segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Asas da Poesia * 74 *


Poema de
PAULO ROBERTO OLIVEIRA CARUSO
Niterói/RJ

No trigo dourado a promessa do pão

No trigo dourado a promessa do pão
que sai da fornalha cascudo no afã
de ser o alimento da irmã e do irmão
à mesa da gente no sol da manhã.

E ao pão bem quentinho se leva a manteiga,
que logo derrete-se toda mansinha
feito o bezerrinho que à teta se achega,
buscando a mamada na sua mãezinha!

Também há o café tão pretinho adorado
de aroma marcante, encorpado e gostoso
que tira a preguiça, deixando-a de lado,
por mais outro dia no campo frondoso.

Fumaças se esvaem do pão douradinho 
com quente miolo em manteiga banhado
junto ao cafezinho, um intenso caminho
no meio do mato tão verde e orvalhado. 

Em curtas goladas eu vejo a passar 
Maria Fumaça nos trilhos brilhosos,
e alegre a manhã vai passando ao cantar 
das aves canoras em voos ditosos!

O gado a pastar a tardança de Cronos
e o nada mirando no doce horizonte;
e segue o vaqueiro no sono dos sonos
deitado na rede, e o chapéu é o seu monte.  

O outono fresquinho traz tal sensação
de sol tão morninho e de um meigo divã
para se esticar no sofá sem razão, 
tirar um cochilo e acordar amanhã…

(Menção Honrosa no Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho, 2025, para acadêmicos correspondentes da Academia de Letras de Teófilo Otoni)
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Trova de
ARTHUR THOMAZ 
Campinas/SP

Não existe neste mundo,
tecnologia capaz
de imitar por um segundo
o bem que você me faz.
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Há um tempo

Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares …
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...
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Trova de 
CATERINA BALSANO GAIOSKI 
Irati/PR

A noite dobra o lençol,
despede-se e o leva embora,
vêm as luzes do arrebol,
anunciando a bela aurora.
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Poema de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Dois Tempos

Eu ficava à janela olhando o trem.
Qual seria o seu destino?…
Era um fascínio imaginar, em fantasia,
quanta gente que partia,
enquanto eu ficava à janela 
olhando o trem.

Hoje voltei. Quis rever meu mundo antigo.
Talvez o anseio de buscar abrigo,
ou a esperança de encontrar comigo,
ou simplesmente ver o trem passar.
Daquela antiga estação,
do meu velho casarão…
nada encontrei, porém.
Onde está a vida que eu achava linda?
Afinal, o que será que resta ainda
de quem ficava à janela olhando o trem?… 
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Trova de
LUCRÉCIA WELTER RIBEIRO 
Toledo/PR

Por conta da pandemia,
vejo as auroras tão belas.
Até ontem, mal sabia
que paredes têm janelas.
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Poema de
EMILY DICKINSON
Amherst/EUA, 1830 – 1886

Dizem que o tempo...

Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria
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Trova de
LEONILDA YVONNETI SPINA 
Londrina/PR

Não desistas de lutar,
ante os fracassos de agora;
amanhã irá reinar
nova e fulgurante aurora!
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Recordo Ainda

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
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Trova de
ARTEMIZA MARIA CORREIA DA SILVA
Ocara/CE

O destino caprichou
para as minhas alegrias,
és aurora que chegou,
no amanhecer dos meus dias.
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Soneto de
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Teresina/PI

Se

Se o tempo é sentinela lá nos cimos,
e permite a acumulação de dores,
sem fazer festas nem sequer rumores,
quando em adeuses todos nós partimos...

Se o tempo é o rei dos sentenciadores
e assim nos vê (mas creio que não vimos),
por que é que dele, embora assim, não rimos
como quem ri dos campos e das flores?

Se o tempo não pensa... Nem conforma,
do nascimento à morte a um bom destino,
a vida - onde o sofrer é sempre norma...

Só enxergo um caminho que conforte:
- Voltar ao nosso tempo de menino,
que foi quando tivemos melhor sorte.
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Trova de
ROSANA MONTERO CAPPI 
Campinas/SP

Vamos manter a esperança
lembremos que toda aurora
é sorriso da criança
levando a tristeza embora.
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antonio do Monte/MG

Tempo Rei

Meus pés não encontram rastros no caminho
Minha rua não é mais cadinho de meus passos
Calçada nua que trocou
paralelepípedo por asfalto
Na casa em que morei não há mais samambaias
Dando saias verdes ao alpendre que me recebia
Onde logo eu via o rosto redondo de minha mãe
A vida vai compondo gosto novo para as gerações
Porções de desgosto agora moram em mim
O tempo realmente é invencível rei
Tudo o que eu pensei um dia dominar ou saber
O tempo cuidou de me provar que nada sei!
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Trova de
JOSAFÁ SOBREIRA DA SILVA 
Rio de Janeiro/RJ

Há sempre um desejo em nós
que, à noitinha, se evapora,
mas eleva sempre a voz
no esplendor de nova aurora!
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Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Trova de 
DOMITILLA BORGES BELTRAME
Araxá/MG, 1932 – 2025, São Paulo/SP

No alvo lençol da manhã,
num prefácio de alegria,
a aurora, qual artesã,
borda a beleza do dia...
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Soneto de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

Bolero das águas

O passo no compasso dois por quatro
acode meu suplício de afogado
afastando de mim sedento cálice
em submerso bolero de águas tantas.

A sede dança seca na garganta
curtindo signos, fala ressequida
para a língua de couro, lixa tântala,
alisando palavras rebuçadas.

Quanto alfenim no alfanje que se enfeita
para montar as ancas de égua moura.
Lábia flamenca lambe leve as ouças,

é rito muezim ditando a dança:
no dois pra cá me levo em dois pra lá,
nas águas do regaço vou-me e lavo-me.
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Trova de
MARA MELINNI 
Caicó/RN

Pela escuridão das horas,
no relógio da incerteza,
meu tempo nasce de auroras,
mantendo a esperança acesa!
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Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

A força do seu abraço

Sinto saudade dos seus braços
Onde dividia meu cansaço
Quando em você me escondia
Desta minha vida tão vazia

Na força do teu abraço
Encontrei descanso e me entreguei
Encontrei paz e fui feliz. Nos seus braços
Descobri o quanto te amei

Sem medo de sofrer, abri meu coração
Sem medo de perder, segurei em suas mãos
Você é meu refúgio, meu abrigo
Meu amor, muito mais que um amigo

No cantinho dos seus braços
Eu me desfaço e me refaço
Encontro amor e carinho
Onde moro e, faço deles meu ninho.
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Trova de
CEZAR AUGUSTO DEFILIPPO 
Astolfo Dutra/MG

A insônia mantém frequência
da noite ao romper da aurora,
se cochilo, a tua ausência,
me acorda e diz: - já é hora
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Vejo-te sempre em horas de saudade
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 145)

Vejo-te sempre em horas de saudade
Quando em meu peito dói a tua ausência
Presente como eterna penitência
Que eu pague por te amar sem castidade.

Envolto sempre em rara claridade
Segreda o teu olhar a confidência
Em que naufraga, nua, esta inocência
No abraço que me traz à realidade.

Talhada em minha mente sempre vens
Livre e solta no tempo e te deténs
Trazendo à minha vida a doce paz.

Com enlevos eu te amo e te venero
E em meus dias o que eu anseio e quero
Sempre és tu quem o diz e quem o faz.
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Trova de
DÉBORA NOVAES DE CASTRO 
São Paulo/SP

A noite põe-se em agrado,
recolhe o manto e se rende,
que a aurora, em ouro e brocado,
por trás do monte, já esplende!
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Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

Os vagabundos

Perdidos pela estepe enegrecida e rasa,
Nessa planície igual que a distância arredonda,
Que o inverno enregela e que o verão abrasa,
Dos vagabundos passa a maltrapilha ronda.

As miragens do céu são como pétrea onda...
E o vento forasteiro essa visão arrasa,
Quebrando torreões de arquitetura hedionda,
Catedrais de marfim e florestas de brasa!

Eles passam cantando uma canção dolente,
E vão deixando atrás, por sobre a terra ardente,
Dos seus inchados pés os passageiros rastros...

E quando a noite desce aos desertos medonhos,
Deitam-se sobre a terra e sonham lindos sonhos
Na solidão da estepe e na mudez dos astros!
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Trova de
ANTONIO JOSÉ BARRADAS BARROSO 
Parede/Portugal

E aquela tão linda aurora
que trouxe o nascer do dia,
será verdade de agora
ou sonho quando eu dormia?
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Cantiga Infantil de Roda
LAGARTA PINTADA 

É uma roda de crianças, cada qual pegada na orelha da outra, cantando e dançando:

Lagarta pintada 
Quem foi que te pintou
Foi uma velha 
Que passou por aqui
A saia da velha 
Fazia poeira
Puxa lagarta 
No pé da orelha

Quando as meninas dizem - Puxa lagarta no pé da orelha - puxam realmente com força na orelha das outras

Outra versão:

Lagarta pintada quem foi que te pintou?
foi uma menina que aqui passou
por dentro das areias levanta poeira
pega esta menina pela ponta da orelha.

Lagarta pintada quem foi que te pintou?
Foi a velha cachimbeira por aqui passou.
No tempo da areia fazia poeira, Puxa
Lagarta nessa orelha... Orelha, orelha!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Que os homens são uns diabos
não há mulher que o negue;
mesmo assim elas procuram
um diabo que as carregue.
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Soneto de
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

São Fidélis

De São Fidélis guardo a ressonância
 De pássaros cantando nas capoeiras;
 No olhar conservo as flores das primeiras
 Primaveras perdidas na distância…

 Toucou-me um dia a incontrolável ânsia
 De procurar caminho e abrir porteiras,
 Deixando para trás velhas mangueiras
 Que encheram de doçura a minha infância.

 Comércio, indústria, o campo verde, o açude…
 Cidade Poema, te esquecer não pude,
 Porque, mesmo partindo da cidade,

 Como carro-de-boi que geme e chora,
 Eu vou levando pela vida afora
 A colheita indelével da saudade!
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Trova de
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
Parede/Portugal

Vi uma aurora boreal
transformar a noite em dia
sem ter em conta, afinal,
se era verdade ou magia.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Rotina de uma árvore

Terra, água
E luz gestam vidas
Num contínuo renascer,
O ciclo da vida impresso
Nas folhas encanta,
E surpreende,
Desabrochando em versos
Em uma manhã azul
De Primavera.
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Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Da imensidão do universo
recolho sem constrange-las.
pedaços de cada verso
que Deus deixa nas estrelas
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