segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Luiz Eduardo Caminha (Caderno de Poemas)

https://nuhtaradahab.files.wordpress.com/2013/09/7bbfc-luizeduardocaminha.jpg 
LIBERDADE, LIBERDADE!

Um caniço na beira do lago, uma voz no deserto, um uivo na escuridão, sei lá, não importa. Não me curvo com o vento, o deserto não me cala (mesmo que ninguém me ouça!), as trevas não me amedrontam. Então: brademos!!!
Liberdade, liberdade!

Não me ponhas normas,
Preceitos, nem regra.
Depois de tanta refrega,
Não hei de obedecer!

Não me imponhas grades,
Grilhões, nem cadeia.
Depois de tanta peleia,
Não hei de me prender!

Não me coloques canga
Ferros, nem algema.
Depois de tanta pena,
Não hei de fenecer!

Não me cales, enfim,
Nem queiras qu’eu fique mudo.
O que sobra do meu mundo imundo,
É o meu jeito de dizer!

Liberdade, liberdade,
Ainda que seja tarde.
Ainda que duvidoso,
O porvir, o alvorecer!

Minha voz é filha do silêncio,
Minha escrita, enteada do vento,
Minha vida é um curso d’água,
Minha vocação, um oceano!


VELEJADOR

Um barco.
Uma vela (branca).
Uma aragem.
Oceano.

Lá se vai,
o poeta velejador!

Um lápis.
Uma folha (em branco).
Um sopro.
Pensamento.

Lá se vai,
velejando o poeta!

Mar.
Vela.
Folha.
Versos.
Tudo se lhe assemelha!

Um remo.
Um lápis.
Um, quase nada.
Outro, quase tudo.


OUTONO

O compasso da vida
Me abre os olhos,
A bruma cobre,
Densa, silente,
O leito do rio,
A roupagem da mata.

A brisa fresca da manhã,
Faz a pele aquecida,
Contrastar com a natureza,
O calor do corpo, da noite.

A vida,
Parte deste ar outonal,
Desperta alegre,
Aos primeiros raios,
Do astro rei.

Num cochilo do tempo,
De repente,
Como se um hiato houvesse,
A névoa some,
A mata descortina seu verde,
É manhã.

O céu azul límpido,
Perpassa à bicharada,
A onda cálida,
Do novo dia.

A sinfônica dos pássaros,
A voz dos bichos,
A melodia das águas,
Serpenteando a corrida do rio,
Misturam-se ao som,
Barulho da cidade.

O tempo passa,
A tribo humana,
Segue seu passo.
A natureza aguarda,
Como mágica,
A volta do crepúsculo,
O sumir do novo dia.


AMIZADE

Uma estrada que acaba,
Num ponto do horizonte.
Um cais que finda, no infinito
Que é mar,
Um feixe doirado refletido. Do sol.
No oceano sem fim,
Uma canoa, um pescador. Solitários,
Solidários navegam.

Como guia o feixe prateado.
Da lua,
O luar.

Tudo, tudo é infinitude,
Tudo, tudo leva. (Todos).
A algum ponto. Distante.
Horizonte de esperança.

Um fio, como se fosse de espada,
Conduz, passo a passo.
Qual equilibrista,
Na corda de arame.

Certeza mesmo, uma só.
Haverá lá no fim,
Alguém.
Um amigo,
Um abraço,
Um ombro,
Um teto a nos colher.

Amizade.
Um meio?

Um fim.

NATAL MENDIGO

Natal lembra um novo rebento,
Esperança que o mendigo sente
Triste alegria que se faz semente
Fé convertida, novo advento.

Natal estrela que lhe alumia
Por mais que lhe sofra a dor parida
Molhe o rosto a lágrima furtiva.
É menino, caminho que nos guia.

Natal é partilha do pão dormido
Que aplaca a fome do desvalido.
É felicidade quase certa.

Até que soe o sino da manhã,
Que volva mendaz a esperança vã.
Sonho vai. O mendigo desperta.


RAÍZES

Que seja ela,
A poesia,
Firme como a árvore.
Embora estática
Finca raízes,
Suga da terra…

E mostra, um dia
Nas folhas e frutos,
A razão que a move.

Que exprima ela,
A poesia,
Como a árvore,
Da seiva, o fruto.
Rabiscos de letras,
Amores e paixões,
No leito virgem, papel,
O seu doce cantar.

Sobretudo,
Que seja ela,
A poesia,
Como a água
Que se move
Corredeira abaixo.
Busca mar oceano,
Onde singram velas,
Horizontes sem fim…

FONTES

Lua cheia,
Estrelas que faíscam,

Sol nascente,
Poente eterno,

Fontes inspiram,
Respiram,
Poesias.


SONHOS

Estás louco poeta?
Queres tu imaginar,
Que o imponderável
Acontece?

Sonha, sonha, oh! Poeta.
Ainda bem que dormes,
Melhor: existes.

E sonhas…
Poesias!

PRENÚNCIO DE VERÃO
Que os ventos de Agosto,
Tão frios cá no Sul,
Tragam breve, a gosto,
O céu de Primavera, azul.

Pássaros a cantar,
Ninhos a fazer, então,
Amores a desbravar,
Prenúncio de verão.


POEMÍNIMO
 

no
sul
é

frio
que


quiçá
saudade
do
verão

é
tão
frio
que
não

pra
mim
mas

um
bom
surf
prá
pinguim

RODA DE VIOLA

O som,
Enche de romantismo,
O ambiente cálido
Da cantina acolhedora.

Lá está ele,
Cinquenta anos após,
A dedilhar as notas
Que lhe mandam o coração.

Olhos cerrados,
Cabeça inclinada,
Violeiro e Violão,
Misturam-se ao transe,
Da plateia; apoteose.

As mãos,
Aquelas mãos cheias de rugas,
Dedos finos,
Mostram um movimento frenético.

O toque suave,
Compasso a compasso
Sobre as cordas do violão,
Embaraçam solos e harpejos,
Maviosa sinfonia.

A seu lado,
Um copo de cerveja,
Um bandolim afinado,
Uma mesa vazia.

A plateia delira,
Canta contente :
Naquela mesa,
Eles sentavam sempre…


P.S.: Homenagem aos anônimos boêmios, a Jacó do Bandolim e a Velha Guarda, que fizeram da música brasileira, o romantismo, que até hoje, embalou tantas décadas.

REFLEXÕES POÉTICAS OU NADA POÉTICAS SOBRE O INVERNO

Inverno 1


Cruel,
Sisudo,
Padrasto.

De mim?

Carrancudo,
Casmurro,
Sofrido.

Teu corpo?

Se amolda,
Me aquece,
Me envolve,
Me cobre.

Só tu,
Mulher,
Podes ser
Meu Sol!


Inverno 2

Frio intenso.

Na estepe
De minha mente
Nada cresce.

Nem mesmo
Um poema –
Que me aquece –
Que me aqueça!!!

Porventura…

Inverno?
Não rima
Com estéril?

Deveria!

É isto
Qu’ele faz:

Até a mente
Tolda,
Congela,
Nada produz!


MÍNIMO

Tu és,
Mulher,
No
Inverno,
Meu
Sol.
Meu
Verão.


AMENIDADES

Coisas boas do Inverno:
Uma cama bem quentinha,
Um ar quente no máximo,
Um café de pelar a boca


Só prá continuar
Debaixo dos cobertores.

Nada disto é melhor
Que a areia leito de uma praia,
Um Sol de verão,
Uma água de coco bem gelada,
De doer os dentes.


Quem gosta de frio e neve
É pinguim, urso polar e esquimó!


LUA INVERNAL
 
Até a lua,
Amante dos boêmios,
Companheira dos notívagos,
Se acoberta;
Agasalha-se de nuvens,
Névoa,
Neblina;
Esconde-se
Do frio gelado.
Mas está lá!
Pronta, à espera,
O poeta sabe.

ORFANDADE

Eu não imaginava
Ficar órfão tão cedo.
Aliás, eu nunca
Imaginei-me um órfão.

Estou nos cinquenta e oito,
Quase cinquenta e nove,
Primeiro meu pai,
Tristeza, melancolia.
Depois um irmão,
Dor, sentimento.
Mas ainda tinha uma mãe.
O fel da dor compensava!

Daí… ela resolveu partir,
Bateu asas
Como um pássaro,
Uma borboleta
Foi ao encontro dos seus,
Do outro lado.

O velho útero,
Sacrário dos filhos,
Já não vivia.
O cordão umbilical
Definitivamente se partira.
Um silêncio ensurdecedor,
Eco de uma ausência.

Foi aí que senti a orfandade.
Ficou fácil entender saudade.
Tão fácil! Tão amarga!
Sem graça, senti-la!

A Hamilton e Edy, meus pais, 1 ano depois que ela partiu para encontra-lo e reverem, juntos, meu irmão!

ESPECTRO

Foto noturna,
Riscos de luzes,
Rasgos melancólicos,
Soturnas lembranças.

Lúgubres sombras,
Espectros famélicos,
Andanças perdidas,
Descoloridas!

Uma tela disforme
Retrata a fome.
Miséria cansada
Da exclusão.

Quem vai parir o amanhã?
Quem vai colorir a vida?
A Esperança? Último grito de Pandora?
Ou a certeza? Dum triste futuro possível?

A argamassa, massa dos pobres,
Pão amanhecido, amolecido
Pelo suor diário de desatinos.
Faina diuturna, sede insaciável
De Justiça… e Paz, enfim!

Um Sepulcro futuro e garantido,
Repleto de sonhos, sussurros,
(Caiado pela hipocrisia)
Resta como digno descanso!


Fonte:
http://caminhapoetando.blogspot.com.br/search/label/meus%20poemas

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