sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A. A. de Assis (Seu Ciço versus seu Efe)

Primeiro que tudo será de bom proveito deixar explicado que Seu Ciço era de batismo Cícero, tal que nem Seu Efe era, de batismo, Filisberto. Porém carece um adendo: é que na porteira da fazenda de Seu Filisberto havia um “F” enorme, daí que o povo achou por graça chamá-lo assim – Seu Efe. 

Eram os dois fazendeiros mais importantes do município, além de chefes políticos. Mais ainda: rivais em tudo, desde garotos, quando disputavam a preferência da mesma menininha, a qual contudo no final preferiu um terceiro. Pra botar mais pimenta na polenta, um dos filhos de Seu Ciço se apaixonou por uma das filhas de Seu Efe, pra desgosto e espanto da parentada toda.

Seu Ciço era fidelíssiimo seguidor do então presidente Getúlio Vargas, do qual Seu Efe era ferrenho opositor. Metade da população acompanhava Seu Ciço, a outra metade seguia Seu Efe.

Só que no meio de um entrevero mais acalorado o clima chegou a tal ponto que os dois chefões se desmiolaram de vez e acabaram por se desafiar para um duelo (mais exatamente uma briga) na praça central da cidadezinha. Representados por emissários, combinaram detalhes e regras. Seria num sábado, às 10 horas da manhã, mediante chicotes.

Chegado o dia, o local da refrega encheu de gente. Na horinha porém do acerto de contas, se deu uma grande surpresa: apareceu alvoroçante na esquina uma banda de música, vindo logo atrás dois carros de bois, um trazendo a noiva, outro o noivo – a filha e o filho dos velhos rivais.

Foi tudo um engenhoso arranjo do padre Nel, que, caprichosamente paramentado, subiu num caixote e falou ao povo: “Caríssimos e caríssimas, vocês vieram ver um espetáculo de brutalidade; no entanto, ao contrário, vão testemunhar uma belíssima cena de amor. Serão aqui sacramentadas as núpcias de duas pessoas muito queridas: o jovem Cicerinho e a senhorita Morgada”.

Dirigiu-se em seguida diretamente aos pais irosos: “E vocês, seus velhos cabeçudos, parem com essa birra idiota, joguem fora esses relhos ridículos e venham os dois aqui abraçar e abençoar os noivos”.

Deu certo. Os dois homões se debulharam em lágrimas... e em ata se pôs a fábula.

Bem talqualzinho o meu avô me contou uns muitos anos depois.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 14-8-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes: 
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Adobe Firefly

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