Ergo olhar deslumbramento
vejo anjos sobre cabeças humanas
dentro da catedral;
Anjos de ferro negro,
esculturas na arquitetura
de formas quase profanas
a romper tradição.
Não desabe ó figura
milenar, tu que estás
bem sobre mim ,
que não rezo orações prontas
e somente sei usar
o verbo molhado em pranto
ou a metáfora cheia de luar.
(…)
Que desabem
sobre as cabeças dos poetas
os passarinhos em alarido
dentro de um mercado,
a parecer kamikaze,
suicida em massa,
ao jogar-se do teto ao chão
apenas para bicar migalhas.
São nosso retrato:
livres, sem sermos canalhas,
videntes com olhos cheios de palhas
a pre/dizer os tempos,
cada fato envolvido
no pacote dos tesouros,
crianças e sábios a um mesmo tempo,
a chamar atenção pelos voos
inusitados.
(…)
Prefiro os pássaros vagabundos
das ruas e das igrejas,
mercados e sinais.
Não são artes singulares e belas
nem enfeites de catedrais:
os anjos passarinhos
de Brasília
estão presos a cabos
e suspensos
sobre nossas cabeças
a lembrar talvez pecados ,
talento, criatividade embora.
Já os pássaros – anjos
desde o Egito antigo
têm a missão de carregar almas
entre a vida terrena
e a morada dos deuses.
–
ALEGORIA DAS
PALAVRAS SOLTAS
Que as mãos dos poetas
libertem as palavras de conceitos e
preconceitos antigos.
Que a voz dos poetas entoe cantos
inusitados
e muitas vezes inaudíveis aos demais.
Mas que sejam sempre palavras
olorosas,
a perfumar os poros dos amados e dos
amigos.
O que vier a mais, será benesse e
lucro, e dividendo
mais importante que a glória
e a libertação do proprio menestrel.
Que os versos sejam livres, com
palavras soltas,
a resignificar todas as im/possíveis
metáforas!
–
PALMEIRA
SOLITÁRIA
para Luiz Lyrio, in memoriam
Do alto, para onde cresce
em busca do azul absoluto,
a palmeira (quase) antiga,
bela e conformada,
vê passar o tempo.
Suporta intempéries e poeira
rebrilha rocio ao sol,
na terra das gemas.
Um dia, voltará ao pó
e renascerá no ciclo da vida.
A ESSÊNCIA
DOS POETAS
De metáforas alimenta-se o poeta
mas também dos olores mais
fragrantes.
faz das eternidades,
meros instantes,
quando voa nas asas das alegorias…
Mas de denúncia também vivem os seus
versos
pois sensível qual bolha de murano
destinada á beleza singular,
aquecido pelo fogo da justiça,
consome-se em seu próprio Gibraltar,
divino e humano,
mero e avatar.
O poeta tem nas mãos,
os segredos da sacra escrita,
consagrada aos deuses da Beleza,
mas também ergue o dedo acusatório:
brilha de indignação seu anular,
pois é humanista, artista, esteta
e sabe colocar-se no lugar
de seu semelhante…
O poeta escreve sobre seus sentires
e sobre os sentimentos alheios.
Sussurra ou brada, conforme a
acontecência,
mas é sempre emissário da
quintessência
que muitas vezes
nessa Terra não encontra lugar…
IMPRESSÃO
A terra é mais que amante-amada:
sem ela o tudo cotidiano
vira um quase nada…
Com ela, um mínimo amplia-se
parecendo a maior riqueza do universo
na transmutação dos ciclos…
–
DE UM SONHO
Do sonho entressonhado
entreaberta flor
de mil pétalas
holopetalar
traduz-me as sutilezas
e multiplicações
da Palavra…
Cheiro os cheiros,
coloro as cores,
abro o entreaberto
e chego ao self
das revelação.
Ao poeta é permitido sonhar
e sonhando desvendar
o segredo
–
PASSAGEM
A Gonçalves Dias
Poeta -saudoso, agônico, voltas à
terra natal
Frágil, trêmulo, febricitante,
Mas com relembranças fortes
A plenificar-te a alma de energia
Embora estejam enfraquecidas as
esperanças…
Queres chegar a São Luiz do Maranhão,
Chegar e andar pelas ruas estreitas,
Pelas calçadas de pedras,
Da ilha de praias singulares
Cujo areal extenso
É lambido pelo mar cor de rio,
Cuja extensão vai dar nas terras de
Portugal…
Queres rever pessoas, ouvir os sons
Dos sinos das igrejas, da siringe dos
sabiás festivos
Que não esqueceste em teu exílio.
A mulher amada acode-te em teu
delírio,
a rememória faz-se musa e te inspira
versos
que não mais escreverás…
Um piedoso anjo de cristal,que parece
orvalho,
Cheirando a rosas e à maresia,
Faz com que olvides as razões de teu
martírio
Pela separação cruel e indevida
Da mulher amada…
Que culpa tens por teu sangue a
correr nas veias
Brasileiras, é mestiço,a gerar tantos
preconceito .
Súbito, a vida se esvai, a breve vida
As águas em movimento, frias ao teu
corpo ardente
Sereias de prata conduzem-te ao
Absoluto,
O desconhecido –assustador, por
ignoto,
Até que se chegue aos portais dessa
outra dimensão.
Teu anjo Estelar, que tantas vezes
desceu à Terra
para consolar-te e enxugar-te as
lágrimas,
ampara-te, e tomando-te pela mão,
leva-te ao gênese de tua essência,,
pelo túnel pleno de magnífica
luminescência…
As asas angelicais, energia em
movimento,
Criam mil arco-íris deslumbrantes, o
que te encanta na passagem…
Percebes que enfim, estás livre
De qualquer sofrimento e provação
Não tens cor-de pele que te torne um
rechaçado,
Carne alguma, cuja carnação de mulato
Marque tua destinação!
Nada que te faça um auto-exilado…
Súbito, ouves risos e canções.
Outros poetas estão à tua espera,
Gonçalves Dias.
Ajudam-te, dizem-te teus próprios
versos e os deles,
Convincentes de que todos os bardos
são iguais de alma
Abraçam-te, cordifraternalmente.
Nem em todas as tuas fantasias,
Te imaginaste assim, igual entre
iguais,
diferente entre diferentes,
quais o são todas as criaturas de um
mesmo Criador…
Percebes que nesse mundo , não há
preconceitos
E que aqui, experimentarás um espaço
de estar para ser…
Leve, em pianíssimo, , sentindo uma
felicidade inusitada
À tua vida antes atribulada,
tributada
de preços que não podias pagar,
deixas-te conduzir ,em agonia agora.
Seria o fim, mas é um recomeço
Afinal, poetas não devem morrer
-não se sua Poesia permanecer
Após sua délivrance ao contrário.
Para sempre, teus versos serão
lembrados,
Enquanto houver sabiás, enquanto a
serpente dormitar
Enroscada no contorno da Ilha .
Teus poemas são o retrato de teu
talento,
De teu perfil, de tua história…
O mar foi o derradeiro abrigo de teu
corpo.
A alma…continua em expansão!
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