domingo, 24 de agosto de 2025

Figueiredo Pimentel (Um raio de sol)

Uma formosa manhã de maio, limpa, alegre, fresca, perfumada, é um dos maiores encantos da natureza.

Em uma dessas lindas manhãs de primavera, bem cedo, ainda à hora em que o sol se faz anunciar pelos seus primeiros raios, Helena, ainda dormia! Como sorri em algum sonho alegre! Ainda ninguém entrou no quarto dela, e apesar disto, a Heleninha já hoje recebeu um beijo. Quem foi então, que lhe deu? Algum passarinho que entrasse pela janela? Não! A janela está fechada. Foi um raio de sol que, penetrando por uma fenda passou nos lábios de Helena, e ficou todo espantado por encontrar uma menina ainda a dormir. Mas, de repente, Helena acorda, esfrega os olhos, relanceia a vista por todos os lados para ver quem a acordou, e dá com o raio de sol.

— Raiozinho brilhante, disse-lhe ela, tiveste muito juízo em me vires visitar. Aposto que estás levantado há muito tempo. Quem sabe mesmo se já trabalhaste muito esta manhã?

— É verdade que sim, respondeu o raio, já hoje trabalhei muito. Quando meu pai me despede não dá licença para que me divirta, e tem razão, porque eu, quando estou mais contente, é quando trabalho.

— Teu pai? Mas quem é teu pai?

— É o sol. Mora lá em cima, muito alto, no céu. É tão grande, tão grande, que não poderia vir à terra, por isso manda os filhos em seu lugar. Os filhos são os raios do sol meus irmãos, que à minha semelhança, alumiam e aquecem a terra.

— Mas, tornou Helena, teus irmãos poderiam entrar contigo no quarto?

— De modo nenhum, a fenda era estreitíssima. Só eu pude passar. Os outros raios ficaram lá fora, estão alumiando a fachada da casa. Agora, se tu quiseres abrir a janela, entrarão contentíssimos em teu quarto.

— Ainda não, disse Helena, eu queria que tu, antes disso, me contasses tudo o que tens feito e o que viste no teu passeio esta manhã.

— Oh! Já vi muitas coisas. Não te posso contar todas; mas, se gostas dir-te-ei algumas. Quanto rompi da montanha, entrei numa floresta, e dei claridade a uma família de cotias que se recolhiam à toca, e pareciam alegríssimas, naturalmente tinham dançado toda a noite em algum gramado. Na mesma floresta alumiei um ninho de sabiás negros. A mãe, mal me viu, acordou o marido, depois os filhinhos, e todos a um tempo, principiaram a cantar. Interei aluminar também um besouro muito velho, mas escondeu-se logo debaixo de uma folha, por me não querer ver. Por volta das cinco horas entranhei-me numa sebe à borda da estrada e fiz desabrochar uma formosa trepadeira, cor-de-rosa e branca. Quando cheguei, ainda estava toda fechada, mas apenas a aqueci, logo se abriu, eu fiquei alegríssimo ao observá-la. Na mesma sebe alumiei uma aranha que estava a tecer a teia, espero que ninguém a destrua, porque levou muito tempo, e teve muito trabalho em a tecer. Mesmo ao pé, fiz brilhar as gotas de orvalho suspensas nas vergônteas das ervas, ajudei uma pitanga amadurecer e aqueci uma mosca. Ainda fiz muitas mais coisas, amanhã as contarei. Agora, já é tarde, é mais que tempo de te levantares.

— Oh! por quem és, conta-me ainda mais alguma coisa, disse a pequenina. Não vistes crianças esta manhã?

— Ora, se vi! E muitas! Levantaram-se bem cedo. A Luizinha, ainda não eram seis horas, já estava a dar de comer às galinhas, ao mesmo tempo que a leiteira saía para a cidade. O Joãozinho levava as cabras para o pasto, em companhia do pai, que ia ceifar erva! Ah! Já me esquecia dizer-te que muitas vezes trabalho ajudado pelos meus irmãos; sozinho não poderia muito. Agora, uns com os outros, amadurecemos os trigos e as frutas todas, de que tu gostas tanto, aquecemos as costas da avó da Luizinha, que estava sentada no pátio, e secamos uma camisa e uma touca, que estão penduradas na corda. Ai! Ai! Que tenho falado muito! É tempo e retempo de te vestires e de te pores a trabalhar mas sempre te confessarei com franqueza que, se os raios do sol se devem dar por felizes por prestarem luz aos trabalhadores, não gostam muito de aluminar os preguiçosos.

— Lindo raio, obrigada por tantas coisas boas que hoje me ensinaste. Se voltares amanhã, à mesma hora, eu te prometo que não me hás de encontrar na cama; aproveitarei a tua formosa luz para continuar a minha tarefa.

Dizendo isto, Helena levantou-se e foi abrir a janela de par em par. Os raios de sol entraram todos ao mesmo tempo no quarto, e encheram-no de luz. Helena, preparou-se, almoçou, e deu princípio ao seu dia, com a firme intenção de se tornar numa boa trabalhadorazinha.
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ALBERTO FIGUEIREDO PIMENTEL nasceu e morreu em Macaé/RJ, 1869 — 1914 foi além de poeta, contista, cronista, autor de literatura infantil e tradutor. Manteve por muitos anos, desde 1907, uma seção chamada Binóculo na Gazeta de Notícias. Publicou novelas, poesia, histórias infantis e contos. Um de seus grandes êxitos foi o romance O Aborto, estudo naturalista, publicado em 1893, e por mais de um século completamente esgotado. Como poeta, participou da primeira geração simbolista chegando a se corresponder com os franceses. Era amigo de Aluísio Azevedo, com quem trocou cartas, enquanto o autor de O Cortiço estava fora do país como diplomata. Poeta, romancista, escritor de literatura infantil, ganhou destaque e se perpetuou nos compêndios da literatura brasileira. A coluna Binóculo, assinada pelo autor na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, de 1907 até 1914, obteve grande sucesso entre leitores e leitoras, ditando moda, o que faz de Figueiredo Pimentel o primeiro cronista social da capital. Era ele quem tratava das novidades da moda, do bom gosto, do chique em voga em Paris e que deveria ser aqui aclimatado. Obras: Fototipias, poesia, 1893; Histórias da avozinha, conto - somente em 1952; Histórias da Carochinha; Livro mau, poesia, 1895; O aborto, 1893; O terror dos maridos, romance e novela, 1897; Suicida, romance e novela, 1895; Um canalha, romance e novela, 1895.
Fontes:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado originalmente em 1896. 
Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Feldman com Microsoft Bing

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