sábado, 8 de agosto de 2015

Aparício Fernandes (Trovas Curiosas)



Se pedissem ao trovador João Rangel Coelho um exemplo de trova curiosa, ele citaria esta, feita por um camarada cuja ignorância era tão grande quanto a sua vontade de ser trovador:
Na vida tudo se acaba,
na vida tudo tem fim:
– morre o cabo, morre a “caba”,
só quem não morre sou mim!…
Todavia, deixando de lado a galhofa, há trovas realmente interessantes, pelas particularidades curiosas que apresentam. Comecemos por uma trova-acróstico. As letras iniciais de cada verso lidas verticalmente, formam a palavra AMOR, que é o tema desenvolvido na quadrinha. É de autoria de Guaracy Lourenço Costa:
Amei alguém – que desdita!
Morri de         tanto sofrer.
Oh, Deus do amor, me permita
reviver, amar, morrer…
Homenageando nosso amigo J. G. de Araújo Jorge, fiz certa vez a seguinte quadrinha:
Amo esse eterno motivo!
– No meu céu interior,
com saudade, a sós, eu vivo
na minha espera de amor!…
Na trova acima, consegui incluir cinco títulos de livros do J. G., que são os seguintes: “Amo”, “Eterno Motivo”, “Meu Céu Interior”, “A Sós” e “Espera”.
Paulo Edson Macedo (ou Edson Macedo, como às vezes assina as suas produções) fez uma trova só de verbos, usando sempre a 1a. pessoa do singular:
Vivo, penso, sinto, falo;
temo, luto, venço, clamo;
vejo, creio, sonho, calo;
sofro, quero, choro, amo…
Curiosa também é esta trova, que um espírito ferino dedicou a Carlos Lacerda, então Governador da Guanabara, depois de uma violenta elevação de impostos:
 
Mais impostos ele aprova!
E por falar em Lacerda…
Ora, bolas! Esta trova
vai mesmo ficar sem rima!…
Nosso prezado amigo Félix Aires, que tem paixão pela originalidade, resolveu fazer uma mistura de trova e expressionismo gráfico, na qual os repetidos pontos de exclamação interpretam visualmente as velas acesas a que se refere o poeta:
No templo das ilusões
vejo uma flor no altar
e acendo as exclamações:
– minhas velas!!!!!!!! de sonhar.
Em nossa opinião, se o nosso caro Félix tivesse se lembrado de por as exclamações de cabeça para baixo, a imagem ficaria mais fiel…
O poeta santista Dilceu do Amaral, desejando adquirir nossa coletânea “Trovadores do Brasil”, enviou-nos certa vez a seguinte trova:
Caro Aparício Fernandes,
tu, que tens sido gentil,
peço, amigo, que me mandes
“Trovadores do Brasil”.
Usar nomes de pessoas numa trova quase sempre indica falta de recursos do autor, principalmente quando o nome próprio figura no fim do verso, para facilitar a rima. Fugindo à regra geral, Belmiro Braga, jogando com vários nomes próprios, escreveu uma trova muito bem feita e original:
Eu morro por Filomena,
Filomena por Joaquim,
o Joaquim por Madalena
e Madalena por mim.
Conheci também um trovador que mandou fazer um cartãozinho com esta trova-cantada, que “aplicava” sempre, nas ocasiões propícias:
Para que você aprove
nosso programa depois,
basta discar: quatro-nove,
zero-zero-cinco-dois.
Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

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