Primeiro que tudo será de bom proveito deixar explicado que Seu Ciço era de batismo Cícero, tal que nem Seu Efe era, de batismo, Filisberto. Porém carece um adendo: é que na porteira da fazenda de Seu Filisberto havia um “F” enorme, daí que o povo achou por graça chamá-lo assim – Seu Efe.
Eram os dois fazendeiros mais importantes do município, além de chefes políticos. Mais ainda: rivais em tudo, desde garotos, quando disputavam a preferência da mesma menininha, a qual contudo no final preferiu um terceiro. Pra botar mais pimenta na polenta, um dos filhos de Seu Ciço se apaixonou por uma das filhas de Seu Efe, pra desgosto e espanto da parentada toda.
Seu Ciço era fidelíssiimo seguidor do então presidente Getúlio Vargas, do qual Seu Efe era ferrenho opositor. Metade da população acompanhava Seu Ciço, a outra metade seguia Seu Efe.
Só que no meio de um entrevero mais acalorado o clima chegou a tal ponto que os dois chefões se desmiolaram de vez e acabaram por se desafiar para um duelo (mais exatamente uma briga) na praça central da cidadezinha. Representados por emissários, combinaram detalhes e regras. Seria num sábado, às 10 horas da manhã, mediante chicotes.
Chegado o dia, o local da refrega encheu de gente. Na horinha porém do acerto de contas, se deu uma grande surpresa: apareceu alvoroçante na esquina uma banda de música, vindo logo atrás dois carros de bois, um trazendo a noiva, outro o noivo – a filha e o filho dos velhos rivais.
Foi tudo um engenhoso arranjo do padre Nel, que, caprichosamente paramentado, subiu num caixote e falou ao povo: “Caríssimos e caríssimas, vocês vieram ver um espetáculo de brutalidade; no entanto, ao contrário, vão testemunhar uma belíssima cena de amor. Serão aqui sacramentadas as núpcias de duas pessoas muito queridas: o jovem Cicerinho e a senhorita Morgada”.
Dirigiu-se em seguida diretamente aos pais irosos: “E vocês, seus velhos cabeçudos, parem com essa birra idiota, joguem fora esses relhos ridículos e venham os dois aqui abraçar e abençoar os noivos”.
Deu certo. Os dois homões se debulharam em lágrimas... e em ata se pôs a fábula.
Bem talqualzinho o meu avô me contou uns muitos anos depois.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 14-8-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Adobe Firefly
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