FICA COMIGO, FICA AQUI, enquanto a solidão lá fora se dispersa. Fica e me abriga em teus braços, me deixa aninhar em teu colo e dormir como um menino assustado. Fica comigo, fica aqui. Repare que a tarde desalentada empurra as horas e o silêncio tange num frêmito de dor e de agonia querendo entrar e em meu peito se fazer presente. Fica comigo, fica aqui, enquanto as flores me contam que teu afago elaborou o vaso sacral onde será depositada a nossa felicidade.
Permanece aqui, ao meu lado, quieta como a lagarta que não tem pressa e breve outra vida terá nas asas de alguma borboleta. Fica comigo, fica aqui e ameiga meu cansaço, me acarinha com tuas mãos cordiais de menina transformada em mulher. Conta uma história de fadas e anões, enquanto o céu sutil se espraia além do horizonte e a lua cheia da noite calma viaja entre nós e se reflete entre fios de esperança e obsequia os suspiros que me agitam o peito. Fica comigo, fica aqui. Deixa que as batidas do meu coração se confundam com o teu, como se fosse um só.
Tu acreditas que acontece uma coisa que não sei explicar? Pois bem. Desde que nos vimos pela primeira vez, pressinto que de uma hora para outra, tu vais voar. Voar muito alto e para longe. Sinto aqui dentro do peito que vais ficar tão distante de mim, tão apartada, que só o vazio que permanecerá no teu lugar será o bastante para me amedrontar a alma, atemorizar o corpo, e desfalecer o espírito, tirando-lhe o alento que ainda resta para continuar vivendo.
Sabe o que eu queria? Sinceramente? Queria, na verdade, que o tempo parasse. O nosso tempo. Que a noite se tornasse demasiadamente longa, tão comprida e febril que o dia seguinte não tivesse como chegar e se expandir. Queria que o teu amor me despertasse por inteiro e virasse uma quimera única na esperança que está contida dentro de ti. Queria mais. Que a energia aflorada em teu peito se fundisse num só conduto e afugentasse, de vez, e para sempre, a solidão cruel que me definha.
Mas isso, tu bens sabe, é um sonho. Uma ilusão utópica e os sonhos, assim como as ilusões fantasiosas, só vivem e criam formas diversas nas cabeças doentes, neuróticas e desmioladas. Cabeças iguais a minha. Quem sabe seja por isso, repito com veemência, não saber por qual circunstância, algo inexplicável vir me dizer, no pé do ouvido, que agora é tarde. Muito tarde para tudo. Inclusive para um recomeço.
Um fato, nessa confusão toda é certo e insiste. Depois que te vi pela primeira vez, e a seguir, dias à frente, passei a te sentir distante. Aliás, desde o nosso primeiro encontro, onde te possuí como nunca antes havia usufruído dos prazeres de teu corpo escultural. Do teu prazer triunfante, do teu calor. Não sei explicar como pressinto igualmente um vazio denso que se apoderou de mim.
Do nada. Um desabitado tétrico, um não sei o que atípico, um talvez sem nexo. Por essa razão me pego, me flagro, numa balbúrdia desordenada e, pior, desprotegido, sem saída, perdido acuado, amarrado em lembranças vãs, e, de roldão, em recordações e anormalidades lúgubres.
Por isso, e não só por isso, por tudo mais, eu queria, minha linda e adorada, eu queria que ficasses. Tanto é o desejo que a noite se evaporou oculta antes do primeiro beijo se concretizar em nossas salivas. Enquanto o ermo, lá fora, não se debanda não se dispersa, não vai embora e não arreda pé. Queria que tu ficasses ao meu lado, de mãos dadas, esperando, junto comigo, o alvorecer de um novo dia.
Perceba que o muro do nosso amanhã tem cacos de vidros, mas o gato que existe no interior da minha vontade de viver alcança seus ruídos. Quando esse novo dia chegar, e igualmente o gato tiver transposto o alto do muro, eu ouvirei o vento celebrar o inverno e verei a rua coberta de folhas. Eu sentirei o minuto após fazendo antigo o sulco do qual se extrairá o meu, o nosso mais belo horizonte.
Não gostaria que pegasses as tuas coisas e saísses por aquela porta. Aliás, por nenhuma. E sabes por quê? No fundo, amada minha, no fundo tenho medo, me invade um receio derrotado e soturno de que se partires, não voltarás nunca mais. Medo maníaco que me deixes ao relento. Se isso ocorrer, tudo por aqui se tornará grande demais. Imenso, a ponto de se perder na eternidade, como uma fatalidade repentina. Sem a tua presença ao meu lado, com certeza um buraco imenso e maior do que este que agora ronda meus passos se transfigurará intransponível.
Não se vá. Fique aqui comigo. Baixe, de vez, a guarda. Venha aqui e de novo me prenda a ti, ao teu calor. E me envolva me acaricie, me embale... entorpeça meu sono e me abrace com a meiguice das tuas mãos de menina pomba, me conte histórias de fadas, de príncipes encantados e heróis protagonistas de feitos memoráveis. Por agora, somente quero me aninhar em teu colo. E dormir... dormir tranquilo e sereno, desprovido de receios bobos e crescentes. Dormir, enfim, como um menino assustado.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras. Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas. Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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