na panela da sêmola.

Fonte:
Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.

sábado, 7 de março de 2020

Contos e Lendas do Mundo (Suécia: As Três Avozinhas)


Era uma vez um príncipe e uma princesa que se amavam muito. Ela era terna, linda e muito estimada por todos, embora mais propensa à diversão e ao jogo que às atividades do lar.

O fato parecia não ser do agrado da velha rainha, pelo que declarou que não queria ter como nora uma mulher que não fosse tão ativa como ela fora na juventude, e opôs-se de todas as formas e maneiras possíveis ao casamento do príncipe.

Como a rainha não queria voltar com a palavra atrás, o príncipe procurou-a e pediu que o deixasse pôr a noiva à prova, para verificar se era tão ativa no trabalho como ela tinha sido. O pedido pareceu a todos muito arrojado, pois a mãe do príncipe continuava a ser uma mulher infatigável, que passava dia e noite a fiar, coser e tecer, de tal modo que ninguém a conseguia igualar. No entanto, consentiu finalmente que se cumprisse a vontade do príncipe. Assim, conduziram a bela princesa à sala das mulheres e a rainha enviou-lhe vinte libras de linho para que o fiasse, tarefa que devia estar concluída antes do amanhecer, de contrário nem pensar na possibilidade de receber o príncipe por esposo.

Quando ficou só, a princesa sentiu-se muito mal. Sabia perfeitamente que não poderia fiar o linho da rainha e, por outro lado, não queria perder o jovem príncipe, que tanto a amava. Por conseguinte, dava voltas pela sala, chorando ininterruptamente. De súbito, a porta abriu-se devagar para dar passagem a uma velha muito pequena, de aspecto assaz estranho, com uns pés enormes que causariam estranheza a quem a visse. Saudou a princesa com as palavras:

- Paz de Deus!

- A paz de Deus seja contigo!

- Porque está tão triste esta noite a bela donzela?

- Não hei de estar, se a rainha me ordenou que fiasse vinte libras de linho? Se não terminar o trabalho antes do amanhecer, perderei o meu amado príncipe!

- Consola-te, bela donzela! Se é apenas isso, posso ajudar-te. Mas tens de me conceder o desejo que passo a comunicar-te.

Ao ouvir isto, a princesa sentiu-se invadida por uma enorme alegria e perguntou em que consistia esse desejo.

- Bem, chamo-me Storfota-mor e a única recompensa pela minha ajuda limita-se a estar presente na tua boda. Não assisto a uma desde que a rainha, tua futura sogra, foi a noiva.

Concedeu-lhe de bom grado e a seguir separaram-se. A princesa deitou-se, mas não conseguiu pregar olho em toda a noite, que lhe pareceu eterna.

De madrugada, antes que rompesse o dia, a porta abriu-se e a velha reapareceu, para se aproximar da princesa e entregar-lhe um novelo de fio tão branco como a neve e fino como uma teia de aranha.

- Não fiava um novelo tão lindo como este desde que o fiz para a rainha, quando ia casar - informou. - Mas já lá vai muito tempo.

Em seguida, retirou-se e a princesa mergulhou num sono leve e reparador. Mas não tinha passado muito tempo, quando a rainha a acordou a perguntou se havia completado a tarefa. Ela respondeu que sim e entregou-lhe o novelo. Assim, a rainha teve de se considerar satisfeita, embora fosse evidente que o fazia com relutância.

Quando amanheceu, a rainha disse que queria submetê-la a outra prova. Enviou o novelo à sala das mulheres, juntamente com o tear e todos os apetrechos necessários, e ordenou à princesa que o tecesse. O tecido devia estar terminado antes do nascer do Sol, de contrário escusava de pensar sequer em casar com o jovem príncipe.

Quando ficou só, a princesa voltou a sentir-se amargurada, pois sabia que não conseguiria cumprir a nova tarefa, apesar de não querer perder o príncipe, que tanto amava. Desmoralizada, movia-se de um lado para o outro, chorando amargamente, quando a porta se abriu para dar passagem a uma velha muito pequena, de aspecto estranho e semblante ainda mais invulgar. Além disso, o seu traseiro era tão grande que quem o visse teria forçosamente de ficar abismado. Saudou-a com as palavras:

- Paz de Deus!

- A paz de Deus seja contigo!

- Porque está tão triste e preocupada a bela donzela?

- Não hei de estar, se a rainha me ordenou que tecesse este novelo? Se não o fizer antes de raiar o dia, perderei o príncipe, que tanto me ama.

- Se é apenas isso, posso ajudar-te. Mas com a condição que passo a comunicar-te.

Ao ouvir isto, a princesa foi invadida por uma enorme alegria e perguntou em que consistia esse desejo.

- Bem, chamo-me Storgumpa-mor, e a única recompensa pela minha ajuda limita-se a estar presente na tua boda. Não assisto a uma desde que a rainha, tua futura sogra, foi a noiva.

Concedeu-lhe de bom agrado e a seguir separaram-se. A princesa deitou-se, mas não conseguiu pregar olho em toda a noite, que lhe pareceu eterna.

De madrugada, antes que rompesse o dia, a porta abriu-se e a velha reapareceu, para se aproximar da princesa e entregar-lhe um tecido tão branco como a neve e tão delicado como uma pele.

- Não tinha voltado a tecer nada como isto desde que o fiz para a rainha, quando se ia casar. Mas já lá vai muito tempo.

Com estas palavras, a velha retirou-se e a princesa reconfortou-se com um sono agradável, embora de curta duração, pois não passara muito tempo quando a rainha a acordou e perguntou se concluíra a tarefa.

A princesa respondeu que sim e entregou-lhe o lindo tecido. A rainha viu-se forçada a considerar-se satisfeita pela segunda vez, embora fosse evidente que o fazia com relutância.

A princesa supunha que não teria de se submeter a mais provas, porém a rainha não era da mesma opinião. Um pouco mais tarde, mandou entregar o tecido à sala das mulheres, com a recomendação de que confeccionasse com ele camisas para o noivo. Deviam estar prontas antes do nascer do Sol, de contrário a princesa escusava de pensar em casar com o príncipe.

Quando voltou a encontrar-se só, a princesa sentiu-se muito amargurada. Sabia que não conseguiria completar o encargo, mas não queria perder o príncipe, que tanto amava. Desmoralizada, movia-se de um lado para o outro, chorando copiosamente, quando a porta se abriu para dar passagem a uma mulher muito pequena e velha, de aspecto assombroso e um semblante ainda mais singular, com um polegar tão incrivelmente grande que deixaria qualquer observador estupefato.

- Paz de Deus! - saudou.

- A paz de Deus seja contigo! - replicou a princesa.

- Porque está tão triste e só a bela donzela?

- Não hei de estar, se a rainha me ordenou que cosa com esta tela de linho camisas para o príncipe? Se não o faço antes de amanhecer, perco o meu noivo que tanto me ama.

- Consola-te, bela donzela. Se é só isso, posso ajudar-te. Mas com uma condição que passo a expor.

Ao ouvir estas palavras, a princesa alegrou-se enormemente e quis saber qual era a condição.

- Bem, chamo-me Stortumma-mor e apenas quero a recompensa de assistir à tua boda. Não presencio nenhuma desde que a rainha, tua sogra, foi a noiva.

A princesa concedeu-lhe de bom grado o desejo e a seguir separaram-se e ela deitou-se e dormiu tão mal que nem sequer sonhou com o noivo.

De madrugada, antes do nascer do Sol, a porta abriu-se e surgiu de novo a velha, que se aproximou da princesa, acordou-a e entregou-lhe umas camisas, cosidas e bordadas com tanta arte, que seria impossível encontrar outras iguais.

- Não cosia camisas tão boas como estas desde que o fazia para a rainha - declarou a mulher. - Mas já lá vai muito tempo.

Posto isto, desapareceu, pois acabava de chegar a rainha para saber se as camisas estavam prontas. A princesa respondeu que sim e entregou-lhas. Em face disso, a rainha enfureceu-se tanto, que os olhos emitiram chispas, mas reconheceu:

- Está bem, ele é, teu! Não pensei que pudesses ser tão rápida.

E retirou-se, batendo com a porta tão violentamente, que o som retumbou em todo o palácio.

O príncipe e a princesa podiam finalmente casar, como a rainha prometera, pelo que se iniciaram os preparativos dos esponsais.

No dia estipulado, a princesa não estava especialmente contente, pois não sabia se as suas singulares convidadas apareceriam. Chegado o momento, a boda celebrou-se, segundo a antiga tradição, com prazer e alegria, mas por mais que ela olhasse para todos os lados não descortinava nenhuma mulher idosa. Por fim, quando os convidados tinham de se sentar à mesa, deu-se conta da presença das três, que ocupavam outra a um canto da sala. Ao avistá-las, o rei perguntou de quem se tratava, pois via-as pela primeira vez, e a mais velha informou:

- Chamo-me Storfota-mor e tenho os pés tão grandes pelo muito que fiei na minha vida.

- Nesse caso - replicou o monarca -, é conveniente que a minha nora não tenha de voltar a fiar.

A seguir, dirigiu-se à segunda mulher e perguntou-lhe o motivo do seu singular aspecto.

- Chamo-me Storgumpa-mor e tenho o traseiro tão grande pelo muito que teci na minha vida - foi a resposta.

- Nesse caso - decidiu o rei -, é também conveniente que a minha nora não tenha de voltar a tecer.

Quando se voltou para a terceira velha e lhe perguntou quem era, Stortumma-mor levantou-se e explicou que tinha um dos polegares tão grande devido ao muito que cosera ao longo da sua vida.

- Nesse caso - concluiu ele -, é igualmente conveniente que a minha nora não tenha de voltar a coser.

E assim foi. A bela princesa recebeu a mão do príncipe e ficou eximida para toda a vida de fiar, tecer e coser.

No final da boda, as avozinhas partiram. Ninguém viu que rumo tomaram, nem se sabia de onde tinham vindo. No entanto, o príncipe viveu satisfeito e feliz com a esposa e tudo decorreu com muito mais calma e tranquilidade, pois a princesa não era tão ativa como a exigente e severa rainha.

Fonte:
Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Folclore Sueco (Ingeborg e Hialmar)

HIALMAR, o herói descendente dos Vetars, tinha feito um pacto de fraternidade com Orrar Oddur, o Viking.

Juntos se haviam apresentado ao rei de Sigtune, Ané, prometendo-lhe fidelidade absoluta.

O rei Ané tinha uma filha chamada Ingeborg, que amava secretamente Hialmar, e sentia-se desgraçada porque acreditava que o herói não reparara em sua beleza. Estava, porém, enganada, pois que também Hialmar a queria, embora jamais tivesse confessado seu amor.

Em Bolmsé, país próximo de Sigtune, remava Ansgrim, o gigante, pai de doze filhos, todos audazes guerreiros. O mais velho, Hiovard, tinha contemplado uma única vez a formosura de Ingeborg e por ela se apaixonara de tal maneira que, quando chegou a festa de Yul — a festa do verão — e Ansgrim e seus filhos brindaram com a taça de hidromel para que cada um deles propusesse uma nova gesta com que se expandisse sua fama de heróis, Hiovard declarou que aquele ano conseguiria a mão da princesa de Sigtune, mesmo que a isso se opusessem o Rei e todo o país.

Ansgrim, prudente, lembrou ao filho a presença em Sigtune de dois irmãos de armas: Orrar Oddur, o Viking, e Hialmar, o herói. Hiovard assegurou que estava disposto a bater-se fosse com quem fosse, e dez de seus doze irmãos beberam a taça de hidromel, declarando que se colocariam ao lado de seu irmão em qualquer circunstância, e que lutariam em defesa dele contra todos os guerreiros de Sigtune reunidos.

Angandyr, o mais moço, tinha ainda intacta sua taça de hidromel. O pai, surpreendido, perguntou-lhe se êle seria suficientemente covarde para não se unir à luta de seus irmãos pela conquista de Ingeborg. Levantou-se, então, o mais moço dos irmãos e declarou que acompanhar os demais na luta contra Sigtune parecia-lhe pouca coisa. Queria encontrar, e apoderar-se da espada Tirfing, cujo fio era envenenado e saía vitoriosa de todas as lutas. Os anões, inimigos dos deuses do Valhala, tinham forjado aquela espada, havia muito tempo. Vários heróis tinham-na possuído, e com ela conquistado memoráveis vitórias. Agora estava escondida nas profundezas da terra, e ninguém sabia de seu paradeiro.

Tanto o pai como os onze irmãos do jovem admiraram-lhe a coragem de formular tal promessa, que consideravam impossível de realizar.

Pouco tempo depois, os doze irmãos dirigiram-se para Sigtune, onde foram recebidos em audiência pelo rei, rodeado de todos os seus guerreiros. Angandyr olhou atentamente para a espada de todos os presentes, sem poder descobrir a Tirfing entre elas.

Ao oferecer-lhe Ané a taça de hidromel, Hiovard recusou-a, dizendo que não tinha vindo em ânimo pacífico nem para beber com ele. Vinha buscar a princesa Ingeborg, que solicitava como esposa.

Antes que o Rei tivesse tempo de responder, levantou-se Hialmar com tal violência que sua armadura ressoou estrepitosamente. Colocou-se na frente do Rei e disse-lhe que ele havia defendido todo o tempo as costas de seu Estado, que as rochas do mar podiam dar testemunho dos numerosos combates que às suas margens tinha ganho. Nunca pedira uma recompensa, porque sentia satisfação em cumprir a promessa, que fizera quando ainda era quase uma criança, de dedicar sua vida à salvaguarda de seu país. Agora se tornara um homem e não se sentia disposto a esperar, só e sem lar, a chegada da morte. Também ele amava a princesa Ingeborg, e solicitava-lhe a mão dela.

O velho Rei vacilou. Não podia prescindir de Hialmar, mas também temia a cólera dos filhos de Ansgrim. Não sabendo como resolver a questão, decidiu chamar sua filha, para que fosse ela quem escolhesse entre os dois apaixonados.

Apareceu Ingeborg ante eles, mais bela do que nunca. Ao saber o que .dela se esperava, sorriu, feliz, e, sem temor algum, sem vacilar um único instante, estendeu a mão para Hialmar, declarando que de há muito desejava ser sua esposa.

Hiovard e seus onze irmãos, indignados pela afronta que, segundo eles, lhes infligia Hialmar, desafiaram-no a que fosse a Samsé, combater com eles. Hialmar aceitou o repto.

Os doze gigantes saíram do palácio de Ané com o coração repleto de ódio e desejos de vingança. Mas chegaram apenas onze à casa de seu pai. Angandyr ficou pelo caminho, meditando sobre a maneira de apoderar-se de Tirfing e vingar-se de Hialmar.

Vagou pelos montes durante muito tempo, e, cansado enfim, com aquela caminhada, aproximou-se de umas pedras cobertas de musgo e deixou-se tombar sobre elas. Estava anoitecendo, e o jovem adormeceu.

Acreditou ver, em sonhos, como que uma luz azul que iluminava o espaço. No meio daquela claridade, Angandyr percebeu os anões que dançavam em torno de um átrio enegrecido. Entre saltos e risos entoavam uma canção, em que diziam que apenas um guerreiro forte e valente, que fosse digno de tal coisa, conseguiria encontrar Tirfing, a espada envenenada.

Quando a estranha visão se desvaneceu, Angandyr despertou e viu a seu lado uma espada. Apanhou-a, surpreendido. Era a Tirfing.

Aproximava-se a data do combate em Samsé. Ingeborg tecia uma forte couraça de seda para Hialmar, mas um terrível pressentimento impedia-a de adiantar o trabalho. As agulhas caíam-lhe das mãos e a jovem chorava amargamente, porque, embora confiando no valor e na audácia de seu amado, tinha a certeza de que ele morreria em combate.

Também Hialmar tinha esse pressentimento. Só a Orrar Oddur, que devia acompanhá-lo ao combate, confiara seus temores.

Chegou o momento da partida, e os dois apaixonados, com o coração cheio de dor, despediram-se à beira do mar. Ingeborg entregou ao seu noivo um anel de ouro, como prenda de seu amor e de sua fé. Hialmar colocou o anel no dedo e ao ver o amor que lhe dedicava a princesa a quem adorava, sentiu renascer a confiança e a coragem para afrontar o perigo da espada envenenada de Angandyr. O pensamento de que era ela o prêmio para a sua façanha dissipou seus lúgubres pressentimentos.

Orrar Oddur e Hialmar chegaram a Samsé e encontraram os doze irmãos. Onze deles precipitaram-se sobre Oddur. Hialmar lançou-se contra Angandyr.

Enquanto Orrar se defendia do violento ataque dos onze irmãos, gritava a Hiovard que aquele não era procedimento digno de nobres. Que cada um deles viesse à luta por sua vez, e ele daria boa conta de todos. Assim o fizeram, e, um por um, caíram os onze aos golpes fortes da espada do Viking.

Terminada a luta, Orrar voltou-se a procura de Hialmar. Angandyr jazia morto e Tirfing estava a seu lado, manchada com o sangue de Hialmar. Este continuava de pé, mas tinha no rosto a lividez da morte.

Ao ver aproximar-se seu irmão de armas, Hialmar pareceu reunir as poucas forças que lhe restavam. Dezesseis feridas dilaceravam-lhe as carnes. O veneno de Tirfing ia penetrando em seu coração.

Arrancou de seu dedo o anel que Ingeborg lhe dera ao despedir-se, e, entregando-o ao seu amigo, rogou-lhe que o devolvesse à sua amada dizendo-lhe que seu último pensamento tinha sido para ela.

Orrar deu sepultura aos doze irmãos. Apanhou depois o amigo e depositou-o no fundo da embarcação.

Dirigiu-se, muito triste, para Sigtune. Ao chegar, foi ver Ingeborg, que o recebeu ansiosamente. Entregou à princesa o anel de Hialmar, transmitindo-lhe, ao mesmo tempo, as derradeiras palavras do guerreiro, que tinham sido uma doce lembrança de amor para ela.

A dor de Ingeborg foi imensa. Contemplou, absorta, o anel, e, de súbito, vendo as manchas de sangue que nele havia, teve a ideia de reunir-se a Hialmar. Aplicou, pois, os lábios ao sangue envenenado, e absorveu-o desesperadamente. O veneno deslizou pelas suas veias, chegando até o coração.

Tirfing, ao matar Hialmar, tinha matado também Ingeborg.

Orrar Oddur transladou os corpos dos dois enamorados e enterrou-os em Samsé. Conta o mito que pouco tempo depois nasciam junto à sepultura duas bétulas frondosas e esbeltas, tão aproximadas uma da outra, que seus ramos entrelaçavam-se, como os braços de dois apaixonados. E ainda se assegura que nas noites de ventania, as copas das árvores, ao balançarem, pronunciam docemente, os nomes de Hialmar e Ingeborg.

Fonte:
Maravilhas do conto mitológico. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.