sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 104 =


Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Saudade… quanta tristeza
em meu coração cativo!
Resta um pingo da pureza
do nosso amor fugitivo.
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Poema de Maringá/PR

FLORISBELA MARGONAR DURANTE

Caçada

Aventuro-me
e caço palavras
que se escondem rebeldes.
Num vasto cenário
eu as rabisco
e aprisiono em papel.
As emoções vestem
as palavras e desse
encontro de almas gêmeas
nasce o poema.
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Trova de Vitória/ES

MÁRCIA HILDILENE MATHEILO

Fazer trovas sobre férias?
Mas, que ideia mais maluca.
Nas férias quero passear,
brincar, descansar a cuca. 
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Viva plenamente

Pelas trilhas tortuosas dos caminhos,
há empecilhos, bravatas e há temores...
Quanto sonho vencido entre os sozinhos,
quanta glória perdida entre os amores!

Nas angústias do mundo há mais espinhos
do que o cheiro da paz que tem nas flores...
Mas sem ódio e sem mágoa, em nossos ninhos,
nosso sonho de amor inibe as dores!

Deixo, em poucas palavras, meus apelos;
- Por que sempre guardar seus pesadelos
se a esperança cochila ao pé da porta?

Pode haver plenitude, em meio aos trapos:
A esperança não morre entre os farrapos
e viver plenamente, é o que me importa! 
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
(1865 – 1918)

Que cada um cumpra a sorte
das mãos de Deus recebida:
– Pois só pode dar a Morte
aquele que dá a Vida!
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Poema do Colorado/ Estados Unidos

TERESINKA PEREIRA

O amor

O amor sempre acredita
na lembrança eterna
embora o vento
tudo leva pelo ar...
 
O amor vira solidão
se é nobre, se é de orgulho
e se não o domina
uma verdadeira paixão.
 
O amor tem esperança,
tem sonhos, mocidades, coragem,
e mais que tudo, o amor
se alimenta de perdões.
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Trova Popular

Vou fazer meu reloginho
da folhinha do poejo;
para contar os minutos
e horas que não te vejo.
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Soneto de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Cireneus 

Gloriosa a mulher que a sós carrega 
seu madeiro de luta e sofrimentos. 
Seu calvário é de dor, mas não se entrega 
e raríssimos são seus bons momentos. 

A lhe dar seu valor ninguém se nega 
nem se nega a exaltar-lhe os sentimentos 
aquele que as virtudes não renega 
e sabe quanto pesam-lhe os tormentos. 

Mas não só na mulher esta virtude 
manifesta-se assim, estoica e rude 
- exemplo de firmeza sobranceira: 

na vida, em muitos homens reconheço, 
cireneus que carregam sem tropeço 
a sua cruz e a cruz da companheira!
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Trova Humorística de Santos Dumont/MG

MÁRIO LUIZ RIBEIRO

Às vezes eu me atrapalho,
com um pensamento maroto:
- Por que é que "broto" dá galho,
e este, nem sempre dá broto?! 
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Poema de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
1888 – 1935

Não quero rosas, desde que haja rosas

Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir. Para quê?...

Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...
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Trova de São Paulo/SP

DOMITILLA BORGES BELTRAME

A favela à luz da lua
é um presépio em miniatura,
mas ante o sol, triste e nua,
tem, de um calvário, a estatura!
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Soneto de Avaré/SP

SÁ DE FREITAS

O sol, a lua e muita gente

"Fazes pouco de mim, sol!" - diz a lua.-
Escondes-te de mim quando apareço,
Será que nem de ti um olhar mereço,
Eu que há milênios sonho ser só tua?"

 O sol noutro hemisfério, com amargura,
Escuta a sua amada, mas opresso
Responde: "Meu amor, desapareço,
Por ser fadado à triste desventura

De nunca possuir quem tanto almejo,
Que és tu, ó lua, que nem mesmo vejo,
No início de um eclipse ou depois.

Mas te conformes, pois na Terra moram,
Pessoas que se amam e que se adoram,
E têm a mesma sina que nós dois".
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Trova de São Francisco de Itabapoana/RJ

ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE

Após, tanto tempo unidos,
vem Você, dizendo adeus!
Tornando agora perdidos
os melhores sonhos meus.
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Poema de Caieiras/SP

ROSA CLEMENT

A Árvore

Era uma casa
muito engraçada
Vinicius de Moraes

Era uma árvore
ameaçada
onde se ouvia
a passarada

Ninguém subia
nos galhos não
porque da árvore
só tinha o chão.

Todos só viam
uma clareira
porque a árvore
virou barreira.

Meu cão que ia
fazer pipi
não encontrou
um tronco ali.

Ela deixava
tão bela a vista,
e foi embora
sem deixar pista

Mas foi plantada
com esperança
na velha estrada
pela criança.
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Trova de São José dos Campos/SP

MIFORI
(Maria Inês Fontes Rico)

Se olhares para o horizonte
sem nenhum olhar vazio,
na fé de que Deus é a fonte,
o amor fluirá qual rio.
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Soneto de Portugal

AFONSO DUARTE
Montemor-o-Velho (1884 – 1958) Coimbra

Saudades do Corgo

Murmúrio de água em Terra da Purinha,
Lembra a voz da montanha o meu amor.
Oh água em quebra voz “sou teu, és minha”!
Rescende em mim a madressilva em flor.

 — Suas palavras dão perfume ao vento,
— Seus Olhos pedem o maior sigilo...
Sóror amando às grades de um convento,
Ó Sóror dum romance de Camilo!

 De longe e ausente ao seu perfil do Norte,
Evoco em sonho as Terras do luar,
— Fragas do Corgo em medievo corte!

 À Lua e ao Sol para a servir e amar,
Quando a ausência vem — quem a suporte!
As saudades são o meu falar.
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Trova Premiada em Madureira/RJ, 1992

ANTONIO JURACI SIQUEIRA 
Belém/PA

Quando o clamor da razão
calar a voz do machado,
hei de chorar de emoção,
sobre o solo devastado...
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Poema de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA 

O "Benefício"
 
Simplício em seu natalício
foi procurar por Simplícia;
de quem, com toda malícia,
lhe pediu um "benefício",
por conta do seu ofício!
 
Simplícia vendo o suplício
da sevícia, o "benefício"
ao Simplício, com perícia,
negou-lhe e foi à Polícia,
e deu parte do Simplício!
 
A Polícia, ao tal Simplício,
enviou-lhe uma notícia,
por um guarda da milícia,
para ouvi-lo, por ofício;
sobre o tal do "benefício"!
 
Já prevendo o seu suplício
no presídio, em "benefício",
não pôs os pés na Polícia;
só depois veio a notícia:
Escafedeu-se Simplício!
 
Moral...
Quem procura benefício
em sacrifício de alguém,
acaba no sacrifício
de beneficiar também!
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Trova de Juiz de Fora/MG

DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO

Galopando sem receio
um indomável equino,
vou pela vida em rodeio
no cavalo do destino.
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Cantiga Infantil de Roda

Balaio

Eu queria se balaio, 
balaio eu queria “sê”
Pra ficar dependurado, 
na cintura de “ocê”

Balaio meu bem, balaio sinhá
Balaio do coração
Moça que não tem balaio, sinhá
Bota a costura no chão

Eu mandei fazer balaio, 
pra guardar meu algodão
Balaio saiu pequeno, 
não quero balaio não

Balaio meu bem, balaio sinhá
Balaio do coração
Moça que não tem balaio, sinhá
Bota a costura no chão
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Trova da Rainha Da Trova Brasileira

LILINHA FERNANDES
(Maria das Dores Fernandes Ribeiro da Silva)
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

Amanhece... Vibra a terra!
O sol que em ouro reluz,
sai da garganta da serra
como uma trova de luz.
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Hino de São Jorge do Ivaí/ PR

Letra e música: Hulda Ramos Gabriel

Da Pátria és glória presente
Desta terra varonil!
Em ti a grandeza imponente
Que orgulha o Brasil!

Surgiu, varonil!
São Jorge do Ivaí,
Integrado ao Paraná,
Sul do meu Brasil!

Vencida a bravia terra a sorte,
Ao forte com vitória!
Do vasto Paraná do norte,
Levando o estandarte em glória!
Do vasto Paraná do norte,
Levando o estandarte em glória!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ZÁLKIND PIATIGORSKY
1935 – 1979

Tanto se canta e enaltece,
do seu mal tanto se diz,
que saudade até parece
um modo de ser feliz.
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Soneto Paulista

FRANCISCA JÚLIA
Eldorado Paulista/SP (1871– 1920) São Paulo/SP

Musa Impassível

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de Jó, conserva o mesmo orgulho; e diante
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d' ouro, a imagem atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra,
Cante aos ouvidos d' alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos. 
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

BASTOS TIGRE
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ

Saudade, palavra doce
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando à flor.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

A torrente e o rio

Com ruído e com fragor,
Tombava da montanha uma torrente,
Espalhando o terror
Nos corações da campesina gente.
E nenhum caminhante
Se atrevia a passar
Barreira tão gigante.
Eis que um vê uns ladrões, e, sem parar,
Mete de meio a onda sussurrante.
Era bulha e mais nada; pelo custo,
O pobre do homem só tirava o susto.
Ganhando, então, coragem,
E os ladrões continuando a persegui-lo,
Encontra na passagem
Um rio ameno, plácido e tranquilo
Que, como um sonho, caricioso, ondeia
Por entre margens de luzente areia:
Procura atravessá-lo,
Entra... mas o cavalo,
Livrando-o à caça dos ladrões, dirige-o
Da onda escura ao seio negrejante,
E ambos foram dali no mesmo instante
Beber ao lago Estígio.
No inferno tenebroso,
Por outros rios navegando vão.

O homem que não fala é perigoso;
Os outros, esses não.

Contos e Lendas do Paraná (O fantasma do Coronel)

por Josué Corrêa Fernandes (Ponta Grossa)

Chopinzinho, no Sudoeste do Paraná, é uma cidade aprazível, onde gaúchos e catarinenses se misturaram ao elemento nativo, dando origem a uma comunidade trabalhadora e ordeira. Essa localidade já existia desde o século passado, quando ali foi estabelecida a Colônia Militar do Chopim, por ordem de D. Pedro II e com o objetivo de preservar as fronteiras nacionais da cobiça de argentinos e paraguaios.

Documentos e a própria tradição oral comprovam que, no mesmo local onde hoje se desenvolve a cidade foi erigida a sede da Colônia, sob o comando do coronel San Thiago Dantas, ancestrais de brasileiros ilustres, como o Primeiro Ministro parlamentarista do governo Goulart. O Salto Santiago, aliás, onde se construiu a grande hidrelétrica, também foi batizado em homenagem àquele intrépido desbravador.

Foi em Chopinzinho que iniciei, de fato, a minha carreira de juiz de direito. A casa, onde passei a residir, primeiro com minha família, ficava bem próxima ao Fórum, num morro de difícil acesso onde já se erguiam outras residências em meio à mata um tanto densa.

Por esses tempos, falava-se que tal lugar serviu de cemitério aos soldados da Colônia e que,  por isso, desrespeitada a finalidade de campo santo, eram frequentes as aparições de almas penadas, exigindo a desocupação da área... Filho de pai galego, nunca dei crédito a tais estórias, muito embora, no fundo, não esquecesse de velha advertência ibérica: "no creo em brujas, pero que las hay, hay"...

Meses depois que ali aportei, numa madrugada de verão forte, fui acordado pelo chamado insistente da empregada que, pálida e tremendo, dizia haver avistado uma "visagem de soldado" na orla do pequeno bosque dos fundos. Vim até à janela e, auxiliado pela claridade da lua cheia, nada vi, mas a moça insistiu:

- Ele tava parado bem lá, perto do pinheiro; era grande, barbudo e tinha espada. Quando fiz barulho, ele andou no meio das árvores e sumiu!

Peguei, então, uma lanterna e o revólver e me dirigi até o ponto indicado. Iluminei para lá e para cá, nada enxergando. Não muito convicto de me aprofundar na procura, adentrei poucos passos na mata, logo tropeçando em alguma coisa. Focalizei a lanterna, abaixei-me e vi que se tratava de um pedaço de laje com palavras escritas. Juntando vagarosamente as letras e suprindo as que faltavam, consegui ler: 

"... restos mortais do capitão-bacharel Francisco Clementino de San Thiago Dantas, Orae por elle".

Sufocante que estava o calor, de súbito senti-me enregelado e invadido por peculiar calafrio que me cruzou o corpo de norte a sul, ouriçando-me todos os pelos imagináveis. Disciplinado infante do CPOR, procurei não voltar em marcha acelerada, mas normalmente, para o interior da casa, afirmando que nada encontrara. Debaixo das grossas cobertas não consegui acalmar o inusitado frio, mas desarquivei dos fundos do meu inconsciente a oração pelas almas do purgatório, tantas vezes repetida na minha antiga função de coroinha. E ansioso, com os olhos estatelados, aguardei o alvorecer.
Fonte: 300 Histórias do Paraná: coletânea. Curitiba: Artes e Textos, 2004.

Recordando Velhas Canções (Hotel das estrelas)


(1970)

Compositor: Jards Macalé e Duda Machado

Dessa janela sozinha
Olhar a cidade me acalma
Estrela vulgar a vagar
Rio e também posso chorar
E também posso chorar

Mas tenho os olhos tranquilos
De quem sabe seu preço
Essa medalha de prata
Foi presente de uma amiga
Foi presente de uma amiga

Mas isso faz muito tempo
Sobre o pátio abandonado
Mas isso faz muito tempo
Em doze quartos fechados
Mas isso faz muito tempo
Profetas nos corredores
Mas isso faz muito tempo
Mortos embaixo da escada
Mas isso faz muito tempo
Oh ye, mas isso faz muito tempo

Mas isso faz muito tempo
No fundo do peito, esse fruto
Apodrecendo a cada dentada
Oooh
No fundo do peito, esse fruto
Apodrecendo a cada dentada

Mas isso faz muito tempo
Sobre o pátio abandonado
Mas isso faz muito tempo
Em doze quartos fechados
Mas isso faz muito tempo
Profetas nos corredores
Mas isso faz muito tempo
Mortos embaixo da escada
Mas isso faz muito tempo
Oh ye, mas isso faz muito tempo

Dessa janela sozinha
Olhar a cidade me acalma
Estrela vulgar a vagar
Rio e também posso chorar
E também posso chorar

A Solidão e a Contemplação em 'Hotel Das Estrelas' de Jards Macalé
A música 'Hotel Das Estrelas' é uma obra que explora a solidão e a contemplação da vida urbana. A letra começa com a imagem de uma janela solitária, sugerindo um ponto de observação isolado do mundo exterior. A janela, um símbolo de separação e ao mesmo tempo de conexão, permite ao eu lírico observar a cidade e encontrar uma forma de calma nesse ato de contemplação. A solidão aqui não é necessariamente negativa; ela é um espaço de reflexão e de encontro consigo mesmo.

A menção à 'estrela vulgar a vagar' traz uma metáfora rica. As estrelas, geralmente associadas a algo sublime e distante, são aqui descritas como vulgares, talvez para refletir a banalidade e a repetição da vida cotidiana. A estrela que vaga sem rumo pode ser uma representação do próprio eu lírico, que se sente perdido ou sem direção, mas que ainda assim encontra beleza e significado na sua observação do mundo.

Por fim, a linha 'Rio e também posso chorar' sugere uma dualidade emocional. O riso e o choro são expressões de sentimentos profundos e contrastantes, indicando que a contemplação da cidade e da vida pode trazer tanto alegria quanto tristeza. Jards Macalé, conhecido por seu estilo musical que mistura elementos de MPB, rock e experimentalismo, utiliza essa letra curta e poética para capturar a complexidade das emoções humanas e a experiência de viver em uma grande cidade.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Therezinha Dieguez Brisolla (Trov’ Humor) 38

 

Trovador Homenageado do Dia: Luiz Antonio Cardoso (Trovas em preto e branco)


 1
A paz que tanto almejei,
em sonhos que não tem fim,
estava onde não busquei:
perdida dentro de mim!
2
A vida, pregando peça,
mostra quem é mesmo amigo,
quando a lida recomeça,
e ninguém segue contigo.
3
Chega o ano novo... e a esperança
faz ressurgir em meu ser
aquela velha criança...
que nunca deixei morrer.
4
Coração desconsolado,
não podeis esmorecer.
Se viver é complicado,
muito mais é não viver!
5
Enquanto proferem: "- Louco!"
Quer romper a tradição!?
Eu sigo ofertando um pouco,
do que sonho, ao meu irmão.
6
Eu guardo dentro do peito 
meu sonho deveras terno: 
- Ver persistir o respeito 
para um mundo mais fraterno!
7
Meu corpo colado ao teu...
dois seres...um sentimento!
Sonho que sobreviveu
apenas em pensamento.
8
Nas lavouras de café
ou nos vinhedos fecundos,
os imigrantes, com fé,
levantaram novos mundos!
9
No teatro, hoje em ruínas,
tantos sonhos eu plantei,
que as lembranças peregrinas
nem percebem que parei…
10
O perdão que concedemos
a cada irmão ofensor,
é treva que revertemos
em luz... em paz... em amor!
11
Os espíritos de escol,
exercendo a caridade,
brilham tanto como o sol,
no silêncio da humildade.
12
Paz! Amor! Felicidade!
Palavras tão usuais,
que seriam, na verdade,
mais bonitas, se reais.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE CARDOSO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Luiz Antonio Cardoso refletem uma profunda sensibilidade e um olhar atento sobre a vida e as relações humanas. Cada trova traz temas como a busca por paz, esperança, amor, e a importância do perdão e da fraternidade.

AS TROVAS UMA A UMA

1. A Paz Interior
A paz não é algo que se encontra externamente, mas sim uma condição interna. O eu lírico revela que a verdadeira paz estava dentro dele, ignorada em meio a buscas e sonhos.

2. Amizade Verdadeira
A amizade é testada durante dificuldades. Quando a vida recomeça, os verdadeiros amigos se destacam, sugerindo que a lealdade se revela em tempos de adversidade.

3. Esperança e Renascimento
O novo ano simboliza um recomeço, trazendo à tona a criança interior que representa pureza e esperança. Esta ideia sugere que, apesar das experiências, a inocência e a esperança permanecem.

4. Valor da Vida
O trovador reflete sobre os desafios da existência. A mensagem é que, apesar das dificuldades, a vida é um presente que vale a pena ser vivido, reforçando a ideia de que a inação é ainda mais complicada.

5. Sonhos e Solidariedade
Cardoso se coloca como um doador de sonhos, mesmo sob o olhar crítico da sociedade. Isso enfatiza a importância de compartilhar esperanças e aspirações com os outros.

6. Respeito e Fraternidade
O desejo de um mundo onde o respeito prevalece indica um anseio coletivo por harmonia e solidariedade. Esta trova sugere que o respeito mútuo é fundamental para a convivência pacífica.

7. Amor e Memória
A conexão física e emocional entre dois seres é explorada, revelando a fragilidade das relações. O amor, embora presente em pensamento, pode se perder na realidade, indicando a dor da saudade.

8. História dos Imigrantes
A menção aos imigrantes que erguem novas realidades reflete a resiliência humana. Este verso destaca o papel da fé e do trabalho na construção de novos horizontes, simbolizando renovação e esperança.

9. Memórias e Sonhos Não Realizados
O eu lírico explora o espaço do teatro como símbolo dos sonhos não concretizados. As lembranças se tornam um fardo, sugerindo que o passado é muitas vezes uma âncora que impede o progresso.

10. Perdão e Transformação
O perdão é apresentado como um ato de transformação, que converte dor em luz. Essa ideia ressalta a capacidade de liberar ressentimentos, promovendo paz e amor.

11. Caridade e Humildade
Os espíritos de escol simbolizam a verdadeira caridade que brilha em humildade. A comparação com o sol sugere que atos simples de bondade têm um impacto profundo e duradouro.

12. Palavras e Realidade
As palavras "paz", "amor" e "felicidade" são comuns, mas muitas vezes não se concretizam na realidade. O trovador clama por uma vivência genuína desses sentimentos, questionando a autenticidade das intenções.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE CARDOSO E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Busca pela Paz Interior
A paz é um tema universal e atemporal. Cardoso sugere que a verdadeira paz não está em fatores externos, mas sim em uma jornada interna de autoconhecimento. Essa busca reflete a luta humana para encontrar serenidade em um mundo caótico. Implica que a paz deve ser cultivada e que a introspecção é essencial para o bem-estar emocional. A ideia é que, ao nos conectarmos com nosso eu interior, podemos encontrar a harmonia que tanto desejamos.

Fernando Pessoa frequentemente explora a busca pela paz interior em suas obras, refletindo sobre a fragmentação do eu e a necessidade de encontrar a serenidade em meio ao caos da vida. Adélia Prado também aborda essa busca, enfatizando a espiritualidade e a introspecção em suas poesias, conectando emoções pessoais com a universalidade da experiência humana.

2. Amizade e Lealdade
A amizade verdadeira é um dos pilares das relações humanas. Cardoso destaca que a verdadeira amizade se revela em tempos difíceis, quando a lealdade é testada. Sugere que as conexões mais profundas são forjadas através da adversidade. A reflexão sobre quem permanece ao nosso lado em momentos críticos nos ajuda a valorizar as relações significativas.

Camões, em seus sonetos, frequentemente reflete sobre a lealdade nos relacionamentos, destacando a importância da amizade verdadeira em tempos de dor e alegria. Chico Buarque, em suas letras, aborda a amizade e a solidariedade, especialmente em contextos de luta e resistência, mostrando como esses laços se fortalecem em adversidades.

3. Esperança e Renascimento
A esperança é uma força motriz que impulsiona as pessoas a superarem desafios. O autor utiliza a metáfora do ano novo para simbolizar novos começos e renovação. A esperança deve ser cultivada continuamente, e que a capacidade de recomeçar é uma das maiores dádivas humanas. A ideia de manter a criança interior viva enfatiza a importância da inocência e da alegria.

Vinícius de Moraes fala sobre renovação e esperança em suas obras, especialmente em relação ao amor e à busca por novos começos. Alice Ruiz explora a esperança em seus poemas, utilizando imagens cotidianas que refletem a capacidade de encontrar beleza e renovação na vida.

4. Valor da Vida e Existencialismo
A complexidade da vida é uma reflexão profunda sobre a condição humana. O trovador confronta a ideia de que viver é desafiador, mas não viver é ainda mais complicado. Essa análise existencial sugere que a vida, com suas lutas e alegrias, deve ser valorizada. O reconhecimento das dificuldades pode levar a uma apreciação mais profunda da experiência humana.

Cecília Meireles reflete sobre a complexidade da vida e a transitoriedade da existência, abordando a luta interna do ser humano. Affonso Romano de Sant'Anna apresenta uma visão crítica sobre a vida moderna, questionando valores e a busca por significado em um mundo acelerado.

5. Solidariedade e Empatia
A generosidade e a solidariedade são temas centrais nas trovas. Cardoso fala sobre a importância de compartilhar sonhos e esperanças. Tal tema destaca que a solidariedade é essencial para construir comunidades mais fortes e empáticas. A troca de sonhos e ideias é um ato de conexão que pode transformar vidas.

Guilherme de Almeida aborda em seus poemas a importância da solidariedade e do amor ao próximo, refletindo valores humanistas. Bráulio Bessa fala sobre empatia e solidariedade em sua poesia, enfatizando a importância de cuidar do outro em tempos de dificuldade.

6. Respeito e Fraternidade
O respeito mútuo é fundamental para a convivência pacífica. O autor anseia por um mundo onde a fraternidade predomina. Esse desejo por um mundo fraterno sugere que a construção de sociedades mais justas e harmoniosas começa com pequenos atos de respeito e compreensão.

Carlos Drummond de Andrade destaca a importância da fraternidade e do respeito nas relações humanas, frequentemente questionando a condição social e a inclusão. Marília Mendonça, em algumas de suas letras, aborda a valorização das relações humanas, enfatizando a fraternidade e o respeito no cotidiano.

7. Memórias e Nostalgia
A relação com o passado é uma constante nas trovas. Cardoso reflete sobre como as memórias podem ser tanto um refúgio quanto um fardo. Implica que as lembranças moldam nossa identidade e podem influenciar nossas ações futuras. A nostalgia pode servir como motivação para buscar um futuro melhor.

Álvares de Azevedo lida com a nostalgia e as memórias de maneira intensa, refletindo sobre amores perdidos e o peso do passado. Márcio Aruanã, artista multifacetado, conhecido por projetos que envolvem música, arte e literatura, especialmente voltados para a cultura brasileira e a valorização de tradições, aborda a nostalgia em suas obras, utilizando a memória como um elemento central para compreender a identidade. aborda a nostalgia em suas obras, utilizando a memória como um elemento central para compreender a identidade.

8. Perdão como Libertação
O perdão é um tema poderoso que aparece repetidamente. Em seus versos mostra que perdoar é um ato de libertação que transforma relações. O perdão não é apenas para o ofensor, mas um ato que traz paz para quem perdoa. Esse processo de cura é fundamental para o crescimento pessoal e para a construção de relacionamentos saudáveis.

Machado de Assis, em seus contos e crônicas, frequentemente aborda a temática do perdão e suas complexidades nas relações humanas. Lívia de Dantas explora a ideia de perdão como um ato de libertação, enfatizando a transformação pessoal que ocorre ao perdoar.

9. Humildade e Caridade
A humildade é vista como uma virtude essencial. Cardoso associa a caridade a atos simples, mas significativos, que a verdadeira grandeza reside em ações humildes. A caridade, quando exercida com humildade, pode ter um impacto profundo na vida dos outros.

São Francisco de Assis, em seus poemas, fala sobre a humildade e a caridade como virtudes essenciais para uma vida plena. Eulália de Oliveira aborda a caridade de maneira crítica, refletindo sobre a importância da humildade em um mundo que muitas vezes valoriza o oposto.

10. Autenticidade das Palavras
A reflexão sobre palavras como "paz", "amor" e "felicidade" destaca a diferença entre o que é dito e o que é vivido. Convida à autenticidade nas interações humanas. A busca pela concretização desses ideais é um desafio contínuo que requer esforço e sinceridade.

Rainer Maria Rilke enfatiza a importância da autenticidade na expressão poética, questionando a superficialidade das palavras. Hilda Hilst também aborda a autenticidade, desafiando convenções e expressando verdades profundas sobre a existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Luiz Antonio Cardoso nos convidam a uma reflexão profunda sobre a condição humana, explorando temas que ressoam com as experiências universais de amor, dor, esperança e solidariedade. A simplicidade estética das trovas contrasta com a profundidade das questões que aborda, criando um espaço onde o leitor pode se conectar emocionalmente e introspectivamente.

Os temas nas trovas de Cardoso ressoam com preocupações universais e atemporais presentes na poesia de diversas épocas. Enquanto poetas antigos frequentemente lidavam com a busca de sentido em um mundo em transformação, poetas contemporâneos tendem a explorar essas mesmas questões sob novas perspectivas, refletindo mudanças sociais e culturais. Essa continuidade e evolução nas temáticas revelam a riqueza da experiência humana, onde a literatura serve como um espelho das emoções e anseios coletivos.

Cada verso é uma semente que germina em sentimentos de empatia e compreensão, desafiando o leitor a confrontar suas próprias verdades. A busca pela paz interior, a valorização das relações humanas e a reflexão sobre o perdão e a solidariedade são temas que se entrelaçam, formando um mosaico que representa a complexidade da vida.

Essas trovas tornam-se, assim, um espelho da sociedade, refletindo suas esperanças e fragilidades. Em um mundo frequentemente marcado pela fragmentação e individualismo, as trovas de Cardoso ressoam como um chamado à união e à reflexão. Ele nos instiga a cultivar a autenticidade em nossas relações e a praticar a generosidade como forma de transformação pessoal e coletiva.

Seus versos não são apenas belas palavras; são convites à ação, à reflexão e à construção de um mundo mais solidário. Sua poesia desafia o leitor a buscar um sentido mais profundo na vida, a valorizar as conexões e a abraçar a capacidade de recomeçar, mostrando que, mesmo nas adversidades, a beleza da vida e o poder do amor sempre podem prevalecer.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Francisca Júlia (O sino que anda)

(Imitação de Goethe)

Era um dia uma criança tão inquieta e travessa, tão amiga dos brinquedos e da ociosidade, que não tinha paciência de estar por muito tempo ajoelhada na igreja, aspirando o perfume do incenso, sob a luz dos altares.

Quando chegava o domingo, à hora de ir fazer suas orações, achava sempre um pretexto para correr até ao campo, à procura das borboletas e de ovos de passarinhos.

Disse-lhe a mãe um dia:

— O sino chama-te, meu filho, o sino toca, o sino fala-te, o sino prescreve-te os deveres da religião e obriga-te a assistir às missas, e se continuares a fugir para o campo, um dia o sino há de descer da altura em que está e correr atrás de ti.

Mas a criança pensou:

"O sino está tão alto, badalando lá em cima, preso nas paredes da torre!..."

E seguiu adiante, correndo pelos atalhos e devesas (matos), ávido de ar e de liberdade.

Mas que medo, meu Deus! Que terror lhe arrepia os cabelos e lhe empalidece o rosto. Numa curva do caminho o sino aparece, andando como se tivesse pernas, a ralhar como se tivesse boca. A pobre criança, desesperada, corre de um lado para outro, tropeçando nas pedras, rasgando-se nos espinhos.

E o sino cai. O pobrezinho corre, corre sempre, toma a direção da igreja e entra, mal acordado do susto. 

Desde esse dia, quando chega o domingo, ou algum dia de festa, ele é o primeiro a ir à igreja, obedecendo ao primeiro toque do sino, sem ser preciso que ninguém o convide.

Fonte> Francisca Júlia. Livro da infância. 1899. Disponível em Domínio Público