sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Aparício Fernandes (Trovas Cirunstanciais) Parte 2, final



 Uma das mais conhecidas trovas deste que escreve estas linhas é a seguinte:
Parti do Norte chorando!
Que coisa triste, meu Deus!...
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!
   Em 1968, após uma ausência de vários anos, voltamos ao Rio Grande do Norte, em gozo de férias. O poeta José Amaral, parodiando a nossa quadrinha, na homenagem que nos foi prestada pela Academia de Trovas do Rio Grande do Norte, recebeu-nos com esta linda trova de circunstância:
Voltaste ao Norte sorrindo,
nós te abraçamos cantando;
— o coqueiral te aplaudindo,
o verde mar te beijando.
 Exemplo da vivacidade dos trovadores sucedeu quando Hebe Camargo entrevistou Anis Murad e Zálkind Piatigorsky, em seu programa na televisão, cujo nome era "O Mundo é das Mulheres". Anis foi cavalheiresco, saudando Hebe desta forma:
Terás, mulher, se quiseres,
o mundo inteiro a teus pés,
porque o mundo é das mulheres
que forem como tu és,
  Lisonjeada, Hebe voltou-se para Zálkind, indagando: "Você também concorda que o mundo é das mulheres?", ao que Piatigorsky rebateu na hora:
Seja, pois, como quiseres,
que dá certo, felizmente:
- este mundo é das mulheres
.. .e as mulheres são da gente!
   No ano seguinte, houve o 1.° Encontro Nacional de Trovadores, realizado ainda na cidade de Natal, O general Umberto Peregrino, então diretor do Instituto Nacional do Livro, convidou alguns dos trovadores visitantes para almoçarem na famosa "Carne Assada do Marinho". Tão gostosa se prenunciava a carne e tão grande era o apetite, que o silêncio reinou na faminta expectativa. Considerando que a poetisa Magdalena Léa não é muito dada a estes silêncios, improvisei esta quadrinha:
Inacreditável cena!
Diante da carne assada,
até mesmo a Magdalena
resolveu ficar calada!...
   Certa vez deparamo-nos aqui no Rio com um mendigo que pedia esmola declamando esta quadrinha:
Ajude este aleijadinho,
mais tem Deus para lhe dar.
Mesmo que seja pouquinho,
eu não posso recusar.
   Perguntamos-lhe se o expediente dava resultado e ele respondeu que sim, mesmo porque tinha "bolado" vários outros versinhos para substituição, quando a trova declamada não estivesse rendendo o esperado. Por solidariedade de classe, demos uma esmola melhorada ao "confrade" mendigo, prometendo que o seu nome — Lourival de Jesus Gonçalves — figuraria em nosso livro.
   Por ocasião de um dos Jogos Florais de Pouso Alegre, homenageando o magistrado e poeta Jorge Beltrão, Adalberto Dutra de Rezende "aplicou" este improviso:
Tua palavra correta
te põe da glória na crista,
como brilhante poeta,
como eminente jurista!
 Há também os casos em que as trovas de circunstância são também trovas de propaganda. Várias delas aconteceram, por exemplo, em dezembro de 1962, quando, a convite da escritora Mariazinha Congílio, vários trovadores estiveram na cidade de Jundiaí e foram convidados a visitar a famosa fábrica de doces Cica. Essa fábrica é de fato algo de notável, pela limpeza e pelo requinte de perfeição que se traduz na qualidade de seus produtos. Diante disto, vários trovadores improvisaram suas quadrinhas. Eis algumas delas:
 De Zálkind Piatigorsky
Um bom paladar se indica
às vezes num simples nome:
- quando ouço falar de Cica,
na verdade sinto fome!
De Admerval Silva de Souza:
Que doces apetitosos
neste lugar se fabrica!
Que seria dos gulosos,
se não existisse a Cica?
De Colbert Rangel Coelho:
Suporta melhor a carga,
que bem mais leve lhe fica,
quem na vida tão amarga
saboreia doces Cica!
De Luiz Otávio:
É a mais pura realidade:
- a pessoa — pobre ou rica —
se tem gosto de verdade,
só prefere o doce Cica!
De Ivo dos Santos Castro:
Verias, meu bem, se fosses
comigo até Jundiaí:
- Cica é a fábrica de doces
mais completa que já vi!
De Raul Serrano:
A vida seria pura
e de alegrias mais rica,
se nela houvesse a doçura
dos doces de marca Cica!
De Aparício Fernandes:
Com tanto carinho é feito,
que logo se verifica:
– é sempre mais que perfeito
qualquer produto da Cica!
  Quando já nos despedíamos, fui brindado com o sorriso amável de uma linda operária, o que deu motivo a mais esta trova:
Que dúvida extraordinária
seu sorriso comunica!
Quem é mais doce: – a operária,
ou o doce que ela fabrica?
  Guimarães Barreto cita uma trova-propaganda de Olavo Bilac, promovendo os fósforos "Brilhante". Bilac cobrou cem mil réis pela trova — o que, na época, era um bom dinheiro. Eis a quadrinha:
Aviso a quem é fumante:
- tanto o Príncipe de Gales
como o Dr. Campos Sales
usam fósforos Brilhante.
   E outra, curiosíssima, de um bicheiro fazendo propaganda do seu jogo:
Jogadores avisados,
o meu palpite, hoje, é
cercar por todos os lados
o macaco e o jacaré.
   Aliás, esta tese foi apresentada no Congresso de Trovadores realizado em Nova Friburgo em 1969 — a Trova, pela sua comunicabilidade e sendo fácil de se decorar, é um elemento de extraordinário valor publicitário, que surpreendentemente     ainda não despertou nos  especialistas   do assunto (sempre à cata de "idéias geniais") a atenção de que é merecedora. Naturalmente, para que     uma trova alcance êxito como fator de promoção publicitária, é necessário que seja feita por um verdadeiro trovador. Versinhos forçados e de "pé-quebrado" jamais adiantariam...
   Muito úteis me foram também as trovas de circunstância quando, no mês de abril de 1970, a convite do Dr. Domingos Vieira Filho, diretor da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, e do meu caro amigo, o dinâmico poeta e trovador Carlos Cunha, Presidente da Academia Maranhense de Trovas, fiz uma palestra na capital maranhense. Os maranhenses são um povo cuja tradição de cultura é algo de muito sério. Sua hospitalidade não fica atrás. Por isso, até banda de música havia na Academia Maranhense de Letras, para a minha palestra. Minhas primeiras palavras foram estas trovas de circunstância:
Minhas senhoras, senhores
presentes à reunião,
meus irmãos, os trovadores
do Estado do Maranhão,
Não espereis um tribuno
de palavras colossais,
pois sou um simples aluno
que aqui veio aprender mais.
Na terra em que Assis Garrido
deu lições de inteligência,
não quero ser presumido,
para fazer conferência.
Por isso, em linguagem destra,
mas sem nada de genial,
vou fazer uma palestra
muito simples e informal.
 A trova são quatro versos,
que nos dão muito prazer.
Os assuntos mais diversos
pode uma trova conter.
Mas antes quero dizer,
com toda sinceridade,
do meu imenso prazer
por estar nesta cidade.
São Luís, em toda parte,
como um sol que se irradia,
será sempre um baluarte
da cultura e da poesia.
Seu próprio nome comprova
esta grandiosa missão:
– pois é um verso de trova
São Luís do Maranhão.
No Rio Grande do Norte,
no Encontro dos Trovadores,
tornou-se muito mais forte
minha amizade aos senhores.
Pois em Natal viu-se o brilho
do Maranhão que se impunha:
- Virgílio Domingues Filho
ao lado de Carlos Cunha!
Quando o Nordeste deixei,
para tentar vida nova,
minha saudade cantei
dizendo em forma de trova:
– Parti do Norte chorando,
que coisa triste meu Deus!
Eu vi o mar soluçando
e o coqueiral dando adeus!...
Hoje eu digo aos maranhenses,
já saudoso e emocionado:
- não partirei totalmente
desse Estado abençoado.
À sombra de uma palmeira,
deixarei meu coração.
E, na hora derradeira,
ao tomar a condução,
Minha esposa e eu diremos,
com imensa gratidão:
– nós jamais esqueceremos
São Luís do Maranhão!
Após vos haver falado
estes versos incolores,
vamos ao mundo encantado
da Trova e dos Trovadores.
  E fiz então a minha palestra, que, aliás, continha vários aspectos da Trova abordados neste livro.
  Como se vê, a trova de circunstância desempenha um importante papel na animação dos encontros trovadorescos. Pena que a quase totalidade delas se perca ao sabor do improviso ocasional.
Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

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