quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 76 *


Soneto de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Ars poética

Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Desde o tempo de menino 
vi o quanto eu sou machão; 
pois meu lado feminino 
é um tremendo sapatão!
= = = = = = 

Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

Eterno argumento

Já foi o refugo em minha mente
Algo ultrapassado em demasia
Que em mim aflorava livremente
Sempre que de mim, eu me perdia

Elevava-o nos pensamentos meus
Que eram Conflitantes e envolventes
Eram tudo que tinha, quando nada era teu!
Nem meu corpo, minha vida ou minha mente.

Cá estou a falar do Amor que eu maldizia
Do fiel argumento do poeta infiel
Que tira um pedaço do inferno e faz um “céu”

Cá estou a falar do que nunca entendia
Não mais o refugo, agora o bom sabor dor
Infiel e eterno argumento do poeta fiel... O amor!
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

"Esta peixada está quente!" 
reclamava o Zé Maria;
e o dono do bar: - "Ó xente, 
'se qué', tem pexera fria!”
= = = = = =

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O livro onde sepulte o meu sofrer
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos" p. 93)

O livro onde sepulte a minha dor
Não o lavro com lágrimas de tinta
Pois com medo que invente ou que eu lhe minta
Não achará jamais qualquer leitor.

Seria, com certeza, um fraco autor
E a minha mão de inspiração faminta
Daria, em pouco tempo, por extinta
Essa obra sem ter um editor.

Guardo em pasta de capa dura e preta
Essas folhas que fecho na gaveta
Como os mais crus e tristes documentos.

Um dia, quando o livro estiver feito
Com a pena que usei rasgo o meu peito
E essas páginas rudes solto aos ventos.
= = = = = = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Levada por fantasia
de um desejo inconsciente, 
eu beijo na cama fria 
as formas de um corpo ausente.
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Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

Caras sujas

Ao longo destas avenidas,
Recordação de velhas lendas,
Cantam as chácaras floridas
Com suas líricas vivendas.

Lá dentro, há risos, jogos, danças,
Crástinas, módulas fanfarras,
Um pandemônio de crianças,
Um zagarreio de cigarras.

Fora, penduram-se na grade
Os pobre, como gafanhotos;
Têm dos outros a mesma idade,

Mas estão pálidos e rotos.
Chora a injustiça da cidade
Na cara suja dos garotos.
= = = = = = 

Trova de
HELOISA ZANCONATO
Juiz de Fora/MG

- Meu guri só diz tolice!...
E o garoto retrucou:
- Mas, papai, tudo o que eu disse
foi você quem me falou!…
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Amor

Amor de minha vida, amor ventura,
vem comigo seguir a nossa estrada,
vamos viver a vida simples, pura,
antes que o sol desfaça a madrugada.

E vou te amar assim com tal doçura,
com tanto amor serás a minha amada,
que meus versos repletos de ternura
vão se espalhar em tua caminhada.

Terei em minha vida o teu carinho
e nunca mais me sentirei sozinho
e tu terás o amor mais verdadeiro.

Quando o tempo passar, calmo e sereno,
verás que fui e sou, mesmo pequeno,
teu homem, teu poeta e seresteiro.
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Poetrix de
THOMAZ RAMALHO
Luanda/Angola

Melancolia

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte.
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Poema de
MÁRIO ZAMATARO
Nova Esperança/PR

Imposto

Amigo imposto?
Isso é conversa!
- de pronto, digo.
Dá até desgosto,
qual vice-versa:
imposto amigo...
= = = = = = 

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

A verdade

Ó querida, quem sabe neste dia
Encontrarei u’ amor que me fascine!
E talvez uma estrela que ilumine
Esta vida cruel que me iludia.

Só tu podes me dar tanta euforia,
Sem impedir, também, que raciocine,
E com meu sentimento me destine
A dor de ser um velho, mas queria...

Coragem pra buscar esta verdade
E talvez, a esperança sem vaidade
De poder te encontrar sem levar foras.

Esperando que agora possas rir
Sem  ilusão, embora possas vir
Com essa liberdade, por quem choras.
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA 
Campinas, 1890-1969, São Paulo/SP

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
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Cantiga Infantil de Roda
SERENO DA MEIA-NOITE 

É uma uma roda de crianças, com uma no centro. Cantam as da roda:

Sereno da meia-noite }
Sereno da madrugada } bis

Eu caio, eu caio }
Eu caio. sereno, eu caio } bis

Responde a menina do centro:

Das filhas de minha mãe }
Sou eu a mais estimada } bis

Eu não m'importo, }
Que da amiguinha, }
Eu seja a mais desprezada } bis
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Quadra Popular 

Coração de sapo morto,
banana não tem caroço.
Garrafão tem fundo largo,
botija não tem pescoço.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Pandora

Do escuro da caixa
Voam lágrimas...
Diáfana solidão,
Silencia-se
A Esperança.
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Glosa de
NEMÉSIO PRATA 
Fortaleza/CE

MOTE:
Um sonho lindo que eu tive
onde tudo era harmonia
acordei... não me contive...
Era um sonho!... Que agonia!
JOSÉ FELDMAN 
Floresta/PR

GLOSA:
Um sonho lindo que eu tive
trouxe-me doces lembranças
quando jovem, em aclive,
via na vida esperanças!

Fora uma bela visão
onde tudo era harmonia
dando-me viva impressão
do quão feliz eu seria!

Hoje em infausto declive
na vida, sem me por freio,
acordei... não me contive...
foi só mais um devaneio!

Que o sonho fosse verdade
era tudo o que eu queria,
mas quedei-me à realidade:
Era um sonho!... Que agonia!
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Epigrama de
LAFAIETE SPINOLA
Salvador/BA 1909 – 1975

Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
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Soneto de
JOÃO BARAFUNDA
(João Francisco Coelho Cavalcanti)
São Luiz do Quitunde/AL, 1874 – 1938, Rio de Janeiro/RJ

Rosa

Como um botão de rosa despontando
era assim Rosa — meu primeiro amor;
passava às rosas seu perfume dando
e dando às rosas sua rósea cor.

Quando Rosa morreu, todos, chorando,
rosas puseram no caixão (que dor!)
E as rosas forma pálidas ficando,
ficando triste como a extinta flor.

E foi-se a rosa de meu coração...
Porque fugiste, amor puro e perfeito?
Porque morreste, flor inda em botão?

Tu, que foste rainha das formosas
flores, hás de viver sempre em meu peito.
Tens em meu peito um túmulo de rosas.
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Trova de
ARTHUR THOMAZ
(Arthur Thomaz da Silva Neto)
Campinas/SP

Em um lugar no passado...
Hoje, ao ver nosso retrato
esquecido e amarelado,
eu culpo o destino ingrato.
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Poema de
LENA JESUS PONTE
(Lena Rúbia Ferreira de Jesus Ponte)
Rio de Janeiro/RJ

De passagem

Na rua dorme um menino
sem lençol de afeto.
Na rua sonha um menino
sonhos sem imagens.
Na rua seca um menino
sem sequer as miragens de um deserto.

O menino dorme,
abraçado à calçada,
aconchegado ao cimento.
Que faz todo mundo neste momento exato?
Dormimos todos um sono profundo.
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Haicai de
WAGNER MARQUES LOPES
Pedro Leopoldo/MG

O mês é de agosto.
Ao sol, pipa sem cerol:
brinquedo bem posto.
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Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

O fascínio do teu sorriso

Não sei como tu consegues ser assim!...
Nenhum contratempo tira teu sorriso.
Eu queria tal postura também pra mim.
É de um humor igual ao teu que preciso...

De tua euforia, tenho feito meu remédio,
Minha terapia é teu rosto risonho.
É sempre tua alegria que me espanta o tédio,
Preso a teu estado d'alma me recomponho.

Ah!... Se Deus me desse teu temperamento...
De quem sorri mesmo nas horas mais duras,
A esperança anularia meu desalento,
Fazendo meu astral chegar às alturas.

Este teu sorriso de puro fascínio,
Com todo o charme de matiz cativante,
Deixou meu coração sob teu domínio,
Prisioneiro de outro, num peito triunfante.

Quando noto, de orelha a orelha, teus lábios,
Um traçado horizontal num rosto lindo,
Percebo-te a usar a estratégia dos sábios,
Convicto de que me ganhaste sorrindo.
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Quadra Popular de
FERNANDO MÁXIMO
Alandroal/Portugal

Melhorar nossa atitude,
de forma quotidiana,
é cumprir na plenitude
a razão da vida humana.
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Soneto de
FERNANDO PESSOA
(Fernando Antonio Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal 1888 – 1935

Ah um soneto!!!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?… 
= = = = = = = = =  

Aldravia de
ANDREIA DONADON-LEAL
Mariana/MG

bebo
nas
noites
tonéis
de
poesia
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Soneto de
ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

A risada da caveira

O estranho fato de existir a Morte
Só pode ser de Deus a brincadeira
De mau gosto, feia, um tanto forte.
Senão, vejam a risada da caveira:

Seu riso alvar, sarcástico, grotesco,
E o corpo estilizado de fantoche
Do mais puro estilo picaresco
De escultor chegado no deboche.

Também não dá pra gostar da fedentina
Do banquete dos vermes que outrora
Os poetas chamavam de vermina.

Perdoe-me o fiel que tanto reza,
Que acha tudo belo e tudo preza,
E não vê o absurdo sob a aurora…
= = = = = = = = =  

Trova de
ADALBERTO DUTRA RESENDE
Cataguazes/MG, 1913 – 1999, Bandeirantes/PR

Quem seu ciúme proclama,
fazendo questão de expô-lo,
insulta aquela a quem ama,
e ainda faz papel de tolo…
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Soneto de
REGINALDO COSTA DE ALBUQUERQUE
Campo Grande/MS

Página virada
 
Tarde da noite, em meio à quietude das ruas,
encontro nesta banca há muito abandonada,
no entulho de jornais e traças junto à entrada,
revista masculina, expondo moças nuas.
 
E tremo ao desfazer a página virada…
No encarte especial, fotografias tuas
em poses sensuais dizem verdades cruas
que sangram cicatriz que imaginei curada.
 
A propaganda exalta algum lugar distante…
A lua espreguiçada em seu quarto minguante
lança cintilações sobre esta saudade oca…
 
Por um momento a banca agita a velha porta…
Se o teu vulto é ilusão ou real, o que importa?
Aplaco a minha dor beijando a tua boca…
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Trova de
A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)
Maringá/PR

A laranja era tão doce, 
que o limão ficou com medo: 
– por inveja, ou lá o que fosse, 
acabou ficando azedo...
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