quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Renato Frata (Lição domingueira)

Nos fios elétricos encimando os postes, maritacas ladeadas se assentam para conversar, e o fazem bem defronte do meu quarto. Ora se juntam, ora se afastam, mas sem parar a tagarelice. 

Balançam tocadas pelo vento e se amparam. Encostam-se, alisam-se com pequenas bicadas em suaves de gadanhares. Não saberia dizer quem é quem entre elas: o macho não se diferencia da fêmea, pelo menos até onde a visão entre as frendas da veneziana permite.

Escuto-as desde que o sol tirou os pés do colchão para se levantar. E já passa um tempo que esses sons penetram no quarto para se alojarem nos meus ouvidos e provocar, em primeiro, chateação pelo acordar no amanhecer. Em seguida, a curiosidade sobre os assuntos que elas têm para discutir tão cedo, quando as luzes dos postes nem se apagaram.

Tento não me importar com as faladoras naquele horário e me deixo gozar a preguiça domingueira, mas as conversas das benditas aves, impedem. Bem acima de mim suas vozes ricocheteiam a não permitirem que o pensamento rode.

Com a cabeça ao travesseiro, sem perturbar a esposa que dorme e sem ter, até aquele momento algo mais importante, ponho-me a ouvi-las com a intenção de compreender suas perguntas e as respostas que dão. Ouvir maritaca é “porre”... e o papo vai longe.

Ele é formalizado em composições complexas de notas e tons ora esticados, ora reduzidos em guinchares que perfuram o ar pelas paredes. Barulhos puxados e espirrados em estridentes gaguejares a misturarem grasnares a cacarejos num salão onde muitos falam e respondem, na tentativa de se ouvirem. Balbúrdia pura.

Ao vê-las emparelhadas no comprido fio com vozes estridulantes, algo me leva a escancarar a janela e colocar mais atenção com olhos e ouvidos abertos; e com isso sorrir matreiro, como se me visse entre elas mais escutando que opinando – e aí o meu pecado machista. Porém, de conceito correto!

Estando emparelhadas e posicionadas, embora sob equilíbrio, melhor se veem e se ouvem, separadas de duas em duas formando-se em casais. Até aí, nada de novo. As maritacas têm forte comportamento social, formam-se em bandos e vivem em pares como a maioria de nós. 

Mas, naquela manhã mal nascida de domingo, na interação em que uma ralhava e a outra se desculpava... o riso bisonho nascido espontaneamente, veio a calhar...

O porquê?

Bem, a “lavagem de roupa a dois” acontecida num domingo entre gadanhares e em “equilíbrio sobre fios” como se dá com humanos, será coincidência que deva ser entendida como mera semelhança?
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

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