domingo, 20 de julho de 2025

Laé de Souza (O vendedor de bonecas)


A beleza feminina, sem dúvida, abre caminho e facilita negociações. Determinados ramos utilizam-se do expediente com relativo sucesso.

Há pouco tempo, um amigo que já andava endividado confessou-me ter adquirido um veículo novo a prestações, por não conseguir fugir aos argumentos e, principalmente, à beleza de uma vendedora. E já anda quase enrascado com um consórcio.

Guilhermindo, vendedor de seguros, de quem o chefe, um machista nato, sempre chamava a atenção e lhe mostrava a planilha de vendas da colega, ferindo os brios do infeliz, sob os argumentos de como permitia que uma mulher o ultrapassasse em volume de negócios.

Ramiro, estabelecido com escritório de cobranças de cheques sem fundos, trocou todo o seu departamento jurídico por formosas donzelas que, após uma semana de treinamento, saíram a campo em busca dos emitentes dos “voadores”, que hoje são recebidos com acréscimos, sem muita dificuldade (com raríssimas exceções) e sem a emissão de um grande número de correspondências e intermináveis batalhas jurídicas.

No ramo de brinquedos, seguindo a tendência do mercado, é que Juju utilizou-se do expediente. Como esse segmento não é tão volumoso em vendas, apesar dos seus preços altos, não há como contratar terceiros. Assim, a coisa funciona na base da economia familiar e a sua linda mulher é quem oferece o produto. Enquanto o coitado carrega sacolas cheias, ela vai dois metros à frente como que numa passarela, exibindo sua beleza e o mostruário com uma dúzia de bonecas. Não há como evitar de olhar ou até de aproximar-se para, pelo menos, consultar os preços. Mulheres acompanhadas dos maridos ou namorados os arrastam para longe, fugindo como o diabo foge da cruz. Fecham a cara e se ligam nos olhares dos acompanhantes que, mesmo disfarçadamente, sempre dão uma olhadela. Creia, não dá para resistir, mesmo sob o risco de levar um beliscão ou uma bolsada da mulher.

Do meu lado, uma mulher vermelha de raiva, falava ao marido: “Me respeite. Quando estiver sozinho, faça suas cachorradas, mas quando eu estiver junto, exijo ser respeitada.” E o fulano, envergonhado, tentava disfarçar. Senhores sisudos olham de soslaio e muitos adquirem as tais bonecas. Os que só olham e recusam a oferta do produto, são intimidados pelo forte Juju que adverte: “Se não quer, então, pare de olhar.” Eu mesmo comprei duas, após demorada escolha e consulta à opinião da vendedora sobre a cor do vestido da boneca. E foi suave ouvir sua voz: “Juju, pega duas deste modelo para o cavalheiro.” Meu amigo, o tal endividado, queria comprar todo o estoque e foi duro convencê-lo a levar apenas vinte, sob forte argumentação minha ao seu ouvido de que a situação econômica dele anda mal.

Segundo comentários, Juju está na região. Se, eventualmente, seu marido chegar em casa com algumas bonecas de vestidinho bordado para lhe dar de presente, fique ligada e pode ter certeza de que a dupla está negociando na cidade.
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Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
Souza, Laé de. Coisas de Homem & Coisas de Mulher. SP: Editora Ecoarte, 2018. 
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Eduardo Martínez (Reveillon em Copacabana)

Esta história, confesso, hesitei contar por algum tempo. No entanto, resolvi escrever sobre o ocorrido, mesmo que isso possa ferir os sentimentos de alguns. Mas que seja, pois isso realmente aconteceu e, obviamente, não cabe a mim mudar os fatos simplesmente para agradar fulano ou sicrano. 

Lá estávamos minha esposa, a Dona Irene, e eu com alguns amigos, sentados à mesa de um bar em Copacabana. Quando o teor alcóolico já era capaz de quebrar qualquer bafômetro, chegou um outro conhecido, o Almeidinha. A minha mulher, que adora a companhia dele, puxou uma cadeira para que o nosso colega pudesse se sentar ao seu lado. 

Conversa vem, conversa vai, todos na mesa já estavam inebriados pelo humor sarcástico do Almeidinha. A Dona Irene, então, perguntou para o nosso amigo onde ele iria passar o réveillon, quando aconteceu esse pequeno interlúdio:

— Sei lá, mas não vai ser aqui!

— Não?

— Não!

— Ah, Almeidinha, Copa tem o melhor réveillon do mundo!

— Tinha! Tinha!!! - disse o Almeidinha, com o dedo indicador da mão direita erguido, quase se levantando da cadeira.

— E por que não tem mais?

— Desde que houve aquele acidente em que morreu uma pessoa, a queima de fogos deixou de ser na areia e passou a ser nas barcas. Ficou uma droga!

— Mas, Almeidinha, assim é mais seguro, evita acidentes.

— E você sabe quem morreu? 

— Não. Quem?

— Um paulista!!! Pode isso? Mudaram o réveillon carioca por causa de um paulista! Gente, que falta faz um paulista no mundo?
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

Fontes:
Blog do Menino Dudu. 02.03.2022
https://blogdomeninodudu.blogspot.com/2022/03/reveillon-em-copacabana.html
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Estante de Livros (“Papéis Avulsos”, de Machado de Assis) – 2, final

7) O anel de Polícrates

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 2 de julho de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Narrado como um diálogo entre transeuntes. O personagem foi inspirado no então recém-falecido Artur de Oliveira, o “saco de espantos”, que, conquanto uma figura intelectualmente exuberante (“uma cachoeira de ideias e imagens”), que em sua estadia em Paris tornou-se amigo de grandes artistas como Victor Hugo e Gustave Doré, acabou caindo em decadência financeira e física e falecendo prematuramente de “tísica” (tuberculose), sem deixar uma obra escrita significativa (“era impaciente, não sofria a gestação indispensável à obra escrita”). O título faz referência a uma história, contada por Plínio, o Velho, sobre o tirano Polícrates de Samos, que, tendo lançado um anel valioso ao mar como sacrifício à deusa Fortuna, teve a sorte inaudita de recuperá-lo, depois que “o anel foi engolido por um peixe, o peixe pescado e mandado para a cozinha do rei”.

O personagem Xavier, após ter a ideia original de comparar a vida a um cavalo xucro, resolve testar sua sorte (ou seu azar – "caiporismo" na terminologia da época) usando o método do anel de Polícrates, ou seja, espalhando a ideia e vendo se um dia retornaria, no sentido de que as pessoas, ao contá-la, atribuiriam a ele a autoria.

TRECHO: Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as coisas possíveis, e até contrárias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra à lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc., etc. Era um saco de espantos. Quem conversava com ele sentia vertigens.

8) O empréstimo

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 30 de julho de 1882, com a assinatura Machado de Assis e o subtítulo: Anedota filosófica, “anedota” não no sentido atual de “piada”, mas de “relato sucinto de um fato jocoso ou curioso” (dicionário Aurélio). Custódio, protótipo do caipora (azarado), procura um tabelião que conheceu numa ceia de Natal para pedir um vultoso empréstimo a fim de entrar de sócio num negócio.

TRECHO: Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto das elegâncias, o amor do supérfluo [...] Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava viver.

9) A sereníssima república (subtítulo: Conferência do cônego Vargas)

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 20 de agosto de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Uma conferência científica em estilo nonsense sobre a vida social das abelhas serve de pretexto para uma sátira “aos vários sistemas de votação propostos para o estabelecimento de um governo representativo”. O conferencista narra a descoberta de uma espécie de abelhas que desenvolveu uma linguagem tão complexa quanto a humana. Ele as dota de uma organização social que toma por modelo a antiga Sereníssima República de Veneza.

TRECHO: Nada, porém, se pode comparar ao pasmo que me causou a descoberta do idioma araneida, uma língua, senhores, nada menos que uma língua rica e variada, com a sua estrutura sintáxica, os seus verbos, conjugações, declinações, casos latinos e formas onomatopaicas, uma língua que estou gramaticando para uso das academias, como o fiz sumariamente para meu próprio uso.

10) O espelho (subtítulo: Esboço de uma nova teoria da alma humana)

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 8 de setembro de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Uma “história dentro da história” insólita, que explora os meandros misteriosos da alma humana. “Jacobina, o narrador, abandonado sozinho no sítio da sua tia, encara o seu vazio interior, na cena talvez mais famosa do livro inteiro, e tem que vestir seu uniforme de alferes da guarda nacional para se convencer da sua própria existência.”

TRECHO: Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior.

11) Uma visita de Alcibíades (subtítulo: Carta do desembargador X... ao chefe de polícia da Corte)

A versão original desse conto foi publicada no Jornal das Famílias de outubro de 1876 sob o pseudônimo Victor de Paula, a versão incluída nos Papéis Avulsos tendo sido bastante modificada. Essa versão preliminar foi incluída por R. Magalhães Júnior em sua coletânea Contos Esparsos de textos inéditos de Machado de Assis. Narrado como uma carta ao chefe de polícia, em que um desembargador, adepto do espiritismo, doutrina que chegou no Brasil na década de 1870, descreve como o general grego Alcibíades apareceu em sua casa. O choque cultural é hilário, por exemplo, a cena em que o narrador vai pôr a gravata e Alcebíades se assusta, achando que vai se enforcar.

TRECHO: Como eu passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo confessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei-lhe o uso da gravata e notei que era branca, não preta, posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma. Atei-a enfim, depois vesti o colete.

12) Verba testamentária

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 8 de outubro de 1882, com a assinatura Machado de Assis, e o subtítulo “Caso patológico dedicado à Escola de Medicina”, eliminado na versão em livro. A história de um homem, Nicolau, que só conseguia conviver com quem lhe fosse inferior, com “naturezas subalternas”. Pessoas superiores, mais bonitas, mais bem vestidas, mais ricas, provocavam nele “perturbações fisiológicas”, supostamente causadas por um “verme do baço”. Tendo nascido no final do século XVIII, vemos desfilar pelo conto os acontecimentos políticos – grito do Ipiranga, Constituinte, abdicação de D. Pedro I, Regência, Maioridade de D. Pedro II – da primeira metade do século XIX. O título refere-se a uma verba deixada em testamento para a futura confecção do caixão do personagem por um agente funerário específico por ele nomeado.

TRECHO: Nicolau amava em geral as naturezas subalternas, como os doentes amam a droga que lhes restitui a saúde;

Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papéis_Avulsos
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sábado, 19 de julho de 2025

Asas da Poesia * 53*


Trova Vencedora em Curitiba/PR, em 2025, de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Enquanto a maldade avança,
crescente e em todos os tons,
há somente uma esperança:
a resistência dos bons.
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Soneto de
BASTOS TIGRE
Recife/PE, 1882-1957, Rio de Janeiro/RJ

Saudade

Infeliz de quem vive sem saudade,
Do agridoce pungir alheio às penas,
Sem lembranças de amor e de amizade,
Hoje vivendo o dia de hoje, apenas.

Triste de ti, ancião, que te condenas
A mole insipidez da ancianidade
E não revives na memória as cenas

De prazer e de dor da mocidade!
Ter saudade é viver passadas vidas,
Percorrendo paragens preferidas,
Ouvindo vozes que se têm de cor.

Sonha-se... E em sonho, como por encanto,
A dor que nos doeu já não dói tanto,
Gozo que foi é gozo inda maior.
= = = = = = = = =

Trova de 
DILVA MORAES
Nova Friburgo/RJ

Olhares insinuantes
que o cupido  registrou,
flecharam  os dois amantes
que a vida não separou!
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Poema de
AUGUSTO GIL
Lordelo do Ouro/Portugal (1873 – 1929) Guarda/Portugal 

Balada da neve 

Batem leve, levemente, 
como quem chama por mim. 
Será chuva? Será gente? 
Gente não é, certamente 
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania: 
mas há pouco, há pouquinho, 
nem uma agulha bulia 
na quieta melancolia 
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente, 
com tão estranha leveza, 
que mal se ouve, mal se sente? 
Não é chuva, nem é gente, 
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía 
do azul cinzento do céu, 
branca e leve, branca e fria... 
- Há quanto tempo a não via! 
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça. 
Pôs tudo da cor do linho. 
Passa gente e, quando passa, 
os passos imprime e traça 
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais 
da pobre gente que avança, 
e noto, por entre os mais, 
os traços miniaturais 
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos... 
a neve deixa inda vê-los, 
primeiro, bem definidos, 
depois, em sulcos compridos, 
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador 
sofra tormentos, enfim! 
Mas as crianças, Senhor, 
porque lhes dais tanta dor?!... 
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza, 
uma funda turbação 
entra em mim, fica em mim presa. 
Cai neve na Natureza 
- e cai no meu coração.
= = = = = = = = =

Trova de
WAGNER MARQUES LOPES
Pedro Leopoldo/MG

A dor parece incontida?...
Lave o rosto e não se abale:
a esperança é sol da vida
vencendo as sombras do vale.
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Soneto de
RAUL DE LEONI
Petrópolis/RJ, 1895– 1926

Decadência

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente;
Nenhuma outra intenção, mas simplesmente
O hábito melancólico de ser...

Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente,
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...

Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...

Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobreviventes de nós mesmos!...
= = = = = = = = =

Trova de
JORGE MURAD 
Guanabara/RJ (1910 – 1998)

Só porque falo sozinho
chamam-me louco, - maldade! 
é que eu converso baixinho
quando falo com a saudade...
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Poema de 
DYLAN THOMAS 
Swansea/País de Gales (1914 - 1953) Nova Iorque/EUA

Vem uma mudança no tempo do coração

Vem uma mudança no tempo do coração
secar a sua seiva, e um brilho que nos fere
vibra no interior glacial do túmulo.
Transforma-se na cidade das veias
a noite em dia, e movem-se ali os vermes
sob o reflexo solar do próprio sangue.

Vem uma mudança ocultar nos olhos
os ossos da cegueira, e então o ventre
mergulha na morte como o aparecimento da vida.

A escuridão no tempo dos olhos
encontra-se com a luz; a profundidade do mar
rompe sobre uma terra sem arestas.
A semente, que gera dos flancos um bosque
vem dividir o seu fruto, e cada metade
derrama-se lentamente no vento adormecido.

O tempo ao percorrer a nossa carne e os ossos
fica úmido e seco; o que desperta e o que morre
junto dos olhos são como dois espíritos.

Vem uma mudança no tempo do mundo
transformar um espírito no outro, e cada criança
na sua mãe amolda-se sob uma dupla sombra.
Assim é arrastada a lua em direção ao sol,
da pele são removidas as andrajosas vestes,
e o coração abandona-se à morte.
(tradução: Fernando Guimarães)
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Trova de 
LÓLA PRATA
Bragança Paulista/SP

Entre os dois, o amor é forte,
com risos que exigem palmas;
não é acaso nem sorte,
é identidade de almas!!!
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Poema de
CLEVANE PESSOA
Belo Horizonte/MG

Alegoria das Palavras Soltas

Que as mãos dos poetas
libertem as palavras de conceitos e preconceitos antigos.
Que a voz dos poetas
entoe cantos inusitados -às vezes inaudíveis aos demais.
Mas que sejam sempre palavras oloROSAS
a perfumar os poros dos amados e amigos.
O que vier a mais será benesse, lucro e dividendos:
mais importante que a glória
é a libertação do próprio Menestrel.
Que os versos sejam livres, com "palavras soltas",
a ressignificar todas as im/possíveis metáforas!
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Trova de
ANTONIO CABRAL FILHO
Jacarepaguá/RJ

Eu e você, nossos sonhos,
nos divertindo na praia,
felizes e tão risonhos,
correndo, livres, sem raia.
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Soneto de 
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
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Trova de 
ARI SANTOS DE CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Com um abraço agradeço
as letras do meu saber;
contudo, não desmereço
as que deixei de aprender.
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Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

Os dois amigos e o urso

Um urso acometeu dois passageiros:
Um deles, que os pés tinha mais ligeiros,
Pôs-se em cima duma árvore escondido.
Vendo o outro que tinha mau partido,

Estendendo-se em terra nem bulia
Nem respirava: morto se fazia.
Cheirando-o por orelhas e por cara,
O deixa intacto a fera, e se separa.

Dizem que, se encontrou uma pessoa
Que julga estar já morta, lhe perdoa.
O da árvore já livre do perigo,
Vindo com ar de riso ao seu amigo,
Lhe disse: «Que segredo era o que o horrendo
Urso te estava agora aqui dizendo?

— Disse-me, respondeu ele, que em jornadas
Não leve semelhantes camaradas.»
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Hino de Cidades Brasileiras
NATAL/ RN

I
Natal, Cidade Sol,
Tu representas tanto para mim!
No início, Forte dos Reis Magos,
Cidade Alta, Ribeira e Alecrim.

Daí, sempre a crescer -
Um cajueiro, galhos a estender,
Brotou nas Rocas, Quintas e Tirol,
Em Igapó, Redinha e Mirassol;
Chegou à Zona Norte,
Em Mãe Luíza se enraíza no farol.

O mar, enamorado,
Colar de praias te presenteou;
E o Potengi amado
Em teu regaço com o porvir sonhou.

Natal - provinciana -
A tua história nos contou Cascudo:
A luta com o batavo,
As procissões, o pastoril, o entrudo.
II
Natal, Cidade Sol,
Tu representas tanto para mim!
No início, Forte dos Reis Magos,
Cidade Alta, Ribeira e Alecrim.

Daí, sempre a crescer -
Um cajueiro, galhos a estender,
Brotou em Morro Branco e Bom Pastor,
Em Candelária, Felipe Camarão;
Do Morro do Careca
Em Ponta Negra, vem rolando até o chão.

O mar, enamorado,
Colar de praias te presenteou;
E o Potengi amado
Em teu regaço com o porvir sonhou.

Natal - espacial -
Ao céu foguete vai levar mensagem
De amor e de esperança
A quem fiel evoca a tua imagem.
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Trova de
MANUELLA AJALLA PAZ
Cruz Alta/RS

Verdade da luz de Deus
tão clara aí quanto aqui:
– Quem busca o bem para os seus,
encontra o bem para si!
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Poema de 
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

O Rabugento

No canto da sala, lá está Lelé,  
com cara de quem comeu limão.  
Reclama da chuva, do sol e até do pé,  
e mesmo da sombra que faz confusão.

“Essa cadeira tá torta, não dá pra sentar!”  
Grita Lelé, com seu jeito tão atroz.  
“A comida é fria, não posso almoçar,  
e o gato ainda me olha de modo tão feroz”

Passa a moça e ele logo resmunga:  
“Por que você ri? Isso não tem graça!  
A vida é dura, a gente se afunda,  
e você por aí, como se fosse uma traça!”

O rádio toca uma canção animada:  
“Que barulho insuportável, que horror!”  
Ele fecha as janelas com a cara amarrada:  
“Se eu tivesse condições, eu mudava o receptor!”

E quando a vizinha faz festa à noite,  
Lelé se levanta, como um verdadeiro juiz,  
“Esses malucos dançando, que coisa sem açoite,  
a música alta, não deixa dormir, que vida infeliz!”

Mas um dia, cansado de tanto reclamar,  
decidiu que era hora de mudar,  
colocou um sorriso no rosto, começou a dançar,  
e até o gato, animado, veio a ele se juntar!
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Renato Benvindo Frata (Olhares de mãe)


Não sei se já aconteceu com você, mas descobrimos nas sobrancelhas da minha mãe a revelação do seu estado de espírito. Se ela estivesse sóbria e feliz, as sobrancelhas não se modificavam, mas se estava com o humor pelo avesso – comum em relação à carestia, ela as arqueava assimetricamente para baixo e para cima, como escudos dos gladiadores na defesa ou no ataque.

Esse sinal, despercebido por ela, mas nítido em nós, indicava se ao chegarmos da escola podíamos ou não ligar o rádio, brincar dentro de casa ou comer algo fora do horário.

Minha irmã era mais observadora nesse sentido, e ela dava a nota: - hoje pode, ou hoje não pode... e o cochichar valia como decreto. 

Tratávamos de nos cuidar com o que dizíamos ou fazíamos enquanto ela terminava sua tarefa, até que a sobriedade voltasse a enfeitar sua face com sorriso de mãe de sobrancelhas silentes.

Mãe braba e mãe mansa, então, passou a ser sinalizado pelas nossas próprias sobrancelhas.

Se ela se mostrava sóbria, nós lhe imitávamos as sobrancelhas abertas, expandidas a florir no rosto. Se nervosa e triste, fechávamos as nossas como asas de morcego, e só. Sem emitirmos qualquer pio, nem riso, nem careta no pacto da mudez mímica. Nem ousávamos colocar o dedo indicador sobre os lábios, a pedir silêncio.

Foi assim por um bom tempo, até que um dia, estando ela nervosa, observou que a imitávamos ao tempo que segurávamos o riso, e aí a casa caiu: apanhamos os dois.

Minha irmã, maior e mais ajuizada, apanhou mais, e eu, franzino e magrelo, ganhei uns puxões de orelha. Pela forma como a imitávamos, chamou-nos de macaquinhos de ver sorte.

Mas isso serviu para que ela compreendesse que nós, filhos, não a imitávamos com o fim de feri-la, mas o fazíamos em respeito aos seus próprios humores e sentimentos. Então, tomada de surpresa com essa observação, ela suspirou, colocou a mão no coração e, depois, ambas na cabeça. Sentou-se e nos chamou para perto. - Desculpem. Às vezes me deixo levar por pensamentos ruins... dessa carestia, desses preços nas alturas, desse aluguel que enforca nosso bolso... – E sorriu, passando suavemente as mãos em nossos rostos como se tirasse com a magia de mãos de mãe, qualquer ressentimento.

Não é que conseguiu? …
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fonte:
Texto e imagem enviados pelo autor.

A. A. de Assis (Futebol de botão)


Minha geração (a dos que hoje têm mais de 80) viveu o auge de uma fascinante modalidade esportiva: o futebol de botão, inventado em 1930 pelo brasileiro Geraldo Cardoso Décourt. No Brasil inteiro e em vários outros países, esse joguinho foi praticado mais intensamente nas décadas de l930 a 1980, nele se destacando até celebridades como Pelé, Delfim Neto, Chico Buarque, Osmar Prado, Chico Anysio, Oscar Schmidt.

O jogo se realiza num campinho de aproximadamente 1,20m X 0,80m. O time é formado por 9 jogadores mais um goleiro. As partidas são disputadas em dois tempos de 10 minutos. Os botonistas são, em maioria, meninos; porém há muitos velhinhos até hoje chegadões nesse animado recreio.

As regras são mais ou menos semelhantes às do futebol de campo. A cancha é geralmente desenhada na superfície de uma mesa comum; todavia, para treinar, pode-se improvisar uma no assoalho.

Na cidade onde passei a infância e parte da juventude (São Fidélis-RJ) havia tantos botonistas que chegou a ser instituída uma liga para regulamentar as competições (LFFB – Liga Fidelense de Futebol de Botão).

Havia torneios mensais e, em dezembro, uma copa anual disputada pelos jogadores que mais pontuaram nos meses anterores. A coisa era levada tão a sério que às vezes uma partida terminava em sopapos, envolvendo as torcidas.

Os botões eram originariamente aqueles comuns, usados em paletós e capas de chuva, e eram movidos por uma palheta. Com o tempo, e por obra da grande popularidade do brinquedo, começaram a surgir botões industrializados, com adesivos de times ou rostos de jogadores famosos. O goleiro é um pequeno retângulo de acrílico, mas nos joguinhos menos formais podem ser usados outros objetos, até mesmo uma caixa de fósforos.

Atualmente a prática do futebol de botão, também conhecido como futebol de mesa, é orientada no Brasil pela CBFM (Confederação Brasileira de Futebol de Mesa) e há um número considerável de aficionados. Não sei, porém, se chega a emocionar tanto quanto nos meados do século passado. 
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 17-7-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ, em 1933. Radicou-se em Maringá/PR desde 1955. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem : https://patovelho.blogspot.com/2011/04/futebol-de-botao.html

Estante de Livros (“Papéis Avulsos”, de Machado de Assis) – 1


Papéis avulsos é um livro de contos, lançado em 1882, embora alguns críticos literários considerem “O Alienista” mais uma novela do que propriamente um conto. Foi o terceiro livro de contos publicado por Machado de Assis, “a mais notável coletânea de Machado, a mais original e radical”.

"Em termos da evolução intelectual do seu autor, Papéis avulsos (1882) é sem dúvida a mais importante das coleções de contos de Machado de Assis. [...] É possível que, de certo ponto de vista, as coleções posteriores sejam melhores ─ mais sutis na sua ironia, mais penetrantes na sua complexidade psicológica ─, mas aqui sente-se o poder resultante de uma repentina libertação de energia. Há, obviamente, uma relação crucial com Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado em livro no ano anterior [...]. Em Papéis avulsos e Brás Cubas a energia é, acima de tudo, satírica: o Machado bem comportado dos romances da década anterior, que só tinha mostrado o seu lado mais perigoso em contos como “A parasıta azul” (1873) ou nas estranhas “fantasias” publicadas em O Cruzeiro, em 1878, revela-se, finalmente, em pé de igualdade com os grandes temas de um Erasmo ou um Swift."

O livro abre com uma advertência de que, embora se trate de contos separados, possuem pontos em comuns: “Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa.”

O escritor e crítico literário Carlos de Laet assim anunciou o lançamento de Papéis Avulsos: “Abram vossas excelências e senhorias lugar na sua biblioteca para mais um bom e espirituoso livro do sr. Machado de Assis: – Papéis avulsos – reunião de contos e artigos humorísticos, alguns dos quais já foram devidamente apreciados, quando figuraram no rodapé das folhas diárias favorecidas pela colaboração do distinto escritor.

Contos

1) O Alienista

Publicado originalmente na revista quinzenal A Estação entre 15 de outubro de 1881 e 15 de março de 1882 com a assinatura Machado de Assis. Conta a história do renomado médico Simão Bacamarte, que retorna à sua terra natal, Vila de Itaguaí, para dedicar-se aos estudos da psiquiatria. Para tanto, decide implementar um asilo para abrigar os loucos da cidade e região, cabendo ao próprio médico diagnosticar a loucura dos pacientes e propor sua internação. Antevendo as ideias da antipsiquiatria do século XX, Machado brinca com as fronteiras tênues entre a sanidade mental e loucura. Pode-se interpretar o conto (ou novela) como crítica ao cientificismo exacerbado: Simão Bacamarte, sempre agindo em nome da ciência (“Homem de ciência, e só de ciência, nada o consternava fora da ciência”), acaba se revelando um déspota. O texto evoca o Elogio da Loucura, de Erasmo, além das peças de Molière que satirizam médicos e as obras de Cervantes, Jonathan Swift e Voltaire.

TRECHO: Não se sabia já quem estava são, nem quem estava doido.

2) Teoria do Medalhão

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 18 de dezembro de 1881, com a assinatura Machado de Assis. Apresenta o diálogo em que um pai dá conselhos a seu filho, Janjão, no dia em que completa sua maioridade, sobre como se portar em sociedade, adotando o ofício de medalhão. Como fez em sua coluna Aquarelas na revista O Espelho, onde traçou perfis caricaturais de personagens da sociedade como o parasita e o empregado público aposentado, aqui Machado, através dos conselhos de um pai a seu filho, vai traçar a “caricatura” literária do chamado “medalhão”, um figurão que se mete a falar de tudo sem na verdade se aprofundar em nada, sendo por isso admirado pela sociedade. Segundo o crítico literário Araripe Júnior, “Somos com efeito um país de medalhões; e o autor dos Papéis avulsos faz ressaltar o caráter atrofiante com que essa espécie funesta desenvolve-se, difunde-se em todas as relações da vida pública no Brasil.”

TRECHO: A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra.

3) A Chinela turca

A versão original desse conto precursor do “surrealismo’’ do século XX foi publicada em A Época de 14 de novembro de 1875 sob o pseudônimo Manassés, a versão incluída nos Papéis Avulsos tendo sido consideravelmente modificada. Essa versão preliminar foi incluída por R. Magalhães Júnior em sua coletânea Contos e Crônicas de textos inéditos de Machado de Assis. O bacharel Duarte, prestes a sair para o baile, recebe a visita do Major Lopo Neves, sujeito enfadonho, que o visita para consultá-lo acerca de um drama que havia escrito. Durante a interminável leitura do manuscrito, Duarte recebe a visita da polícia, que o acusa do furto de uma chinela turca.

TRECHO: A chinela de que se trata vale algumas dezenas de contos de réis; é ornada de finíssimos diamantes, que a tornam singularmente preciosa. Não é turca só pela forma, mas também pela origem. A dona, que é uma de nossas patrícias mais viajeiras, esteve, há cerca de três anos no Egito, onde a comprou a um judeu. A história, que este aluno de Moisés referiu acerca daquele produto da indústria muçulmana, é verdadeiramente miraculosa, e, no meu sentir, perfeitamente mentirosa. Mas não vem ao caso dizê-la. O que importa saber é que ela foi roubada e que a polícia tem denúncia contra o senhor.

4) Na arca (subtítulo: Três capítulos inéditos do Gênesis)

Publicado originalmente em O Cruzeiro de 14 de maio de 1878, sob o pseudônimo Eleazar. Um preâmbulo ao texto, suprimido na versão em livro, foi publicado na revista Confluência no 1 (1991) e reproduzida na edição dos Papéis Avulsos publicada pela Penguin/Companhia das Letras. Paródia ao texto bíblico, dividida em capítulos e versículos. Os filhos de Noé, Sem, Jafé e Cam desentendem-se sobre como dividir a terra após o Dilúvio.

TRECHO: “Eles ainda não possuem a terra e já estão brigando por causa dos limites.”

5) D. Benedita (subtítulo: Um retrato)

Publicado originalmente na revista A Estação de 15 de abril a 15 de junho de 1882, com a assinatura Machado de Assis. História de Dona Benedita, mulher indecisa, que nasceu sob o signo da veleidade, no sentido de “vontade imperfeita, hesitante”. Casada com o Desembargador, que está há alguns anos no Pará, onde, dizem as más línguas, vive amasiado com outra mulher, D. Benedita planeja viajar para visitar o marido, mas não consegue se decidir por embarcar. E assim sua vida transcorre como uma sucessão de indecisões hamletianas.

TRECHO: D. Benedita arredou a cortina da janela, deu com os vidros molhados; era uma chuvinha teimosa, o céu estava todo brochado de uma cor pardo-escura, malhada de grossas nuvens negras. Ao longe, viu flutuar e voar o pano que cobria o balaio que uma preta levava à cabeça: concluiu que ventava. Magnífico dia para não sair, e, portanto, escrever uma carta, duas cartas, todas as cartas de uma esposa ao marido ausente.

6) O segredo de Bonzo (subtítulo: Capítulo inédito de Fernão Mendes Pinto)

Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 30 de abril de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Alegoria sobre a credulidade humana e a propensão a acreditar no charlatanismo. Narrado como um relato do desbravador português do século XVI Fernão Mendes Pinto,[14] que visita o reino de Bungo e descobre o milagroso Bonzo Pomada, capaz de convencer outras pessoas. De fato, uma das acepções da palavra “pomada”, embora hoje em desuso, é “mentira, fraude” (ver dicionários Aulete e Houaiss).

TRECHO: Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é a da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente.
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continua…

Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papéis_Avulsos
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing