domingo, 11 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 81 =


Trova de Paredes/Portugal

TIAGO
António José Barradas Barroso

Não há nada, nesta vida,
 que acabe com o penar
 da tristeza da partida
 com lenço branco a acenar.
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Poema de Portugal

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Porto, 1919 – 2004, Lisboa

A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos - se ninguém atraiçoasse – proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
- Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
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Trova de Curitiba/PR

ARGENTINA DE MELLO E SILVA 
(1904 – 1996)

Eu hoje chamo saudade
o que ontem chamava amor.
A minha felicidade
mudou de nome e de cor.
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Soneto de Montevidéu/Uruguai

CAIO DE MELO FRANCO
Montevidéu/Uruguai, 1896 – 1955, Paris/França

Evangelho da velhice

— "Quando a Velhice te bater à porta,
queres ouvir nosso Evangelho? — escuta:
Abre de manso e trêmula perscruta
aquela face que a tristeza corta.

Olha-a de frente... e uma alegria morta
verás em cada sulco que a labuta
deixou, fundo, ficar da insana luta,
que não nos confortou, nem nos conforta!...

Enxugarás o olhar inconsolado...
E ficarás pungentemente olhando,
de mãos postas, a orar para o Passado...

E assim, velhinha e triste, e eu triste e velho,
viveremos tremendo... mas rezando
a saudade sem fim desse Evangelho..."
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Trova Premiada em Natal/RN, 2015

JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Nossa vida é uma aquarela,
da aurora ao anoitecer…
Os sonhos, pintando a tela,
colorindo o amanhecer.
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Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Inquestionável

A mentira
é o grande espelho
onde todos
se defrontarão,
um dia,
com a verdade
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Trova Popular

Todo o verso que eu sabia
veio o vento e carregou;
só o amor e o querer-bem
na memória me ficou.
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Soneto de Juiz de Fora/MG

COMPADRE LEMOS
Luiz Carlos Lemos

Remédio Bom

Essa saudade mais parece moça nova
Que, de mansinho, vem chegando, devagar.
E vem querendo no meu peito se alojar,
Buscando teto, moradia, ou mesmo cova!

Mas eu conheço sua manha e sua trova.
Ela se encosta, mas eu não posso deixar.
E digo a ela: -- Vai bater noutro lugar,
Porque, na vida, para mim, já basta a prova!

Se ela insiste, eu procuro uma folia,
Um pé de valsa, uma fogueira, uma alegria,
Ou um bom gole, para não sentir a dor.

Então, eu pego na viola esquecida
E faço um verso, porque sei que, nesta vida,
Remédio bom para saudade... é novo amor!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Cada vez que raia o dia,
a poesia se revela;
ê que Deus faz moradia
na paisagem da janela.
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Poema de Catembe/Moçambique

NOÊMIA DE SOUZA
(1926– 2001) Cascais/Portugal

Infelizmente Jamais

No instintivo temor das ruas
Maria hesitava nos passeios
até não pressentir
o mais fugaz
presságio.

Contorno de sombra
à berma de uma além –asfalto
fatal presságio da rua
infelizmente já não
a intimida.

Cumprido o funesto prenúncio
já atravessava uma avenida
infortunadamente já nenhum risco
intimida o espírito
de Maria.

Doentiamente eu amaria ver
Maria ainda amedrontada
e nunca como depois
em que já nada a intimida.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Por assédio à passageira,
o maquinista apanhou!!!...
Na maca, diz pra enfermeira:
- O meu trem... descarrilhou...
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Soneto de Lagos Algarve/Portugal

ALFREDO DOS SANTOS MENDES

Há de haver tempo

Há de haver tempo em mim para gritar:
A revolta que sinto no meu peito.
Não quero ficar preso, estar sujeito,
A quem quer minha voz amordaçar!

A minha boca, alguns querem calar,
E modelar meu ser a seu preceito.
Mordaça posta em mim eu não aceito,
Meu tempo de falar, há de chegar.

Há de haver tempo então para exprimir,
E em luta de palavras esgrimir…
A razão da revolta no meu peito!

Eu juro, há de haver tempo pra provar,
Que meio mundo nos anda a enganar,
Com milhares de cifrões em seu proveito!
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Conosco na intimidade,
mas nunca juntas, porém...
Felicidade e saudade,
se uma se vai… a outra vem!
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Primavera 

Invernos chuvosos saem
levando apenas saudade, 
deixando ilusões serenas.

São brisas amenas que valsam
no jardim intenso da primavera,
um beijo nas pétalas pequenas.
Os vestígios carmins das rosas
serão versos das futuras cenas.
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Trova Humorística Fluminense

HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO
Niterói/RJ (1929 – 2012) Rio de Janeiro/RJ

Pobre mulher do Carvalho
que até hoje ainda reclama,
pois, de tanto “quebrar galho”,
foi multada... pelo “Ibama”!…
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Soneto de Campinas/SP

ORLANDO RODRIGUES FERREIRA

Estações

Vicejam, no verão, descomunais paixões
Para desfolharem quando outonais,
Empalidecem, muitas vezes sem razões,
No taciturno frio dos tempos invernais.

Mas recrudesce a vida em ocasiões,
Qual no céu esplendendo luzes aurorais,
Presenteando-nos com tantas provisões
De selvas verdejantes e campos florais.

Jamais se perca ou venha se apartar
O primaveril viçoso das ambições,
Porque o nosso amor não vai soçobrar,

Pois firmado está em veraz emoções
Que constantemente hão de se renovar
como o próprio ciclo das quatro estações.
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Trova Premiada

MARIA NELSI SALES DIAS
Santos/SP

Tua trova apaixonada
num altar só falto por,
embora quase apagada,
é minha oração de amor!
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Poema de Salvador/BA

RAIÇA BONFIM DE CARVALHO

No telhado

Querendo ver novela
eu saio no sereno
e subo no telhado
pra ajeitar a antena
O velho do outro lado
olhando aquela cena
fala pra vizinhança
que sou gato
E eu ganho sete vidas e um baita resfriado...
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A palavra acalma e instiga; 
a palavra adoça e inflama. 
– Com ela é que a gente briga; 
com ela é que a gente ama! 
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Escada de Trovas de São Paulo /SP

FILEMON MARTINS
(Filemon Francisco Martins)

Amores

NO TOPO:
"Saudade, de quando em quando,
Provoca mágoas e dores,
Pois vai de amores matando
Quem vive lembrando amores".
Mário Barreto França
(Recife/PE, 1909 – 1983, Rio de Janeiro/RJ)

SUBINDO:
"Quem vive lembrando amores"
vai perdendo a emoção,
porque viver velhas dores
não faz bem ao coração.

"Pois vai de amores matando"
momentos bons, sem iguais,
que a vida vai cultivando
ao longo dos ideais.

"Provoca mágoas e dores"
quem parte e fica também,
pois todos os dissabores
são as saudades de alguém.

"Saudade, de quando em quando"
sem ser plantada, floresce,
no peito já vai brotando
como se fosse uma prece.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Passa o tempo... bem depressa...
a roubar o que nos deu,
e, uma dúvida se expressa:
- passa o tempo... ou passo eu?!
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Hino de Florianópolis/SC

Um pedacinho de terra,
perdido no mar!...
Num pedacinho de terra,
beleza sem par...
Jamais a natureza
reuniu tanta beleza
jamais algum poeta
teve tanto pra cantar!

Num pedacinho de terra
belezas sem par!
Ilha da moça faceira,
da velha rendeira tradicional
Ilha da velha figueira
onde em tarde fagueira
vou ler meu jornal.

Tua lagoa formosa
ternura de rosa
poema ao luar,
cristal onde a lua vaidosa
sestrosa, dengosa
vem se espelhar...
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Trova de Faro/Portugal

MARIA ALIETE CAVACO PENHA

Esta vida é um jardim
onde ninguém é capaz,
depois de chegar ao fim
poder voltar para trás…
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Soneto de Lisboa/Portugal

CARMO VASCONCELLOS

Maria das Flores

Doloridas violetas traz nos olhos,
pelos dedos escorrem-lhe martírios, 
e, tal em novena, ardem-lhe quais círios, 
no peito amante, pálidos abrolhos. 

Por que, teimosa, inda cultiva flores;
paisagens coloridas de desejos
que sonha salpicadas de ígneos beijos?...
Se na hora da colheita, colhe dores!

Alimenta-as de amor e rubro sangue,
porém os caules, meros lambareiros,
saciados, deixam-na... sozinha e exangue.

Florista acorrentada à fantasia,
só tem a flor-saudade nos canteiros…
Mas o sonho ainda habita na Maria!
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Trova de Curitiba/PR

VERA VARGAS 
(1922 - 2000)

Até nas faces molhadas
da chuva, a injustiça trama:
do rico lava as calçadas,
ao pobre dá frio e lama...
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O filósofo cita

Na Cítia, certa vez, por motivo severo,
Crendo encontrar o bem nas privações do exílio,
Saíra a viajar um pensador austero.

Vivia então na Grécia, em farto domicílio,
Junto às flores que amava e na paz respeitado,
Um sábio igual àquele ancião de Virgílio.

O cita o foi achar no jardim ocupado:
Separava da erva as árvores de fruto
E do galho atrofiado.

Ali cortava um ramo, aqui outro corrupto;
E à cega natureza
Ia pagando a arte o liberal tributo.

O filósofo a olhar, tomado de surpresa,
Lhe disse: «O que fazeis? pois um sábio mutila
Os pobres vegetais com tão grande dureza?

Dai-me o vosso instrumento, o qual tudo aniquila;
O tempo obra melhor.» Sem se alterar em nada,
O outro respondeu na sua voz tranquila:

«Eu só tiro o que sobra; à planta decotada
Melhor seiva aproveita.»
E o cita então volveu à sua triste morada.

Lá chegado uma vez, previne-se e endireita
Contra raro vergel, e do útil ofício
Ensina à vizinhança uma falsa receita.

Nada deixa de pé: os rebentos sem vício,
O caule mais florido, o tronco mais correto,
E sem escolher lua e nem dia propício.

Afinal morreu tudo. Imita este indiscreto
Aquele que da alma, e posto indiferente,
Repele o mau e o bom e o mais sagrado afeto.

Eu me acautelo bem e temo uma tal gente...
O estoico, incapaz do mais leve conforto,
Fazendo sempre o mal, vai levando o vivente
A já nem existir muito antes de estar morto.
(tradução: J. Mariano de Oliveira)

Recordando Velhas Canções (A Festa do Bolinha)


Compositor: Roberto e Erasmo Carlos

Eu ontem fui a festa
Na casa do Bolinha
Confesso não gostei
Dos modos da Glorinha
Toda assanhada
Nunca vi igual
Trocava mil beijocas
Com Raposo no quintal...

Porém pouco durou
Aquela paixão
Pois, Bolinha com ciúmes
Formou a confusão
Aninha tropeçou
E os copos derrubou
E a casa do Bolinha
Num inferno se tornou...

Bolinha provou
Que é ciumento pra xuxu
E que não gosta da Lulu
Bobinha que por ele
Ainda chora...

Com tanto pão
Dando bola no salão
Luluzinha foi gostar
Logo de um Bolão...(2x)

(Repetir a letra)
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Ciúmes e Confusões na Festa do Bolinha
A música 'A Festa do Bolinha', é uma narrativa divertida e cheia de reviravoltas sobre uma festa que acaba em confusão. A letra descreve uma festa na casa do Bolinha, onde a protagonista observa comportamentos que a desagradam, especialmente os de Glorinha, que está 'toda assanhada' e trocando beijos com Raposo no quintal. Essa situação já cria um clima de tensão e desconforto, sugerindo que a festa não será tranquila.

A situação se agrava quando Bolinha, tomado pelo ciúme, causa uma confusão ao ver Glorinha e Raposo juntos. A confusão é tanta que Aninha tropeça e derruba os copos, transformando a festa em um verdadeiro caos. Esse trecho da música ilustra como o ciúme pode ser destrutivo e causar desordem, afetando não apenas os envolvidos diretamente, mas todos ao redor.

Além disso, a música também aborda o tema do amor não correspondido. Lulu, que ainda chora por Bolinha, vê-se em uma situação complicada, pois Bolinha não retribui seus sentimentos. Em vez disso, ele está mais preocupado com Glorinha e Raposo. A letra sugere que, apesar de haver muitas outras opções ('com tanto pão dando bola no salão'), Lulu escolhe gostar justamente de alguém que não a valoriza, o que é uma reflexão sobre as escolhas amorosas e a dor do amor não correspondido. https://www.letras.mus.br/trio-esperanca/926599/ 

Contos das Mil e Uma Noites (A história que é toda mentiras)

Certa noite, tomado de insônia, o califa Harun Al-Rachid mandou chamar o poeta Abu-Nauas e disse-lhe: - Ó Abu-Nauas, estou agitado e oprimido. A única coisa capaz de me divertir seria ouvir uma história tecida de mentiras da primeira à última palavra. Se puderes improvisar essa história, recompensar-te-ei generosamente; mas se puseres nela um grão de verdade sequer, juro que farei com que a tua cabeça se separe do teu corpo. 

Este estranho pedido fez o pobre Abu-Nauas sentir-se bem indisposto, especialmente na região do seu pescoço. Mas ninguém escapa à vontade de um califa. O poeta pediu vinho, bebeu e começou a falar: 

“Sabei, ó Comandante dos Fiéis, que quando meu pai nasceu, minha avó entregou-me a criança e me pediu que a distraísse. Levei meu pai no ombro e saí para a rua. Mas meu pai chorava, e chorava, e chorava; e nada conseguia acalmá-lo até que viu um cesto de ovos à porta de uma quitanda; então, sossegou de repente e, indicando o cesto, disse: “Quero um desses!”

“Comprei-lhe um ovo, e ele ficou radiante. Quando voltamos para casa, deixou cair o ovo. O ovo  quebrou-se, e dele saiu um pintinho. E o pintinho começou logo a crescer. Cresceu tanto que se tornou igual a um camelo. Não podeis imaginar, ó Comandante dos Fiéis, a quantidade de alimentos que esse pinto devorava. Meu avô começava a se preocupar quando uma boa ideia assomou-lhe à mente. Disse-me ele: “Meu filho, por que não levas esse galo pela manhã à floresta e o carregas de lenha para o fogão? 

“Assim o fiz; mas no dia seguinte, a ave amanheceu doente, com um ferimento nas costas. E imaginai a nossa surpresa quando deste ferimento vimos surgir, todo verde, um broto de nogueira. Dentro de pouco tempo, o broto tornou-se uma nogueira gigante, com doze ramos tão grandes e tão esparsos que não era possível ouvir-se de um ramo para outro.

“Quando chegou a época de colher as nozes, doze homens foram encarregados de proceder à colheita. E quando acabaram, meu avô mandou-me ver se não tinham esquecido algumas frutas entre a folhagem. Examinei a árvore e descobri apenas, uma noz, na ponta de um ramo. Apanhei o que me pareceu ser uma pedrinha e atirei-a de encontro à noz. A noz caiu. Mas, para meu deslumbramento, o que julgara ser uma pedra, era, na verdade, um torrão de lama seca que começou a se estender numa gigantesca planície até cobrir todos os ramos da nogueira. 

“Naturalmente, meu avô ficou encantado de ver tantas terras adicionadas às propriedades que já possuía. Mandamos construir escadas e subir o gado para cultivar a nova terra; e tão vasta era ela que precisamos de doze bois trabalhando um mês inteiro para lavrá-la. Quando o solo ficou pronto, perguntamos a alguns lavradores qual seria a plantação mais indicada. Todos aconselharam o sésamo (gergelim). Semeamos a área de sementes de sésamo. E mal tínhamos acabado de plantar, eis que vieram outros lavradores e perguntaram o que havíamos semeado. Quando respondemos: “Sésamo,” puseram-se a rir, dizendo: “Sésamo! Onde se viu plantar sésamo em terra virgem? Deveriam ter plantado melancia, que é a melhor planta para o solo virgem.” 

“Meu avô olhou para mim com tristeza e mandou-me apanhar todas as sementes de sésamo que tínhamos semeado na imensa planície. Obedeci e apanhei todas as sementes sem um murmúrio sequer. Quando tinha reunido todas elas, meu avô contou-as e achou que faltava uma, e mandou-me procurá-la. Busquei-a por toda parte, mas não houve meio de encontra-la. À tardinha, porém, quando voltava para casa desesperado, vi uma formiga arrastando a semente perdida. “Não me escaparás,” gritei-lhe, e tentei apoderar-me do sésamo, puxando-o para meu lado; mas a formiga não o largava e o puxava também. Nenhum de nós se dava por vencido até que, por fim, o sésamo partiu-se em dois e, por Alá, um rio de óleo de sésamo espalhou-se entre a formiga e eu. Sem exagero, ó Comandante dos Fiéis, era um rio tão largo e profundo quanto o próprio Tigre. Então, plantamos novamente a terra, desta vez com sementes de melancia. E quando as melancias amadureceram, fui encarregado de vigiá-las. 

“Certo dia de calor, quis comer uma melancia. Passei a vista por todo o campo e escolhi a maior de todas. Depois, saquei da minha adaga e tentei abrir a melancia. Mas a minha adaga entrou na fruta e desapareceu. Não podia eu segui-la, dentro da melancia, e deixar minhas plantações sem vigia. E não queria perder meu facão. Pensei e pensei e então tive uma ideia luminosa: decidi cortar a minha cabeça, com a minha espada, e pô-la por cima da torre de vigia. Assim ficava livre para ir procurar a minha adaga.

“Sem hesitar, pus meu plano em execução. Quando entrei na melancia, achei-me dentro de uma cidade. Tudo nela era-me novo e desconhecido. As ruas estavam cheias de gente. Todavia, olhando com atenção, verifiquei que todos aqueles homens eram, como eu próprio, sem cabeça, embora parecessem acertar o caminho sem dificuldade. Comecei a andar e, logo depois, dei com uma multidão reunida em volta de um pregoeiro que perguntava em alta voz: “Quem perdeu uma cabeça?” Quando me aproximei, vi que se tratava da minha cabeça. Gritei-lhe: “Essa é a minha cabeça.” Mas outros reclamavam a mesma cabeça. Então o pregoeiro gritou: “Lançarei esta cabeça ao ar e, no pescoço onde ela cair, ficará.”

“A cabeça subiu no ar e, quando desceu, veio diretamente para o meu pescoço. Olhei em volta de mim e, pela vida do meu senhor, não havia nem cidade, nem campo de melancia, nem nogueira, nem galo do tamanho de um camelo; nem pai recém-nascido, nem nada de todas as coisas que lhe contei, ó Príncipe dos Fiéis!”

Harun Al-Rachid ficou de tal maneira satisfeito que desatou a rir. E acrescentou: “Não é sem razão que te chamam o príncipe dos poetas. Nunca ouvi história tecida de tantas mentiras. E embora pusesses nela alguma verdade lá pelo fim, fizeste-o com tanta habilidade que não te pedirei conta disto e te compensarei conforme mereces.” 

E Harun Al-Rachid premiou Abu-Nauas com um rico traje de seda e um saco cheiro de ouro.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público

sábado, 10 de agosto de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 21

 

Arthur Thomaz (Velho Maracanã: reminiscências)

Em uma manhã de domingo, ecoa uma voz longínqua. Começa, então, a dura missão de afastar a ressaca resultante da balada da noite anterior. 

Ninguém levanta até que se ouve a frase mágica: “vai dar praia”.

Traje regulamentar: sunga, bermuda, chinelo, uma camiseta surrada e 10 cruzeiros no bolso interno da sunga.

Para completar: pingado e pão com manteiga na padaria mais próxima. Caminhando, até que surge o local mágico, a tão almejada e ensolarada praia.

Um mergulho e a ressaca vai embora. Em instantes está formado um time de futebol de areia. Gordos, magros, jovens, idosos, mulheres e crianças, em um elenco heterogêneo e democrático.

O jogo transcorre maravilhosamente, até que do nada aparece um vendedor de cerveja. Pausa para reidratação preconizada pela FIFA.

Mais alguns minutos de jogo, até que alguém grita que é hora do Maraca. Fila para a ducha gelada, trajes recolocados e seguir para o almoço no primeiro “buteco” encontrado.

Uma cachaça antes de um PF (Prato Feito), digno dos grandes chefs. Feijão preto ao fundo, coberto com arroz, um bife que é impossível de ter sua origem determinada, e por cima, uma salada que consistia em uma equilibrada rodela de cebola sobre uma de tomate.

Tudo isso pelo módico preço de 1 cruzeiro.

Um ônibus lotado com bandeiras e cantos dos hinos de ambos os times. Fila na bilheteria, e enfim, hora de garantir um assento naquilo que poderia ser comparado ao trono da rainha da Inglaterra, o quentíssimo cimento da arquibancada.

Então, começa o espetáculo mágico de 100 mil pessoas, cantando e tremulando suas coloridas bandeiras, enquanto os jogadores desfilam majestosamente no gramado. São 90 minutos de êxtase total.

Ao final da peleja, na descida da rampa, iniciam-se debates democráticos e sadios que se estenderão pela semana inteira.

Correr para o ônibus que levará à rodoviária, e de lá, embarcar no último “Viação Valenciana”. Passar a semana estudando e sonhar com o próximo fim de semana mágico.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor

O texto literário em Preto e Branco (“O Terminal Guadalupe e as sombras”, de Isabel Furini)


A narrativa se passa no Terminal Guadalupe, um espaço urbano que simboliza a luta e a vida cotidiana de diversas pessoas. À medida que a noite cai, o ambiente se torna um microcosmo da sociedade, onde se refletem tensões sociais, indiferença e a busca por conexão.

TEMAS PRINCIPAIS

1. Indiferença Social
A reação das pessoas diante da tragédia do Zecão ilustra a apatia e a falta de empatia que permeiam a sociedade contemporânea. Muitos preferem registrar o momento do que ajudar.

2. Dualidade da Vida
A presença dos homens de luz e sombra simboliza a luta interna entre o bem e o mal, a vida e a morte. Zecão se vê dividido entre essas forças, refletindo a condição humana.

3. Busca por Esperança
O poema de Apolinário e sua presença no terminal ressaltam a busca por esperança e significado, mesmo em meio ao desespero e à violência.

PERSONAGENS

Mariazinha: Representa a vulnerabilidade e a busca por ajuda.
Apolinário: O poeta que simboliza a resistência da arte e a necessidade de ser ouvido.
Zecão: A vítima da indiferença, cuja morte serve como um catalisador para a reflexão sobre a sociedade.

AMBIENTE E ATMOSFERA

O Terminal Guadalupe é mais do que um simples ponto de ônibus; é um espaço que abrange a diversidade da vida urbana. A atmosfera se transforma com a caída da noite, simbolizando tanto a escuridão interna das pessoas quanto as dificuldades enfrentadas na vida cotidiana.

TEMAS ADICIONAIS

1. A Desumanização na Sociedade Moderna
A maneira como as pessoas reagem à violência e à morte de Zecão demonstra uma desconexão emocional. A busca por gostos e cliques em vez de compaixão reflete um dilema contemporâneo.

2. A Arte como Refúgio
Apolinário, com seu poema, representa a importância da arte e da expressão como formas de resistência. Sua voz ecoa em meio ao caos, oferecendo uma perspectiva diferente sobre a vida e a morte.

3. A Luta Interna do Indivíduo
Zecão é um símbolo da luta interna entre as escolhas de vida e a inevitabilidade da morte. Sua hesitação entre as sombras e a luz reflete a incerteza que muitos enfrentam em momentos críticos.

PERSONAGENS EM DETALHE

Mariazinha: Figura de esperança e vulnerabilidade, sua interação com o gerente mostra a busca por conexões significativas.

A mulher de olhos azuis: Um contraste com a figura da mulher de saia longa, representando a crítica social e a falta de empatia.

Os idosos: Representam a sabedoria e a reflexão sobre a moralidade nas novas gerações.

LIÇÕES
As principais lições que podemos aprender com a luta interna de Zecão incluem:

1. A Importância da Empatia
A indiferença ao sofrimento alheio pode ter consequências trágicas. Precisamos cultivar a empatia e estar atentos às necessidades dos outros.

2. Escolhas e Consequências
A vida é feita de escolhas, e cada decisão pode levar a caminhos diferentes. Zecão nos lembra da gravidade de nossas ações e suas implicações.

3. Busca por Esperança
Mesmo em situações desesperadoras, sempre há espaço para a esperança. A busca por luz e significado é uma parte essencial da experiência humana.

4. Reflexão sobre a Vida
Momentos de crise podem nos levar a refletir sobre nossas vidas, prioridades e relacionamentos, ajudando-nos a reconhecer o que realmente importa.

5. Conexão Humana
A luta de Zecão destaca a necessidade de conexões significativas. A solidão pode ser devastadora, e buscar apoio em comunidade é fundamental.

CONCLUSÃO

Através da luta interna de Zecão, somos convidados a refletir sobre nossas próprias vidas, a importância da solidariedade e o impacto das nossas escolhas.

A obra de Furini oferece uma crítica poderosa à sociedade moderna, destacando a importância da empatia e da conexão humana em tempos de crise. Através de personagens complexos e temas relevantes, "O Terminal Guadalupe e as Sombras" nos convida a refletir sobre nossas próprias ações e a necessidade de olhar para o próximo, especialmente em momentos de desespero.

"O Terminal Guadalupe e as Sombras", provoca reflexões profundas sobre a condição humana, a indiferença social e a busca por esperança em um mundo repleto de sombras. A obra serve como um alerta sobre a necessidade de olhar para o outro e agir com empatia, mesmo nas situações mais difíceis.

Fonte: Análise por José Feldman. Open IA .